sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Celso Ming - O que dizer agora?

• Os administradores da autoridade monetária se agacharam diante das pressões do governo; Em vez de mostrarem a foto verdadeira do que se passava, submeteram a situação fiscal a maquiagens verbais

- O Estado de S. Paulo

Nesta quinta-feira, o diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Carlos Hamilton Araújo, ouviu um rosário de críticas dos analistas econômicos reunidos no Rio de Janeiro a respeito da acentuada deterioração das contas públicas (questão fiscal).

Talvez não tenha ouvido o suficiente sobre tema relacionado: a cumplicidade do Banco Central, presidido pelo economista Alexandre Tombini, neste desastre fiscal.

O BC enfrentou os dois primeiros anos do governo Dilma denunciando, tanto no Relatório de Inflação como nas Atas do Copom, o estrago que a administração fiscal vinha produzindo sobre a inflação.

Não precisou dizer demais. Apenas se limitou a mencionar que a política de despesas públicas era excessivamente expansionista, o que contribuía para a alta dos preços.

No entanto, lá pelas tantas, mais precisamente a partir de agosto de 2013, o BC começou a vender relógio Vacheron Constantin produzido no Paraguai. Passou a sustentar, com a candura possível, que “o balanço do setor público se desloca para a zona de neutralidade”.

Traduzindo do bancocentralês para a linguagem de gente, isso queria dizer que a política fiscal do governo estava no bom caminho, estava deixando de produzir inflação “no horizonte relevante”, ou seja, dentro de alguns meses mais.

Agora se vê que essa foi mais uma história edificante para crédulos. A política fiscal já vinha tomando o rumo do precipício e acabou no desastre agora conhecido. O próprio governo acaba de pedir ao Congresso a aprovação de uma lei especial em que alarga a meta fiscal para o deus-dará. Com essa providência, assume o rombo e demonstra que a administração das contas públicas não aponta para nenhuma neutralidade em relação à inflação, como consta nos mantras do Banco Central.

A primeira observação que se pode fazer desse episódio é a de que os administradores da autoridade monetária se agacharam diante das pressões do governo. Em vez de mostrarem a foto verdadeira do que se passava, submeteram a situação fiscal a maquiagens verbais. Este foi um dos mais importantes fatores que deterioraram a credibilidade do Banco Central. O analista Alexandre Schwartsman, que denunciou o desvio, foi objeto de processo judicial acionado por Tombini, que, depois dos protestos, optou por retirá-lo.

A outra observação é a de que, na falta de equilíbrio mínimo das contas públicas, o contra-ataque à inflação fica excessivamente dependente da política monetária (política de juros) do Banco Central. Ou seja, o estouro das contas públicas vai exigir novas doses de alta dos juros básicos – a menos que o governo se conforme com deixar que a inflação estoure o teto da meta.

Juros ainda mais altos também produzirão impacto fiscal na medida em que deixam mais alta a conta dos juros da própria dívida pública. Como o Tesouro não paga diretamente os juros, mas os incorpora ao principal, a dívida só faz aumentar. Ou seja, nessas condições, a política monetária mais firme acaba contribuindo para a piora das contas públicas o que, por sua vez, tende a agravar a inflação. Mas para o governo Dilma e para o guardião da moeda, o Banco Central, a economia vai bem, está tudo dentro da normalidade.

Luiz Carlos Mendonça de Barros - Dilma, mais do mesmo

• Se a economia não voltar ao tripé macro, não veremos o caos mais à frente, mas, sim, a mediocridade

- Folha de S. Paulo

Nestes dias que antecedem a escolha da equipe que vai comandar a economia nos próximos anos, assistimos a um debate acirrado sobre o nosso futuro. Seguindo o padrão dos últimos anos, a principal clivagem ideológica está entre uma abordagem keynesiana dos problemas da economia e, no outro extremo, podemos dizer, uma visão neoclássica do melhor caminho a seguir.

No governo FHC, a imprensa catalogou --com o objetivo de facilitar sua comunicação com o público-- os dois lados como monetaristas e desenvolvimentistas. Fernando Henrique, em seus primeiros quatro anos de governo, sempre usou esse conflito de ideias para exercer seu conhecido poder de arbitragem.

No segundo mandato, sem a presença dos desenvolvimentistas, perdeu esse instrumento e foi levado a cometer alguns erros que acabaram por comprometer a avaliação de seu governo nas eleições de 2002.

Mas voltemos ao debate econômico de hoje. A visão keynesiana do governo Dilma é bem diversa da defendida pelos antigos desenvolvimentistas. Ela pertence a uma vertente desenvolvida na Inglaterra, depois da Segunda Guerra Mundial e que tem uma leitura radical --e errada, no meu modesto ponto de vista-- dos problemas que atingem de tempos e tempos as economias de mercado.

Essa escola de pensamento --que tem pelo menos três vertentes acadêmicas no Brasil-- considera a instabilidade das economias capitalistas como um processo inerente ao seu metabolismo, e só a ação direta e contínua do governo pode criar as condições para um crescimento econômico sustentado.

E onde deve agir o governo nessa sua missão que, para os mais radicais, é quase civilizatória no Brasil de hoje? Na chamada demanda agregada, complementando o setor privado quando este não cumprir adequadamente sua função de gerar o crescimento.

São as chamadas medidas anticíclicas, exercitadas principalmente pelo aumento do gasto público, pela redução pontual de tributos, pelo exercício de uma política monetária expansionista e pela utilização de empresas públicas em vários setores da economia.

Foi essa a leitura, feita na passagem de governo em 2011, que comandou esses quatro anos de política econômica de Dilma Rousseff.

Não percebendo que a desaceleração do crescimento estava associada a uma mudança de ciclo econômico, tanto internamente como no exterior, o governo acabou por lançar as sementes do crescimento medíocre a que estamos sujeitos hoje. E, agora, quando tem uma segunda oportunidade, aparentemente não consegue romper com seus valores históricos, como bem mostra o recém-publicado manifesto dos economistas do PT e algumas declarações recentes do ministro Aloizio Mercadante.

Para ter sucesso no seu segundo mandato, penso eu, ela terá que deixar de lado a visão de falta de demanda agregada e começar a olhar para o outro lado, ou seja, para os investimentos que aumentarão a oferta agregada no tecido econômico. Não me parece uma decisão fácil para uma pessoa conhecida por suas ideias sedimentadas e com pouca capacidade de autocrítica.

Por isso não espero uma guinada de 180?, mas apenas algumas medidas para tentar melhorar a avaliação dos agentes econômicos privados.

Se nossa presidenta não buscar ancorar a economia no chamado tripé macro dos anos FHC e Lula e reconstruir uma parceria efetiva com o investimento privado, não veremos o caos mais à frente, mas, sim, a mediocridade.

Se a economia continuar a patinar em 2015 e 2016, o custo para seu governo será o de consolidar, entre os brasileiros, a percepção de necessidade de troca do comando político do país. E as expectativas com uma possível volta dos tucanos ao poder em Brasília é que darão sustentação à economia.

Em outras palavras, são os rumos da economia nos próximos dois anos que moldarão o ciclo político no Brasil. O que esteve muito próximo de acontecer nas últimas eleições. Não por outra razão, existe um grande desconforto em áreas importantes do PT, como bem expressou a senadora Marta Suplicy em sua saída do governo.

Claudia Safatle - Ajuste fiscal requer reformas estruturais

• Gastos sociais já competem entre si, diz Nelson Barbosa

- Valor Econômico

O candidato do PT para o Ministério da Fazenda é Nelson Barbosa, informou um alto dirigente do partido. O nome do ex-secretário-executivo da Fazenda é, para o PT, o mais adequado aos compromissos assumidos durante o segundo turno das eleições, de fazer um ajuste na economia que não gere desemprego (que já em está curso) nem queda da renda. Isso não significa que uma eventual escolha do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para o posto piore o relacionamento de Dilma Rousseff com o partido. "Não há veto, mas preferência", explicou a fonte.

Barbosa tem o aval do partido, mas não teria a boa vontade dos mercados como Henrique Meirelles, testado durante oito anos na presidência do BC. Meirelles na Fazenda representaria um choque de confiança para o governo e ganharia um tempo de "lua de mel" com os mercados até as mudanças de rumo da economia começarem a aparecer.

Para Tombini e Barbosa o tempo é mais escasso. Meirelles é visto como alguém com autonomia para definir a nova política econômica que levará o país à retomada do crescimento. Aos outros dois não se atribui, no mercado, o mesmo grau de liberdade.

Em qualquer caso e mesmo em uma quarta alternativa a prioridade será a mesma: recuperar a capacidade de o país crescer a partir de 2016 - 2015 não será um ano fácil e a expectativa de expansão é ligeiramente melhor do que o quadro de estagnação de hoje.

Independentemente do nome que Dilma anunciar, a opção será pelo gradualismo no ajuste fiscal, necessário para recolocar a trajetória da dívida pública, hoje crescente em relação ao PIB, rumo à estabilidade. A economia está frágil para um choque fiscal de grande monta, mas também não suporta um ajuste imperceptível.

Como economista, Barbosa tem se dedicado ao diagnóstico e às sugestões para o enfrentamento dos problemas econômicos e, em particular, da desordem nas contas públicas. Sua primeira constatação é de que o desequilíbrio fiscal chegou a tal ponto que os gastos sociais concorrem entre si e não mais com o pagamento de juros da dívida, por exemplo.

Em um texto apresentado ontem, em um encontro de CEOs em Campinas (SP), o ex-secretário fez uma síntese do que vem propondo nos últimos meses, no tocante ao conflito entre os gastos sociais: "É preciso reformar os programas do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] para que o salário mínimo continue crescendo de modo sustentável. É preciso que o salário mínimo real cresça moderadamente para evitar um aumento explosivo do gasto com previdência social. E também é preciso retomar a discussão previdenciária para estabilizar tal gasto em um percentual do PIB e liberar mais recursos para a saúde e educação sem elevar substancialmente a carga tributária."

A referência aos programas do FAT representa mudanças legais nas regras de acesso ao seguro-desemprego e ao abono salarial, despesas cujo crescimento têm sido exorbitante nos últimos anos.

Segundo técnicos do governo, é possível com um acesso mais restrito a esses programas e combate a fraudes economizar algo como 0,7% do PIB, cerca de R$ 36 bilhões até 2018. Considerando que essas medidas demandam aprovação do Congresso, elas só começariam a surtir efeito a partir de 2016.

Outra despesa que deve passar por uma ampla reformulação é a das pensões por morte, que custam aos cofres públicos, nos três níveis de governo - federal, estadual e municipal -, 3% do PIB, cerca de R$ 156 bilhões. Como a alteração das regras de concessão dessas pensões seriam só para os novos requerentes, daria para economizar 0,5% do PIB até 2018.

O pano de fundo da discussão fiscal é, para Barbosa, o esgotamento das ações conjunturais, como o contingenciamento de gastos. O resultado primário recorrente é deficitário. Agora, só reformas estruturais vão restabelecer a disciplina fiscal, a começar da previdência.

O superávit primário possível para 2015 é de até 1% do PIB, segundo prognósticos feitos por técnicos, supondo que para este ano o saldo será zero ou de um pequeno déficit e que todas as contas atrasadas serão quitadas para Dilma começar o novo mandato com as contas em dia.

Para obter esse resultado conta-se com gasto menor com energia e redução dos investimentos - esses devem passar de 1,2% do PIB este ano para algo em torno de 0,8% do PIB em 2015. Em todo o início de governo o ritmo dos investimentos cai, alegam os técnicos. Espera-se também a elevação da Cide, dentre outros.

Como a economia brasileira passa por um ajuste de preços relativos - de energia elétrica, combustíveis, transportes urbanos e câmbio -, os juros terão que subir mais para levar a inflação para a meta de 4,5% em 2016, conforme compromisso do BC. A taxa Selic deve aumentar para pelo menos 12% ao ano, segundo o texto de Barbosa.

As metas fiscais para os próximos anos vão determinar o tamanho da depreciação da taxa de câmbio e do aperto monetário. Há muito a decidir nos próximos meses, tanto na área fiscal e monetária quanto para a recuperação da indústria.

Do "novo governo, novas ideias" o que se espera é que a presidente tenha clareza da dimensão dos problemas criados na economia nos últimos três anos e que disponha de novo programa econômico para o país.

Há uma estreita vinculação entre os desdobramentos da Operação Lava-Jato, que apura a corrupção na Petrobras, e a formação do ministério do segundo mandato de Dilma Rousseff. A presidente não quer indicações de nomes que possam, direta ou indiretamente, deixar seu governo vulnerável às investigações. Essa é uma premissa para a ocupação de todos cargos públicos, sejam da área econômica, política ou social.

A cautela para que as investigações do "Petrolão" não contaminem o governo torna a equação mais complexa que se imagina. Isso explica, em parte, a demora de Dilma em anunciar nomes, gastando tempo que não tem.

Fernando Perlatto - Memórias de um intelectual comunista

Gramsci e o Brasil - Dezembro 2008

Konder, Leandro. Memórias de um intelectual comunista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 264p.

Nesse tempo de pragmatismo extremado, estou longe de ser um winner. De fato, sou um loser. Contudo, valeu a pena ter brigado pelas coisas nas quais eu acreditava, mesmo que o preço fosse o fracasso. A ética me consolou nas derrotas políticas. E eu sempre me lembrava de que, afinal (mal comparando), Antonio Gramsci e Walter Benjamin também foram losers. O conceito que cada loser faz de si mesmo depende da avaliação que ele faz do que pretende fazer. Se não pretende fazer nada, já está objetivamente acumpliciado com os winners.

Trata-se de um grande desafio o exercício de escrever sobre si mesmo. A dificuldade de manter uma certa distância daquilo que se passou é permanente, e o risco de se escrever um texto autovalorativo não se esvai facilmente, sobretudo quando a vida narrada foi permeada por diversos acontecimentos significativos. Visando superar estes desafios, inerentes a qualquer autobiografia, Leandro Konder foi buscar inspiração em diversos textos do gênero — produzidos sobretudo por outros militantes comunistas, como Dias Gomes, Gregório Bezerra, Octávio Brandão, entre outros — para escrever suas memórias. O autor consegue escrever uma obra clara, direta, permeada de sinceridade e afeto — como bem destacado por Ferreira Gullar na orelha do livro —, discorrendo sobre diversos acontecimentos e sentimentos que mobilizaram sua vida, no âmbito pessoal, acadêmico ou político.

A obra é composta pelas lembranças de Konder desde a infância, passando pela juventude e chegando à vida adulta, refletindo uma trajetória marcada pela proximidade dos seus familiares e amigos, pela reflexão e produção de uma considerável obra acadêmica e jornalística, assim como pela militância política. Diversos espaços de sociabilidade tiveram impacto considerável na formação de Leandro, como a casa familiar — e neste sentido a influência do seu pai, Valério Konder, importante dirigente comunista, foi considerável —, o PCB, o CPC da UNE, o Iseb, a universidade, as viagens que fez no decorrer da vida, entre outros. O trabalho jornalístico e a atuação como advogado sindical também cumpriram papel importante para sua constituição intelectual. Todas estas experiências são narradas com carinho nesta obra, que, em determinados momentos, presta uma homenagem a grandes amigos do biografado, como Carlos Nelson Coutinho e Milton Temer.

Ler esta biografia é usufruir da oportunidade de retomar o contato com toda a diversificada produção bibliográfica de Konder, desde seus primeiros artigos, publicados em diversos jornais e revistas, e seu livro inicial — Marxismo e alienação, de 1965 —, até a sua 27a. obra, dedicada ao amor. O percurso por toda esta produção reforça a idéia de Leandro como um autor interdisciplinar, dedicado às questões relacionadas à filosofia, à história, às ciências sociais, à educação e à literatura, percorrendo, para tanto, a obra de diversos autores, ainda que se mostrando mais apaixonado por alguns, que merecem capítulos de destaque em seu livro, como Lukács, Benjamin, Hegel, Brecht, além, obviamente, de Marx, considerado como seu principal interlocutor. Ao lado desta vasta produção acadêmica, Leandro publicou duas obras de ficção —Bartolomeu e A morte de Rimbaud —, consubstanciando de outra forma sua paixão pela literatura, que o acompanha desde a adolescência.

Sabedor de que a batalha das idéias desempenha papel fundamental na disputa pela hegemonia, Konder sempre buscou conciliar sua reflexão acadêmica com a intervenção em jornais e revistas de maior circulação, conferindo dimensão pública à sua atividade. Neste sentido, convém ressaltar sua enorme importância para a “filosofia da práxis” — como a denominava Gramsci, outro autor da preferência de Leandro —, configurando uma obra que, conforme destacado por Carlos Nelson Coutinho, constitui “um dos capítulos mais significativos da história do marxismo no Brasil”. Suas produções, versando sobre diversos assuntos, conseguem tocar em questões essenciais e polêmicas, tanto do debate acadêmico quanto do político, em uma linguagem transparente e simples, sem recair, contudo, na superficialidade.

Diferentes personalidades do mundo intelectual, sejam elas nacionais ou internacionais, desfilam pela biografia de Konder, evidenciando as diversas relações que este pensador construiu no mundo acadêmico. Muitos destes laços foram, conforme se constata no livro, fortalecidos em momentos difíceis, como quando de sua experiência de exilado na Alemanha. Leandro descreve as diversas sensações vivenciadas por aquele que se encontra nesta situação, que, distante do seu país, repleto de frustrações, angústias e desejos, desconhece se poderá algum dia voltar para sua pátria. Mesmo no exterior, não obstante, Konder buscou, junto com outros companheiros e companheiras, refletir e organizar alguma maneira de intervir na luta pela redemocratização do país. Quando regressou ao Brasil, buscou reintegrar-se política e intelectualmente, sobretudo através da militância e da publicação de artigos em diferentes meios.

A leitura desta obra evidencia a consideração de Leandro pela discussão política, ainda que — citando o conselheiro de Aires, de Machado de Assis — diga sofrer “de tédio à controvérsia” (p. 144). Para o autor desta biografia, o esclarecimento deve vir através de debates, não sendo necessários, contudo, “cascudos e pancadas” para se chegar ao mesmo. Com o intuito de observar esta característica de Konder, basta observar a quantidade de “adversários”, que se tornaram, se não seus amigos, como Merquior (para quem o autor dedica um capítulo de sua biografia), pelo menos grandes respeitadores da sua obra. Isto porque Leandro sempre procurou debater a política superando qualquer tipo de sectarismo, sem nunca abandonar suas convicções.

Neste sentido, Konder tece em sua obra críticas ao “socialismo diluído” característico dos dias atuais, conquanto defenda polemicamente que, hoje mais do que nunca, o revisionismo, outrora o foco a ser combatido, tornou-se a única esperança para a recuperação da radicalidade da intervenção transformadora do marxismo. A defesa teórica do marxismo fez-se no decorrer de sua vida concomitante com sua militância política ao longo de mais de 55 anos. Tendo militado no PCB de 1951 a 1982, Leandro filiou-se ao PT em 1988, com Carlos Nelson Coutinho e Milton Temer, partido do qual saiu em 2004, tornando-se um dos 101 fundadores do PSOL. Ainda que possamos discordar destas opções partidárias de Konder, fato é que ele nunca se omitiu de fazer o debate público sobre o futuro do país e os melhores meios de organização para a luta política, tendo sempre como horizonte a construção de uma sociedade socialista e democrática.

Conforme se mostra na citação inicial, Leandro não tem medo de evidenciar seus fracassos e suas derrotas, como exposto no capítulo dedicado ao que ele denomina de curriculum mortis. Este, ao contrário do curriculum vitae, evidenciaria os percalços que acontecem com todos, mas que acabam por ser omitidos por causa da ideologia “triunfalista”, ainda que sejam “fundamentais no conhecimento dos seres humanos” (p. 133). Konder não camufla os obstáculos que enfrentou e vem enfrentando em sua trajetória, como a doença de Parkinson, diagnosticada em 1995, narrada com extrema delicadeza e sensibilidade em um dos capítulos da biografia. Pesando seus fracassos e vitórias, entretanto, tendemos a discordar do biografado, considerando-o como um winner, que, a despeito dos percalços, logrou encarar de maneira vitoriosa as batalhas colocadas em seu cotidiano pessoal e político.

O maior problema desta biografia é o gosto de “quero mais”. Ler a respeito de um intelectual como Konder nos desperta o desejo de conhecer melhor sua vida. Talvez alguns aspectos de sua experiência política poderiam ter sido mais bem discutidos e explorados nesta obra, como, por exemplo, os motivos de suas mudanças partidárias. Isso, contudo, não diminui os méritos deste livro, que expõe em linguagem clara a trajetória deste lutador, que teve seus méritos reconhecidos nas diversas homenagens que vem recebendo nos últimos anos. Esta biografia descreve com esperança e humor as alegrias e agruras de uma vida permeada pelo desejo de transformação da sociedade. 

Afinal, é este sentimento — como podemos constatar após a leitura deste belíssimo livro e conforme evidenciam as trajetórias de tantos outros desta linhagem, como Luiz Werneck Vianna, Ferreira Gullar e Carlos Nelson Coutinho — que move um intelectual comunista.
----------
Fernando Perlatto é mestrando do Iuperj e pesquisador do Cedes (Centro de Estudos Direito e Sociedade) desta instituição.

Michel Zaidan Filho - O curriculum mortis - a lição de vida

Em plena sessão de abertura do 7o Encontro dos grupos de Pesquisa sobre Marx e o Marxismo, ontem, na Universidade Federal de Pernambuco, recebemos com muita tristeza a notícia da morte do filósofo, escritor, crítico e historiador Lenadro Konder. Filho de pai marxista e militante do PCB, Konder desenvolveu - ele próprio - a sua aventura biográfica como pensador e militante comunista. 

Tinha um talento nato para a divulgação de temas e assuntos complexos e difícieis. Foi um pioneiro na introdução e abordagem de questões teóricas e filosóficas, como a alienação, a estética marxista, a ontologia social, a obra de Franz Kafka, Bertold Brecht, o pensamento de Walter Benjamin, entre outros temas.

Foi um autor que contribuiu muito para a abertura critica da obra de Marx e o Marxismo entre nós. Obras como: 0 Marxismo na batalha das Idéias, A filosofia da Práxis no limiar do século XXI, seus artigos e ensaios teóricos publicados nas revistas TEMAS de Ciências Humanas, PRESENÇA, Civilização Brasileira influíram poderosamente sobre o necessário arejamento da mentalidade socialista da minha geração. Mas queria dedicar mais atenção a duas obras que foram objeto de muito debate e controvérsia nas esquerdas.

O luminoso ensaio "0 curriculum mortis": a necessidade de reabilitação da autocrítica nas esquerdas, publicado na revista PRESENÇA e o livro A recepção das idéias de Marx no Brasil.


O ensaio é um dos mais belos e profundos exemplos de humildade revolucionária, que se conhece. Lenadro Konder nunca foi um ativista radical; sempre se definiu como um reformista democrático, embora no final da vida tenha abandonado o PT pelo PSOL. Mas era antes de tudo um cavalheiro, um ser humano gentil e cortes, mesmo com os que dissentiam de suas idéias. Neste artigo, Konder fala da necessidade de se escrever um currículum mortis, em lugar do conhecido curriculum vitae. Dizia ele, o CC.VV. é a ideologia do triunfalismo dos vencedores olímpicos, os que nunca duvidam, nunca hesitam ou erram. Estão sempre certos e com a verdade. 0 CC.MM. seria o contrário: o reconhecimento de nossas derrotas, nossos erros, nossas dúvidas e hesitações. Então, a esquerda (e o ser humano em geral) precisava fazer, de vez em quando, um curriculum mortis ou reabilitar a necessidade de uma autocrítica sincera, verdadeira.

Não haveria, assim, nada pior do que a consciência dogmática (e acrítica) de quem acha que nunca errou e sempre fez a escolha certa. Este pensamento dogmático seria muito perigoso para o pensamento de esquerda, que deveria assim recuperar a saudável atitude da humildade revolucionária de reconhecer falhas, fraquezas e erros. Quem não se lembra, aqui, de Fernando Pessoa, em "Poema em linha reta"?

O outro ponto que gostaria de destacar, nessa homenagem, é o livro que reproduz na íntegra a tese de Doutorado de Konder, A derrota da dialética. Tive o privilégio de acompanhar o desenvolvimento desse trabalho, pois escrevia uma tese semelhante sobre o mesmo tema: a formação do pensamento marxista brasileiro, sobretudo durante a década de 20 (0 PCB e a Internacional Comunista). Troquei muitas cartas com o autor sobre a interpretação do significado e valor daquele marxismo originário. 

Nem sempre concordando comigo, o Konder reconhecia as minhas razões e se dispõe a fazer a apresentação do livro. Para mim, era uma honra, apesar das discordâncias. Mas a sua generosidade intelectual era tão grande que compensava qualquer discordância ou desacordo.

No ano que passou, dediquei-lhe a atenção - num pequeno artigo - sobre "o Lenin que poderia ter acertado", uma polêmica cordial e fraterno sobre as suas interpretações acerca da história do marxismo brasileiro. Este ano, elaborando uma tese de titularidade sobre a formação do primeiro núcleo dirigente do PCB, voltei a ele, discutindo suas teses e interpretações e reafirmando velhos pontos de vista. infelizmente, a doença degenerativa o que afligiu o retirou do nosso convívio intelectual.

Morre o ser humano, mas fica um legado de tolerância, gentileza, finura - que está se tornando cada vez mais raro no mundo.

Cientista Político e professor da Universidade Federal de Pernambuco

Vagner Gomes de Souza - Lições políticas da Derrota – Uma homenagem a Leandro Konder

Leandro Konder foi um célebre divulgador de ideias e introdução de pensadores marxistas em nosso país. Desde sua enfermidade até seu recente falecimento o campo marxista ficou mais debilitado na produção de reflexões e debates com os pensadores liberais até para evitar esse estigma de falsa polarização política. A principal característica de Leandro Konder sempre foi a busca do diálogo das ideias democráticas em que a dialética seria a força motriz dessa importante articulação.

Ele era muito mais um grande professor sobre as ideias políticas que formulador de análises da conjuntura política. Na conjuntura política ele sempre preferiu ser um observador atento de outros analistas sejam marxistas ou não. Então, se dizia um derrotado na política. Sua derrota se confunde com os desdobramentos do VII Congresso Nacional do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que no início dos anos 80 interrompeu um processo de renovação interna partidária. Sua geração foi sectariamente acusada de “direita” do PCB por defenderem uma linha mais ampla na luta contra a Ditadura Militar (1964 – 1985) que seria a Frente Democrática a qual valorizava um aprofundamento da aliança com as forças liberais.

Derrotado na política e testemunha de uma recepção do marxismo no Brasil que, na verdade, reforçou uma nova roupagem para o positivismo brasileiro. Foi nessa trilha que Leandro Konder obteve o seu título de Doutor ao escrever A Derrota da Dialética que foi muito bem recebida pela crítica literária na época de seu lançamento. Eram tempos do avanço da política neoliberal e poucos imaginariam em que ponto político chegaria o Partido dos Trabalhadores nas duas próximas décadas. Na verdade, mais uma vez se desenvolveu um erro da esquerda brasileira: a pouca atenção a atividade reflexiva de seus intelectuais diante da necessidade pragmática de garantir bons desempenhos eleitorais.

Konder sempre destacava que a esquerda costumava errar. E lembrava que o grande problema era que ela se negava a aprender com o erro. A ausência da autocrítica é comum nas agremiações de esquerda no Brasil que se deixaram confundir com as bandeiras liberais, para os movimentos políticos relevantes, ou com as bandeiras marxistas sectárias, paras os agrupamentos de ultraesquerda. Ele faleceu no pior momento da história da esquerda brasileira em que os segmentos democráticos dessa corrente estão fragmentados em diversos setores ou agremiações, ou seja, não há um grande ator político que os representem. Assim, a juventude (um segmento que Leandro Konder olhava com simpatia) está com dificuldades para formular políticas democráticas que “exorcizem” as posturas autoritárias de diversas matrizes políticas que teimam em renascer. Portanto, a nossa homenagem a Leandro Konder é uma oportunidade para convocar a todos ao melhor exercício da “revolução passiva” numa chave positiva em nosso país.

Em 13 de novembro de 2014.

Vagner Gomes de Souza, mestrado em ciência social e professor da Rede Estadual do Rio de Janeiro

Manifesto do Rio de Janeiro (1983) Eurocomunistas

Os comunistas brasileiros, desde 1964, têm exercido um importante papel na luta contra o regime autoritário então implantado em nosso país. Defendendo a mais ampla unidade das forças democráticas; combatendo frontalmente as tendências sectárias e militaristas existentes em seu meio e fora dele; pregando uma política de massas que respeitasse o pluralismo real da sociedade brasileira, os comunistas criaram um patrimônio de idéias que é hoje compartilhado por movimentos sociais e políticos de diferente extração.

O reconhecimento desse patrimônio, porém, não se deu sem dificuldades entre os próprios comunistas. Embora a questão democrática lhes tenha surgido com maior clareza no período do autoritarismo, a situação de clandestinidade e a repressão que sobre eles se abateu permitiram que o peso do passado stalinista – com todas as suas seqüelas golpistas e mandonistas – coexistisse com os elementos de renovação e inibisse seu pleno florescimento.

Essa contradição – que tardou a se tornar evidente para o conjunto dos comunistas – não pode ser mais ocultada, e muito menos abafada, no momento em que, com o avanço do processo de abertura, estabeleceu-se uma nova dinâmica na política do país. Em tal contexto, as velhas práticas burocráticas revelaram-se incapazes de dar curso tanto à renovação do pensamento comunista quanto às novas necessidades impostas pela crescente complexidade da sociedade capitalista brasileira. Os imperativos do aprofundamento da política democrática dos comunistas entraram em choque com uma concepção anacrônica de organização partidária.

A necessária renovação da sociedade brasileira – e, em particular, o pleno êxito do processo de transição democrática – não podem prescindir dos comunistas e de sua nova política; uma política que se apóia na compreensão da estreita ligação entre democracia e socialismo.

A eventual maioria do auto-intitulado “Coletivo Nacional dos Dirigentes Comunistas”, por se revelar incapaz de aplicar e implementar essa nova política, vem se constituindo num obstáculo ao cabal exercício do papel que os comunistas poderiam desempenhar como uma das forças representativas do movimento popular e democrático brasileiro.

A mais recente comprovação dessa incapacidade reside na tentativa de resolver através de métodos administrativos – de cristalino caráter autoritário – as divergências políticas surgidas entre aquele Coletivo e a maioria dos dirigentes comunistas do Estado de São Paulo, que se manifestaram na questão da concepção da frente democrática, da política sindical e da política cultural. Tal comportamento coloca sob ameaça iminente não só a nova política democrática dos comunistas brasileiros, mas até mesmo a possibilidade da presença eficaz e organizada deles na vida política de nosso país.

Diante dessa situação, que compromete os elementos vivos do patrimônio acumulado em mais de seis décadas, os comunistas não podem se omitir. O chamado Coletivo Nacional dos Dirigentes Comunistas tornou-se ilegítimo: aceita-lo significaria compactuar como o esclerosamento do movimento dos comunistas brasileiros. É necessário que acima das suas divergências, os comunistas criem um novo espaço organizativo, um espaço no qual, através de um livre e amplo debate, eles possam encontrar o caminho que os ponha em sintonia com as exigências atuais da sociedade brasileira e, em particular, com as aspirações da classe operária e das demais camadas trabalhadoras. Só dessa forma é que os comunistas podem contribuir para a conquista de uma sociedade democrática e socialista em nosso país.

Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1983
Luiz Werneck Vianna, Carlos Nelson Coutinho, Ivan Ribeiro, Armênio Guedes, Leandro Konder, Aloísio Teixeira, Leo Lince, Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna, Armando Ribeiro, Manuel Palácios, Gilvan Cavalcanti de Melo, Luis Sergio Henriques, Moises Vinhas e outros.

Esquerda Democrática

• Olhe um novo espaço em construção

Paulinho da Viola e Marisa Monte - Carinhoso (Pixinguinha)

Fernando Pessoa - Navegar é Preciso

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

Nem o Pelé conseguiria. É um drible que não dá certo, porque simplesmente vai mostrar a incompetência de bem gerir a economia do Brasil. Só é gol contra. Acho que não tem sentido. É uma coisa absurda.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República, sobre o projeto do governo de flexibilizar a meta fiscal acertada para 2014. O Globo, 13 de novembro de 2014.

Mudança na meta fiscal já enfrenta forte reação .

• Mudança na LDO que dá aval para déficit recebe críticas do TCU; Aécio ameaça ação na Justiça

Cristiane Jungblut, Martha Beck e Chico de Gois - O Globo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - A mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 proposta pelo governo, que o libera, na prática, do cumprimento da meta fiscal neste ano, provocou reações ontem dentro e fora do Congresso. O presidente do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, classificou a proposta de "improvisação". Já o senador Aécio Neves (PSDB-MG) criticou a manobra e disse que a oposição irá estudar medidas judiciais porque, para ele, a presidente Dilma Rousseff incorrerá em crime de responsabilidade, caso o projeto seja aprovado.

Apesar dos acenos de apoio da base aliada, o governo começou a enfrentar dificuldades reais para aprovar o projeto, que permite a dedução de todas as despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e desonerações da meta de superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública). A oposição obstruiu as votações, e a sessão do Congresso para votação de vetos presidenciais que trancam a pauta foi cancelada. Além disso, a bancada do PMDB na Câmara pediu mais prazo para apreciar a proposta.

- É uma improvisação que gostaríamos que não acontecesse no país. O Brasil tem que acabar com essa improvisação, com esse jeitinho de acertar as contas. Temos que ter um planejamento mais adequado - disse Augusto Nardes, ao ser perguntado sobre a mudança na LDO, após entregar ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a lista de obras consideradas irregulares pelo TCU, em 2014.

Aécio chama medida de "violência"
Já o senador Aécio Neves (PSDB-MG) voltou a falar em estelionato eleitoral e afirmou que, com a proposta enviada ao Congresso, o governo dá um mau sinal sobre as boas práticas fiscais.

- Alerto ao Congresso que, se aprovada uma medida como essa, o sinal que estamos dando é que não há mais lei a ser cumprida. Basta que, no momento em que uma lei não for cumprida, o governante a altere com sua maioria. Espero que o Congresso se respeite, respeite suas prerrogativas, e impeça essa violência - afirmou. - O governo devia ter a humildade de dizer que falhou, que fracassou.

Ao comentar a medida o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse ontem que a presidente Dilma Roussef "está quebrando" o Brasil.

- A situação do país é difícil, eles não têm como cumprir o superávit fiscal. Eles têm que reconhecer isso. Dilma disse que eu quebrei o Brasil três vezes. Não sei quando, mas agora ela está quebrando - afirmou o ex-presidente, depois de participar de seminário em São Paulo.

Perguntado se o governo estaria tentando burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para fechar as contas do ano, o tucano recorreu a uma metáfora futebolística:

- É um drible que não dá certo, porque simplesmente vai mostrar a incompetência de bem gerir a economia do Brasil. Só é gol contra. Acho que não tem sentido. É uma coisa absurda.

Jucá negocia com oposição
No início da noite, o relator do projeto, senador Romero Jucá (PMDB-RR), começou a negociar uma saída política que viabilize a aprovação da mudança na LDO. Uma das alternativas é aprovar na Comissão Mista de Orçamento (CMO) um calendário especial para agilizar a tramitação. Outra é a aprovação da urgência constitucional, saída cogitada por Jucá para acelerar os prazos de tramitação do projeto. Jucá iniciou uma negociação com setores da oposição para ver se é possível um acordo de procedimentos nesse sentido.

A bancada do PMDB da Câmara surpreendeu até mesmo a cúpula do partido ao pedir mais tempo para discutir as consequências da medida com especialistas. O líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), disse que a bancada mostrou boa vontade com a modificação proposta por Dilma, mas que quer se envolver no debate sobre o mérito da mudança.

- Não existe racha na bancada. O que existe é que a gente toma posições pelo convencimento - disse Cunha.

Após propor ao Congresso a mudança na LDO que libera o governo do cumprimento da meta de superávit em 2014, a equipe econômica trabalha agora no documento que vai indicar o tamanho do estrago nas contas públicas deste ano. É no relatório de receitas e despesas do quinto bimestre, que será publicado até o dia 22 de novembro, que o governo precisa mostrar o verdadeiro resultado fiscal com o qual trabalha.

O governo quer autorização para abater todas as despesas com o PAC e com desonerações da meta de superávit primário fixada na lei em R$ 116,1 bilhões. Como esses gastos somam hoje quase R$ 140 bilhões, a mudança permitirá até que o resultado do ano seja um déficit, sem descumprimento da LRF.

No entanto, a equipe econômica está dividida em relação à projeção que será colocada no relatório. Uma parte dos técnicos defende um número realista, mesmo que seja déficit. No entanto, outros afirmam que o número deve ser um superávit, o que é pouco crível considerando o quadro das contas em 2014. Até setembro, o setor público consolidado registra um déficit primário de R$ 15,3 bilhões.

Dilma: "situação diferenciada"
O fechamento do ano depende dos três últimos meses, sendo que novembro costuma ter déficit nas contas enquanto dezembro é de pequeno superávit. Para que o saldo do ano seja positivo, é preciso que o último trimestre registre um superávit suficiente para compensar todo o número negativo do ano, mais o de novembro.

Em Doha, no Qatar - em uma escala na viagem para a Austrália, onde participará da cúpula do G-20 (grupo que reúne as principais economias do mundo) -, a presidente comentou ontem a proposta de mudança da LDO. Ela argumentou que o mundo todo tem reduzido seu esforço fiscal e que o Brasil ainda é um dos países em melhor situação:

- Dos 20 países do G-20, 17 hoje estão numa situação de déficit fiscal. Nós estamos ali no zero. Nós não temos nem déficit, nem superávit. Nós estamos até numa situação um pouco melhor. Nós temos uma das menores dívidas líquidas, de 35% do PIB. Nos países do G-20, média, está acima de 60%. A nossa situação, se você olhar os fundamentos, ela é bastante diferenciada.

Também ontem, a Comissão Mista de Orçamento aprovou o parecer preliminar sobre a LDO de 2015, mantendo os indicadores econômicos fixados pela equipe econômica na proposta original para o ano que vem, bem mais otimistas do que as previsões de mercado. O parecer preliminar foi aprovado com quase seis meses de atraso, já que foi apresentado por Vital dia 22 de maio. O parecer final será apresentado apenas no dia 26.

O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse que o governo fez um grande esforço fiscal e que o desempenho fiscal do país é "exemplar". Sobre o envio da proposta do governo, Mercadante disse que o Congresso terá duas opções: fazer o superávit ou manter os investimentos e desonerações.

- O governo fez uma opção: não fazer o ajuste ortodoxo. Este ano precisamos ajudar a amenizar o impacto da crise. O governo fará o maior superávit primário possível. Nessa conjuntura específica tivemos que desonerar a indústria e a produção e acelerar os investimentos para fazer frente a um cenário recessivo - disse, para depois completar:

- O governo sempre cumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal. O que nós estamos discutindo é a melhor forma de administrarmos as finanças do país. A melhor forma é fazermos um superávit primário que não sacrifique as desonerações, não sacrifique os empregos e os investimentos.

Costa: sem alteração da LDO, governo não pagará emendas

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), afirmou nesta quarta-feira, 12, que, sem a aprovação da mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, o governo Dilma Rousseff não terá como pagar as emendas parlamentares previstas no chamado "Orçamento Impositivo". O Executivo enviou ontem um projeto de lei ao Congresso propondo a alteração na LDO com o objetivo de flexibilizar o superávit primário.

O Legislativo ainda não aprovou a proposta de emenda constitucional (PEC) que torna obrigatória a execução das emendas parlamentares de deputados e senadores. Esse dispositivo está previsto na LDO, mas precisa passar pela Câmara dos Deputados para entrar em vigor.

Atualmente, os sucessivos governos liberam as emendas - usadas geralmente para os parlamentares levarem obras aos seus redutos eleitorais - quando querem, fazendo disso uma moeda de negociação política.

Questionado se estava preocupado com a possibilidade de parte da base votar contra a alteração na LDO, o líder petista respondeu, em entrevista: "Se houver esse posicionamento, e tenho certeza que não vai haver porque a base do governo tem agido de forma satisfatória, o governo não vai pagar emendas dos parlamentares do Orçamento Impositivo se não for mudada a meta do superávit primário."

Segundo o líder do PT, governos e prefeituras deixarão de ter recursos para obras importantes. Ele disse ter "certeza" de que o Congresso vai tomar a opção para o País continuar crescendo.

Chantagem
Em entrevista e em discurso no plenário do Senado, Costa negou que esteja fazendo "chantagem" com os aliados e até mesmo emparedando a oposição, a quem também pediu compreensão. Mas ironizou o tucano Aécio Neves (MG), que momentos antes, havia dito que o projeto de flexibilização do superávit primário era um "atestado definitivo de fracasso da condução da política econômica" do governo Dilma Rousseff.

"O senador insiste em pensar que está participando de uma campanha eleitoral. A eleição passou, ele perdeu, Dilma ganhou. Agora, é governar o Brasil", afirmou. No mês passado, Aécio Neves perdeu para Dilma a disputa pelo Palácio do Planalto.

Dilma incorre em crime se não respeitar a LRF, diz Aécio

Ricardo Brito – O Estado de S. Paulo

O senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato derrotado ao Palácio do Planalto, afirmou na tarde desta quarta-feira, 12, que a presidente reeleita Dilma Rousseff incorre em crime de responsabilidade se não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Um dia após o governo enviar um projeto de lei para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, flexibilizando a meta de superávit primário, o tucano disse que a oposição estuda tomar medidas judiciais contra a proposta do Executivo.

"Vamos discutir, inclusive, do ponto de vista judicial, quais as demandas cabíveis porque a presidente da República incorre em crime de responsabilidade se não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal", afirmou o tucano, em entrevista na saída do plenário do Senado.

Questionado pelo Broadcast Político sobre o fato de que uma eventual condenação por crime de responsabilidade incorreria em cassação do mandato da Dilma, Aécio Neves disse que vai ponderar quais medidas tomará. "Não quero chegar a isso (processá-la) porque a medida (a alteração da LDO) não foi ainda tomada pelo Congresso", disse.

O tucano defendeu que, na discussão sobre a mudança da meta de superávit, o Congresso respeite as suas prerrogativas e impeça essa "violência". "É o atestado definitivo de fracasso de condução da política econômica", criticou.

Aécio disse que Dilma deveria devolver o mandato após ter enviado o projeto de lei de alteração da LDO. "Se houvesse um Procon das eleições, a presidente Dilma estaria sendo hoje instada a devolver o mandato", criticou o tucano.

Para o senador mineiro, a presidente vendeu aos brasileiros durante a campanha eleitoral uma realidade que não existia: de que o País não necessitava do aumento da taxa básica de juros da economia, tinha as contas públicas em ordem, não tinha inflação, diminuía o desmatamento e reduziria permanentemente a miséria.

Até um mês atrás, segundo o tucano, as principais autoridades do governo diziam que cumpririam o superávit primário de 1,9% do PIB - meta que se pretende flexibilizar com o projeto enviado ao Legislativo.

Aécio destacou que a oposição vai atuar para tentar derrubar a iniciativa. "Vamos estar vigilantes para impedir um cheque em branco para o governo", disse. Ele afirmou que o Planalto quer, com a mudança, produzir um déficit e chamá-lo de superávit. "O governo, mais uma vez, quer mascarar os números", criticou.

Para o tucano, o governo deveria ter a "humildade" de dizer que fracassou. "Um governo que foi perdulário, que não foi responsável do ponto de vista da administração dos gastos públicos, não tem autoridade moral para pedir ao Congresso que altere uma lei por ele aprovada", disse.

Fernando Henrique diz que Dilma está quebrando o país ao tentar flexibilizar meta fiscal

• Ex-presidente critica manobra do governo para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal

Silvia Amorim – O Globo

SÃO PAULO — O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) disse nesta quarta-feira, ao comentar a tentativa do governo federal de flexibilizar a meta fiscal acertada para 2014, que a presidente Dilma Roussef “está quebrando” o Brasil. FH concedeu entrevista à tarde, após participar de seminário sobre segurança no setor de tecnologia, em São Paulo.

— A situação do país é difícil, eles não têm como cumprir o superávit fiscal. Eles têm que reconhecer isso. Dilma disse que eu quebrei o Brasil três vezes. Não sei quando, mas agora ela está quebrando — afirmou o ex-presidente.

Pouco antes de fazer a declaração, Fernando Henrique havia destacado, em sua palestra, a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) durante a sua gestão na Presidência da República. Perguntado se o governo estaria tentando burlar a LRF para fechar as contas neste ano, o tucano recorreu a uma metáfora futebolística:

— Nem o Pelé conseguiria. É um drible que não dá certo, porque simplesmente vai mostrar a incompetência de bem gerir a economia do Brasil. Só é gol contra. Acho que não tem sentido. É uma coisa absurda.

O governo enviou nesta terça-feira ao Congresso um projeto para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e abandonar a meta fiscal prevista para 2014, que era de R$ 116 bilhões. Pela proposta, seriam abatidos do cálculo gastos com investimentos. Para justificar a medida, o governo alega redução das receitas e aumento dos gastos no ano eleitoral.

A oposição tem classificado o projeto como uma forma de "estelionato eleitoral". Para Fernando Henrique, este não seria o primeiro da atual gestão.

— São tantos, né? Um seguido do outro — concluiu o ex-presidente.

Ele participa na próxima sexta-feira de um ato organizado pelo PSDB em São Paulo, onde o candidato à Presidência derrotado e senador Aécio Neves (PSDB-MG) agradecerá os votos que obteve no estado.

TCU impõe restrições à contratação direta da Petrobras pelo governo

• Ministro destaca fragilidades em estudos feitos pela companhia

Eduardo Bresciani – O Globo

BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) proibiu o governo de contratar diretamente a Petrobras para produzir bilhões de barris de petróleo no excedente de áreas da cessão onerosa sem a aprovação prévia do TCU e sem o cumprimento de algumas condições. O governo anunciou em junho que faria a contratação, o que renderia neste ano R$ 2 bilhões a título de bônus de assinatura para ajudar os cofres do Tesouro, que tem recorrido a manobras fiscais para o cumprimento do superávit primário. A decisão vai dificultar ainda mais o fechamento das contas deste ano.

O acórdão aprovado ontem pelo TCU pede que o Ministério de Minas e Energia só leve o negócio adiante após a conclusão do processo de revisão da primeira parte da cessão onerosa, pela qual foram repassados 5 bilhões de barris para a companhia. E de estudos de viabilidade mais aprofundados sobre o excedente. O tribunal determinou ainda que seja encaminhada uma minuta do contrato com pelo menos 30 dias de antecedência em relação à data na qual se pretenda celebrá-lo.

Em seu voto, o ministro José Jorge, que participou de sua última sessão no tribunal, destaca observações da área técnica sobre a fragilidade dos estudos existentes até agora e sugere que a medida foi colocada em prática apenas para tentar antecipar recursos para a União.

"Antecipação de receitas"
"Ao que tudo transparece, a rapidez com que a aprovação da contratação foi conduzida tem por intuito primeiro assegurar a mais breve antecipação de receitas para a União, e não um melhor resultado em termos financeiros, o que não se coaduna com um complexo e longo projeto de exploração de petróleo", argumenta José Jorge no parecer.

Pelo anúncio do governo, há no excedente entre 10 e 14 bilhões de barris de petróleo a serem explorados pela Petrobras. Além dos R$ 2 bilhões no ato da assinatura, a Petrobras anteciparia ao governo mais R$ 13 bilhões até 2018. José Jorge afirmou que não há questionamento técnico sobre a possibilidade de contratação direta, mas sobre a forma como o negócio vem sendo conduzido.

Contabilidade criativa chega ao apogeu – O Globo / Editorial

• A poucas semanas do fim do exercício, não pode ser levada a sério a afirmação que o governo não consegue prever como suas contas encerrarão o ano

Os números relativos a setembro não deixaram dúvida sobre a impossibilidade de o governo federal atingir as metas fiscais definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014 - o déficit primário histórico de R$ 20,3 bilhões pulverizou qualquer possibilidade de algum superávit aceitável. No entanto, as autoridades fazendárias continuaram blefando ao garantir que haveria uma recuperação do superávit no último trimestre do ano. O segundo turno das eleições estava bem próximo, e se admitissem o fracasso da política fiscal - com seus efeitos nocivos sobre o combate à inflação, as contas externas e o crescimento da economia - talvez pusessem em risco a vitória tão apertada da presidente Dilma no pleito.

O reconhecimento implícito da política desastrosa que praticaram acabou vindo esta semana. Formalmente, para não serem punidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal devido ao descumprimento da meta de 1,9% do PIB, as autoridades econômicas baixaram uma medida provisória esdrúxula, pela qual este e demais objetivos desaparecem, já que todas as desonerações de tributos e mais os desembolsos para investimentos inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são descontados do déficit primário que o Tesouro acumulou.

Uma parcela dos investimentos já era descontada da meta "cheia" de superávit primário, mas agora o governo deixou de lado todos os escrúpulos e retirou o limite para essa dedução. Assim, o primeiro mandato da presidente Dilma vai se encerrar com a chamada contabilidade criativa das finanças públicas atingindo o apogeu. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, "assegurou" em depoimento à Comissão Mista do orçamento, no Congresso, que o governo fechará as contas em 2014 com superávit primário, o máximo que for possível. E, como o comportamento da receita está "errático", não poderia se comprometer com números específicos. Ora, faltando apenas poucas semanas para encerramento do exercício fiscal, se as autoridades não são hoje capazes de projetar a trajetória de suas receitas e despesas, talvez fosse mais honesto por parte da ministra declarar "salve-se quem puder", pois este é um governo que não tem mais controle sobre suas finanças.

Não será possível começar o segundo mandato nesse quadro calamitoso. É urgente que a presidente Dilma componha sua nova equipe econômica com nomes de reconhecida credibilidade e capacidade para pôr a casa em ordem. A economia brasileira está na iminência de ser rebaixada na classificação de agências internacionais de avaliação de risco, ficando a um passo de perder o grau de investimento conquistado a duras penas. A cada rebaixamento, ficará mais difícil financiar os déficits gêmeos, das contas externas e das finanças públicas, o que, por sua vez, se refletirá em mais inflação e menos crescimento econômico.

TCU sugeriu barrar obras da Petrobrás

• Corte recomendou em 2009 que governo bloqueasse repasses para 4 empreendimentos; Lula alegou que paralisação daria prejuízo

O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto foi alertado em 2009 de irregularidades em obras da Petrobrás pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que recomendou o bloqueio de recursos para os empreendimentos da estatal no orçamento do ano seguinte. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contudo, vetou dispositivos da lei orçamentária, aprovada pelo Congresso, que impediriam os repasses.

A decisão permitiu que R$ 13,1 bilhões fossem liberados para quatro obras da companhia petrolífera, embora auditorias feitas pela corte de contas tivessem detectado superfaturamento e várias outras impropriedades. Desse total, R$ 6,1 bilhões foram destinados à construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

Segundo o inquérito da Operação Lava Jato, os contratos com empreiteiras são a fonte de desvios da obra para partidos da base aliada. O orçamento inicial de Abreu e Lima, de R$ 2,3 bilhões, já ultrapassa os R$ 20 bilhões.

A decisão de liberar recursos em 2010 ocorreu após discussão acirrada entre o governo e o TCU, que não cedeu no entendimento sobre as obras. O Planalto ameaçou enviar ao Congresso um projeto de lei limitando os poderes da corte de contas. Lula declarou na época que o órgão "quase governa o País". O então presidente do tribunal, Ubiratan Aguiar, dissera que fiscalizar implicaria contrariar interesses.

Além da refinaria nordestina, a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), a modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (PR) e a implantação de um terminal em Barra do Riacho (ES) foram citadas na recomendação do TCU - que já havia constatado, além de sobrepreços, que os projetos básicos eram deficientes e os editais de licitação restringiam a competitividade.

Justificativa. Ao justificar o veto, Lula argumentou que o bloqueio de recursos implicaria a paralisação das obras e, em consequência, a perda de 25 mil empregos, além de prejuízo mensal de R$ 268 milhões com a "degradação e a desmobilização" dos trabalhos feitos até então. Ele destacou ainda que parte dos contratos tinham 90% de execução física e a interrupção atrasaria o início da operação das unidades, "com perda de receita mensal estimada em R$ 577 milhões e dificuldade no atendimento dos compromissos de abastecimento do País com óleo diesel de baixo teor de enxofre".

O então presidente salientou a possibilidade de corrigir as falhas identificadas. Relatórios da corte de contas, no entanto, continuaram apontando irregularidades. O balanço mais recente aponta sobrepreço de R$ 469 milhões em Abreu e Lima.

Auditorias em curso investigam outras possíveis irregularidades que podem alcançar R$ 1,1 bilhão. No Comperj, o prejuízo é estimado em R$ 238,5 milhões. O cronograma da obra está atrasado, o que, segundo o tribunal, implica perdas de R$ 213 milhões por mês.

A Polícia Federal investiga se o esquema de desvios na Abreu e Lima também funcionou na refinaria do Paraná e se recursos de contratos superfaturados podem ter abastecido empresas ligadas ao doleiro Alberto Youssef e ao ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa.

Holandeses confirmam que SBM subornou na Petrobras

Cláudia Schüffner - Valor Econômico

CURITIBA - A empresa SBM Offshore firmou acordo com o Ministério Público da Holanda e vai pagar US$ 240 milhões para encerrar um inquérito aberto para investigar a prática de suborno em Angola, Guiné Equatorial e Brasil. Autoridades brasileiras agora apuram a participação de funcionários da Petrobras na prática de corrupção.

O Ministério Público Federal fez pedido de cooperação a autoridades holandesas para ter informações sobre o acordo entre a promotoria holandesa e a SBM. Detalhes das investigações na Holanda e no Brasil são mantidos em sigilo. Segundo o Valor apurou, a Petrobras enviou cinco funcionários à Holanda, onde tiveram acesso a informações sobre a relação comercial entre as duas empresas.

A investigação na Holanda deixou claro que a SBM, que tem contratos com a Petrobras no valor de US$ 22 bilhões, teria subornado funcionários da estatal brasileira. Segundo a procuradoria holandesa, a empresa fez "pagamentos impróprios" que somam US$ 200 milhões, sendo US$ 180 milhões para obter contratos entre 2007 e 2011 nos três países. Ontem, a Controladoria-Geral da União instaurou seis processos administrativos envolvendo funcionários, ex-funcionários e ex-diretores da Petrobras. Não foram informados os nomes.

Alteração da LDO sustenta luta política

Vandson Lima, Leandra Peres, Raquel Ulhôa, Raphael Di Cunto e Bruno Peres - Valor Econômico

BRASÍLIA - Um lapso do governo tornou ainda mais difícil a tramitação do projeto de mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, que permitirá ao governo abrir mão de qualquer economia fiscal neste ano.

O projeto foi enviado ao Congresso sem pedido de urgência constitucional, o que significa que a tramitação teria de seguir os prazos normais. Ao tomar conhecimento do equívoco, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do texto, iniciou uma movimentação para resolver a questão. "Eu, como relator, preciso do regime de urgência para não ficar amarrado aos prazos regimentais", disse.

A proposta foi duramente criticada pela oposição. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) anunciou que seu partido vai estudar medidas judiciais para evitar a alteração da LDO. Ele disse que a presidente Dilma Rousseff (PT) incorre em crime de responsabilidade se não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e considerou o caso um precedente de extrema gravidade, além de "estelionato eleitoral". "O governo, mais uma vez, quer mascarar os números. O governo, na verdade, quer produzir um déficit e chamá-lo de superávit", disse.

O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, também convocou entrevista para defender a opção do governo por eliminar a meta de superávit da proposta orçamentária e reafirmou o compromisso do governo em fazer "o maior superávit primário possível". "Estamos discutindo a melhor forma de administrar as finanças do país".

Cunha: 'minha candidatura para presidir a Câmara é irremovível'

• Enquanto deputado bate pé, Temer tenta unir PMDB no apoio a Dilma

Catarina Alencastro e Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - O presidente da República em exercício, Michel Temer, continua tentado pacificar o PMDB em busca de unidade no apoio à presidente Dilma Rousseff. Ontem, foi a vez de ele se reunir com deputados do PMDB que não apoiaram a reeleição de Dilma. Temer disse que está trabalhando para promover a "unidade absoluta" do partido em torno do governo. Enquanto Temer agia, o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), também continuava articulando fortemente sua candidatura a presidente da Casa para neutralizar a ação do governo que tenta esvaziá-la. Cunha diz que sua candidatura é "irremovível".

Estiveram em um café da manhã com Temer, no Palácio do Jaburu, os rebeldes Leonardo Picciani (RJ), Danilo Forte (CE), Osmar Terra (RS), Hugo Motta (PB), Fernando Jordão (RJ), Eliseu Padilha (RS) e o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, que deu uma passada no final da reunião.

- Estamos cuidando não só de promover a unidade absoluta do PMDB, como tratei também um pouco da meta do superávit, que é um assunto que vai ficar para o Congresso. O Congresso vai ter que decidir nos próximos tempos - disse Temer.

A conversa foi amigável, mas ambos os lados aproveitaram para fazer reclamações. Temer, por exemplo, queixou-se do tom de algumas críticas que muitos deputados faziam abertamente ao jeito dele, de cobranças pelo fato de pensar mais no governo que no partido.

Os deputados, por sua vez, cobraram uma posição de Temer de apoio à candidatura de Eduardo Cunha à presidência da Câmara e deixaram claro que ele tem o apoio da bancada. Segundo Leonardo Picciani, os deputados enfatizaram que a candidatura de Cunha não é de oposição:

- O apoio à candidatura do Eduardo é questão pacífica na bancada. Queremos um posicionamento do partido. Estamos construindo uma candidatura harmônica do Parlamento com o Executivo. Não significa uma candidatura de oposição, mas também não é uma candidatura que não possa cumprir o papel constitucional do Congresso.

Em resposta, Temer disse que esse é um assunto do Congresso e que quem decide o candidato do partido é a bancada. Ele negou que haja temor por parte do governo em relação a Eduardo Cunha. Para marcar posição com os partidos com os quais está conversando, Cunha disse que sua candidatura à presidência da Câmara é "irremovível".

- Tenho sentido nas minhas conversas com outros partidos uma cobrança sobre se minha candidatura persistirá até o fim. A partir deste momento, minha candidatura é irremovível, será levada ao plenário em qualquer circunstância. Vou fazer o lançamento oficial no dia 2 de dezembro, 60 dias antes da eleição. Para que os partidos possam dar apoio é preciso que a candidatura seja real. E a minha é - disse Cunha.

O líder do PMDB se disse aberto a conversar também com o PT, mas alfinetou os petistas, afirmando que na semana passada foi o líder da bancada, Vicentinho (SP), quem descartou o diálogo.

Cunha disse que constrói uma candidatura para defender o Parlamento e que não há razão para que Temer, presidente do PMDB, não o apoie:

- Temos conversado muito. Construo minha candidatura no Parlamento. Não há razão para o Michel não me apoiar. O que ele não quer é a candidatura de um candidato de oposição. E a minha não é.

Governistas alinhavam bloco contra PMDB

Raphael Di Cunto - Valor Econômico

BRASÍLIA - A base governista começa a ensaiar uma reação as articulações do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), para se eleger presidente da Câmara dos Deputados e deu início ontem a conversas para organizar um bloco de apoio a um candidato mais alinhado ao governo federal que reuniria, a princípio, PT, PCdoB, Pros e PDT.

O deputado André Figueiredo (PDT-CE) defende a discussão de uma candidatura independente. "Não pode ser nem subserviente ao governo, nem ter práticas que as vezes beiram a chantagem", diz. O PDT reafirmou ontem em reunião da executiva nacional, deputados, senadores e governadores eleitos o apoio ao governo

"Nenhum de nós quer ver o Eduardo Cunha presidente da Câmara e achamos que é possível construir uma outra opção", afirma a líder do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), que cobra, porém, a definição de um candidato até a próxima semana. "Não dá para abrir negociações sem um nome para apresentar", diz.

O PT, contudo, tem adiado a definição para evitar um racha que possa favorecer outro candidato. Três nomes se colocaram para a disputa: o dos ex-presidentes da Câmara Arlindo Chinaglia (SP) e Marco Maia (RS) e o vice-líder do governo, José Guimarães (CE). Em 2005, quando a sigla lançou dois candidatos, o PP acabou eleito.

Hoje, os deputados petistas realizam um seminário com a presença do presidente do PT, Rui Falcão, e os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Relações Institucionais) para discutir a conjuntura e possibilidades para a eleição. Mas o nome do candidato não sairá desta reunião, alerta o líder do partido na Casa, Vicentinho (SP).

PT barra proposta de reforma política

• Projeto da Câmara permite doação de empresas privadas a campanhas eleitorais

Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - O PT manteve a estratégia de impedir ontem, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a votação da proposta de reforma política que tramita na Casa. Os deputados do PT criticam a proposta principalmente por incluir, na Constituição, a possibilidade de doação de empresas privadas para campanhas eleitorais, na contramão do que está para ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O partido já vinha obstruindo a votação dessa emenda constitucional no primeiro semestre deste ano. Ontem, o argumento usado foi o de que é preciso discutir essa proposta com a sociedade.

A emenda, que tem entre seus autores o petista Cândido Vaccarezza (SP), prevê que os partidos poderão optar por três tipos de financiamento de campanhas: público, privado ou misto. As doações de pessoas jurídicas terão que ser feitas aos partidos, impedindo a identificação do candidato beneficiado. Pessoas físicas poderão doar diretamente aos candidatos. A proposta acaba também com o voto obrigatório e com a reeleição para cargos executivos.

Logo depois de eleita, a presidente Dilma Rousseff voltou a defender a votação de uma reforma política e a realização de um plebiscito para saber que pontos a sociedade deseja alterar. O Congresso rejeitou a ideia do plebiscito, mas reconheceu a necessidade de votação da reforma política. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), apelou para que a emenda, elaborada pelo grupo da reforma política que ele criou, tivesse sua admissibilidade votada pela CCJ o mais rápido possível e conseguiu apoio de 15 líderes partidários.

STF já tem posição contrária
Ontem, no entanto, durante a sessão, PT, PCdo B e PSOL ameaçaram obstruir a votação se não fosse realizada primeiro uma audiência para debater os temas com entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

- A CNBB, a OAB e mais 100 entidades apresentaram uma proposta de reforma política que já tem mais de 600 mil assinaturas. Vamos votar aqui sem discutir com a sociedade? Além disso, essa PEC do grupo de trabalho tem um problema muito grave: constitucionaliza a doação de pessoa jurídica às campanhas. É uma antirreforma para anular a decisão que o Supremo está prestes a tomar e que torna inconstitucional esse tipo de doação - disse o deputado Alessandro Molon (PT-RJ).

O STF começou a analisar ação contra a doação de empresas para campanhas, e, apesar do pedido de vista de Gilmar Mendes que interrompeu a votação, já há maioria pelo fim das doações de pessoas jurídicas.

Luiz Werneck Vianna - Sair da confusão

- O Estado de S. Paulo

"Sair da confusão" - com essa frase o treinador Vanderlei Luxemburgo, recém-contratado pelo Flamengo, clube em grave crise e sob a iminência de rebaixamento da série A do Campeonato Brasileiro de Futebol, iniciou seu trabalho à frente do elenco sob seu comando. A definição clara do objetivo estratégico a ser perseguido parece, a esta altura, que lhe foi propícia, pois tudo indica que em breve se dissiparão pesadas nuvens que ainda pesam no horizonte da sua agremiação. A questão que ora se põe para a política brasileira é da mesma natureza: sair da confusão a que fomos levados pela surpreendente fúria de que se revestiu a competição eleitoral - no prognóstico consensual que antes se fazia, mais uma a transcorrer sem maiores atropelos desde a democratização do País.

Tratava-se, é fato, de uma eleição fadada a ser mais competitiva que as anteriores com a candidatura de Eduardo Campos a trincar a base de sustentação das hostes governistas, mas o que veio a suceder vem desafiando o script mais fantasista de que se poderia dispor para o seu enredo. Mal ou bem, fora o ponto fora da curva das jornadas de junho de 2013 - nada inocente, aliás, quanto ao que veio a ocorrer no processo eleitoral -, a política brasileira vinha seguindo o traçado amável e confiável desenhado pelo constituinte de 1988 quando, de súbito, se deparou com uma bifurcação inesperada provocada pelo crescimento, primeiro, da candidatura de Marina Silva, que surgiu opondo à agenda da modernização a do moderno, e, depois, da de Aécio Neves, com sua desenvoltura nos debates eleitorais.

A derrota eleitoral, antes uma hipótese de laboratório, havia se tornado uma possibilidade tangível. Para evitá-la, um caminho seria o de seguir avante na trilha astuta aberta por Lula no episódio da Carta ao Povo Brasileiro em sua primeira sucessão, mas com as jornadas de junho de 2013 o novo cenário não parecia ser promissor a ele; outro, sempre encapuzado e que, provavelmente, não corresponderia às convicções de Lula - se a consulta a seu passado permite jogar luz sobre seu posicionamento político -, seria o de investir na estrada do discurso do nacional-desenvolvimentismo, com registro na biografia de Dilma Rousseff e presença latente em suas ações na Presidência da República. Optou-se por este último, avaliado como atraente por falar ao imaginário de setores da esquerda que jamais se conformaram com a via da transição adotada pelas forças que conduziram a democratização do País.

Esses setores se deixaram seduzir por esse canto de sereias, mesmo que em tom de falsete, e acorreram em massa à campanha governista, vindo a desempenhar, por seu aguerrimento, principalmente nas redes sociais, um não pequeno papel na sua vitória eleitoral. Decerto, contudo, que o fator decisivo teve seu lastro na memória, que ainda se guarda, e com mais força em algumas regiões do País, do papel do Estado como instância da Providência - na era que leva seu nome, Vargas era chamado de "pai dos pobres" -, reavivada na campanha vencedora nas urnas.

Por essa via fortuita o populismo ganhou seu bilhete de reingresso na política brasileira, não se sabe, ainda, se de modo instrumental para efeitos da disputa eleitoral, ou permanente, mas logo sua real condição se fará pública com a designação do Ministério pela presidente eleita, em particular nas pastas da Fazenda e da Agricultura. Esse será o momento de a presidente subscrever, a seu modo, a sua carta ao povo brasileiro, ou, alternativamente, optar pela razão populista, contrariando o prudente Vanderlei, que tem horror à confusão.

A narrativa da História contemporânea brasileira na chave do populismo parecia estar sepultada e, como se sabe, o Partido dos Trabalhadores foi um dos seus principais coveiros, tanto pela ação decisiva do sindicalismo do ABC paulista - em que Lula foi personagem destacado, quando denunciou as instituições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como o AI-5 dos trabalhadores e se rebelou contra ela - quanto pela crítica de algumas importantes personalidades intelectuais que a ele se vincularam, como Florestan Fernandes, Raymundo Faoro e Francisco Weffort, avessos ao nacional-desenvolvimentismo e à estatolatria. Weffort, por sinal, tornou-se o primeiro secretário-geral do PT.

A derrogação teórica do papel da classe operária, categoria que foi estratégica na forma como o PT se apresentou ao mundo, implícita no processo eleitoral - e não apenas nele, porque já o antecedia - pela categoria povo não consiste numa operação trivial, especialmente num país com as nossas tradições. A perda de centralidade do mundo do trabalho na cena contemporânea se constitui num fato registrado pela sociologia, mas daí a rebaixar, numa sociedade de capitalismo expansivo como a nossa, suas lutas econômicas e por reconhecimento social ao estatuto genérico de abrigarem apenas mais um tipo de demanda social, entre outras, vai um oceano.

Com o deslocamento do mundo do trabalho para uma posição periférica na "construção do político", como sugerem teorias em voga, sinaliza-se para uma relativização do tema institucional em nome de pressões difusas e desencontradas em seus propósitos vindas da região do social. Não esquecer que o sindicalismo nasceu da luta pela institucionalização de direitos, o primeiro deles, pela regulamentação da jornada de trabalho e, um pouco mais tarde, em torno do seu direito à participação na política.

Diante do vazio que se abre com sua fraca presença em cena, fruto da política de cooptação a que foi sujeito nos governos de Lula, sobra espaço para as manipulações discursivas, sob a arbitragem do Estado como intérprete privilegiado, em competição aberta por hegemonia, tal como viceja no atual populismo latino-americano. Isso não é Gramsci nem sua teoria da hegemonia, e, sim, uma promessa de nos afundar no pântano da confusão.

Luiz Werneck Vianna é cientista social, PUC-Rio