sábado, 8 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Marco Antonio Villa

Não custa imaginar o escândalo que o PT faria - caso estivesse na oposição - se um presidente, ao final do mandato, levasse para casa 11 caminhões com presentes recebidos no exercício do cargo, Denunciariam até a exaustão o caminhão "climatizado" lotado de bebidas, os mais de 100 ternos que Lula levou para casa (e que foram pagos pelo erário), os vestidos de dona Marisa, etc, etc. Mas a sorte de Lula (e várias vezes escrevi que ele é um homem de sorte) é que a oposição está de férias. Afinal, foi muito ativa nos últimos 8 anos.

Não podem ser esquecidos também os passaportes diplomáticos para o neto (é interesse do país?) e do bispo da Record/Universal.

É importante destacar o silêncio das "autoridades". Será inevitável para Lula ter de responder, quando der a primeira entrevista (e que não vai tardar), sobre estes fatos. E não tem mais o cargo como instrumento de coação, nem a estrutura de "comunicação social" (muito pior que o DIP) montada por Franklin Martins.



Marco Antonio Villa, Blog do Villa, 7 jan. 2010.

Mudança de qualidade:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Tudo indica que com o programa de combate à pobreza extrema, que incluirá o Bolsa Família, estamos entrando em uma segunda fase dos programas assistenciais do governo petista, na qual o objetivo maior é mudar a capacidade produtiva das famílias abrangidas, dando um tratamento diferenciado para cada ambiente em que elas estejam, talvez com microcrédito nas áreas rurais ou qualificação profissional nas áreas urbanas.

A definição do que seja a "pobreza extrema" e a localização dessas famílias para serem integradas aos programas assistenciais já existentes são passos complexos, mas é interessante notar que a ideia central de ter metas e objetivos quantificáveis, e uma gestão multidisciplinar, é uma mudança de paradigma na gestão desse tipo de programa.

O importante é fazer com que as famosas "portas de saída" dos programas sejam acionadas, superando um dos defeitos mais graves do Bolsa Família. Elas foram menosprezadas pela administração do ministro Patrus Ananias, que considerava mais importante a ampliação do programa do que o cumprimento das chamadas condicionalidades - comparecimento à escola e exames de saúde da família.

Como resultado, ninguém planejou a saída dessas famílias para o mundo produtivo, e na verdade estava havendo uma distorção: o governo comemorava quanto mais ampliasse o Bolsa Família, quando, ao contrário, teria que comemorar a redução do programa assistencialista, sinal de que as famílias estavam entrando no mundo produtivo.

Se o governo Dilma conseguir encaminhar o novo programa-guarda-chuva nesse sentido, estaremos no caminho certo. Já há vários estudos entre os pesquisadores, tanto do Ipea quanto da Fundação Getulio Vargas, sobre o que deveria ser o que o economista Marcelo Neri chama de Bolsa Família 2.0, que teria como uma parte importante a melhora da oferta da qualidade das políticas estruturais tradicionais, com saúde e educação ocupando lugar de destaque.

Quando apresentou a proposta, o novo governo pegou como exemplo de modelo de gestão o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, que continua sendo a menina dos olhos da presidente Dilma.

Seria uma maneira multidisciplinar de encarar as reformas estruturais na infraestrutrura, como saneamento básico, como parte da política de saúde.

Também teria que ser buscada, na visão de Neri, uma focalização cada vez mais eficaz do programa, de maneira a combater alternativas como os reajustes do salário mínimo e a universalização incondicional da renda mínima.

Outro pesquisador envolvido com o Bolsa Família como um de seus idealizadores, o economista Ricardo Paes e Barros, do Ipea, considera fundamental, além da melhoria da educação e da saúde, ter programas de inserção no mercado de trabalho.

Quanto à focalização do programa, Paes e Barros é realista quando fala dos desvios de alvo encontrados nos cadastros do Bolsa Família: "É natural que só 80% ou 90% dos benefícios cheguem ao objetivo final", disse-me ele tempos atrás.

Mas a grande vantagem do Bolsa Família, segundo ele, é que o programa conseguiu fazer com que 70% dos pobres brasileiros fossem incluídos. Comparado com todos os outros programas que se tentaram fazer no país para atender a população pobre - seguro-desemprego, tíquete-restaurante, vale-transporte - o Bolsa Família é de longe o mais bem focalizado.

Um ponto crucial é o da melhora na qualidade da educação, e uma das propostas de Marcelo Neri é usar "incentivos pecuniários" para que as crianças fiquem mais tempo nas escolas e se motivem a melhorar o aprendizado.

Os incentivos deveriam ser para que as crianças "melhorarem de nota", e não estabelecer "o nível das notas", esclarece Neri.

Como Ricardo Paes e Barros ressaltou em entrevistas, o governo deveria proporcionar condições para que os componentes da classe de extrema pobreza tivessem financiamento ou qualificação profissional, dependendo das necessidades específicas.

Marcelo Neri fala em melhorar o acesso a mercados de bens e financeiros, ampliando a fronteira creditícia aos pobres e informais.

O economista e banqueiro de Bangladesh Muhammod Iunus, o chamado "banqueiro dos pobres", que em 2006 ganhou o Prêmio Nobel da Paz, é um modelo citado para dar uma espécie de choque de capitalismo nos pobres.

A associação do acesso a crédito ao Bolsa Família seria uma operação viável e muito mais barata, pois instituições como a Caixa Econômica Federal têm o cadastro dos beneficiários do Bolsa Família, e todos os custos fixos para executar boa parte deles já foram incorporados na própria instituição do programa.

A nova visão dos programas assistenciais serviria para estimular as famílias a usar os serviços públicos, e os investimentos do governo deverão ser também direcionados para a melhoria física das escolas, dos postos de saúde, no pressuposto de que muitas vezes é melhor usar o dinheiro para melhorar a qualidade dos serviços daquela comunidade do que diretamente nos programas assistenciais.

É, como se vê, uma mudança de visão dos programas assistenciais do governo, no caminho da emancipação dos que hoje dependem deles. Uma visão menos politizada e mais consequente.

A oposição política:: Cesar Maia

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A oposição aos governos se dá de três formas.

A primeira é a clássica oposição ideológica, em que um partido se opõe ao governo por suas ideias (esquerda-direita, liberalismo-socialismo...). Era a oposição clássica nos séculos 19 e 20. Aponta a sua própria base eleitoral. E tende a afirmar a base ideológica do governo.

A segunda é a função constitucional de fiscalização e legislação. Aqui, a oposição procura destacar os desvios constitucionais, a conduta do governo e as contradições entre o que diz e o que faz e separar propaganda da realidade.

É como uma guerrilha política, parlamentar e judicial, que desgasta progressivamente o governo por seus desvios, afetando a sua imagem.

A terceira forma é a mais importante do ponto de vista político-eleitoral e a mais abrangente, pois amplia a base de apoio da oposição. Depende das circunstâncias, e não da vontade da oposição.

Numa conjuntura de problemas que enfrente o governo (econômica, moral...), a oposição deve estressar os problemas e estender, no tempo, o debate sobre eles.

Mas não é a oposição que os cria.

Para isso, deve estar atenta aos problemas no nascedouro e dar oxigênio para a opinião pública e a imprensa.

Os valores, por exemplo, cabem na primeira forma, mas podem surgir na terceira.

A questão do aborto no Brasil em 2010 é um exemplo. Era questão fora do debate.

Mas o PNDH-3 reabriu a discussão. A oposição chegou atrasada, e o tema veio de baixo para cima, pelas igrejas. Transformou-se em "hit" da terceira forma em 2010 e reforçou a identidade conservadora.

Nos EUA, os republicanos em 2009/2010 mostraram maestria ao trabalhar nas três frentes: ideológica, parlamentar e conjuntural, explorando os pontos frágeis de Obama e a economia. A vitória foi tripla.

Exemplo da segunda forma são as sistemáticas invasões de competência do Executivo sobre o Senado, em que a oposição tem se mantido passiva.

As questões temáticas (saúde, segurança, educação...) devem ser tratadas simultaneamente nas três formas. Por exemplo, as políticas públicas relativas à regulamentação da emenda 29 na saúde, os resultados pífios da educação, o aumento da violência.

2011 anima a oposição. Os problemas de gestão política serão inevitáveis num governo montado por cotas. Virão ampliados num ano frágil economicamente, vis a vis a lembrança do mito. Abrem um amplo espaço à oposição.

Se fatos passam a ter cobertura da imprensa em forma de campanha, mais fácil será multiplicar em direção à sociedade e galopar os espaços abertos. E a artilharia deve ser sistemática e diversificada, à moda europeia. Nunca se sabe qual é o "tipping point".

Utopia ou projeto político? :: Marcelo Mário de Melo

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

São muito comuns, em rodas de militantes e ex-militantes, geralmente participantes da luta contra a ditadura de 1964, as afirmações sobre a importância da utopia como fermento indispensável à mobilização popular em torno de transformações que levem à justiça social. Ou, ao menos, a um alargamento de oportunidades que reduza substancialmente o quadro das injustiças e desigualdades atuais nos terrenos político, econômico e social.

Discordo de tal formulação. Utopia, etimologicamente, é o não lugar, o não existente. E simbolicamente representa a prefiguração de um modelo ideal de perfeição, como o céu dos católicos ou a sociedade comunista idealizada como paraíso terrestre. Utopia alimenta tirania. Os arautos da utopia se arrogam à condição seres superiores, verdadeiros arcanjos, acima dos controles dos simples mortais. Psicologicamente, a utopia funciona como uma tábua de salvação romântica para quem viu cair por terra projetos políticos salvadores e não divisa a construção de outros, considerando as velhas exigências e as novas realidades. Preferencialmente, projetos mais realistas e menos utópicos.

Não se diga que a ausência de grandes mobilizações populares, nos dias atuais, decorre da ausência de utopia. Porque as mobilizações do passado não se deram pelas interferências ou virtudes dessa carcomida senhora. O envolvimento de parte da população brasileira na defesa das "reformas de base" propostas no pré-64, não se deu por aderências utopistas, mas por identificação de interesses e um trabalho de agitação e propaganda e elaboração intelectual que vinha desde a redemocratização de 1946. A questão da reforma agrária sensibilizava largas parcelas da população rural. A reforma educacional atraía os estudantes, que não dispunham de nenhuma representação na estrutura universitária. Os cabos e soldados das Forças Armadas se mobilizaram pelo direito de votar e realizar o casamento civil. Os analfabetos queriam ter o direito de voto para influir na ampliação das suas conquistas. Segmentos empresariais tinham interesse em políticas protecionistas e no alargamento do mercado interno.

Questões como a queda do socialismo real, o esgotamento da social-democracia na Europa, a derrota dos movimentos guerrilheiros, atingiram os círculos comunistas, socialistas, esquerdistas e democráticos como problemas político-ideológicos, político-psicológicos e, até, político-psiquiátricos. Mas não afetaram as massas com essa conotação. Porque isto é uma problemática dos círculos de vanguarda, da intelectualidade, da militância. Que se encanta por teses, produz documentos políticos, funda partidos, faz congressos, forma tendências e promove rachas. As massas se mobilizam centradas nos seus interesses concretos, ligados à sobrevivência nos diversos níveis. Assim se aproximam das vanguardas. Quando estas deliram ou se descolam dos seus interesses, elas, simplesmente, se afastam e as deixam seguir sozinhas a sua viagem - ou a sua utopia. Às vezes, apostam suas fichas em salvadores da pátria ou demagogos de plantão. É assim que as coisas funcionam. Pragmaticamente. Sem utopia nenhuma.

O convencionalismo político expresso da hipertrofia da atuação eleitoral e na governabilidade a qualquer preço está impedindo a utilização de vertentes de pressão popular que poderiam inclinar a balança para o aprofundamento democrático, o aprimoramento das instituições republicanas e o revigoramento da representação civil em todos os níveis.

Novas realidades políticas, econômicas, sociais, demográficas e comunicativas apontam para as possibilidades de novos caminhos, permitindo a construção de um programa de mobilização popular sensato, sensível e fundado nos interesses reais das massas. É fundamental que essas realidades aflorem nos rincões da militância. É disto que necessitamos. E não de novas utopias salvadoras.

Precisamos romper com o pensamento utópico e fazer um esforço de atualização. Rejeitando as teias do trio tenebroso: mito, dogma e utopia. Numa atuação política que conjugue os olhos abertos, os pés na terra e o espírito revolucionário.

» Marcelo Mário de Melo é jornalista

A inflação mostra força:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Por duas vezes, no seu discurso de posse, a presidente Dilma Rousseff reafirmou seu compromisso com a derrubada da inflação. Os números de dezembro mostram que o governo precisa agir com vigor para evitar que os preços disparem em 2011.

Ao longo do ano passado, o ministro Guido Mantega tudo fez para tirar importância da alta de preços. Seu objetivo foi evitar que o Banco Central engatilhasse o trabuco da elevação dos juros. Mantega insistiu no diagnóstico de que a disparada de preços teve como causa choques de oferta de alimentos. Foi, dizia ele, excesso de chuva que prejudicou a produção de tomate e a surpreendente quebra de safra que produziu "a inflação do feijãozinho". O que Mantega pretendia dizer é que não seria nova subida dos juros que garantiria mais tomates ou mais feijão na mesa do consumidor. Tudo o que teria de ser feito era esperar para que a oferta se restaurasse e os preços voltassem ao normal.

Ao ministro não se pode negar certa dose de razão. Toda a esticada de preços dos alimentos teve um componente de choque de oferta. Além dos casos mencionados, a alta internacional do trigo, acompanhada pela da soja e do milho, teve a ver com estiagens nos países produtores, como Rússia e Argentina. E a alta dos preços da carne foi também causada pela excessiva liquidação de matrizes há dois anos.

No entanto, em nenhum país importante do mundo houve esticão tão forte como o que houve por aqui. Os dados do IBGE mostram que 3,18 pontos porcentuais da inflação, que em 2010 foi de 5,91%, deveu-se ao salto dos preços dos alimentos. O feijão subiu 51,5% e a carne, 29,6%. Essa disparada foi também responsável pelo reajuste de 10,6% nos preços das refeições fora de casa.

É que o sujeito não tropeçou apenas porque havia uma pedra no seu caminho; tropeçou, principalmente, porque estava bêbado. Ou seja, os preços dos alimentos subiram tudo o que subiram em 2010 também e especialmente porque as despesas públicas aumentaram demais, criaram renda demais e puxaram o consumo demais.

Um forte componente dessa inflação tem a ver com a frouxidão da política fiscal adotada pelo governo com objetivo de lubrificar a máquina eleitoral.

Isso significa que é preciso, sim, combater a inflação de demanda que está minando o poder aquisitivo do trabalhador, como admitiu a presidente Dilma. O governo não pode contar mais com a queda da cotação do dólar, que barateia o produto importado. Nem com a persistência de uma baixa inflação nos países ricos. Ao contrário, a retomada da atividade econômica nos Estados Unidos e o forte consumo nos países asiáticos indicam que 2011 será um ano de mais pressões sobre os preços dos alimentos e matérias-primas.

O combate à alta de preços terá de se concentrar no uso de dois instrumentos de política econômica: austeridade na administração dos gastos públicos e aperto monetário (elevação dos juros).

As notícias de que o governo já admite reajuste do salário mínimo acima do nível anteriormente definido mostra que a disposição de apertar os cintos não é tão firme como pareciam indicar as declarações oficiais. Quanto aos juros, saberemos qual será a determinação do Banco Central na próxima reunião do Copom, dia 19.

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Ontem, as bolsas tiveram um dia ruim, como mostra o gráfico. O comportamento do mercado de trabalho nos Estados Unidos (payroll) continua insatisfatório. "A esse ritmo serão necessários cinco anos para normalização do mercado de trabalho", disse Ben Bernanke, presidente do Fed (o banco central americano).

Cada vez pior

Mas não foram apenas os problemas com o desemprego nos Estados Unidos que puxaram os mercados para baixo. Foi, também, a percepção de que a situação fiscal da área do euro continua em deterioração.

Depois da festa:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O comércio continua otimista, mas teme dois inimigos em 2011: a inflação e os juros. O aumento dos preços pode tirar renda das famílias, e a alta dos juros encarece o crédito e afeta o humor dos empresários.

As vendas na semana do Natal de 2010 foram 15% maiores que em 2009. O movimento nos shoppings continua forte, com queimas de estoque. A economia continuará crescendo, mas há mais cautela no ar.

Quem paga aluguel pode perder um bom pedaço de sua renda por causa da alta do IGP-M. Nem todos os contratos têm esse índice de atualização, mas os que tiverem terão que amargar um reajuste forte no preço.

Ele fechou o ano em 11,32%.

Quer dizer que uma pessoa que paga R$ 1.000 de aluguel passará a pagar R$ 1.113. Em um ano, o gasto extra no orçamento dessa família chegará a R$ 1.358, que seria suficiente para a compra de uma TV de LCD — uma das recordistas de venda — em prestações fixas em 12 meses.

O melhor caminho neste caso para o inquilino, o proprietário, e a economia será a negociação por um reajuste menor.

Grande parte da alta dos IGPs é resultado da elevação dos preços de matériasprimas, que subiram por pressão da demanda chinesa, ou por especulação no mercado futuro de commodities.

O inquilino acabará pagando essa conta.

Outros pagadores serão os governadores, porque o IGP corrige as dívidas dos estados com a União. Nos índices de preços ao consumidor, o que mais pesou foi a inflação de alimentos, preços sobre os quais a ação do Banco Central tem menos impacto. Eles sobem por problemas climáticos em grandes países produtores de grãos, como a Austrália.

O economista Luiz Roberto Cunha acha que em 2011 os alimentos continuarão sendo uma fonte de pressão inflacionária.

Mas, independentemente das causas, a inflação corrói a renda das famílias.

— Em 2011, quem vive de aluguel gastará um percentual maior de sua renda com isso. Vale lembrar que em 2010 isso não aconteceu, porque os IGPs fecharam com deflação — disse o assessor econômico da Serasa Experien, Carlos Henrique de Almeida.

Almeida ainda não vê indícios de desaceleração no consumo e acredita que o índice de inadimplência medido pela Serasa — de volume de atrasos nos pagamentos — continuará em alta nos próximos meses: — O comércio teve crescimento na semana do Natal de 15,5% em relação a 2009.

O consumidor se endividou mais. No início do ano, ele terá gastos extras com impostos, seguro de automóveis, gastos com educação.

A situação este ano também é diferente de 2010, com crescimento menor tanto do PIB, quanto da renda e do crédito. O nosso indicador já mostra um aumento da inadimplência nos últimos seis meses, a tendência é que isso continue.

O maior receio do comércio, segundo o superintendente de Economia e Pesquisa da Fecomércio- RJ, João Carlos Gomes, está no aumento de juros.

Com a alta da inflação, a taxa Selic pode subir já na reunião do Copom dos próximos dias 18 e 19. Gomes explica que o impacto sobre o comércio não será imediato, ou seja, via encarecimento das parcelas nas compras a prazo, mas pelo efeito que a alta dos juros pode ter na confiança dos empresários.

— Subir muito os juros significa piorar a expectativa dos empresários, num primeiro momento. Depois, afeta os investimentos, e, por fim, o emprego. O tranco não pode ser grande. Se isso acontecer, o emprego será afetado lá na frente e o comércio também — explicou.

Gomes compara a situação atual do Brasil com a dos Estados Unidos. Lá, a economia cresce, mas cria pouco emprego. O empresário está descrente e prefere aumentar a produção via horas trabalhadas e contratação de temporários.

Aqui, ao contrário, o momento é de forte otimismo, com a criação de empregos formais. Ele teme a alteração nesse quadro.

— O que está sustentando o comércio continua sendo o mercado de trabalho, o aumento da renda e também a permanência das pessoas em um mesmo emprego. Mexer nessa dinâmica pode trazer problemas. Por isso, a política fiscal é muito importante porque se os gastos do governo não forem contidos, o BC ficará enxugando gelo. Todo mundo tem que fazer a sua parte — explicou.

O presidente da Abecs (Associação Brasileira das empresas de cartão de crédito e serviço), Paulo Rogério Caffarelli, diz que está aumentando muito o uso de cartões e caindo o uso de cheques, o que, na visão dele, reduz os riscos para os lojistas. Em 2010, o setor emitiu 628 milhões de novos cartões, incluindo crédito, débito e de redes e lojas, o que representa um crescimento de 11% em relação a 2009. As transações subiram 16%, enquanto o faturamento disparou 21%, chegando a R$ 538 bilhões.

— Temos crescido a uma taxa de 20% ao ano, nos últimos dez anos. Há um trabalho enorme de educação financeira sendo feito para as classes C e D, e isso tem se refletido nos índices de inadimplência, que se mantêm baixos, pelos dados do Banco Central — disse.

Adriana Colloca, gerente de pesquisa e assuntos econômicos da Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers), acredita que as vendas nos shoppings devem crescer mais de 10% em 2011, mesmo após uma alta superior a 15% em 2010. Cerca de 26 shoppings novos serão inaugurados. E o fluxo de pessoas permanece alto neste começo de ano.

A economia continua crescendo, o crédito vai continuar se expandindo, ainda que em ritmo menos acelerado.

No entanto, os empresários temem os efeitos da inflação e do uso do remédio para combater a alta dos preços: a taxa de juros.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Alta no preço da comida faz da inflação a maior em 6 anos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No último ano do governo Lula, índice ficou acima do centro da meta, apontando para alta da taxa de juros

A inflação oficial atingiu em 2010, último ano do governo Lula, o maior nível em seis anos. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 5,91%, acima do centro da meta estipulada pelo Banco Central (405%) e superior à taxa de 2009 (4,31%). Segundo o IBGE, os alimentos foram responsáveis por 40% do IPCA - os preços subiram 10,39%, mais do que o triplo do apurado em 2009 (3,18%). Analistas dizem que o cenário para 2011 é preocupante e apostam em alta da taxa básica de juros, atualmente em 10,75%, na próxima reunião do Copom, neste mês. A previsão é de que o aquecimento do consumo interno deve continuar a elevar os preços de alimentos e serviços.

Hipermercados fazem guerra de preço de comida

Campanha iniciada pelo Walmart é rebatida por Extra e Carrefour, com redução nos valores de produtos alimentícios

Márcia De Chiara

A disparada dos preços dos alimentos virou mote de vendas para as grandes redes de supermercados neste início de ano. Além das tradicionais liquidações de janeiro de geladeiras, TVs e máquinas de lavar, por exemplo, os supermercados iniciaram uma guerra de preços de comida este mês.

O estopim ocorreu na quarta-feira, quando o Walmart, terceira maior rede varejista do País do setor de supermercados, anunciou uma nova política comercial, com a redução de até 20% nas cotações de 2 mil itens, a maioria alimentos, por período indeterminado.

No dia seguinte, a rede Extra, do Grupo Pão de Açúcar, líder do setor supermercadista, rebateu a concorrência e anunciou, num encarte de jornal, cerca de 20 produtos, entre alimentos e itens de limpeza, com preços em promoção. A campanha foi além das ofertas e provocou o rival com a frase: "Preço baixo todo mundo diz que tem. Agora, mais barato é no Extra".

Já a reação do Carrefour foi mais discreta. A rede se limitou a espalhar cartazes pelas lojas, reforçando a ideia de que "ninguém bate o precinho Carrefour" e que a empresa cobre qualquer oferta anunciada pelo concorrente.

Um levantamento feito pelo Estado ontem, nas lojas do Walmart do Pacaembu, do Extra da Freguesia do Ó e do Carrefour do Limão, mostra que há um movimento dos hipermercados para cortar preço de comida.

De 12 alimentos básicos escolhidos aleatoriamente, como arroz, feijão, carnes, óleo de soja, açúcar, café, açúcar, macarrão e leite, a reportagem constatou que o Walmart oferecia ontem os preços mais baixos que os concorrentes em sete itens. O Extra tinha preços menores em três produtos e o Carrefour em apenas dois itens.

José Rafael Vasquez, vice-presidente comercial do Walmart, disse que a sua rede perde para os concorrentes em cinco itens porque eles fizeram movimentos promocionais de corte de preços. "A nossa política é de preço baixo todo dia, não por um dia X", provocou o executivo. Ele contou que a empresa negociou com os fornecedores cortes de preços, retirando verbas de promoção e de marketing que encareciam os produtos.

"Estamos retirando as ineficiências da cadeia para aumentar os volumes vendidos e a indústria gostou da ideia", disse Vasquez. Segundo ele, as negociações com os fornecedores começaram em abril do ano passado, muito antes da disparada da inflação dos alimentos.

José Roberto Tambasco, vice-presidente executivo do Grupo Pão de Açúcar, rebateu a concorrência e afirmou que o corte de preços do Walmart não foi "tão radical" como o anunciado pela empresa. Ele pesquisou as cotações dos 2 mil itens antes e depois da nova política comercial do concorrente e constatou que a redução média foi de 5%, e não de 15% a 20% como anunciada. "Teve preço que até subiu", disse o executivo, que mantém a política de ações promocionais.

Inflação. "A inflação dos alimentos virou hoje uma oportunidade de venda para as grandes redes", afirmou o presidente do conselho do Programa de Administração de Varejo (Provar), Claudio Felisoni de Angelo. Ele compara a estratégia das empresas varejistas de reduzir preços promocionalmente à tática do "leve três e pague dois" ou de fixar preços terminados em 0,99 centavos para que o consumidor tenha a impressão de que está gastando menos.

A alta dos alimentos foi o grande fator de pressão da inflação no ano passado e fez com que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechasse 2010 em quase 6%, 1 ponto e meio acima do centro da meta (4,5%).

Martinho Paiva Moreira, diretor de Economia da Associação Paulista de Supermercados (Apas), explicou que os supermercados estão repassando para o consumidor neste início de ano a desaceleração nos preços de várias commodities no mercado internacional.

"Trata-se de um ajuste sazonal e transitório nos preços dos alimentos", afirmou o sócio da RC Consultores, Fabio Silveira. Para o economista, a comida deve continuar pressionando o custo de vida do brasileiro nos próximos três meses. Ele fez esse prognóstico levando em conta que as cotações de commodities agrícolas importantes, como açúcar, soja, café, milho e trigo, estão subindo no mercado internacional e devem ter impactos nos preços domésticos em breve.

MST invade 3 fazendas e ameaça com novas ações

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Maria Tomazela

Militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) invadiram três fazendas em São Paulo entre quarta-feira e a madrugada de ontem para pressionar o governo a acelerar a reforma agrária. Em carta aberta, o MST ameaça com novas ações. "Ou faz a reforma agrária, ou o bicho vai pegar."

A jornada de ocupações, iniciada na terça-feira com a invasão do escritório regional da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) por 300 integrantes, já mobilizou 1.250 famílias. A Fazenda Rancho Alegre, em Castilho, foi tomada por 400 famílias. Em Cafelândia, 200 sem-terra invadiram a Fazenda Bertazzoni. No município de Serrana, foi ocupada a Fazenda Martinópolis, mas, por ordem da Justiça, policiais militares já cumpriam a liminar de reintegração de posse.

Trégua. Na tentativa de conseguir uma trégua do MST, a nova secretária de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado, Eloísa de Souza Arruda, decidiu convocar os líderes dos movimentos sociais de luta pela terra para uma reunião em São Paulo. No encontro, agendado para terça-feira, a secretária vai apresentar a política estadual de arrecadação de terras para novos assentamentos. O diretor executivo do Itesp, Marco Pilla, apresentará a atual situação fundiária do Estado.

Inflação reforça defesa do mínimo acima de R$ 540

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Divulgação de índice do IBGE confirma que reajuste deixado por Lula não repõe poder de compra; governo já considera R$ 550

Lu Aiko Otta

Agora é oficial: o governo deu ao salário mínimo um reajuste menor do que a inflação. O valor, fixado por Medida Provisória em R$ 540, resulta de uma correção de 5,88% em relação aos R$ 510 que vigoraram no ano passado. Porém, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) ficou em 6,47% em 2010, segundo informou ontem o IBGE. Assim, o valor deveria ser de R$ 543 que, arredondados para permitir saque no caixa eletrônico, chegariam a R$ 550. O dado deverá engrossar a pressão do PMDB por um mínimo de R$ 560.

O PMDB adotou essa frente de batalha para expressar seu descontentamento com o pouco espaço recebido na formação da equipe de governo. A mesma postura foi adotada pelo PDT, que pediu um mínimo maior em troca do apoio à candidatura de Marco Maia (PT-RS) à presidência da Câmara. "Meteram a mão no salário mínimo", decretou o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, deputado pelo PDT-SP. "Num ano em que o Brasil cresce 7% a 8%, os pobres saem perdendo."

Não há nenhuma lei dizendo que o mínimo deva ser corrigido pela variação do INPC. Porém, o governo adotou informalmente esse indexador em 2007, quando firmou com as centrais sindicais uma política de valorização do salário mínimo. Pelo acordo, o mínimo seria corrigido sempre pelo INPC do ano anterior e pelo crescimento do PIB de dois anos atrás. Se essa regra fosse aplicada ao pé da letra, o mínimo de 2011 deveria ser reajustado em 6,47%, correspondendo apenas à inflação, pois o PIB de 2009 não cresceu.

Aposentados. Há, porém, uma lei mandando corrigir as aposentadorias superiores ao mínimo pelo INPC. Os benefícios em janeiro já vieram reajustados em 6,41%. O Ministério da Previdência informou que a diferença entre os 6,41% e os 6,47% deverá ser creditada em fevereiro, pois a folha de janeiro já está em processamento.

Assim, foram criadas duas classes de aposentados: os que recebem o mínimo tiveram reajuste de 5,88%,e os que ganham mais receberão 6,47%. "É o que se chama de "Robin Hood às avessas"", ironizou Paulinho. "É histórico, porque sempre deram menos para quem ganha mais." Essa situação desigual reforça a posição de quem quer um mínimo maior.

Não há argumentos técnicos que permitam ao governo justificar os R$ 540, por isso, já se fala internamente num mínimo de R$ 550. "Nós não acreditamos nesses R$ 540", disse Paulinho. "O governo sabe que isso não vai passar." O deputado já apresentou emenda propondo a elevação do valor para R$ 580.

OAB pede a filhos de Lula devolução de passaporte

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Marília Lopes

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, fez um apelo aos familiares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que devolvam os passaportes diplomáticos do Itamaraty que receberam no último dia 29 de dezembro. Ophir afirmou que caso os passaportes não sejam devolvidos espontaneamente, a OAB se vê na obrigação de tentar medida judicial para buscar correção do ato da concessão do documento pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE).

Em seu site, a OAB publicou trechos das declarações de Ophir, que afirmou que "o passaporte diplomático é concessão que deve ser dada a autoridades que devem representar o País internacionalmente e, por isso mesmo, precisam de um ir e vir mais tranquilo". "A concessão de passaportes a outras pessoas que não estejam enquadradas nessa filosofia, deve ser algo excepcional. Quanto ao caso de filhos de um ex-presidente ter esse passaporte, isso é extremamente danoso face ao princípio da moralidade administrativa e atenta contra a própria lei", acrescentou.

Ontem, o MRE confirmou que os dois filhos do ex-presidente renovaram o passaporte diplomático, no final do ano passado, dois dias antes do término do mandato. O neto de Lula, de 14 anos, também conseguiu o benefício na mesma época. A assessoria do Itamaraty não soube informar o nome do menor nem qual dia teria sido retirado o passaporte.

Conforme a assessoria do MRE, a concessão dos passaportes foi feita "com base na legislação vigente, de acordo com o decreto 5.978 de dezembro de 2006", que beneficia presidentes, vice-presidentes, ministros de Estado, ocupantes de cargos de natureza especial e titulares de secretarias vinculadas à Presidência da República, parlamentares, chefes de missões diplomáticas, ministros dos tribunais superiores e ex-presidentes.

Os cônjuges e os dependentes, inclusive os enteados, até 21 anos de idade ou, se estudante, até 24 anos, também estão autorizados a receber o documento. Para dependentes portadores de deficiência não existe limite de idade.

''Benefício não faz sentido e contempla vaidade do ex-presidente e de seus parentes''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Lier Pires Ferreira, professor de direito internacional da UERJ

Lucas de Abreu Maia

A concessão de passaporte diplomático a dois filhos e um neto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é "uma flagrante ilegalidade administrativa" e pode levar a uma investigação do Ministério Público Federal, de acordo com o professor de direito internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Lier Pires Ferreira.

Há justificativa na norma para a concessão dos passaportes diplomáticos aos filhos e ao neto do ex-presidente Lula?

O Decreto 5.978 diz que, mediante autorização do ministro das Relações Exteriores, as pessoas que não estejam relacionadas na lista de autoridades com direito ao passaporte diplomático podem receber esse benefício em consonância com os interesses nacionais. Ora, cabe ao Itamaraty justificar o que os filhos do Lula - que já estão na faixa dos 30 anos - e agora o neto, de 14 anos, representam para o interesse nacional. Todo brasileiro, quando viaja para o exterior, representa seu país indiretamente. Isso, contudo, não o faz merecedor do passaporte diplomático.

O episódio pode afetar a credibilidade do Brasil no exterior?

Esse é um tema muito pequeno para afetar a imagem ou a capacidade de negociação do Brasil com outros países. No entanto, é um desgaste desnecessário. Cria-se um fato político em cima de um benefício que não faz nenhum sentido - e que talvez contemple muito mais uma vaidade do ex-presidente e de alguns de seus familiares que propriamente o interesse nacional. Cria-se um desgaste de política interna, mas com repercussões externas desnecessárias.

O passaporte diplomático também foi dado ao bispo da Igreja Universal Romualdo Panceiro. O benefício está sendo concedido sem critério?

Absolutamente sem critério. O interesse nacional justifica exceções - e o termo é autoexplicativo: exceções - em casos tópicos e particulares; situações sui generis. Por isso, entendo que a postura da OAB, manifesta pelo presidente nacional, Ophir Cavalcante, é a mais ajustada: a OAB tem solicitado que os filhos e o neto devolvam os passaportes. Do contrário, estarão submetendo o ex-presidente Lula a um constrangimento sem razão. Sem contar que a concessão indevida pode gerar uma investigação do Ministério Público Federal, porque é uma flagrante ilegalidade administrativa.

Filho de Lula vai devolver passaporte diplomático

DEU EM O GLOBO

Após três dias de polêmica, Marcos Cláudio Lula da Silva, de 39 anos, filho do ex-presidente Lula, anunciou pelo Twitter que vai devolver o passaporte diplomático que recebeu do Itamaraty. Mas outro filho e um neto de Lula não informaram se tomarão a mesma iniciativa. Em nota, a OAB pediu a devolução dos passaportes e ameaçou processar a autoridade que concedeu o privilégio.

Após OAB pedir, filho de Lula diz que vai devolver passaporte diplomático

O outro filho do ex-presidente que também tem regalia não se manifestou

Carolina Brígido

BRASÍLIA e SÃO PAULO. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou nota ontem pedindo que os filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva devolvam o passaporte diplomático. Horas mais tarde, O filho mais velho de Lula, Marcos Cláudio Lula da Silva, de 39 anos, afirmou no Twitter que vai devolver o documento que recebeu do Itamaraty. "Vou (devolver), aliás, nem vi... Devolvo o antigo também, sem nenhuma escrita nele, branco como chegou", afirmou.

Em posts no Twitter, Marcos Cláudio disse que não usou e nem viu seu passaporte durante os oito anos do governo Lula. Ele disse ter viajado apenas ao Paraguai e à Argentina, países que fazem parte do Mercosul, utilizando o documento de identidade dos brasileiros.

"Nunca usamos em oito anos de governo democrático e nem usaremos", afirmou. "Viajei sim, para o Paraguai e Argentina, e fui muito bem recebido só com meu RG, como cidadão brasileiro. Vale Brasil...", escreveu ainda.

Segundo reportagem do jornal "Folha de S. Paulo", o passaporte diplomático foi renovado para dois filhos do presidente a dois dias do fim do mandato. Um neto do presidente também recebeu o passaporte. "A Ordem apela para que os filhos do presidente Lula devolvam o passaporte especial; não submetendo seu pai a um constrangimento público dessa natureza", diz o texto, assinado pelo presidente da OAB, Ophir Cavalcante.

Marco Aurélio Garcia: tema é de "irrelevância absoluta"

Na nota, a entidade ameaça entrar com ação judicial por improbidade administrativa contra quem concedeu o privilégio. "Isso é extremamente danoso face ao princípio da moralidade administrativa e atenta contra a própria lei. O governante não pode ceder às tentações do cargo. Enquanto ele estiver no cargo deve ter as regalias necessárias para o exercício do cargo; a partir do momento em que deixa o cargo, ele passa a ser um cidadão comum, igual a todos os brasileiros e brasileiras", diz a nota.

O Decreto 5.978, de 2006, cita todas as autoridades que podem circular com o passaporte diplomático. No entanto, há exceções para a norma. "Mediante autorização do Ministro de Estado das Relações Exteriores, conceder-se-á passaporte diplomático às pessoas que, embora não relacionadas nos incisos deste artigo, devam portá-lo em função do interesse do país", diz o dispositivo, sem explicar que tipo de interesse deve ser levado em conta para a concessão do benefício.

Ophir enviou ofício ao Ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, perguntando quantas pessoas têm passaporte diplomático e não são autoridades. A assessoria de imprensa do Itamaraty confirmou ter recebido o ofício da OAB e disse que o órgão não comentaria as críticas feitas pela entidade.

O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, minimizou a polêmica.

- A informação que eu vi é que essa decisão do Itamaraty está de acordo com os procedimentos legais. Francamente, eu acho esse tema de uma irrelevância absoluta. Eu imagino que possa agradar muito àqueles 3% ou 4% que consideram o governo Lula ruim ou péssimo, mas para mim é um tema inteiramente irrelevante, sinceramente - afirmou à imprensa.

Jobim: 'Críticas são ridículas'

DEU EM O GLOBO

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, chamou de "ridículas e sem fundamentação" as críticas às férias que o ex-presidente Lula goza com a família no Forte dos Andradas, no Guarujá (SP), com todas as despesas pagas pelo Exército. A lei não dá aos ex-presidentes direito a férias em base militar.

Jobim chama de "ridículas" críticas a Lula

Ministro confirma que convidou ex-deputado José Genoino para ser seu assessor

Carolina Brígido

BRASÍLIA. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse ontem que são "ridículas e sem fundamentação" as críticas feitas à temporada de férias que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva goza com a família em uma base militar. O convite para a temporada no Forte dos Andradas, no Guarujá (SP), foi feito pelo próprio Jobim. A declaração do ministro foi dada em entrevista ao programa "Bom Dia, Ministro", produzido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

- Eu as considero (as críticas) absolutamente ridículas. Um presidente afastado do cargo que deseja passar alguns momentos de lazer com proteção necessária o fará em uma base do Exército. A decisão foi correta. Acho as críticas e análises absolutamente ridículas e sem fundamentação - afirmou Jobim.

Na terça-feira, a assessoria de imprensa do Ministério da Defesa informou, em nota, que Lula estava no local "por ser um lugar que oferecia as condições de segurança necessárias à proteção dele". A assessoria lembrou que a Lei 7.474, de 1986, garante a ex-presidentes apoio, segurança, veículos e motoristas - tudo custeado pela Presidência da República.

Segundo a norma, ex-presidentes que tenham exercido o cargo efetivamente - portanto, não vale para os interinos - têm direito a quatro servidores para apoio pessoal e segurança, dois carros com motorista e combustível e dois assessores. Por isso os seguranças que protegem Lula durante as férias são da Presidência. A lei não menciona nenhum direito a férias em base militar.

Quando Lula era presidente, foi construída no local uma suíte especialmente para hospedá-lo. A base foi um dos destinos preferidos da família nas férias ao longo dos últimos oito anos.

Ministro vê resistência à Comissão da Verdade

Jobim admitiu que "setores minoritários" das Forças Armadas ainda resistem ao esclarecimento das mortes e dos desaparecimentos políticos ocorridos no regime militar, de 1964 a 1985. Segundo Jobim, os militares contrários a projetos como a Comissão da Verdade estão na reserva e em número menor do que os favoráveis à apuração dos fatos. A declaração foi feita ontem à Agência Brasil.

- Não há nenhuma dificuldade em relação às Forças Armadas (quanto à apuração dos crimes). Eventuais bolsões de resistência sobre a memória podem se encontrar em algum setores muito minoritários. Alguns militares mais tradicionalistas da reserva não veem com bons olhos as mudanças que fizemos no Ministério da Defesa, como a subordinação das Forças Armadas ao poder civil democrático - disse o ministro.

Antes da declaração, Jobim deu entrevista ao programa de rádio "Bom Dia, Ministro". Ele afirmou apoiar totalmente o projeto de lei que institui a Comissão da Verdade. O ministro disse que não tem divergências ideológicas com a atual secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosário. Ele lembrou que a proposta só entrará em vigor se for aprovada no Congresso.

Jobim esclareceu que, se for criada, a Comissão da Verdade poderá apenas trazer a história à tona. Eventuais punições aos crimes cometidos serão vetadas, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em julgamento recente, que a Lei da Anistia atinge militares e ativistas políticos:

- O conhecimento da verdade tem todo o apoio do Ministério da Defesa, mas, considerando a decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à Lei da Anistia, o que não podemos ter é a pretensão da retaliação ao passado, ou seja, processos criminais que possam atingir os eventuais envolvidos aquela época, quer do lado do Exército, quer dos grupos que se rebelaram contra a ditadura militar.

No programa, Jobim confirmou ter convidado o ex-deputado José Genoino (PT-SP) para ser seu assessor. O petista lutou contra a ditadura militar e chegou a ser preso e torturado na década de 1970. No governo Lula, ele foi acusado de participar do mensalão - o suposto esquema de pagamento de propina a parlamentares por parte do governo em troca de apoio político no Congresso Nacional.

- No ano passado, convidei o deputado José Genoino para ser meu assessor e ele ainda não respondeu. Ficamos de conversar em fevereiro. A posição que ele assumiria seria de assessor direto. Ou seja, vou colar o Genoino perto de mim - disse.

Bernardo enterra plano de regulação de mídia

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ministro alega que banda larga é a prioridade do governo e afirma que proposta deixada por Franklin Martins precisa de "exame detalhado"

Leonencio Nossa e Lisandra Paraguassú

O governo enterrou o projeto de regulação da mídia elaborado pelo ex-ministro Franklin Martins. Após encontro com a presidente Dilma Rousseff no Planalto, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse em tom diplomático que há outras prioridades para serem tocadas, como o projeto de banda larga, que pretende apresentar até o fim de abril.

"A banda larga vai ter prioridade e premência porque vamos discutir também o plano geral de metas de universalização", afirmou. Pela tradição de Brasília, um governo "enterra" um projeto quando não estipula prazo para envio ao Congresso nem classifica a proposta como prioridade na agenda, dizem assessores.

Paulo Bernardo disse que é preciso um "exame detalhado" do projeto para a possibilidade de abrir uma discussão ainda no âmbito do governo e relatou ter recebido a proposta nesta semana de ex-assessores de Franklin Martins. "Certamente, vamos ter que olhar cada ponto. Todos sabem que tem discussões de caráter econômico, regulação entre setores, disputas. Tem discussões relativas aos direitos dos usuários, tem questões que dizem respeito à própria democracia. Vamos examinar tudo e ver como vamos encaminhar."

Taxado como antidemocrático por alguns setores, o projeto de regulação da mídia só ganhou corpo nos últimos meses do governo Lula. O então presidente chegou a cogitar o envio da proposta ao Congresso, mas preferiu deixar a decisão para Dilma.

Paulo Bernardo disse que a presidente demonstrou satisfação com as declarações dele à imprensa contra a concessão de rádio e TV a políticos, como já dissera em entrevista ao Estado. O ministro é contra a concessão, mas reconhece a dificuldade de regulamentação do texto constitucional no Congresso.

Jobim quer Comissão da Verdade ''para os 2 lados''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Declaração alimenta a tensão no governo por atingir, potencialmente, época de atuação de Dilma como guerrilheira

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, defendeu ontem a tese de que a Comissão da Verdade, destinada a apurar violações aos direitos humanos ocorridas durante o regime militar, investigue não só as ações patrocinadas pela ditadura, mas também a atuação de grupos da esquerda armada que tentavam derrubar o regime. A declaração de Jobim alimenta a tensão no governo por atingir a atuação na época da hoje presidente Dilma Rousseff, que foi guerrilheira.

"Houve uma divergência inicial com o então secretário Paulo Vanucchi sobre a natureza do projeto. O projeto pretendido por ele era unilateral, pretendia fazer uma análise da memória apenas por um lado da história. Nós queríamos que fosse feita uma visão completa do tema - ou seja, as ações desenvolvidas não só pelas Forças Armadas à época como também pelos movimentos guerrilheiros ", declarou em entrevista ao programa Bom dia Ministro, da EBC.

Repreensão. A criação da Comissão da Verdade desencadeou uma pequena crise no Palácio logo no início do governo. Na segunda-feira, em sua posse, o general José Elito de Carvalho Siqueira, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, disse que não era motivo de vergonha para o País o desaparecimento de presos políticos durante a ditadura militar. Irritada, Dilma repreendeu o general, que pediu desculpas à presidente pela declaração polêmica.

Torturada durante a ditadura, Dilma afirmou em seu discurso de posse não ter ressentimentos nem rancores. Antes mesmo de assumir, ela chamou os comandantes das Forças Armadas para dizer que não haveria "revanchismo" e pedir que não houvesse por parte dos militares "glorificação" do golpe de 31 de março de 1964, que instituiu o regime que governou o País até 1985.

Artistas, críticos e produtores discutem a relação do Estado com o setor cultural

DEU EM O GLOBO – PROSA & VERSO

Artistas, críticos e produtores discutem a relação do Estado com o setor cultural e dizem o que deve mudar na área com o novo governo

Guilherme Freitas e Miguel Conde

Ana de Hollanda assumiu na última segunda-feira o Ministério da Cultura (MinC) prometendo em seu discurso de posse "continuar e avançar" com o trabalho realizado por seus antecessores, Gilberto Gil e Juca Ferreira, durante os oito anos de governo Lula. A declaração da ministra espelha o mote da campanha vitoriosa de Dilma Rousseff. Assim como acontece com a presidente, porém, ainda é cedo para saber o que significa na prática a dupla promessa de continuidade e aprimoramento.

Os Pontos de Cultura, a recuperação de cidades históricas e o Vale Cultura foram alguns dos projetos de Gil e Ferreira elogiados pela ministra, que no entanto não mencionou em sua fala o tema mais controverso sob responsabilidade de sua pasta no momento - a nova Lei do Direito Autoral. A afirmação de que a criação deve estar "no centro de tudo", pois "não existe arte sem artista", foi interpretada em comentários publicados em sites e blogs como uma defesa indireta de uma política mais restritiva em relação à propriedade intelectual do que a proposta pelos ministros anteriores.

Com recursos que chegaram a R$2,2 bilhões em 2010, longe da verba dos maiores ministérios, o MinC ainda assim teve um aumento de repasses constante durante os governos Lula. Se o crescimento indica a valorização da pasta, levanta também a pergunta sobre o caminho que ela deve seguir em sua expansão.

Nesta edição do Prosa & Verso, dez artistas, críticos e produtores de diversas áreas deixam de lado por um momento as discussões que têm movimentado o setor para responder a uma questão mais básica: qual deve ser, hoje, a função de um Ministério da Cultura? Em que áreas ele deve atuar, e seguindo quais prioridades? Os dez breves textos podem ser lidos como um apanhado de sugestões para a nova ministra, mas também como um esforço para repensar a própria noção de política cultural a partir das transformações sociais de nossa época.

Reconhecendo méritos no trabalho dos últimos anos, os autores ainda assim propõem ideias que muitas vezes implicariam numa reformulação das atribuições do MinC. O cineasta Cacá Diegues diz que a gestão da indústria criativa deve ser separada da criação artesanal. O crítico Paulo Sérgio Duarte defende uma reaproximação do MinC com o Ministério da Educação, ideia levantada também pelo artista plástico Cildo Meirelles e pelo músico Jorge Mautner. O poeta Armando Freitas Filho e o escritor Marcelino Freire pedem incremento das políticas de Gil e Ferreira. O editor Roberto Feith diz que o Estado não deve se intrometer na criação cultural. A produtora Mariza Leão pede um PAC de acesso à cultura. Os especialistas em políticas culturais Lia Calabre, da Fundação Casa de Rui Barbosa, e Albino Rubim, da UFBA, cobram investimentos em diversidade e a implantação de projetos elaborados no governo Lula, como o Sistema Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Cultura.

Propostas para um ministério

Aproximação com MEC e foco em indústrias criativas estão entre ideias defendidas


Estimular o desenvolvimento

Cildo Meirelles

A maior contribuição que o Ministério da Cultura pode dar, sempre, é não atrapalhar. A cultura, claro, é uma área com muitas questões a serem discutidas. Algo que ainda está por ser desenvolvido é uma imbricação maior entre cultura e educação. Não necessariamente aulas de arte, mas pelo menos uma ampliação no acesso à produção cultural. Se a arte por um lado se caracteriza pelo seu descompromisso com a função, com a aplicação imediata, por outro as sociedades que se distanciam da produção cultural entram em declínio. Arte não é algo que se possa ensinar, mas o Estado pode criar meios propícios para uma autoeducação, aquela que o indivíduo vai buscar para se desenvolver.

CILDO MEIRELLES é artista plástico.

O Estado no lugar devido

Roberto Feith

Não acredito no Estado indutor da Cultura ou da produção cultural. Não creio que políticos e servidores públicos saibam melhor do que artistas e autores que tipo de cultura deve ser produzido, ou como fazê-lo.

Penso que a produção artística e cultural deve ser resguarda por leis que garantam a liberdade de expressão e os direitos dos criadores, para que ela se desenvolva sem interferência dos governos.

Mas existem áreas nas quais a atuação do Estado no campo cultural é não apenas apropriada, como necessária; áreas onde a sociedade civil não está presente, ou, se estiver, não atende às necessidades da sociedade.

Por exemplo: a defesa do nosso patrimônio histórico. O financiamento aos museus. A ampliação e qualificação de bibliotecas públicas.

Acredito que o grande desafio do Estado no campo cultural seja atuar com vigor e eficácia nos segmentos em que só ele pode agir.

ROBERTO FEITH é diretor da editora Objetiva e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros.

Cultura e educação

Paulo Sérgio Duarte

O maior problema atual das políticas culturais do governo federal é a distância entre os ministérios da Cultura e da Educação. Essas duas áreas têm que ser pensadas conjuntamente, como acontece em diversos países do mundo. Dizer que os currículos escolares devem ser pensados de um ponto de vista cultural não significa defender simplesmente aulas de educação artística, mas uma reformulação do ensino para que todas as disciplinas sejam ensinadas levando em conta o cotidiano dos alunos. É preciso mostrar como o conteúdo se relaciona à vida em sociedade. Isso se aplica tanto à matemática quanto à literatura, que hoje por exemplo é ensinada muito mais numa abordagem histórica, de sucessão de escolas literárias, do que de maneira que desperte interesse pela leitura.

PAULO SÉRGIO DUARTE é crítico de arte.

Indústrias criativas

Cacá Diegues

As indústrias criativas hoje são um fator importante para os PIBs nacionais, o terceiro setor de exportação dos EUA, e tema de discussão no mundo todo. Esse setor industrial deveria ser do âmbito de um órgão distinto do que cuida de políticas voltadas para o folclore, os costumes regionais, até mesmo para a preservação de memória. Não faz sentido um filme de longa-metragem disputar verba com o maracatu rural de Pernambuco. É como botar num mesmo orçamento uma hidrelétrica e uma olaria. Ambos são importantes, mas têm que ser tratados em órgãos distintos, assim como existem ministérios do Agronegócio e da Agricultura. Quando o Ministério da Cultura saiu do Ministério da Educação, não se definiu muito quais eram as atribuições do MinC. Essa é uma discussão que ainda está por se definir. Temos que repensar para que serve o Ministério da Cultura.

CACÁ DIEGUES é cineasta.

Revolução no consumo

Mariza Leão

A ascensão de quase 30 milhões de pessoas à classe C, saindo da pobreza, terá um peso monumental no consumo em toda a cadeia da economia, inclusive na cultural. Já existe hoje uma perspectiva de crescimento muito grande, que no entanto esbarra na falta de meios de acesso aos bens culturais. O Brasil precisa de algo como um PAC de infraestrutura cultural, com vias de escoamento para seus filmes, músicas, livros. Um dos projetos mais importantes do governo Lula foi o apoio à criação de salas populares de cinema, mas hoje ainda estamos bastante aquém do que seria o desejável. As classes populares sempre foram as que mais prestigiaram o cinema nacional. Com investimento, podemos passar por uma expansão revolucionária no acesso à cultura. É preciso que o MinC atue pensando em duas vertentes, a da indústria criativa, de um lado, e de outro as atividades mais artesanais, com menos viés comercial.

MARIZA LEÃO é produtora de cinema e presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Audiovisual do Rio de Janeiro.

Cultura do Amálgama

Jorge Mautner

Gostaria que, além de manter os Pontos de Cultura, o MinC continuasse a incentivar a sua multiplicação e a entrelaçá-los com os colégios e universidades.

Que se enfatizasse a História do Mundo e a História do Brasil como temas importantes de meditação e de reinterpretação.

Difundir e enfatizar as descobertas científicas e tecnológicas como discussão e temas artísticos.

Também introduzir o método filosófico de pensar e de examinar qualquer fenômeno através de quatro pontos de vista diferentes entre si, no mínimo.

Levar o MinC com teatro, literatura, música, circo, cinema, TV, para os presídios, para a Febem e orfanatos, para os hospitais e para as pessoas portadoras de necessidades especiais.

Unir o MinC com as ações das UPPs, em todo o continente brasileiro!

Encontros com artistas do resto do mundo, para irradiar o nosso amálgama, amálgama esse que José Bonifácio em 1823 definiu como sendo a alma do Brasil, amálgama esse que é mais do que necessário.

Que a nossa seleção de futebol, quando fosse jogar no exterior, levasse uma plêiade de artistas brasileiros para civilizar o mundo.

E que o MinC realce o trabalho da mulher, sua presença nas artes, na vida, ao dar luz à outra vida, no mundo atual, em todas as profissões, liderando o século XXI!!!!

A Terra precisa da cultura do Amálgama, ou o mundo se Brasilifica ou vira nazista!!!! Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé!!!!

JORGE MAUTNER é músico.

Consolidar e aperfeiçoar

Lia Calabre

Nos último oito anos, o MinC vivenciou um processo de ampliação e diversificação de suas ações, passou a ter efetiva presença nacional, elevando o campo da cultura ao das políticas públicas. Os maiores desafios da nova administração são a consolidação e o aperfeiçoamento de uma série de processos iniciados na gestão anterior.

O Sistema Nacional de Cultura (SNC), que ainda é um projeto de lei em tramitação, é uma ferramenta fundamental para efetivar a ação nacional do MinC. Ele será composto por uma série de subsistemas (de museus, de patrimônio, do livro e da leitura, de bibliotecas, os dos campos das artes, entre outros), havendo ainda o incentivo à criação de conselhos e órgãos gestores de cultura nos outros níveis de governo. Uma das principais ações federais deve ser apoiar o fortalecimento do fazer cultural no nível local. O SNC permitirá maior agilidade na relação entre Ministério, estados, municípios e distrito federal.

O Plano Nacional de Cultura (PNC), sancionado em dezembro, estabelece alguns dos nortes a serem seguidos pelo MinC nos próximos dez anos. O PNC abrange um universo de diretrizes e, dentre elas, algumas deverão ser priorizadas para os próximos quatro anos. É hora de consolidar programas e ações que se mostraram eficazes, realizar acertos de rota, implementar projetos testados e aprovados, dotar o país de uma efetiva política pública de cultura, que siga sendo construída democrática e participativamente, como política de Estado.

LIA CALABRE é chefe do setor de Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa.

Incrementar conquistas

Armando Freitas Filho

Para mim, não é exatamente o caso de mudar, mais de incrementar as políticas culturais implantadas pelo ministro Gilberto Gil. Os Pontos de Cultura, por exemplo, que incentivam a produção cultural com grande capilaridade por todo país devem propiciar maior visibilidade aos escritores e à literatura. Tenho certeza que a ministra Ana de Hollanda, com sua sensibilidade e experiência na área cultural, saberá escutar as vozes, geralmente esquivas ou esquecidas, dos escritores brasileiros.

ARMANDO FREITAS FILHO é poeta.

Financiar a diversidade

Albino Rubim

Em uma circunstância republicana, a primeira atitude a esperar de um novo ministério é que dê continuidade às políticas em andamento, evitando algo muito comum e nefasto no Brasil: a descontinuidade administrativa. O campo da cultura é especialmente sensível às descontinuidades, pois, assim como a ciência e tecnologia e a educação, tem um tempo de maturação necessariamente longo. Tais campos devem ser contemplados por políticas de largo prazo e não apenas por políticas de governo. Nesta perspectiva, a implantação do Sistema Nacional de Cultura e a implementação das deliberações das Conferências Nacionais de Cultura aparecem, dentre outros, como essenciais.

Igualmente imprescindível é a mudança da política nacional de financiamento à cultura, pois leis de incentivo não podem sustentar políticas de diversidade cultural, vitais para o desenvolvimento da sociedade brasileira. A diversidade cultural exige uma complexa política de financiamento, que deve incluir leis de incentivo, mas não pode tê-las como eixo dominante.

Mas nenhum ministério novo pode apenas consolidar o existente. Deve avançar e inovar. A constituição de um programa nacional de formação e qualificação em cultura atenderia uma das reivindicações mais evocadas pela comunidade cultural brasileira e enfrentaria um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento cultural do país.

ALBINO RUBIM é professor da Universidade Federal da Bahia e organizador de "Políticas Culturais no Brasil" (2007).

O espaço da literatura

Marcelino Freire

Verifiquei no discurso da Dilma que ela usou o termo "literatura". Coisa rara. Sempre é citado o cinema, a música, o teatro... E, para a "literatura", nenhuma palavra, nenhuma linha. Cobraremos esse compromisso. É preciso que o governo preste atenção em todos os movimentos literários que têm acontecido pelo Brasil - como os saraus que estão rolando na periferia de São Paulo. No ano em que o Brasil será o homenageado da Feira de Frankfurt (em 2013), durante a gestão da Dilma, é preciso que os novos/jovens escritores sejam lembrados, traduzidos. Um ponto positivo da gestão do Juca Ferreira era esse ouvido plural, geral. Claro que, muitas vezes, eu me sentia fazendo número - atendendo exatamente a essa cota mais representativa. Mas, de qualquer forma, vi que o setor criativo da literatura (o dos escritores) foi sendo igualmente ouvido, chamado, convocado. Nunca houve tantas bolsas de criação e prêmios literários sendo instituídos. Mas é preciso que aquilo que ocorre "ocasionalmente", digamos, vire lei. É preciso que o escritor enquanto criador seja lembrado e protegido no Fundo Nacional de Cultura.

MARCELINO FREIRE é escritor.

O morro não tem vez - Zimbo Trio e Orquestra de Cordas Arte Viva

Balada dos mortos dos campos de concentração:: Vinicius de Moraes

Cadáveres de Nordhausen
Erla, Belsen e Buchenwald!
Ocos, flácidos cadáveres
Como espantalhos, largados
Na sementeira espectral
Dos ermos campos estéreis
De Buchenwald e Dachau.
Cadáveres necrosados
Amontoados no chão
Esquálidos enlaçados
Em beijos estupefatos
Como ascetas siderados
Em presença da visão.
Cadáveres putrefatos
Os magros braços em cruz
Em vossas faces hediondas
Há sorrisos de giocondas
E em vossos corpos, a luz
Que da treva cria a aurora.
Cadáveres fluorescentes
Desenraizados do pó
Grandes, góticos cadáveres!
Ah, doces mortos atônitos
Quebrados a torniquete
Vossas louras manicuras
Arancaram-vos as unhas
No requinte da tortura
Da última toalete . . .
A vós vos tiraram a casa
A vós vos tiraram o nome
Fostes marcados a brasa
E vos mataram de fome!
Vossas peles afrouxadas
Sobre os esqueletos dão-me
A impressão que éreis tambores —
Os instrumentos do Monstro —
Desfibrados a pancada:
Ó mortos de percussão!
Cadáveres de Nordhausen
Erla, Belsen e Buchenwald!
Vós sois o húmus da terra
De onde a árvore do castigo
Dará madeira ao patíbulo
E de onde os frutos da paz
Tombarão no chão da guerra!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Karl Marx

A doutrina materialista segundo a qual os homens são produtos da circunstâncias e da educação e, portanto, segundo a qual os homens transformados são produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada, esquece que são precisamente os homens que transformam as circunstâncias e que o próprio educador deve se educado. Por isso, essa doutrina chega, necessariamente, a dividir a sociedade em duas partes, uma das quais é colocada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen).

A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio só pode ser apreendida racionalmente como práxis revolucionária.

MARX, K. A Ideologia alemã - Teses sobre Feuerbach III. 3ª ed.São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1982. p.126.

Sem desencarnar::Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Está sendo tão difícil para Lula desencarnar do papel de presidente da República quanto para Dilma assumir integralmente a função para a qual foi eleita, e uma coisa tem a ver com a outra. Tudo indica que ela está querendo marcar uma conduta discreta e eficiente, na impossibilidade de competir com a capacidade midiática, quase histriônica, do seu antecessor e padrinho político.

Mas há também o desejo mal escondido de Lula de se perpetuar no primeiro plano político. Desde o comício improvisado em frente ao seu apartamento em São Bernardo, até as aparições de camiseta na varanda de casa para acenar para os turistas, Lula vai desenhando para si uma quarentena nada recatada.

Dois fatos revelados pela imprensa mostram como é difícil para o ex-presidente se desligar das mordomias do poder que usufruiu nos últimos oito anos.

Suas primeiras férias fora do poder estão sendo passadas, com toda a família, no Forte dos Andradas, no Guarujá, onde, se sabe agora, foi construída uma suíte presidencial para recepcioná-lo quando lá estivesse.

É claro que tal suíte não pertence à pessoa física de Lula, embora tenha sido feita por sua causa, mas está lá para abrigar o presidente da República do momento.

É um exagero que acontece com mais frequência do que deveria nas melhores democracias do mundo. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, por exemplo, mandou fazer uma preparação especial no avião presidencial para que pudesse fumar charutos sem incomodar os demais passageiros, o que custou ao erário público francês alguns milhares de euros a mais.

Mas a suíte presidencial do Forte dos Andradas não está à disposição de ex-presidentes da República, que é o caso de Lula no momento, pelo menos nos próximos quatro anos.

Descoberta a irregularidade, inclusive pela exultante mensagem que um de seus filhos escreveu no twitter: "Aeeeee saiu um solzinho aqui no Guarujá? com direito a banho de mar? são os Lulas voltando a seu habitat normal rs rs RS", o Ministério da Defesa providenciou uma solução: também pelo twitter, divulgou uma nota em que diz que "o ex-presidente Lula honra as Forças Armadas ao escolher o Forte dos Andradas p/ descansar com a família, a convite da Defesa".

Não é a primeira vez que se sabe de atividades nada regulares de Luís Cláudio Lula da Silva através de seu gosto pelas tecnologias de relacionamento social.

Em 2004, organizou uma excursão de amigos ao Palácio do Alvorada, com direito a uso de um avião da FAB para transportá-los a Brasília e passeio de lancha oficial pelo Lago do Paranoá.

Várias mensagens foram postadas nos blogs com fotos posadas ao lado do avião e na lancha. Depois de quatro anos, o Ministério Público considerou normal o uso de bens do patrimônio público pelos amigos do filho do presidente, e o processo, pedido pela oposição, foi arquivado.

O caso das férias do ex-presidente em um forte do Exército, com direito a proteção absoluta por parte de uma equipe de segurança bem treinada, esta sim dentro do que a legislação determina, parece ser um sintoma da dificuldade que Lula demonstra já há algum tempo de sair "do governo para viver a vida das ruas", como disse em seu discurso de despedida, numa canhestra tentativa de mimetizar a carta testamento de Getúlio Vargas.

Lula continua querendo viver sua vida "na História" que criou para si. Os onze caminhões da transportadora que levam os pertences da família Lula da Silva de volta para São Bernardo, inclusive o climatizado para as bebidas, não significam em si nenhum exagero, já que em oito anos de Presidência forçosamente se acumulam muitos presentes, além dos documentos oficiais que servirão para formar o acervo do Instituto Lula.

Mas o fato de o Itamaraty ter prorrogado o passaporte diplomático de dois dos filhos de Lula no dia 29 de dezembro, através de uma prerrogativa especial exercida pelo ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, tipifica claramente um abuso de poder.

Pelas normas em vigor no Itamaraty, dependentes de autoridades só podem receber passaporte diplomático em duas situações: quando o dependente tem até 21 anos, ou quando é portador de deficiência física.

Não é o caso de Luís Cláudio Lula da Silva, que hoje tem 25 anos, e Marcos Cláudio Lula da Silva, com 39 anos.

Para tentar reduzir os danos da notícia divulgada pela "Folha de S. Paulo", o Itamaraty explicou que os passaportes foram apenas renovados, o que complica mais ainda a situação.

O de Luís Cláudio pode ter tido validade até quatro anos atrás, quando ele tinha 21 anos, e não poderia, pela lei, ter sido renovado já naquela ocasião.

O de Marcos Cláudio em nenhum momento do governo Lula poderia ter sido expedido, pois ele tinha mais de 21 anos (31 para ser exato) quando Lula assumiu o governo em 2003.

Os passaportes especiais foram emitidos "em caráter excepcional", tendo o chanceler Celso Amorim se utilizado de um decreto que lhe dá prerrogativas de conceder passaporte diplomático a alguém que não esteja enquadrado na lei "em função do interesse do país".

A lei prevê apenas passaportes diplomáticos para presidentes e vice-presidentes da República, ministros de Estado, juízes de tribunais superiores, diplomatas e congressistas.

Quando estava no governo, Lula tinha o hábito de se referir a bens públicos como seus, como no caso da TV Brasil, que chamava de "a minha televisão". Agora, parece não ter se convencido de que não continua no governo, e nem que o governo não seja seu.

Não há nada que justifique esses privilégios, nem explicação para serem mantidos.

Sombra e água fresca:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A oposição recebeu 43 milhões de votos na eleição presidencial contra 56 milhões da situação que, assim, ficou por delegação popular encarregada de continuar no comando da Nação.

Junto com a vitória, ganhou a responsabilidade de fazer frente aos desafios, resolver os problemas, responder à confiança que lhe foi depositada pela maioria da população, às expectativas de todos os brasileiros e se postar da melhor maneira possível diante do mundo.

É a função de governo, cujos bônus correspondem também aos ônus e para quem se voltam todas as atenções. O momento é da presidente Dilma Rousseff e sua equipe.

Essa realidade, no entanto, não significa que os perdedores estão liberados de seus deveres.

Ou pelo menos não deveria significar. O ainda principal partido de oposição, o PSDB, parece alheio ao fato de que tem um papel a cumprir além de curtir a ressaca da derrota, resmungar pelos cantos as razões do fracasso e de se dedicar às escaramuças internas tentando construir posicionamentos eleitorais para o futuro.

Não parece compreender duas coisas: que o exercício da política não se resume ao momento eleitoral e que o resultado da próxima eleição depende da relação que conseguir construir com a sociedade daqui até lá.

É cedo para cobrar da oposição uma atuação, quando o novo governo mal acaba de começar? Sim, se a perspectiva for exclusivamente a do embate em busca de votos.

Essa concepção das coisas mostrou-se equivocada na estratégia da candidatura presidencial do PSDB: José Serra foi desde sempre o candidato, mas achou que deveria abster-se da atuação política para se apresentar à disputa no momento "certo".

Revelou-se tardio, pois entre os números favoráveis de pesquisas e a candidatura em si tucanos e adjacências deixaram que se abrisse um imenso vazio que depois, no improviso, não souberam preencher.

E, pelo jeito, não souberam perceber ainda o erro e, mais grave, não valorizaram os votos recebidos. A oposição atua na lógica de murici: cada um trata de si. E a ninguém ocorre tratar das questões políticas já em pauta.

Cansados da luta árdua que travaram para perder a eleição, seguem indiferentes à discussão sobre o salário mínimo, à disputa pelo comando do Congresso, à indecente batalha fisiológica pela divisão do latifúndio governamental.

Sobre o mínimo, se esquecem da proposta de R$ 600. Se na campanha a consideraram exequível, deveriam agora defender a posição.

Sobre o Parlamento, rendem-se aos acordos entre PT e PMDB deixando de lado o debate sobre a desqualificação do Legislativo. Se tivesse alguma ideia a respeito, agora seria a hora de a oposição se manifestar.

Sobre os meios e modos da ocupação da administração federal, os oposicionistas tampouco têm algo a dizer, além da crítica fácil.

Ao se omitir, a oposição desdenha não apenas de seus eleitores como se mostra desprovida da noção de que é uma força política cujo dever primordial é participar da vida do País, se ainda se pretende no direito de voltar a governar o Brasil.

Pés de barro. Imaginemos, só para efeito de raciocínio comparativo, como seria visto um presidente da República do PSDB, do DEM, do PPS ou mesmo do PMDB, que tivesse deixado para um governante do PT um problema como a administração diplomática da não extradição de Cesare Battisti, decidida há pelo menos seis meses, mas só anunciada no último dia de governo. Obviamente, a atitude seria recebida como uma manobra covarde, com a única finalidade de livrar o autor de enfrentar as consequências de sua decisão.

Essas e outras configuram a herança maldita deixada por um presidente que, pautado exclusivamente pela construção do próprio mito, não arbitrou contenciosos, não administrou adversidades, não comprou uma só briga que pudesse abalar sua popularidade.

Diferente de Lula, que só fez bajular os militares, Dilma Rousseff impôs autoridade civil ao cobrar compostura histórica do general José Elito, chefe do gabinete de Segurança Institucional, nas declarações sobre brasileiros desaparecidos durante a ditadura.

São os símbolos,estúpido!, que o resto ia ser difícil nós já sabíamos::Bolivar Lamounier

Eu não prejulgo, mas sou um pouco cético quanto ao desempenho de Dilma Rousseff como presidente da República. Digo isto sem medo de contradizer o comentário bem positivo que fiz anteontem sobre a decisão de privatizar a construção de novos terminais aéreos.

Tampouco temo me equivocar no que se refere ao manejo da economia. Não sei se ela tem de fato toda a competência técnica alardeada nos últimos dois anos, mas agora a função dela é muito mais política que técnica. Além do que a situação econômica é boa, embora não seja a maravilha apregoada pela propaganda oficial.

A presidência é mais política que técnica, disse eu, mas Dilma não parece desorientada na briga entre PT e PMDB? Parecer, parece, mas acho que ela não demora muito a pôr ordem na casa: a caneta presidencial faz milagres. Ela talvez tenha subestimado a voracidade do pessoal por cargos, isto é bem possível, mas a esta altura ela já deve ter caído na real.

Qual é, então, a razão do meu ceticismo? Aqui o leitor terá de ter paciência com a minha ingenuidade. Para esta ingrata tarefa de analista político, eu me confesso idealista demais.

Onde meus colegas só vêem jogo bruto, cargos, grana, essas coisas, eu de repente me pego preocupado com questões de princípio, valores, condições de legitimidade e por aí afora.

E a presidência da República o que tem a ver com isso? Muito, eu diria. Para os cidadãos, a presidência não é só uma posição de mando, é também sua grande referência moral dentro do sistema político. E eles se relacionam com ela como se estivessem se olhando num jogo de espelhos. O símbolo que vier de lá eles devolvem. Se vem coisa boa, ótimo, eles se sentem moralmente bem e agradecem. Se vem coisa não tão boa, eles se olham outra vez no espelho e se fazem certas perguntas. Quem sou eu, afinal? Algum otário? Esta lição Fernando Collor deve ter aprendido.

Vou tentar ser mais objetivo. Por melhor que seja a situação material de seu país, aquele ou aquela que se investe na mais alta função de autoridade tem de optar entre muitos símbolos possíveis. Sua figura como governante não sai 100% pronta de suas experiências e de sua personalidade.

Quando assumiu a presidência, Juscelino Kubitschek, por exemplo, logo se viu diante de um desafio na área militar: dois começos de rebelião entre oficiais da Aeronáutica. Optou pelo entendimento. Anistiou-os e foi em frente com seu símbolo de cordialidade, bom-humor e civilidade.

No começo do qüinqüênio seguinte, como se relacionaram Jânio Quadros e Carlos Lacerda?

Pessimamente. Conversaram de fígado para fígado e com certeza contribuíram para os infortúnios que a partir dali o país viveu por muitos anos.

Sabemos todos que os problemas de hoje têm pouco ou nada a ver com aquela época. Graças aos deuses, à sorte e ao esforço de muitos, o golpismo daquela época ficou para trás. Custou, mas houve um aprendizado. Todas as correntes políticas aprenderam que o andor deve ser conduzido com certa cautela.

Mas daí a pensar que chegamos a uma espécie de nirvana político e moral seria um monstruoso equívoco. Não, decididamente não estamos no melhor dos mundos possíveis. É certo que a sociedade anda meio ébria de tanto consumir, mas isto não quer dizer que esteja relaxada, desatenta ou despreocupada.

Começa que Dilma precisará conter a gastança dos últimos dois anos. Lula disse sim a todos os interesses que foram bater à sua porta, mas Dilma terá de dizer não a muitos, recusando aumentos e cortando despesas. Para isto, os votos conquistados em outubro e o poder de comando inerente ao cargo podem não ser suficientes.

Nessas horas, convém ter estocada uma boa reserva de legitimidade propriamente moral, ou seja, daquela camada extra de autoridade que se nutre de valores e símbolos.

A reflexão acima nada tem a ver com o comportamento dos partidos de oposição, hoje sabidamente mais frágeis no Congresso que durante o governo Lula. O que me chama a atenção é o arquiconhecido fenômeno do rebaixamento dos valores morais do país – e obviamente eu não estou fazendo aqui uma ode “udenista” à qualidade deles no passado. Digo apenas que o rebaixamento é vez por outra promovido por personalidades que deveriam estar lutando contra ele, em virtude seja das posições de autoridade que ocupam, seja por se contarem entre os apoiadores mais entusiastas do novo governo. Faço aqui uma menção sucinta a dois casos recentes.

Poucos dias atrás a imprensa noticiou a defesa de uma tese de doutorado apresentada na Unicamp pelo senador petista Aloísio Mercadante. Mesmo sem a ter lido, pus-me a pensar se a referida tese seria aprovada se o autor não fosse um senador da República e um destacado integrante do governo que ora se inicia.

Sem tanta importância, mas igualmente ilustrativo, foi um artigo publicado no jornal O Globo de 04.01 pelo professor Cândido Mendes, pessoa de expressão na vida cultural do Rio de Janeiro e ardoroso defensor do governo Lula e da candidatura Dilma. Disse ele: “Muito da crítica ao PAC nasce desse emperro institucional e do vertedouro de lerdeza e corrupção que afligiu o início do projeto, nascido da Casa Civil, sob a então ministra de Lula”. No parágrafo seguinte, arrematando o argumento, o autor exorta a presidente a pisar no acelerador, observando que agora vivemos “…num país que, pela eleição de Dilma, rompeu de vez com o udenotucanato e seu neoliberalismo obsoleto”.

Se a sintaxe do idioma continua em vigor, eu entendi que houve, sim, “lerdeza e corrupção” na Casa Civil quando Dilma Rousseff era ministra, mas isso não importa – afinal, quem se interessa pelas críticas meramente morais do “udenotucanato”?

Foi por estas e outras que eu fiz outro dia um comentário negativo a respeito da “reabilitação” de Erenice Guerra na festa da posse.

Erenice não foi absolvida, pois a rigor nem foi investigada. E, claro, Dilma tem todo o direito de afagar quem ela quiser; nada a impede de fazer como Lula, adotando São Tomás Bastos como santo de sua devoção. Atrevo-me, porém, a lhe sugerir atenção aos símbolos que a cada passo ela estará tecendo.

Dilma: chance para a República? :: Rubem Barboza Filho*

DEU NO BOLETIM CEDES – DEZEMBRO-JANEIRO

Lula anuncia a possibilidade de voltar em 2014, desmente o corte de recursos do PAC anunciado por Mantega e torna explícito o significado que ele atribui ao governo Dilma: a continuidade de um enredo cuja origem e significado pertencem a ele, Lula, que poderá retornar numa gloriosa carruagem de fogo caso sua sacerdotisa não consiga preservar a integralidade de sua mensagem salvífica. A analogia com uma perspectiva religiosa ou teológica não é casual: é nela que o mundo político moderno encontrou a inspiração para a criação de uma noção de história como sucessão de “tempos dos príncipes”, por oposição à idéia republicana, que vê o fluxo do tempo como a possibilidade de uma narrativa de crescente liberdade e reflexividade.

A história como sucessão de tempos monárquicos alimenta-se da percepção de cada reinado como um “agora eterno”, como um gigantesco instante indiferente ao que vem antes ou ao que vem depois, como um tempo fechado cujo significado é dado pelas essências redentoras e expressivas do rei. O rei é deus in terris, o primeiro motor e o grande ator que reclama o seu reinado como expressão imediata de sua essência, como totalidade emanada de sua vontade, como “história” narrada do seu ponto de vista supremo e absoluto. Portanto, história como “revelação” e expressão de sua natureza redentora, da idéia moral e intelectual que habita o seu interior e dá sentido à vida dos homens e à sociedade. Nessa perspectiva, o fluxo do tempo é visto como a sucessão de reinados, de tempos fechados, de ciclos autoreferidos, dotados de uma qualidade própria, original e irrepetível.

O tempo republicano, ao contrário, supõe a continuidade e a tradição, como a Roma republicana de Cícero, pois se a res publica é de todos, ela é de todas as gerações de romanos que nasceram após a fundação de Roma, e não apenas daquela existente em um determinado momento. A cada geração está atribuída, no caso de Roma, a preservação do sentido da origem, sentido que se transforma em auctoritas, em autorização para a ação comum e o exercício do poder. A Igreja, observa Hanna Arendt, preservou essa noção de tradição, reclamando Cristo como origem, como garantia da ordem religiosa e de sua estabilidade. As revoluções políticas modernas, ao se insurgirem contra a tradição do antigo regime, foram obrigadas a buscar um substitutivo para essa concepção do fluxo do tempo como preservação e extensão de um sentido original. A melhor resposta foi dada pelos Estados Unidos, que celebram sua origem – uma guerra e uma constituição da liberdade – como fontes de significado para todas as gerações subseqüentes àquela dos pais fundadores, recriando uma perspectiva republicana do tempo capaz de abrir a possibilidade de cada presente como realização reflexiva ainda mais perfeita dos sonhos e expectativas fundacionais.

Foi esta angulação que Obama mobilizou para superar, ainda na campanha, uma crise potencialmente catastrófica causada pelo seu amigo Jeremiah Wright, um pastor negro que aproveitou as primárias para uma denúncia radical da opressão sofrida pelos índios, pelos negros e pelos descendentes de japoneses, anunciando a vitória de Obama como vingança de todos contra os brancos opressores. Obama não podia aceitar esse significado para a sua candidatura, tanto pela ameaça de fuga dos votos dos brancos quanto por não se ver como instrumento de vingança. Por outro lado, não podia ignorar a denúncia de seu pastor, não só pelo risco de perder o voto dos negros como pelo fato de que Obama conhecia de fato a opressão sofrida pelos negros. Ele afasta a crise e se afirma como liderança efetiva ao pronunciar um dos seus mais célebres discursos, intitulado A more perfect union, frase retirada da introdução à Constituição norte-americana. Ele lembra os homens que pensaram a Constituição e o sentido que lhe deram: a liberdade, a igualdade, a união. Recorda que os pais fundadores deixaram a questão da escravidão para ser resolvida pelos pósteros. E rememora os passos históricos construídos para eliminar, primeiro a escravidão, e depois a segregação. Reconhece a opressão sofrida pelos negros, e conclama a compreensão dos brancos para a revolta de seu pastor. Mas afirma que era a hora de um passo adiante, de um novo estágio nessa narrativa de luta contra a desigualdade e a segregação: a liquidação da idéia de raça, da diferença dada pela cor, e a transfiguração dos Estados Unidos numa sociedade comandada pela idéia da “mais perfeita união”.

Obama descobriu um “lugar” de onde falar, de onde reconstruir uma perspectiva republicana capaz de interpretar, de uma forma superior, o sentido original da sociedade e de descobrir a possibilidade de um passo adiante. Este “lugar” não existe no Brasil. Como entre nós a república não é do povo, mas dos vitoriosos seduzidos pela natureza de reis e príncipes, não há a possibilidade de interpretar a história do país como a tentativa de expansão da própria soberania popular e da autoconsciência do povo. Cada momento de nossa história é segmentado do passado e capturado por um enredo especial que nasce dos vitoriosos, e que faz do povo um personagem obrigado a vestir o figurino exigido para a representação da eficácia desse enredo salvador, único e irrepetível. Essa volúpia da ruptura e do reinício faz de nossa história uma sucessão de “tempos fechados”, de regimes ou governos que se livram do passado por um piparote mental, pela abstração do passivo de problemas e desafios deixados pelo tempo fechado anterior e pela anulação das possibilidades democráticas que poderiam constituir uma tradição nacional progressivamente reflexiva. Dilma é ela mesma uma criatura do enredo concebido por Lula, e só existe como continuidade do tempo monárquico inventado por ele. Por isso a dinâmica de sua campanha reduziu-se a celebrar a natureza e os feitos desse “novo” Brasil, mas sem nenhuma capacidade reflexiva para enfrentar problemas reais, de se por como modalidade de autoconsciência do povo e de sua história. Na verdade, a campanha da candidata vitoriosa revelou um dos traços mais preocupantes e característicos desse tempo monárquico-lulista: a ausência de uma teoria efetiva a respeito do Brasil, ou seja, de um modo de interpretação coerente a respeito do país. De um “lugar” de onde se pudesse contemplar a nossa história real, não esta sucessão abstrata de tempos fechados.

Mesmo que nossa história não tenha se desdobrado como narrativa republicana, pelo menos cada “novo tempo” procurava se justificar por uma teoria ampla e modernizante voltada para um futuro que nunca chegava. Pois bem: qual era a grande explicação do Brasil que deu origem ao PT e ao PSDB? A idéia de ruptura, não com o “agora” imediatamente anterior, mas com toda a história “torta” do país. Era preciso romper com a tradição ibérica, com o patrimonialismo, com o predomínio do estado sobre a sociedade, com a prática entreguista e negociadora do PCB, enfim, com todo o passado. Era essa a tônica da produção sociológica da USP – mas não só dela -, que presidiu o encontro de intelectuais de classe média com um movimento sindical em busca de protagonismo e autonomia diante do Estado. O PT nasce deste encontro afirmando sua autonomia, o compromisso com os trabalhadores e com um socialismo depurado das taras do velho comunismo. Ele surge como um ator externo ao processo de transição democrática, recusando-se inclusive a assinar a Constituinte de 1988. Se o PT se movimenta entre os “de baixo”, o PSDB é alçado ao poder com a mesma atitude de ruptura, com a ambição de liquidar a Era Vargas e seu pesado encargo de distorções, apostando na estabilidade econômica, na preservação da racionalidade sistêmica, na separação estado-sociedade, na reforma do próprio estado, na organização autônoma da sociedade através de novas formas institucionais, como as organizações não-governamentais.

Sustentado pelo êxito econômico e político do Plano Real, Fernando Henrique tentou traduzir esse diagnóstico produzido, sobretudo, em São Paulo e ainda o aprendizado político do processo de transição. O caminho de Lula e do PT foi menos claro. Para alcançar a presidência, submeteram-se a uma típica operação de marketing, sangrando a cartilha da fundação do partido e lançando uma tranqüilizadora carta aos brasileiros. O que restava de autoridade e reflexão no partido foi destroçado no episódio do “mensalão”. De um lado, pela condenação política dos principais líderes do partido e, de outro, pelo êxodo de intelectuais frustrados com o governo e com o próprio PT. O próprio presidente passa a duvidar das suas chances de reeleição. Mas assume a condição de “metamorfose ambulante”, livra-se das velhas teorias – ou de qualquer teoria -, reinventa-se através de políticas para os setores mais pobres da sociedade – bolsa família, aumento do salário mínimo e crédito -, de alianças com setores antes vilipendiados por ele e pelo PT – Sarney é o símbolo dessa nova disposição, assim como Collor -, submete a economia a uma política mais voluntarista e menos “sistêmica”, e traz para dentro do estado todas as organizações e movimentos sociais, como assinala Werneck Vianna. É o seu dedo que toca e salva, através da proteção do estado. Do ponto de vista econômico e social, o segundo governo de Lula é exitoso. Tudo isso sanciona o enredo que ele mesmo cria e desdobra de improviso, por ensaio e erro. E é ele que tudo sustenta, com seu carisma, seu instinto político e suas alianças, sem nenhum competidor, seja dentro ou fora de suas alianças. E o próprio êxito de Lula o afasta do diagnóstico político que fizera nascer o PT: já não se trata de imaginar nada remotamente parecido com o socialismo, mas de incorporar ao capitalismo, a um capitalismo popular, setores até então excluídos do mercado formal de trabalho e de consumo.

Esse enredo não foi premeditado. Mas dizer que ele foi feito sem teoria, sem reflexão prévia, não significa dizer que não existiram “teorias” tentando disputar a condução desse processo. A reflexão de Mangabeira Unger, no segundo mandato, a presença de Marina Silva e do ambientalismo, e o Gramsci de Tarso Genro tentaram abrir caminho em meio ao pragmatismo político manejado por Lula. Nada disso, no entanto, conseguia dar sentido ao enredo em expansão, alimentado pelo seu próprio êxito e pelo carisma de Lula. Não por acaso, como observa ainda Werneck Vianna, Lula e o PT fazem uma viagem redonda à Era Vargas. Não, obviamente, para recuperar algum tipo de continuidade, para a construção de uma narrativa republicana, mas em busca da morfologia interna do tempo fechado e das suas possibilidades, exemplarmente materializadas no enredo inaugurado por Vargas em 1930. Era Lula o responsável por saquear a história, ressuscitando seletiva e arbitrariamente Vargas com sua preocupação social, Juscelino com seu programa de modernização acelerada e Geisel com a idéia de planejamento estratégico e do Brasil potencia, para constituir o seu próprio enredo. Na verdade, a imaginação do presidente se alimenta das experiências concretas pelas quais passou durante sua vida e da certeza de que deveria e poderia começar tudo de novo, numa trama que só ele poderia costurar e desenvolver.

O governo Dilma não poderá se basear na manipulação desabusada e enviesada da linguagem dos afetos, no saque descontínuo e arbitrário do passado, na ausência de competição política que, de algum modo, preservou Lula como o único ator político do segundo governo. Na verdade, a presidente e seus principais assessores parecem estar orientados por um programa de rotinização do carisma de Lula e de administração racionalizada de seu enredo. Não se trata de uma operação fácil, de uma sequencia automática e destinada inelutavelmente ao sucesso. Em primeiro lugar, e pelo próprio perfil da presidente, essa operação implica uma atenção maior a demandas sistêmicas, provenientes da economia e da administração política do condomínio no poder e dos setores sociais em ascensão social. Estas demandas não são facilmente conciliáveis por carregarem lógicas distintas, e na ausência de uma expressiva virtú política da presidente, o resultado pode ser um curto-circuito no enredo recebido de Lula. Em segundo lugar, uma negociação extremamente flexível entre todos os atores e todas as demandas pode desfigurar, na perspectiva de Lula, a herança por ele deixada, o que poderá torná-lo um fator de turbulência ao reclamar a preservação do sentido e do alcance da trama imaginada por ele como início de um novo Brasil. Em terceiro lugar, a cena política do governo Dilma será constituída por atores políticos dotados de maior ambição e dispostos a fixar, com clareza maior, alternativas à administração da herança lulista.

Uma operação de rotinização do carisma implica sempre a hermenêutica do enredo inventado pelo líder, a busca de uma ortodoxia que permita a sua manipulação por homens comuns e a adaptação tática ao mundo concreto. Essa é uma ocasião para a organização de uma “teoria”, não no sentido puramente acadêmico, mas prático. O grande problema é que, nas nossas circunstâncias, esta tentativa tem tudo para dar errado, mesmo se der certo. Lula foi um improvisador audacioso, e sua trajetória presidencial dependeu decisivamente de sua virtú pessoal. Difícil fazer uma hermenêutica produtiva, no sentido de se retirar uma ortodoxia qualquer, da ação virtuosa de um presidente que abandonou a idéia de uma reflexividade mais larga e sistemática. Mas admitamos que isso venha a ser feito: estaremos confirmando, sem a exuberância de Lula, a história brasileira como sucessão de tempos fechados que se esgotam no decorrer do tempo. Há, certamente, uma terceira alternativa, e não apenas para Dilma: e de abandonar o projeto do tempo monárquico, de inventar uma tradição republicana tendo o povo como sujeito – e não como ator de uma peça qualquer, por mais generosa que seja a sua trama – e a Constituição como a origem desse povo. Uma Constituição feita para encerrar o regime militar e autoritário, mas também a Constituição do povo brasileiro e de todas as suas gerações. Será pedir demais que nossa República seja efetiva?

*Professor titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF