terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna : Oriente e a democracia

Essas ameaças afetam a todos, e não deve haver neutralidade em relação a elas, pois, ali no Oriente, a democracia, como sistema de governo e como caminho estratégico de mudança social, joga uma cartada decisiva no tabuleiro do mundo. Exorcizá-las implica participar do movimento da opinião pública internacional, reclamando uma posição ativa dos governantes, pressionando-os no sentido de que mobilizem seus recursos institucionais em favor de uma alternativa democrática que livre aquela imensa e complexa região dos abismos da guerra civil e dos demônios que ela pode liberar. Trata-se da defesa da democracia, sistema de vida e de organização política a que aderimos quando derrotamos o regime autocrático nos idos dos anos 1980, ainda a carecer de não pouco aperfeiçoamento.

WERNECK VIANNA. Luiz. A Tunísia, o Egito e nós. Valor Econômico, 7/2/2011.

Israel se inquieta:: Merval Pereira

A situação no Egito está evoluindo bem, já há consenso para reformar a Constituição, dando-lhe uma feição mais liberal, e as negociações estão sendo encaminhadas sem a presença do ditador Hosni Mubarak. Ele continua na presidência, mas afastado das negociações, sem poder real, que está sendo exercido pelo vice-presidente Omar Suleiman, que negocia com as oposições, inclusive com a Irmandade Muçulmana.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, está convencido de que "nunca mais" o Egito será igual depois do que está acontecendo nesses últimos dias, e ele tem razão, embora não se possa dizer ainda o que acontecerá com o país ao final das negociações e da transição para um futuro governo.

Tudo indica que se chegou à conclusão de que não será possível retirar Hosni Mubarak da presidência, e optou-se por prosseguir nas negociações para a transição com o ditador afastado delas, mas ainda no poder. Com condições, por exemplo, de reunir o ministério e dar um aumento para os funcionários públicos.

A manutenção de Mubarak, que o governo dos Estados Unidos não queria inicialmente, serve, sobretudo, para acalmar Israel, o maior aliado dos Estados Unidos na região.

A onda de reivindicações, que a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, já classificou como de uma "tempestade perfeita", continua varrendo a região.

Mesmo com a promessa de levantar o estado de emergência, em vigor há 19 anos, de flexibilizar a legislação para ampliar as liberdades democráticas, e de criar novos empregos, o presidente da Argélia não consegue conter o ímpeto das ruas, e já há uma manifestação sendo anunciada para o próximo sábado.

Além do anseio por mais liberdade, e a capacidade de mobilização facilitada pelo uso dos novos meios tecnológicos de relacionamento pela internet, como o Facebook e o Twitter, há questões práticas também em jogo naquela região.

O desemprego está muito alto em países que, como o Egito, têm a maioria da população em idade de procurar emprego, e a inflação permanece comendo o já baixo salário dos cidadãos.

Por isso os governos acenam com aumentos salariais e promessas de mais empregos, mas nem mesmo com a concretização dessas promessas poderá haver um pouco mais de ordem nas ruas.

Tudo indica que essa onda de reivindicações não cessará tão simplesmente, e o resultado natural será uma renovação de governos.

A grande dúvida é se estas mudanças, que atingem principalmente as chamadas "ditaduras amigas" dos Estados Unidos e do mundo ocidental de maneira geral, levarão a governos democráticos ou se haverá, como alguns temem, a uma onda de governos de radicais islâmicos.

Este é o grande receio dos que apostam em uma onda democrática na região, como o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Segundo fontes israelenses, é indiferente o tipo de governo que vier a se instalar no Egito, isto seria "questão interna" do povo egípcio, embora muitas nações dependam do petróleo que passa pelo Canal de Suez e da posição estratégica egípcia no norte da África.

O que preocupa realmente o governo de Israel é a manutenção do acordo de paz com o Egito. Eles ressaltam que desde 1979, quando foi assinado por Sadat e Begin, o acordo jamais foi "arranhado" e o governo egípcio tem tido papel fundamental de intermediário nas negociações entre israelenses e palestinos.

O governo israelense não engole a definição de "moderada" da Irmandade Muçulmana e lembra que ela sempre se colocou contra o acordo de paz, e, segundo a mesma fonte, "jamais reconheceu os legítimos direitos à existência de Israel, tendo inclusive planejado uma vingança e executado o assassinato de Sadat em praça pública durante parada militar, em 1981".

Apesar disso, o Egito continuou cumprindo fielmente todos os itens do acordo original. Em troca recebeu o Sinai de volta, áreas petrolíferas e ganhou um parceiro estratégico e comercial de relevância.

O que mais importa para Israel é a tranquilidade de mais de três décadas na fronteira com o maior e mais poderoso pais árabe do mundo.

Em consequência desse relacionamento, egípcios visitam Israel desde 1979, enquanto os israelenses "invadem" a maravilhosa cidade balneária de Sharm al Sheik - local onde Hosni Mubarak tem uma casa e onde deseja terminar seus dias -, além de intenso comércio bilateral.

As duas embaixadas ainda funcionam normalmente. O entendimento do governo israelense é de que, se o Egito cair nas mãos do fundamentalismo islâmico liderado pela Irmandade Muçulmana, como aconteceu com o Irã após a queda do Xá e o advento dos Aiatolás, todo o mundo árabe, aliado do Ocidente, estará em gravíssimo risco de ebulição.

O Hamas em Gaza recebe apoio da Irmandade e qualquer ascensão deste grupo ao governo do Egito significaria uma grave derrota para os palestinos do Fatah na Cisjordânia, e um profundo golpe na liderança de Mahmoud Abbas, que, juntamente com Ehud Olmert, primeiro-ministro de Israel, desenhou uma proposta de paz em 2008 que é o único plano existente com a possibilidade de ser retomado para discussões.

FONTE: O GLOBO

Desencontro marcado:: Dora Kramer

O roteiro está definido e não é de hoje: o prefeito Gilberto Kassab está decidido a sair do DEM desde o ano passado quando, em dezembro, já falava no mês de março como prazo limite para filiação ao PMDB.

A novidade agora é que resolveu esperar a realização da convenção nacional extraordinária no partido, em 15 de março, para oficializar a decisão que será anunciada em algum dia das duas semanas subsequentes.

Enquanto isso, ele examina qual a melhor forma de resguardar os mandatos dos deputados federais, estaduais, prefeitos e vereadores que pretende levar consigo: se o Congresso aprovar alterações na lei que permitam a abertura de uma "janela" para transferências partidárias, tudo resolvido.

Se não, a alternativa será a criação de um partido para abrigar aqueles dissidentes, já que a atual legislação prevê a mudança sem punições para o caso de fundação ou fusão de legendas. A posterior fusão desse partido transitório à nova casa de Kassab seria uma possibilidade.

A referência à "nova casa" e não ao PMDB específica e diretamente é proposital. Hoje o destino do prefeito de São Paulo é mesmo o partido de Michel Temer. Ocorre que há uma conversa e algumas condições no ar.

A conversa é com o PSB, cujo presidente, governador Eduardo Campos, já manifestou interesse, embora ainda não tenha sentado à mesa para formalizar o convite, de ter Kassab em seus quadros. São tratativas a respeito das quais o prefeito não confirma nem desmente.

Claro, a ele interessa manter o maior número possível de portas abertas, inclusive para valorizar e facilitar a negociação com o PMDB.

As condições a serem postas para Temer em momento oportuno, são as seguintes: comando do processo de sucessão na Prefeitura de São Paulo e o compromisso de não bater de frente com José Serra, com quem Gilberto Kassab ainda considera que tenha um dever de lealdade por ter sido o tucano, quando aceitou sua indicação como vice na chapa para a prefeitura de 2004, quem abriu lhe abriu as portas para crescer na política.

Em português claro: Kassab quer o comando da eleição municipal e liberdade para apoiar Serra se ele for candidato a prefeito em 2012, presidente ou governador em 2014. O compromisso, diga-se, limita-se à candidatura do tucano e não se estende a nenhum outro político do PSDB e área de influência.

Se Geraldo Alckmin for candidato à reeleição, como tudo indica que será, Kassab se sente liberado para tentar construir a candidatura ao governo do Estado. Da mesma forma se, na ocasião, ficar definido que o candidato a presidente pelo PSDB será Aécio Neves.

Aceitas as condições, o prefeito transfere-se em abril para o PMDB levando junto uma quantidade de deputados, prefeitos e vereadores que não tem revelado nem aos mais próximos colaboradores.

Alguma possibilidade de permanecer no DEM? Só na versão oficial, quase fantasiosa de tão remota: caso o grupo aliado ao atual presidente, Rodrigo Maia, perca a disputa interna na convenção extraordinária de março, o partido recupere-se ao escândalo do mensalão brasiliense e como por encanto passasse a representar boas perspectivas políticas e eleitorais.

Ou seja, na ocorrência de um milagre, Kassab fica.

Cenografia. Por essas e muitas outras a Comissão de Ética Pública da Presidência da República não passa de uma boa e inútil ideia. Cinco meses depois do escândalo Erenice Guerra, o presidente da comissão, Sepúlveda Pertence, informa que na semana que vem fica pronto o parecer sobre as acusações de uso do cargo para tráfico de influência.

A partir de então, Erenice terá dez dias para apresentar sua defesa. Se for considerada culpada, recebe uma "censura". Sem efeito, pois não a alcança no posto nem representa impedimento legal para que venha assumir outro cargo público.

Criada para balizar a conduta de funcionários do primeiro escalão do governo federal, ao se tornar uma instância vã a comissão apenas presta-se a encenações que desvirtuam completamente seu caráter original.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Igualdade e fraternidade:: Eliane Cantanhêde

Nem só para multiplicar verbas indenizatórias, gerar escândalos e divertir o distinto público com os Tiriricas existe o Congresso Nacional. Existe também, e prioritariamente, para atualizar e votar leis que dizem respeito a milhões de cidadãos e cidadãs.

Na nova legislatura, há dois projetos exemplares. Um é o PL 122 de 2006, que acrescenta os homossexuais na lei que criminaliza os atos discriminatórios, inclusive nos casos de manifestação pública de afeto e de impedimento ou dificultação de vagas de trabalho e estudo.

O texto já passou pela Câmara e está no Senado, onde uma vigilante Marta Suplicy (PT-SP), autora também do projeto de parceria civil, está de olho e vai fazer andar, seguindo o espírito de dois princípios basilares da democracia: liberdade de arbítrio e respeito ao próximo.

O PL 122, aliás, é daqueles que fazem as leis caminharem com a história e com a evolução de costumes. O direitos de cidadania já foi praticamente exclusivo dos homens e condicionado à cor, à educação e à classe social; foi estendido gradativamente às mulheres, aos negros, aos índios e aos pobres em geral. Chegou a vez dos homossexuais, dos transexuais e das lésbicas.

Eles já são considerados pelo mercado e, portanto, pela propaganda. Têm bares, restaurantes, editoras, pacotes turísticos e paradas do orgulho gay pelo país afora. E têm o apoio, inclusive, da Frente Parlamentar pela Cidadania GLBT. Todo esse conjunto de conquistas e de proteção precisa ser explicitado em lei. Que seja logo, se as igrejas e os conservadores deixarem.

O outro projeto diz respeito ao aumento da pensão por invalidez, quando o país acompanha estarrecido a lista de aposentados especiais, que inclui governadores por até alguns dias e parlamentares que exerceram mandato às vezes de só oito anos. Sem falar nas viúvas, nos filhos, nos netos e nos bisnetos até do longínquo Tiradentes.

Taí uma pura questão de justiça.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O bom pastor:: Raymundo Costa

Chegou uma conta do passado ao gabinete da presidente Dilma Rousseff. Em correspondência de pouco mais de uma página, oficiais de inteligência da Agência Brasileira de Inteligência propõem a reforma da Abin. Segundo eles, a agência até os dias de hoje é objeto de noções errôneas e refém do legado do Serviço Nacional de Informações, o SNI de triste memória da ditadura militar. Dizem que, sem reforma, não há como se livrar do passado.

O SNI é um desses acertos com o passado que o regime civil brasileiro até agora contornou, após a redemocratização do país. Fernando Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto direto no pós-64, tratou do assunto a sua maneira, como se fosse possível acabar com o SNI com um golpe de ippon. As tentativas de mudanças ocorridas no governo Fernando Henrique Cardoso também não enfrentaram questões essenciais, como a subordinação hierárquica da agência e o limite de sua atuação doméstica.

Por enquanto, Dilma tirou de dentro do Palácio do Planalto algumas questões delicadas do passado e outras do interesse militar, como a dos arquivos da ditadura, no primeiro caso, e a da compra dos novos caças da Força Aérea Brasileira (FAB), sob a análise agora também do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Sobre a Abin vazaram notícias a respeito de sua eventual transferência para o Ministério da Justiça, uma solução no mínimo inusitada, diante do caráter policial embutido na proposta.

Agentes da Abin querem se livrar do legado do SNI

O momento do debate é agora, quando o governo discute, meio na surdina, um Plano Nacional de Informações (PNI).

A carta enviada a Dilma é assinada pela Associação Nacional dos Oficiais de Inteligência (Aofi), uma das duas associações existentes de funcionários da Abin. A diferença é que reúne apenas os oficiais de inteligência do órgão, algo em torno de 120 agentes. A correspondência afirma que expressa a percepção de parcela significativa dos associados. E aborda questões cruciais deixadas sem uma resposta, ao longo desse período, a fim de aperfeiçoar a atividade de inteligência no país.

Os agentes apoiam que a Abin seja inserida numa cadeia de comando com subordinação civil. A agência está pendurada na Presidência da República, consequentemente subordinada à presidente, civil eleita pelo voto popular direto. Na prática, responde no dia a dia ao chefe de gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão que sucedeu a antiga Casa Militar da Presidência da República - a raiz do GSI é militar. Não há como fugir disso. É natural, portanto, que sua visão de inteligência seja de natureza mais militar que civil.

Na opinião dos agentes, a estrutura na qual esta inserida a Abin resiste a acompanhar mudanças de mentalidades e práticas exigidas no atual contexto da inteligência no Brasil e em todo o mundo. Os oficiais de inteligência não citam fatos concretos em sua correspondência, que em geral é tópica, conceitual. Mas cabe lembrar o envolvimento de mais de 80 agentes da Abin numa investigação da Polícia Federal sobre o banqueiro Daniel Dantas, parceria (PF e Abin) impensável em outras épocas e que, como em outras épocas, ocorreu à margem do processo legal.

O aprisionamento ao passado, no entendimento transmitido pela Aofi ao Palácio do Planalto, seria um obstáculo ao melhor aproveitamento do potencial de que dispõe hoje a Abin. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso são realizados concursos públicos para os quadros da agência. A renovação, de acordo com a associação, seria mais que bem-vinda, seria almejada. Na realidade, hoje se poderia afirmar que cerca de 90% dos servidores da Abin seriam contrários ao emprego da agência em operações de monitoramento de movimentos sociais, como era comum no passado.

A carta defende que a subordinação da agência de inteligência seja do chefe de Estado, a exemplo do que ocorre em outras democracias modernas, nas quais o "serviço" responde diretamente ao presidente da República, a quem cabe municiar com informações sensíveis para a tomada de decisões estratégicas.

Esse é o espaço que, na visão da Aofi, deve ser demarcado com precisão, pois em nenhum momento a inteligência deveria se confundir ou concorrer com a inteligência policial, militar e nem com atividade ministerial.

A Abin, de acordo com o documento, deve fazer parcerias com outros espaços de inteligência, como aqueles desenvolvidos pela Justiça (Polícia Federal, entre outros), o Ministério da Defesa (os serviços secretos militares) e o Ministério das Relações Exteriores (inteligência externa). Por um motivo basilar: sua principal função é produzir o conhecimento politicamente isento.

Os agentes propõem a Dilma que sejam aperfeiçoados os mecanismos de controle externo da atividade de inteligência e que sejam implementados outros mais eficientes. Na vida real, isso significa submeter a Abin ao controle do Congresso, efetivamente, pois já há subcomissões que preferem passar ao largo do que se passa no mundo quase sempre cinzento da espionagem.

A existência de um marco jurídico bem definido serviria também de proteção aos agentes, que não dispõem de prerrogativas legais necessárias à obtenção de informações sensíveis, o que eles consideram um fator limitante e determinante na qualidade de conhecimento da inteligência. É algo como a FAB antes da lei do abate, quando podia monitorar aviões, por exemplo, suspeitos de integrar a esquadrilha do narcotráfico, mas não dispunha do poder de coerção efetivo para fazê-los aterrissar.

Trata-se, sem dúvida, de uma questão delicada, pois o que se fala, na realidade, é de dar autorização para um serviço interferir em entidades e na vida privada. É certo que o Estado tem questões estratégicas de fronteiras, biopirataria, pirataria industrial e minerais, para não citar uma dezena de outros, sobre as quais precisa estar bem informado, no mundo moderno. Na carta a Dilma, a essência da proposta dos oficiais é que a inteligência deve ser vista na transcendência do Estado e nunca trabalhar contra movimentos que estão no embate político.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Social-democracia e classe média por aí:: Wilson Figueiredo

Quando percebeu os primeiros sinais de que fim de governo nada tem a ver com o começo, o ex-presidente Lula se lembrou de que a classe média não é um sofisma social, como o pensamento marxista fazia crer no fim do século 19.

Como de hábito, Lula não estava a par da questão, mas foi apresentado ao pequeno-burguês e se certificou de que ele existe e, como já era tarde para voltar atrás, entendeu o papel inédito que lhe cabia em favor da estabilidade social, pela própria definição de social- democracia: qual seja, como povo. E fez-lhe uma barretada.

O acesso de qualquer brasileiro à classe média já estava garantido mediante três refeições por dia.

O revisionismo, que foi o berço da social-democrata, não lhe mereceu consideração, mas Lula entendeu que devia uma referência simpática à classe média, pois entre a burguesia e o proletariado, personagens clássicos, a pequena burguesia ganhou peso político e se encaixou na sociedade de consumo como lastro estabilizador da democracia no século 20. Com a chegada dos sovietes ao poder na Rússia, em 1917, a classe média foi depreciada pela ortodoxia marxista e lhe foi recusado o status de classe social. Não teve vida folgada na primeira metade do século 20 mas, na segunda, vista com outros olhos, reapareceu com outra cabeça e folgou no espaço disponível mediante reformas sociais, dado o custo exorbitante das revoluções.

Foi o mesmo no Brasil, onde nem revoluções nem reformas resolveram o impasse do atraso político.

Antes de assimilar a convicção social-democrata, a mais conservadora (e mais qualificada) tendência política nacional à época tomou emprestada a definição em 1946, mas nosso PSD, em vez de cuidar da social-democracia, praticou o que se chamou pessedismo, um modo tradicional de governar sem exagerar. Foi um passo sem sair do lugar, a marca do pessedismo.

Depois da ditadura seguinte (1964/1985) veio o PSDB com reformas oferecidas em leque, sem menosprezar a concorrência do PT nem esquecer a multiforme democracia.

Os dois mandatos petistas de Lula refletiram o anacrônico sestro ideológico: desconfiança em relação à classe média, que está para a democracia brasileira como o pré-sal para a economia, e boas relações como capital de giro. Lula e a moçada do PT confundiram, logo de saída, o social com o sindical. Mas, na aposta federal, acertaram no milhar. Nas três primeiras eleições presidenciais, o PT ficou em segundo lugar em todas. Depois, não perdeu nenhuma.

Mesmo assim, o petismo e o próprio Lula mantiveram hostilidade juvenil à social-democracia como ideia a que não foram apresentados.

Pelo visto, no entanto, em um mês a presidente Dilma Rousseff está se saindo uma social-democrata sem se dar conta. Porque o dilema do PT é não ser ortodoxo nem reformista. Ficou prisioneiro da hesitação. Quis inventar um Brasil do nada, como se não estivessem acumulados cinco século de mal contada História colonial.

A ascensão de Dilma Rousseff é o resultado de uma operação eleitoral que pode ter sido o ponto culminante do roteiro do ex-presidente, mas não está livre de consequências imprevisíveis para a ideia original de voltar em 2014. Ou, aproveitando a do Mundial de futebol, prevista para aquele ano, pode ter sido um gol contra. Não autoriza otimismo a variedade de raciocínios que se podem fazer dentro da normalidade.

O modo pelo qual a sucessora atende à expectativa dos brasileiros é um fenômeno sem precedente histórico: o primeiro mês de governo foi uma lição de civilidade no trato com bandidos, adversários e aliados de todos os calibres éticos.

Pode-se dizer, por elegância e consideração, que a presidente Dilma tem polimento social-democrático e sabe que ninguém ascende à classe média apenas por passar a fazer três refeições por dia.

Wilson Figueiredo escreve nesta coluna aos sábados e terças-feiras.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

Pesos da exportação:: Míriam Leitão

Até Timothy Geithner, o secretário de Tesouro americano, admite: o real está valorizado. Ele diz que um dos motivos é que certos países emergentes têm moeda desvalorizada demais. Não falou em China, mas todo mundo entendeu. Por muito pouco, o Brasil não registrou déficit comercial com a Ásia. Nosso saldo comercial com a região, em 2010, caiu de US$4 bi para US$130 milhões e não foi culpa da China.

Com os chineses, o Brasil teve superávit de US$5,2 bilhões. A piora veio de Coreia do Sul, Tailândia e Índia. Com os três, o déficit foi de mais de US$6,5 bilhões. Com os sul-coreanos, o déficit cresceu 120%, de US$2,1 bi para US$4,6 bi. As importações subiram 75%, de US$4,8 bi para US$8,4 bi. Já com os indianos, saímos de superávit de US$1,2 bilhão para déficit de US$750 milhões. Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, os números mostram a fragilidade de nosso saldo comercial, porque mesmo com a disparada dos preços das matérias-primas, o superávit com os asiáticos foi muito reduzido:

- O problema no comércio com a China é que o superávit ficou praticamente igual de um ano para o outro, mesmo com a explosão de preços das commodities. Isso significa que aumentamos muito as importações, em 60%. Com a Índia, o superávit virou déficit porque importamos muito óleo diesel. Com a Coreia do Sul, a importação é basicamente de automóveis e eletroeletrônicos. Enquanto vendemos matérias-primas para eles, compramos itens com valor agregado.

Os números revelam outros dados surpreendentes. Com os Estados Unidos, nosso déficit comercial disparou 75% de um ano para o outro, de US$4,4 bilhões para US$7,7 bi. Já no Oriente Médio, a surpresa é o Irã, que virou o segundo maior comprador de produtos brasileiros, ultrapassando os Emirados Árabes. Aproveitando o embargo promovido pelos americanos, nossas vendas para os iranianos subiram 74%, de carne, açúcar e milho, principalmente, chegando a US$2,1 bilhões.

- Com os EUA, o déficit disparou por motivos ideológicos, porque não demos atenção a esse mercado. Sempre tivemos superávit com os americanos. Em 2008, por exemplo, foi de US$1,8 bi. A participação dos americanos no nosso comércio era de 25% e foi reduzido a 9,6%. Um mau resultado, em se tratando da principal vitrine para o comércio internacional - explicou Castro.

As principais queixas dos exportadores continuam sendo câmbio e Custo Brasil. O real valorizado tira competitividade, e a precária infraestrutura, alta carga tributária e carência de mão de obra especializada encarecem custos de produção. A China, apesar do superávit comercial, ainda é considerado país ultrafechado. Se, por um lado, o mercado chinês é forte comprador de matérias-primas, por outro, mantém restrita a compra de itens com maior valor agregado. No setor de aviação civil, por exemplo, é o governo chinês quem decide de quais companhias estrangeiras as empresas do país podem comprar. Essa é uma das dificuldades que a Embraer tem, apesar de ter conseguido exportar mais em 2010, chegando a US$4,16 bilhões, e fechar o ano em quarto lugar no ranking de exportações.

- Gostaríamos de ter mais negócios com a China, uma abertura maior. Temos parceria com uma empresa chinesa, onde temos controle, mas o problema é que o governo chinês é quem decide de quem as empresas do país podem comprar. Elas precisam de autorização governamental para suas decisões de compras. Há um controle muito forte do mercado - explicou Paulo César de Souza e Silva, vice-presidente-executivo da Embraer para o Mercado de Aviação Comercial.

A BR Foods e a Sadia exportaram juntas US$4,4 bilhões em 2010. Arábia Saudita e Japão foram os principais compradores. A China aparece apenas como 10º mercado. A queixa com os chineses, neste caso, é a lentidão das inspeções sanitárias. A empresa detém 20% do mercado mundial de frango e 9% do mercado de proteína, em geral. De cada cinco frangos exportados no mundo, um é da BR Foods. O dólar fraco e os gargalos de infraestrutura são queixas da empresa.
- Nossos portos não possuem o mesmo padrão de custo de Estados Unidos e Europa. As taxas são altas e a produtividade, baixa. As estradas também são muito ruins, ferrovias, toda a cadeia de transporte - disse Antonio Augusto de Toni, vice-presidente de mercado externo da BR Foods.

A Cargill exportou US$3 bilhões em 2010, o sétimo melhor resultado do país. A Ásia é o principal mercado comprador, e a soja representa 80% da pauta de exportações da empresa. O aumento da renda dos asiáticos tem puxado a compra de proteína. Paulo Sousa, líder da unidade de Negócio Complexo Soja da Cargill, e Luiz Preti, diretor de finanças, dizem que a empresa poderia exportar mais, não fosse o alto custo de se produzir no país.

- O Custo Brasil é muito pior que o real valorizado. Mesmo se tivéssemos o dólar valendo R$2,20, ainda assim nossos custos seriam maiores que de Argentina e Estados Unidos, por exemplo. A soja poderia ser exportada pelo porto de Santarém, que fica a 700 quilômetros da produção. Mas a BR-163 está para ser asfaltada desde o ano 2000. Entrou na lista de obras do PAC, teve cronograma adiado para 2009, depois para 2010, e agora fala-se em 2012. Por isso, temos que ir até o porto de Santos, a 2.000 quilômetros, e passar por ferrovia, que no Brasil tem custo de rodovia, porque há poucos trilhos e a demanda é muito alta - explicaram.

Ouvimos alguns dos principais exportadores para saber deles o que mais atrapalha a exportação. Todos reclamam do câmbio, mas todos acham que as dificuldades resumidas na expressão "Custo Brasil" são uma barreira muito mais poderosa.

FONTE: O GLOBO

Inflação sincronizada de commodities :: Yoshiaki Nakano

A disparada nos preços de commodities no mercado global desde meados do ano passado deverá persistir num futuro previsível e, com isso, a aceleração da inflação passou a ser uma das principais preocupações dos países emergentes. Com exceção do petróleo, tanto os alimentos como os metais preciosos já ultrapassaram os níveis recordes que haviam alcançado no início de 2008, antes do pânico gerado nos mercados com o colapso do Lehman Brothers.

Esta surpreendente recuperação e boom nos preços das commodities tem inegavelmente um forte componente provocado pelo excesso de liquidez gerado pelas políticas monetárias ultraexpansionistas do Federal Reserve (Fed, banco central americano) e do banco central europeu. Com o excesso de liquidez, as posições especulativas de investidores financeiros em commodities já vinham crescendo fortemente antes da crise financeira. Com a crise financeira e a súbita e forte contração de liquidez de crédito, os preços da commodities sofreram uma forte queda. Com a nova política monetária de "quantitative easing" - monetização da dívida pública - recursos a vontade a taxas de juros próximas a zero, num contexto de incerteza, investimentos em commodities transformaram-se numa alternativa atraente em termos de retorno. É por isso que commodities com características díspares, cujos preços não tinham nenhuma correlação, passaram a ter hoje uma correlação forte, tanto o boom como o colapso de preços, passaram a ser sincronizados. É verdade que esta especulação tem fundamento no forte aumento da demanda dos países emergentes, mas o aumento sincronizado de preços em mercados com características tão dispares (alimentos x petróleo) tem um componente de bolha", certamente um fenômeno recente que merece atenção, pois tornou este mercado pelo menos mais volátil.

Estes aumentos sincronizados de preços das commodities deverão persistir por alguns anos, pois tanto a política monetária expansionista do Fed, como o crescimento demanda, eventualmente mais moderada, dos emergentes também deverão persistir. De uma forma mais geral, as consequências desta pressão inflacionária serão negativas para a economia global, particularmente nos países emergentes, pois estão reagindo com aperto na política monetária ou creditícia. Isto significa que a taxa de crescimento dos países emergentes deverá ser revista para baixo nos próximos anos. Para os países desenvolvidos as consequências serão menos sentidas e poderá ser até positiva afastando o espectro da deflação.

Do ponto de vista teórico a reação correta de política monetária e as suas consequências dependem do grau de indexação dos salários e dos preços. Existem três situações básicas: a primeira situação e o pior cenário, é aquela em que os salários nominais aumentam em função da inflação de commodities (especialmente alimentos) e as empresas repassam estes aumentos para os preços. Neste caso, a política monetária, num primeiro momento, não reduz nem a demanda dos trabalhadores nem das empresas, o eventual excesso de demanda pode persistir, pois nem o salário real nem a margem de lucro sofrem queda. O risco é de aceleração persistente com uma espiral de salário e preço, o que exigirá novos e sucessivos apertos na política monetária e creditícia, até romper a indexação.

Este aparentemente é o cenário por trás da decisão do Banco Central do Brasil na sua última reunião de 18 e 19/1/2011. O Copom no seu comunicado identifica que a inflação foi "forte e negativamente influenciada pela dinâmica dos preços de alimentos" e que esses "desenvolvimentos tendem a ser transmitidos ao cenário prospectivo, entre outros mecanismos, via inércia". Este cenário de indexação de salários e preços, a inércia, pode prosperar dada a persistência no descompasso entre as taxas de crescimento da oferta e demanda", "… a estreita margem de ociosidade dos fatores de produção, especialmente, de mão de obra. Em tais circunstâncias um risco importante reside na possibilidade de concessão de aumentos nominais de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade".

As consequências desta pressão serão negativas para a economia global, particularmente nos países emergentes.

Se este diagnóstico do Banco Central estiver correto, estamos enfrentando não só pressão inflacionária devido ao aumento de preços de commodities, como pela primeira vez na nossa história, o pleno emprego no mercado de trabalho.

Uma segunda situação é aquela em que os salários não estão indexados e, portanto sofrem queda real no seu poder aquisitivo, com o aumento de preços, resultando numa queda no consumo, eliminando, eventualmente, o excesso de demanda. Neste caso, não serão necessárias medidas de aperto na política monetária, pois a elevação do nível de preços reduz a demanda, ajustando-se a oferta menor a preços mais elevados. Evidentemente, o desemprego aumentaria.

Uma terceira situação é aquela em que os salários estão indexados, mas as empresas não tem condições de repassar os aumentos de salários em resposta aos aumentos de preços de commodities. Neste caso, a demanda das famílias se mantém, mas com a queda na margem de lucros, as empresas reduzem as suas demandas e certamente aumentaria o desemprego. Assim, não serão também necessárias medidas restritivas de política monetária em resposta aos aumentos de preços das commodities.

Desta forma, só na primeira situação, em que fatores de produção estão empregados e a demanda agregada está persistentemente crescendo mais do que a oferta, o aperto na política monetária é necessário até que a queda da demanda e elevação da taxa de desemprego comece a romper a indexação dos salários aos preços das commodities e dos preços aos salários.

Yoshiaki Nakano - ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV/EESP, escreve toda segunda terça-feira do mês.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Um lugar na mesa principal :: Rubens Barbosa

Talleyrand, notável político e diplomata, serviu a todos os regimes na França de 1796 a 1830. Num de seus momentos de ostracismo, convidado para um jantar na corte parisiense, dirigiu-se a um lugar obscuro no final da mesa. Ouviu de um dos convidados que seu lugar não era ali, mas na mesa principal, o que motivou a famosa resposta: "O lugar mais importante à mesa é aquele onde me sento".

Ocorreu-me esse episódio enquanto participava de reunião de grupo composto por importantes formuladores e executores de política externa, capitaneados por Henry Kissinger, recentemente, em Nova York. No encontro foram examinados os principais aspectos da conjuntura internacional, a mudança do eixo político e econômico do Atlântico para o Pacífico, a emergência da China, o conflito Israel-palestinos, o Irã e as consequências dos vazamentos do WikiLeaks. A mim foi proposto discutir se o Brasil poderia ou não, no processo decisório mundial, ocupar um lugar na mesa principal.

A simples pergunta implica o reconhecimento do peso político que o Brasil passou a desfrutar nos últimos anos, mas também indica que o País tem de justificar sua plena participação nos diretórios que se vêm formando para responder às novas realidades do cenário global.

Ao contrário de Talleyrand, o Brasil acredita que já deveria estar na mesa principal, mas sem que venham cobrar posições. O Brasil, a Índia, a África do Sul e alguns outros poucos países passaram a ter maior visibilidade e peso em suas regiões e, no tocante aos temas globais, começaram a ser vistos pela comunidade internacional como possíveis novos integrantes dos diretórios formais ou informais na área de paz e segurança, e outros de interesse geral.

Dentro de uma visão de médio e longo prazo, respondi positivamente à indagação que me foi colocada e procurei mostrar por que o Brasil hoje pode assumir essa posição de destaque. Alinhei também as credenciais de natureza política e econômica para estarmos presentes nos principais centros decisórios.

Dada a sua índole pacífica, o Brasil não representa nenhuma ameaça para os países da região. Embora mantendo fronteira com dez vizinhos, as disputas territoriais foram negociadas e há 145 anos o País não se envolve em guerras regionais. Ao contrário da China, Índia e Rússia, o Brasil não é uma potência nuclear. A crescente presença externa do País ocorre, sobretudo pela habilidade de obter êxitos pelos valores que defende, por sua cultura, pela ação moderada e moderadora, além da atitude positiva para construir consensos, em outras palavras, pelo seu soft power.

O Brasil, interlocutor indispensável nos temas globais, como comércio, meio ambiente/mudança de clima, direitos humanos, energia (renovável e, agora, com o pré-sal, petróleo) e água, membro fundador do Gatt, das Nações Unidas e dos organismos criados em Bretton Woods, depois da 2.ª Guerra - Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) -, desempenha um papel ativo e construtivo nesses organismos. Participa do G-7/G-8, como convidado, e integra o G-20 Financeiro, com forte presença nas discussões sobre governança global. Candidato declarado a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, integra o Grupo dos Quatro, com a Índia, o Japão e a Alemanha, com vista a acelerar a reforma das Nações Unidas e de seu órgão mais importante, de modo a que se tornem mais representativos do novo equilíbrio de forças no século 21.

Com crescente participação em questões regionais fora da América Latina, o Brasil tem procurado fazer-se ouvir no processo de paz para solucionar o conflito Israel-palestinos, na questão do programa nuclear do Irã e na ajuda aos países da África. Por iniciativa brasileira foram criados fóruns para o diálogo entre a América do Sul e o Oriente Médio e entre nossa região e a Ásia. A institucionalização do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) tornou mais forte a voz do nosso país no contexto internacional.

A internacionalização da economia e das empresas brasileiras, sobretudo nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina, é um reflexo do crescimento e da sofisticação do mercado brasileiro - o crescimento sustentado da economia, que já é a oitava do mundo em termos de produto nacional bruto, pelo critério do FMI, e, caso a tendência de baixo crescimento na Europa se mantenha nos próximos anos, será, em 2015, a quinta economia global, deixando para trás a França, a Inglaterra e a Itália. A importância do Brasil como fornecedor de produtos agrícolas para o mundo e gerador de tecnologia tropical nessa área coloca o País em posição privilegiada como potência agrícola mundial. A assistência técnica e financeira que o Brasil oferece aos países em desenvolvimento da América Latina e da África coloca hoje o País entre os maiores doadores internacionais.

Dessa forma, tendo opiniões que vão desde a guerra cambial até a questão da não proliferação nuclear, o País espera ser reconhecido como um relevante ator global.

Na reunião em Nova York houve reconhecimento da solidez das credenciais do Brasil. Pelas reações dos presentes, ficou claro que a comunidade internacional já está observando atentamente os movimentos do governo brasileiro. A caminhada vai ser longa ainda e o atual e os futuros governos terão um grande desafio: fazer com que o País assuma as responsabilidades impostas pela participação nos diretórios que tomam as decisões mais importantes e exerça uma liderança clara e propositiva tanto no contexto regional como nos temas globais. A exemplo da China, o Brasil, baseado no respeito mútuo e na cooperação, terá também de definir um relacionamento maduro com os Estados Unidos para ser chamado a sentar-se à mesa principal.

Ex-Embaixador em Washington (1999-2004)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Egito: Frases de Lula

2003, durante viagem ao Egito:

"O presidente Mubarak é um homem preocupado com a paz no mundo, com o fim dos conflitos e com o desenvolvimento" (LULA)

2011, visita, ontem, ao Senegal:

"O que está acontecendo no Egito é simples: água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Uma hora o povo falou: "Eu existo, quero participar" (LULA)

Lula critica centrais e ajuda Dilma na guerra do mínimo

Em sua primeira declaração pública sobre o governo Dilma desde que deixou o Planalto, o ex-presidente Lula, em viagem a Dacar, no Senegal, onde participou do Fórum Social Mundial, fez ontem críticas duras aos ex-colegas de militância sindical. Ao comentar a negociação sobre o aumento do salário mínimo, Lula disse que os companheiros sindicalistas não podem mudar as regras do jogo a cada momento. Para o ex-presidente, é "oportunismo" vincular o mínimo aos índices da economia, como a inflação e o PIB. O governo aumentou ontem a pressão para impedir a derrota de Dilma na votação do mínimo e garantir os R$ 545 rejeitados pelas centrais. Projeto de lei que está sendo elaborado pelo governo e será enviado ao Congresso prevê a manutenção, até 2014, da regra atual de reajuste do mínimo - a inflação do período e o crescimento do PIB de dois anos anteriores. O projeto modifica o de Lula: ano passado, ele enviou à Câmara proposta prevendo a política de valorização do mínimo até 2023 - que não foi aprovada. O ministro Luiz Sérgio disse que Dilma restringiu o alcance do projeto à duração de seu mandato.

Lula: sindicalistas são oportunistas

O MÍNIMO DA DISCÓRDIA

Ex-presidente diz que querem "mudar a regra do jogo" e que espera que haja acordo

Tatiana Farah

- O que não pode é os nossos companheiros sindicalistas mudarem a regra do jogo a cada momento - disse Lula a jornalistas brasileiros em Dacar, no Senegal, antes de participar de uma mesa de debate do Fórum Social Mundial com diversos sindicalistas da CUT (Central Única dos Trabalhadores) na plateia.

Segundo Lula, o acordo do salário mínimo foi fechado durante a gestão do ex-presidente da CUT, Luiz Marinho, no Ministério da Previdência.

- (O acordo) era combinar o PIB com a inflação até 2023 para que a gente pudesse recuperar definitivamente o salário mínimo - explicou Lula, completando: - Aí, você tem uma regra, aprova na Câmara, vira lei e todo mundo fica tranquilo. Ou você fica com o oportunismo: quando a inflação é maior, você quer antecipar; quando o PIB é menor, você quer antecipar.

Críticas à tentativa de mudar acordo

Lula lembrou aos sindicalistas que o acordo foi fechado em seu governo, mas que, apesar de se sentir confortável para intermediar a questão por ser "amigo e companheiro" dos dirigentes sindicais, o assunto já estava sendo tratado pelo ministro Gilberto Carvalho, representante da presidente Dilma Rousseff, e pelo Congresso Nacional:

- Penso que seria prudente que os nossos companheiros sindicalistas soubessem que a proposta não é do governo. É combinada entre todos nós. Então, espero que eles façam um acordo.

Lula reforçou a importância de cumprir o combinado entre governo e centrais sindicais:

- Não é uma boa política essa de querer mudar a cada ano um acordo que a gente faça. Na política vale, muitas vezes, o cumprimento da palavra. Se é verdade que este ano o PIB vai dar zero, no outro ano ia dar 8%. Então, tem a compensação.

O ex-presidente não quis falar sobre os passaportes diplomáticos recebidos por seus filhos e neto dias antes de deixar a Presidência.

- Te incomoda?- retrucou ao jornalista que perguntou sobre os documentos, entrando em seguida no carro que o levou até o debate do Fórum Social Mundial, aberto domingo em Dacar. Ao lado de políticos da África, Lula foi saudado com o tradicional hino de suas campanhas: "olê, olê, olê, olá, Lula, Lula".

Em um café da manhã com a secretária-geral do Partido Socialista Francês, Martine Aubry, ontem pela manhã, Lula defendeu que, como o Brasil, a França tenha uma mulher como presidente da República. O país terá eleições no próximo ano e duas mulheres são cotadas para disputar o cargo com o presidente Nicolas Sarkozy, um dos líderes internacionais mais próximos de Lula.

- Ele disse que seria bom que fosse uma mulher, como Dilma (Rousseff) - afirmou à imprensa Martine Aubry.
FONTE: O GLOBO

Por qué no te callas?

Sindicalistas reagiram às declarações do ex-presidente Lula e criticaram a maneira como o governo conduz a negociação sobre o mínimo. O presidente de uma das centrais disse que Lula “perdeu uma grande chance de ficar calado”.

Sindicalistas criticam governo e Lula: 'Ele perdeu chance de ficar calado'

O MÍNIMO DA DISCÓRDIA

Centrais preparam carta em que ameaçam rompimento com governo Dilma

Leila Suwwan

SÃO PAULO. As centrais sindicais, que aguardavam nova rodada de negociação com o governo, reagiram ao revés duplo sofrido ontem. Primeiro, devolveram a acusação de "oportunismo" ao ex-presidente Lula, lembrando que ele e Dilma prometeram, na campanha eleitoral, aumento real do salário mínimo para 2011. Surpresos com a decisão da coordenação do governo de enviar a proposta de R$545, reafirmaram a disposição de brigar nas ruas e no Congresso.

Em encontro das seis entidades ontem, o grupo decidiu emitir um documento que indica o rompimento da presidente com os trabalhadores. O primeiro grande protesto, do setor metalúrgico, acontece amanhã em São Paulo. Os sindicalistas consideram ser intransigência dos ministros de Dilma - especialmente da área econômica - o valor do novo mínimo, que corrige apenas a inflação.

Eles pediam reajuste para R$580, além da correção da tabela de Imposto de Renda e aumento nas aposentadorias. Ontem decidiram aceitar um adiantamento do reajuste previsto para 2012 e sinalizam um acordo no patamar de R$560. Os presidentes da CUT, Força, CTB, CGTB, UGT e Nova Central devem afirmar em carta aberta que Dilma está rompendo com os oito anos de gestão Lula, em favor de interesses do setor financeiro.

O presidente da CTB, Wagner Gomes, afirmou que as centrais estão dispostas ao confronto aberto com Dilma, que ajudaram a eleger.

- O presidente Lula perdeu uma grande chance de ficar calado. Ele não é mais o presidente. Quando era, esteve em um comício com a Dilma em São Miguel Paulista, e eles prometeram que o salário mínimo teria reajuste com aumento real ainda neste ano. Se tem alguém oportunista e que não cumpre acordo, é o governo - disse Gomes. - Não vamos capitular na defesa do mínimo. É lamentável que a primeira atitude da presidente seja contra os trabalhadores.

- O Lula está com problema de memória. Quando Serra propôs o mínimo de R$600 e os 10% para os aposentados, ele e Dilma estiveram reunidos com os presidentes das centrais aqui na Força, antes do comício em São Miguel Paulista, e afirmaram que podíamos garantir para nossas bases que teríamos aumento real neste ano - disse o deputado Paulo Pereira (PDT-SP), o Paulinho da Força Sindical, citando o comício de 15 de outubro em que Lula acusou José Serra (PSDB-SP) de fazer demagogia com o mínimo.

O presidente da CUT, Artur Henrique, afirmou:

- Ninguém está querendo mudar a regra do jogo. Só queremos ser tratados da mesma forma que os empresários e o setor financeiro foram tratados durante a crise, com medidas excepcionais, especialmente para os bancos privados - disse Artur Henrique, que coordena a carta aberta das centrais.

O tom do documento será de alerta para o rumo que Dilma está tomando, com uma visão fiscalista que consideram equivocada e abandonando a herança de Lula. As centrais vão bradar o lema de que 2011 é o nono ano do governo dos trabalhadores, e não o primeiro ano de um "novo" governo neoliberal.

Antonio Neto, presidente da CGTB, adotou um tom menos hostil. Disse que a radicalização não é contra Dilma, e sim contra interesses derrotados em 2010.

- Podemos aceitar um adiantamento de parte do reajuste previsto para 2012. Topo fechar em R$560, mas precisamos aguardar o governo para saber se vamos ter negociação.

FONTE: O GLOBO

Decisão da Câmara afronta STF

Numa atitude de confronto com o STF, a Mesa Diretora da Câmara vai manter a decisão de empossar suplentes levando em conta a resultado das coligações. Para o Supremo, a vaga é do partido do deputado afastado.

Câmara contraria STF na nomeação de suplentes

Casa define que, na hipótese de afastamento de titular, vaga é da coligação e não do partido

Isabel Braga e Carolina Brigido

BRASÍLIA. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-SP), definiu com os líderes partidários e com a assessoria jurídica que a Mesa Diretora vai empossar os suplentes levando em conta o resultado das coligações. A interpretação da Câmara se confronta com a do Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF), em liminares, tem decidido que, no caso de afastamento de deputado titular, deve assumir a vaga o primeiro suplente do partido do titular do cargo. O entendimento da Câmara é que a vaga é do primeiro suplente da coligação.

- Vamos continuar cumprindo a lei (que regular a diplomação dos deputados). E a lei diz que os suplentes da coligação é que assumem. Os tribunais diplomam os deputados na ordem da coligação - disse o presidente da Câmara.

O assunto voltará a ser discutido novamente hoje, em reunião do colégio de líderes. O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) apresentará uma proposta de emenda constitucional, definindo que são as coligações que devem ser consideradas para a posse de suplentes.

Maia afirmou que, se os deputados suplentes conseguirem liminares na Justiça, a Casa vai enviar a decisão liminar à Corregedoria da Casa, que deverá dar um prazo de ampla defesa ao parlamentar que tomou posse. Com base no parecer, a Corregedoria da Mesa vai tomar uma decisão.

Indagado se o não cumprimento imediato da liminar não seria uma afronta ao STF, Maia respondeu:

- Não. Estamos utilizando o critério universal. Não podemos cassar o mandato de um deputado legitimamente empossado sem dar a ele direito de ampla defesa.

TSE: mandato pertence ao partido político

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não enfrentou a polêmica num caso específico depois das eleições de 2010. Mas, ao responder uma consulta em 2007, a da fidelidade partidária, fixou que o mandato obtido no sistema proporcional pertence ao partido político. O STF também não julgou a questão em plenário. No entanto, ministros da mais alta corte do país já se manifestaram em decisões liminares individuais. Até agora, a posição adotada é a de dar ao partido o direito à suplência, e não à coligação.

Na última sexta-feira, a ministra Cármen Lúcia deu a Humberto Souto o direito de ocupar a vaga deixada pelo deputado Alexandre Silveira (PPS-MG). O parlamentar foi eleito na coligação de PSDB, DEM, PP, PR e PPS, mas se licenciou para assumir a Secretaria de Gestão Metropolitana de Minas Gerais.

Também na sexta-feira, a ministra concedeu a Carlos Victor da Rocha Mendes (PSB-RJ) o direito de ocupar a cadeira deixada por Alexandre Cardoso, que assumiu o cargo de secretário de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

O presidente do TSE e ministro do STF Ricardo Lewandowski não comentou o assunto diretamente. Mas disse que as regras de suplência no Congresso devem ser discutidas:

- Esse é um aspecto que merece ser repensado.

O ministro apoia projetos que acabam com a figura de suplente de senador, para que assuma o segundo mais votado, como é na Câmara dos Deputados. Ele não especificou se a vaga ficaria com o segundo colocado na lista do partido ou da coligação.

- O que me parece que não pode continuar é a situação atual em que o suplente é meramente nomeado como senador efetivo e não passa pelo crivo das eleições, pelo crivo da vontade popular - opinou.

Na bancada do Rio de Janeiro, Julio Lopes (PP) deve também se licenciar para ser o secretário estadual de Transportes. O seu substituto pode ser Fernando Jordão (PMDB), suplente da coligação, ou Sávio Neves, do Partido Progressista.

Colaborou Bruno Góes

FONTE: O GLOBO

Mubarak manobra para ter apoio

A REVOLTA DO MUNDO ÁRABE

Ditador aproveita cansaço popular e aumenta em 15% salários de servidores públicos

Fernando Duarte

Simbolizado pela ocupação de uma praça, o movimento democrático egípcio agora se vê numa encruzilhada. Ao estudarem as ofertas do governo Hosni Mubarak para sentar-se à mesa de negociações - o que invariavelmente inclui a permanência do presidente no cargo até as eleições de setembro - a oposição se arrisca a bater de frente com manifestantes que insistem em ver a saída do ditador imediatamente. Irredutível em sua decisão de permanecer no poder, o líder octogenário anunciou um aumento a seis milhões de funcionários públicos, e o ex-poderoso ministro do Interior Habib el-Adly apareceu diante de uma Corte, acusado de não ter evitado a repressão violenta aos protestos populares.

O toque de recolher foi reduzido, passando a vigorar das 20h às 6h. Num outro aparente gesto de boa vontade, a agência estatal informou que o ex-ministro do Interior - responsável pela polícia - poderia ser julgado numa corte marcial por "remover as forças de segurança das ruas, determinar o uso de munição viva contra manifestantes e libertar prisioneiros das cadeias".

Mas, as reuniões de partidos políticos e ativistas com o vice-presidente Omar Suleiman se transformaram num assunto polêmico. Na Praça Tahrir, entre imagens como os dois bonecos caracterizados como Mubarak, pendurados em forcas, manifestantes não hesitam em falar sobre suas preocupações com as concessões ao mesmo regime que, na semana passada, usou até camelos para reprimir os protestos.

- Passei os últimos oito dias trabalhando sem parar com gente ferida por estar nas ruas acreditando na derrubada do regime. Será uma traição se os políticos aceitarem o convite de Suleiman e a permanência de Mubarak - diz Randa, uma enfermeira de 39 anos.

A desconfiança popular é um obstáculo também para os esforços de normalização da vida cotidiana. Ciente disso, ontem, enquanto manifestantes insistiam em sentar-se na frente de tanques e tropas do Exército, Mubarak conseguiu reunir seu novo Gabinete pela primeira vez. Segundo a agência estatal Mena, o presidente aprovou um plano para aumentar o salário dos servidores públicos em 15% já a partir de abril.

Mesmo os aposentados também seriam beneficiados, recebendo uma verba de pelo menos US$940 milhões - numa manobra que, além de tentar aquecer a economia, visa, ainda, a conquistar apoio popular. No centro do Cairo, no entanto, os manifestantes reagiram à decisão cercando o Mugamma, um dos maiores prédios do governo na região, considerado o centro nervoso da burocracia egípcia.

Egito pede desculpas por prisão de brasileiros

O fato de as multidões nas ruas estarem diminuindo sensivelmente nos últimos dias também sugere que há egípcios um pouco cansados do estado de animação suspensa em que o país se encontra desde o final de janeiro. Ontem, embora a capital já tivesse recuperado um pouco de normalidade, com a volta até das charretes oferecendo passeios pelas pontes sobre o Nilo, os bancos tinham filas quilométricas e limites nos saques para evitar retiradas de pânico. A Bolsa de Valores do Cairo, fechada desde o dia 27, só reabrirá no próximo domingo.

Além de causar ainda mais engarrafamentos para o já caótico trânsito egípcio, o fechamento dos arredores da Praça Tahrir também vem representando dor de cabeça para comerciantes da região, sobretudo os que já sofrem com o êxodo dos turistas - de acordo com números do governo, o Egito perdeu um milhão de visitantes com a crise política. Autoridades como o premier Ahmed Shafiq apelaram para que as pessoas acampadas na praça voltem para casa.

- Não vou me mover enquanto nosso presidente hipócrita estiver no poder. Do contrário, o sacrifício da vida do meu filho e dos outros mártires terá sido em vão - declarou o pintor Sobhy Hassan, que perdeu o filho, Abdul, morto pela polícia numa manifestação na cidade de Suez.

Em Brasília, a embaixada do Egito entregou uma carta ao Itamaraty pedindo desculpas pelo constrangimento vivido pelos jornalistas Corban Vosta, da Rádio Nacional, e Gilvan Rocha, da TV Brasil, presos e deportados ao Brasil.

"O tratamento foi totalmente lamentável e inaceitável, e gostaríamos de pedir desculpas por quaisquer inconvenientes", diz o documento.

Colaborou: Eliane Oliveira, de Brasília

FONTE: O GLOBO

Almir Rouche - Hino do Elefante de Olinda / Pitombeira de Olinda

O Rio - II:: João Cabral de Melo Neto

Notícia do Alto Sertão

Por trás do que lembro,
ouvi de uma terra desertada,
vaziada, não vazia,
mais que seca, calcinada.
De onde tudo fugia,
onde só pedra é que ficava,
pedras e poucos homens
com raízes de pedra, ou de cabra.
Lá o céu perdia as nuvens,
derradeiras de suas aves;
as árvores, a sombra,
que nelas já não pousava.
Tudo o que não fugia,
gaviões, urubus, plantas bravas,
a terra devastada
ainda mais fundo devastava.

A estrada da Ribeira


Como aceitara ir
no meu destino de mar,
preferi essa estrada,
para lá chegar,
que dizem da ribeira
e à costa vai dar,
que deste mar de cinza
vai a um mar de mar;
preferi essa estrada
de muito dobrar,
estrada bem segura
que não tem errar
pois é a que toda a gente
costuma tomar
(na gente que regressa
sente-se cheiro de mar).

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – José Serra: Oposição e democracia

"Não podemos deixar esse eleitorado sem representação. Precisamos convencer essas pessoas de que não jogaram seus voto fora. Quem votou em nós queria que ganhássemos, mas sabia que poderíamos perder. Logo, a oposição é tão legítima quanto o governo; expressa a vontade do eleitor e qualifica a democracia. "

SERRA, José. cf. Dora Kramer "Oposição e democracia", Estado de São de Paulo, domingo, 6/2/2011.

A Tunísia, o Egito e nós:: Luiz Werneck Vianna

Fora de disputa que os regimes políticos fechados consistem no terreno mais fecundo para a emergência das revoluções, que lhes chegam como catástrofes naturais e com a fúria de elementos irresistíveis contra os quais nada pode a força humana, salvo, na melhor das hipóteses, tentar conduzi-los para a mesma direção dos processos que elas desencadeiam. Revoluções não se fabricam, e são, para lembrar velhas lições, mais próprias dos principados do que das repúblicas, como, mais uma vez, testemunham os regimes autocráticos do norte da África e do Oriente Médio, que, por terem desconhecido canais institucionais de expressão dos seus conflitos, não foram capazes de sentir os sucessivos pequenos abalos que anunciavam as grandes convulsões que ora os abalam.

Seu estopim pode ser um incidente ingênuo e não desejado, tal como no caso da revolução russa de 1905, evento dramático que se iniciou a partir de uma manifestação pacífica, liderada pelo padre Gregori Gapone, um clérigo convicto da magnanimidade do czar Nicolau II, que tentava fazer chegar a ele um documento com algumas reivindicações, evento que culminou com o fuzilamento pela guarda imperial de centenas de manifestantes. Ou, como agora, na Tunísia, desencadeada a partir de uma corriqueira ação repressiva contra pequenos negociantes do comércio informal, que levou um deles, o jovem Mohamed Bouazizi, a se imolar em praça pública, levando a um levante indignado da população contra seu governo, cujo impulso irradiou-se pela costa africana do Mediterrâneo e pelo Oriente Médio, cujas repercussões para os destinos da região e da ordem mundial são imprevisíveis.

A longevidade da maior parte dos regimes, agora por terra ou sitiados por esses levantes populares, concedia-lhes a aparência de estabilidade, daí a surpresa da opinião pública mundial e, pelo que se ora constata, de uma boa parte das chancelarias ocidentais, com os acontecimentos. Surpresa que já se traduz no temor de que, à falta de políticas adequadas, toda uma região em posição estratégica na geopolítica do mundo possa se converter em um bastião do fundamentalismo islâmico.

Os estadistas do Ocidente, entregues à inércia intelectual e com seus interesses confortavelmente instalados e protegidos por regimes anacrônicos, somente agora, depois de muito leite derramado, se dão conta dos equívocos de suas avaliações sobre o efetivo estado de coisas da região. A forma da sublevação popular, a sua escala e seu tempo de duração, é a melhor indicação de que, embora nessas sociedades inexistisse uma esfera pública diferenciada do poder político, germinava a formação de uma esfera pública informal e subterrânea, contestatória dos seus regimes e dotada da capacidade de estabelecer um sistema eficiente de comunicação entre seus participantes. É aí, nessa esfera pública submersa, constituída, em boa parte, por setores das classes médias sem lugar no mercado de trabalho e no sistema político formal, que devem ser buscadas as origens da atual movimentação.

Constatou-se, igualmente, que em meio a sociedades a que faltavam partidos e sindicatos fortes, com a maioria da população subsistindo na informalidade, caracteristicamente retardatárias do ponto de vista econômico, não só os meios usados para os fins de concertar ações comuns têm vindo de recursos modernos da internet, como suas bandeiras e propósitos são igualmente modernos, em particular nas suas demandas por liberdades civis e públicas. Contudo, apesar dos inúmeros sinais animadores emitidos em favor da democracia política e da democratização social, rondam aí ameaças sombrias para uma nova escalada do fundamentalismo religioso.

Essas ameaças afetam a todos, e não deve haver neutralidade em relação a elas, pois, ali no Oriente, a democracia, como sistema de governo e como caminho estratégico de mudança social, joga uma cartada decisiva no tabuleiro do mundo. Exorcizá-las implica participar do movimento da opinião pública internacional, reclamando uma posição ativa dos governantes, pressionando-os no sentido de que mobilizem seus recursos institucionais em favor de uma alternativa democrática que livre aquela imensa e complexa região dos abismos da guerra civil e dos demônios que ela pode liberar. Trata-se da defesa da democracia, sistema de vida e de organização política a que aderimos quando derrotamos o regime autocrático nos idos dos anos 1980, ainda a carecer de não pouco aperfeiçoamento.

Ao contrário do que muitos alegam, nem tudo está por fazer nesses países, que contam com uma rica tradição política em suas histórias de luta contra o colonialismo e em favor da democratização social e da modernização econômica, do que é exemplo a doutrina do pan-arabismo, formulada sob o governo de Gamal Abdel Nasser nos anos 1950, combinando um nacionalismo-desenvolvimentista avant la lettre com a tópica do socialismo, então influente na região. A política de não-alinhamento com as potências polares da Guerra Fria - União Soviética e Estados Unidos - adotada por Nasser ganhou mundo. No seu curto governo, o presidente Jânio Quadros flertou abertamente com ela.

Aquele foi um tempo de forte mobilização, conduzida por forças e ideais seculares, como as da corporação militar e as dos partidos de esquerda, que, nessas novas circunstâncias, conta com a oportunidade de ressurgir a partir de baixo, inclusive, tal como ocorreu na democratização brasileira, também animada por valores das religiões. Aqui, de tão longe, as melhores expectativas se depositam no reconhecimento de que há, naquele teatro de operações onde transcorre um drama, além de local, de alcance universal, uma sociedade civil que, longe de gelatinosa, já tem uma história que ora amadurece velozmente com a sua vigorosa participação nas lutas pelas liberdades e pela democracia.

Ela que se demonstrou capaz de conformar uma esfera pública submersa, será capaz de animar, ou até mesmo promover, a institucionalização de uma esfera pública democrática? Se isso ocorrer, mais um ponto para a teoria que admite as vantagens do atraso na passagem para o moderno.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador da PUC-RJ. Escreve às segundas-feiras

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Esquerda e terror :: Luiz Sérgio Henriques

Cesare Battisti é hoje uma figura razoavelmente presente na nossa vida política cotidiana. Frequenta manchetes, alimenta um conflito entre Itália e Brasil, ocupa os tribunais e a Presidência da República, suscita a mobilização de intelectuais e juristas de peso, na sua maioria - ao menos entre nós - favoráveis a um desfecho positivo para o militante dos Proletários Armados para o Comunismo, um dos inúmeros pequenos grupos que giraram em torno das Brigadas Vermelhas, expressão maior do terror italiano de extrema-esquerda nos anos 1970.

Difícil nos movermos no intrincado labirinto jurídico que, de resto, se complicou durante décadas a fio, com acusações contra Battisti feitas pelos "arrependidos" - aqueles que, por um motivo ou por outro (inclusive a possibilidade de redução da pena), se dissociaram da aventura militarista.

Nesse meio tempo, como se sabe, depois de um curto período de prisão, nosso personagem obteve refúgio na França, ao abrigo da Doutrina Mitterrand, e uma certa simpatia até mesmo em círculos socialistas. Personagem intrigante, cuja história tem enredo rocambolesco e terminou assumindo uma dimensão maior do que a que efetivamente merece.

Fatos e processos bem mais importantes correm o risco de ser obscurecidos e até ignorados pelo relevo atribuído às vicissitudes de Battisti, ressalvado de modo inabalável o sistema de garantias que todas as democracias dignas do nome reconhecem a qualquer indivíduo que alegue real ou suposta perseguição política. Muito particularmente, fica num plano secundário, ou mesmo se torna invisível, o então avançado processo de mudança social numa das sociedades politicamente mais dinâmicas do pós-guerra europeu. Um processo à frente do qual esteve o antigo Partido Comunista Italiano (PCI), o maior do Ocidente, como se costumava dizer, e um dos responsáveis pela construção da Itália moderna, trazendo em massa para o novo Estado republicano amplos setores até então excluídos ou postos numa condição subalterna.

Esse fato de massas não se exerceu no vazio. Num país de formação estatal tardia, historicamente fragmentado em reinos e ducados, teve papel relevante a Democracia Cristã (DC), um partido de centro-direita que, à sua maneira, protagonizou a reconciliação da imensa população católica com o Estado. Sem falar nas outras tradições políticas ativas no pós-guerra - socialistas, republicanos, liberais e mesmo neofascistas -, PCI e DC viveram um conflito áspero, ainda por cima no contexto da guerra fria, com os duros condicionamentos impostos naquele mundo bipolar.

Os anos 1970 foram como o auge de todo esse processo. Seria irrealista pensar que em algum momento a Itália fosse tornar-se comunista - algo então generalizadamente entendido como uma "mudança de campo" (da Otan para o Pacto de Varsóvia, do Mercado Comum para o Comecom, etc.) ou como a construção de uma primitiva (e autoritária) forma estatal baseada no partido único. Ao contrário. O PCI talvez nos tenha dado o último grande dirigente do comunismo histórico, Enrico Berlinguer, a quem devemos a expressão lapidar da "democracia (política) como valor universal". Seus teóricos mais ousados, como Pietro Ingrao, falavam não de estatização dos meios de produção, mas das elaboradas formas de "socialização da política", no quadro das liberdades representativas "burguesas".

Um cenário pleno de novidades, contra o qual se desencadearam as fúrias da guerra fria: serviços secretos de ambas as superpotências, setores desviados do Estado italiano, lojas maçônicas, máfias e camorras. E, não em último lugar, o terrorismo de direita e o de esquerda, sócios siameses da mesma "estratégia de tensão", que devia desestabilizar a Itália e tornar inviável qualquer perspectiva de mudança: os "elementos de socialismo", de que falava Berlinguer.

O primeiro - o terrorismo dito negro - costumava atacar generalizadamente, com bombas em locais públicos e o assassinato de dezenas de pessoas; o terrorismo dito vermelho, mais seletivo, encarregou-se de fabricar "cadáveres excelentes", como o democrata-cristão Aldo Moro, e muitas vezes teve como alvo principal dirigentes e personalidades do próprio campo da esquerda democrática. Afinal, na lógica insana do extremismo de esquerda, os "reformistas" são até piores do que os fascistas. Os Proletari Armati, para citar um exemplo cruel, cometeram muitos atentados atirando nas pernas (le gambe) dos "inimigos do povo". Criou-se um neologismo, gambizzare, para tal infâmia. Sem dúvida, uma forma de tortura, cometida com a certeza sádica de que o "inimigo" estaria fisicamente estropiado para o resto da vida.

Esse é o mundo, essas são as motivações que explicam o personagem Cesare Battisti. Um mundo fosco, turvo, em que se entrelaçavam e se acumpliciavam poderes ocultos, fora da possibilidade de qualquer controle democrático. Tanto tempo depois, à luz de princípios legais e humanitários que uniram políticos tão diversos como Moro e Berlinguer, podemo-nos perguntar se ainda cabe a punição - a extradição e o cumprimento da pena - para os crimes graves de que Battisti é acusado - gravidade admitida até por Toni Negri, também envolvido nos acontecimentos de uma Itália que ainda tem dificuldade para compreender os extremismos que a dilaceraram.

No entanto, não deveríamos ter o direito de nos iludirmos sobre a natureza pretensamente socialista dos objetivos da galáxia extremista mais ou menos comandada pelas Brigadas Vermelhas. O "partido armado", no caso italiano e em outros contextos democráticos, pela própria natureza foi só perversidade recoberta de linguagem pesadamente ideológica. E sempre a um passo da criminalidade comum, passo que provavelmente nunca saberemos se foi ou não dado.

Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci em português

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Quem liga?:: Ricardo Noblat

O PMDB não é mais aquele. Adivinha o que Dilma fez com ele...

Se um dia, pelo menos, freou-lhe a intenção malsã, o pudor de crescente número de políticos esvai-se, agora, sem encontrar resistência, assim como a lama que arremeteu morro abaixo na região serrana do Rio. Jamais se saberá quantos mortos são devidos à inépcia dos governantes. No caso de reputações que derretem como gelo, quem se importa?

Nossa expectativa é quase nenhuma. Nosso conformismo, pleno. Indignar-se? Quem há de? Desde que não mexam para pior em nossos bolsos... Se algo nos atazana, para que existe afinal a internet? Basta aderir a algum manifesto de ocasião, repassá-lo à nossa rede de contactos e tocar a vida adiante. Ela, por si, já é severa em excesso.

A mais recente eleição se deu há menos de quatro meses. A próxima será daqui a dois anos. Estamos prontos a renovar a confiança no mesmo tipo de gente, alvo, amiúde, de nossa repulsa retórica. O paradoxo não nos atormenta. O argumento é simples: em que parte do mundo é diferente? No Egito? Nos Estados Unidos? Na China? Na Rússia?

Simplicidade e verdade rimam, mas isso, convenhamos, está longe de ser uma solução. Richard Nixon renunciou à Presidência dos Estados Unidos porque mentiu ao país. Há pouco, deputados ingleses foram obrigados a devolver benefícios ilegalmente auferidos. De resto, sabe o que mais? Quer saber? Às favas com os maus exemplos alheios.

Por serem tolerados em tantos sítios, não deveríamos nos sentir forçados a tolerá-los por aqui. Parece distante o tempo em que padecíamos do complexo de cão vira-lata, feliz expressão cunhada nos anos 50 do século passado pelo escritor Nelson Rodrigues. Na política, admita-se, o complexo ainda sobrevive e estamos confortáveis com ele.

Quem liga se deputados do Mato Grosso pelejam por aposentadorias vitalícias? Se as presidências das mais importantes comissões permanentes da Câmara dos Deputados estão reservadas para sujeitos protagonistas de escândalos? Se o governador de um dos Estados mais pobres do país ganha mais do que o governador do Estado mais rico?

Quem liga se o recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados promete a construção de novos gabinetes para colegas que mal ocupam os seus durante três dias por semana? Se às vésperas da instalação do novo Congresso descobre-se que o governo novinho em folha garantiu a fidelidade do PMDB à custa de maciça liberação de verbas?

Quem liga para a guerra entre os partidos pela ocupação de cargos estratégicos no segundo escalão do governo? Quem se pergunta quais são os planos do PMDB para a Fundação Nacional de Saúde, dona de 250 cargos de confiança, e que somente este ano poderá investir R$ 1,3 bilhão? Na partilha de cargos, a fundação coube ao PMDB.

Bendizemos o gesto da presidente Dilma Rousseff, que negou ao PMDB do deputado Eduardo Cunha (RJ) o controle de Furnas Centrais Elétricas (orçamento de R$ 1,4 bilhão). Pouco se nos damos se uma fatia vital do setor de energia do país foi entregue aos cuidados do prestativo senador José Sarney (PMDB-AP).

Por décadas, o autor de Maribondos de Fogo e Brejal dos Guajas, livros que lhe garantiram o ingresso na Academia Brasileira de Letras, mandou e desmandou na Superintendência da Receita Federal em São Paulo. Por quê? E para quê? Na oposição, o PT perdeu a voz de tanto cobrar respostas. No governo, o PT sabe todas as respostas.

Jaz nos arquivos da Receita Federal, em Brasília, uma carta do deputado Waldemar Costa Neto, ex-presidente do PL, partido cujo apoio à candidatura de Lula em 2002 custou ao PT a módica quantia de R$ 6 milhões. Costa Neto comunicou à Receita que o inspetor do aeroporto de Cumbica, em São Paulo, perdera a sua confiança.

Chocado? Por suposto que não. Quem liga? Um pouco entediado, talvez, com a natureza de um reles texto destinado a ser esquecido daqui a instantes. Assim como gorda parcela de vocês já esqueceu em quais candidatos votou em outubro último.

FONTE: O GLOBO

Terceira via árabe?:: Fernando de Barros e Silva

Ninguém a essa altura ignora que um capítulo importante da história contemporânea está sendo escrito no Egito. Alguns analistas aproximam a revolta contra a tirania de Hosni Mubarak e seu efeito irradiador sobre o mundo árabe (e mesmo além) da onda do ano histórico de 1989, quando ruíram em cascata os regimes autoritários do leste europeu.

A queda do ditador tunisiano semanas atrás e o vetor "ocidentalizante" das demandas das ruas (democracia, liberdades individuais, oportunidades sociais), além do fator econômico, corroboram, em parte, o raciocínio.

Mas nada tem sentido unívoco na caldeira fervente do Oriente Médio. O grande temor dos EUA e, obviamente, de Israel, é que a história venha aproximar o Egito não de 1989, mas de 1979, quando a revolução iraniana instalou no país uma teocracia islâmica ardentemente antiamericana.

Não parece o mais provável. O sentimento antiamericano no Egito não é comparável ao que havia (e há) no Irã, nem o apelo religioso está no centro das manifestações.

A questão é saber se há espaço para uma terceira via no Egito (e no mundo árabe) -um regime que não seja nem uma "ditadura amiga" dos EUA nem uma teocracia mais ou menos fundamentalista. O primeiro passo para construir esse caminho é não satanizar a Irmandade Muçulmana, principal organização religiosa do país, de maioria moderada, na ilegalidade desde os anos 50. Confundi-la com o extremismo, como querem Israel e a direita em geral, é uma tolice.

No horizonte imediato, é preciso ver se as negociações iniciadas serão suficientes para acalmar as ruas. E que papel o Exército, até agora tolerante, jogará em caso negativo. De qualquer forma, ao apostar que Omar Suleiman -chefe dos serviços (sujos) de segurança de Mubarak- seja "o cara" para chefiar esse processo, os EUA indicam que aqui os valores democráticos são a sua última preocupação.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O Egito e a democracia:: Fernando Rodrigues

Democracia não é inata ao ser humano. Ninguém nasce democrata. O sistema está longe de ser consensual para os cidadãos. Não importa o país. Basta observar nações ditas democratas o tempo todo falando em reforma política.

A estagnação econômica do Egito e o custo dos alimentos (gasta-se por lá perto da metade do salário para comer) levaram aos protestos atuais.

Tenho dúvidas de que o desejo por mais democracia seja o motor principal das manifestações. A economia e a sensação (ou falta dela) de bem-estar dos cidadãos são os fatores que contam.

Entre as previsões de analistas, pitonisas e especialistas instantâneos sobre o Egito, o vaticínio mais correto é talvez o mais sombrio: demorará muito até a chegada de uma democracia robusta naquele país. Tem sido assim no mundo inteiro. No Brasil, inclusive.

Depois de 21 anos de ditadura, os brasileiros adotaram um democratismo matusquela que já dura além de um quarto de século. Sem valores republicanos, e por muitos anos sem partidos nem eleições livres, o Brasil passou a dar tempo de TV e rádio -pago com dinheiro público- para todo tipo de embusteiro, como se essa medida elevasse os padrões da política.

No Congresso, escândalos em série são a praxe. Nos Executivos, vigora a fisiologia. A Justiça, sabe-se, só é rápida para endinheirados e com poder de contratar bons advogados.

Quando se olha a linha do tempo, o Brasil tem melhorado. Mas sua democracia segue imperfeita apesar dos mais de 25 anos na estrada -que é desprovida de atalhos.

O Egito e o mundo árabe em convulsão têm uma viagem longa pela frente. A democracia pode ser o ponto de chegada, mas não está claro que será o destino final.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Herança onerosa :: Paulo Brossard

À medida que passam os dias, mais grotesca se torna a legenda que o ex-presidente lançou sob a mais intensa publicidade acerca de seus oito anos de governo, o maior e melhor de todos os governos de todos os tempos.

Basta dizer que a primeira medida tomada sob a atual administração, mas anunciada ao tempo da anterior, foi a que elevou a taxa Selic, com o escopo confesso de frear o avanço da inflação. Importa isto em dizer que o recrudescimento do flagelo foi reconhecido e anunciado pelo maior e melhor de todos os governos, em sua fase terminal.

Não discuto se a medida é adequada nem que era inevitável. Registro o fato. Se era inafastável e apropriada, evidencia, antes de tudo, que os oito anos decorridos não poderiam ser ostentados como modelares. Mas ainda há a ponderar que os continuadores da diretriz anterior não se contentaram com o feito, mas foram explícitos em adiantar que a providência há de ser reiterada em número não preciso. Outrossim, não posso deixar de salientar que, enquanto o governo passado via seus dias encurtarem, gastava cada vez mais, para, quiçá, abafar com o ruído festivo a voz dos ruídos sociais.

Vejo, por exemplo, “que Lula bateu recorde de gastos” (é a manchete de grande jornal), seguida deste subtítulo: “Despesas do Tesouro, INSS e Banco Central, que em 2003 representavam 15,14% do PIB, atingiram 19,14% oito anos depois”; já os restos a pagar, que andam pela casa dos bilhões, é para conversa à parte, tamanha sua significação. Diferente, mas não menos relevante, foi a descoberta e revelação da situação alarmante das quase abandonadas fronteiras que se estendem por milhares de quilômetros, desde o Amapá, acima da linha equatorial, até o sul do país, outro tema a exigir prosa particular.

Entro em outro assunto distinto dos anteriores, apenas indicados. Também no apagar das luzes dos oito anos iluminados, foi divulgado que os créditos tributários federais se elevam a cerca de R$ 400 bilhões. “Cerca de”, não se sabe bem quanto. Contudo, a minúcia não é irrelevante, pois, seja qual for o nome que se lhe dê, será sempre monstrum horrendum.

Pois bem, desses R$ 400 bilhões arredondados, metade não passa de ficção, dado que incobráveis os valores. Apagados ou extintos, não fariam mossa ao erário exatamente porque inexigíveis; pelo menos deixariam de molestar milhares de pessoas todos os dias e por longos dias. Não há quem ignore que cada vez mais pessoas são chamadas a provar, mediante certidão, não serem devedores ao fisco. Já se disse que, entre nós, o tempo que se gasta para abrir um negócio, mesmo pequeno, é maior do que na generalidade dos países, e também é certo que tempo maior é perdido para encerrá-lo, não só perdido, pois ainda impedido de empregá-lo em atividade útil e em proveito próprio e da comunidade.

A pessoa fica como que cadaverizada por longo tempo, ou embalsamada, ainda que não esteja realmente defunta. Vejo que finda meu espaço de jornal e não esgotei outros aspectos do problema, que são ilustrativos. E não podem ser deslembrados os casos em que o fisco exige tributos sabendo que não pode fazê-lo, contando com o tempo e a incúria de muitos, sem falar na gula em usar os depósitos judiciais em seu benefício, cada vez mais utilizados embora seja mero depositário e como tal não tenha o poder de disposição. Continuarei se valer a pena. E vale.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

Custos das escolhas das políticas econômicas :: Antonio Corrêa de Lacerda

Toda escolha de adoção de políticas econômicas envolve, além da necessidade de decidir no timing adequado, incorrer em algum custo. "Não existe almoço grátis", profetizava o monetarista ícone do liberalismo e Prêmio Nobel de Economia Milton Friedman (1912-2006) num outro contexto, mas que pode ser adaptado perfeitamente à questão em tela.

No caso brasileiro tem sido recorrente, porém nem sempre de forma completa, o questionamento de algumas das escolhas das políticas econômicas. É o caso, por exemplo, dos bancos públicos. Diante da escassez de crédito e financiamento internacionais no período imediatamente posterior à crise com a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, o governo brasileiro tomou uma decisão pertinente de ampliar a capacidade de empréstimo dos bancos públicos, especialmente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Antes disso, escolado com a recorrência das crises de balanço de pagamentos, o Brasil, assim como outros países não emissores de moedas não conversíveis, tomou a decisão sensata de ampliar o seu volume de reservas cambiais. Isso não evitava os efeitos das crises, mas os amenizava, como ficou claro.

Não fossem o suporte dos financiamentos públicos, substituindo em muitos casos as linhas de financiamento externas, que secaram, e, por outro lado, o fato de o País dispor de um volume expressivo de reservas cambiais, os efeitos da crise teriam sido muito mais intensos no Brasil. O Produto Interno Bruto (PIB) teria caído muito mais do que o 0,6% verificado em 2009, assim como a recuperação rápida e a expansão de quase 8% em 2010 não teriam sido viáveis.

Como o PIB brasileiro é estimado em R$ 3,5 trilhões, cada ponto porcentual (p.p.) de crescimento representa R$ 35 bilhões de renda. Suponhamos que as decisões de políticas econômicas tenham propiciado 2 p.p. a mais no crescimento econômico. Isso gera uma atividade econômica de R$ 70 bilhões. O exemplo vale para ilustrar que os "custos" das políticas econômicas têm de ser mensurados levando-se em conta o seu benefício.

O cálculo nem sempre é fácil de ser feito, porque muitas vezes envolve fatores de difícil mensuração. Mas isso não pode servir de álibi para desprezar a avaliação do benefício de cada medida. Até porque seria uma análise incorreta. É relativamente simples calcular o custo da escolha e implementação das duas decisões de política econômica citadas. Cálculos simples do "custo" das decisões sempre ganham espaço generoso na mídia!

Que lições podemos tirar da experiência recente na economia brasileira? Esse é o ponto que deveria nortear um debate mais qualificado, menos ideologizado e mais pragmático a respeito das políticas econômicas.

Diante de um alegado risco de elevação da inflação, observa-se um relativo consenso pelo aumento da taxa de juros básica. Até porque a maioria não deseja inflação elevada. Mas qual o custo dessa escolha? Há vários, dentre eles o aumento dos gastos públicos com o financiamento da dívida pública, que custou R$ 195 bilhões em 2010 (5,5% do PIB!).

Outra questão é a política cambial. As vantagens proporcionadas por uma taxa de câmbio valorizado, como a que experimentamos no Brasil, são de curto prazo, enquanto comprometem o futuro. O câmbio valorizado, juntamente com os fatores de competitividade sistêmica desfavoráveis, está provocando dois efeitos deletérios para a economia brasileira: a desindustrialização e a deterioração das contas externas. Isso tem um elevado custo para o desenvolvimento do País.

A questão cambial é um exemplo típico de escolha que favorece só o curto prazo. O dólar barato proporciona a aquisição de produtos importados e a realização de viagens internacionais a um custo baixo, o que é sempre muito apreciado por grande parte da opinião pública. No entanto, nem sempre ficam claros os seus efeitos, que comprometem o longo prazo, pois roubam crescimento da economia, tornam-nos mais vulneráveis e dependentes de financiamento externo e menos diversificados na produção e exportação, excessivamente centradas em commodities.

Precisamos criar mais espaços de discussão das políticas econômicas, seus custos e benefícios, levando em conta não só o curto, mas o médio e o longo prazos. Isso implica democratizar as informações, assim como diversificar as visões, considerando não apenas escolas variadas de pensamento econômico, mas também todos os setores da economia.

A discussão deve ser ampliada, tanto com os Poderes quanto na mídia, na academia e nas demais entidades representativas da sociedade. Não se trata, evidentemente, de uma prática fácil. Os temas em geral são complexos e nem sempre as pessoas estão dispostas a investir seu tempo e sua energia com assuntos áridos. Mas, como não existe visão neutra em política econômica, o mínimo de cuidado que devemos ter é o de diversificar o debate. Até porque, do contrário, o risco é o de nos tornarmos reféns de uma única via, que pode favorecer alguns, mas não o todo.

Economista, Doutor pelo IE/UNICAMP, Professor-Doutor do Departamento de Economia da PUC-SP, é coautor, entre outros livros, de "Economia brasileira" (Saraiva)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO