segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

José Roberto de Toledo - Política de uma roda só

- O Estado de S. Paulo

A prefeitura da metrópole argumenta com estatísticas: o uso de bicicletas na cidade cresceu 10% no último trimestre e bateu seu recorde. Elas já são 16% do tráfego de veículos no centro da cidade. É preciso fazer mais ciclovias e estações de aluguel.

Não, não é o paulistano Fernando Haddad. É seu colega londrino, que investe R$ 4 bilhões para melhorar a infraestrutura cicloviária de Londres e aumentar a segurança dos ciclistas. Fora do Brasil, o transporte a pedal não é uma mesquinha questão partidária. É uma imposição econômica.
Todo ano, o mundo produz mais de 130 milhões de bicicletas - o dobro do que fabrica de carros. E essa diferença continua crescendo, entre outros motivos, porque uma invenção centenária está, enfim, seduzindo o mercado: a e-bike.

A bicicleta motorizada existe desde o fim do século 19, mas apenas nos últimos anos a tecnologia evoluiu ao ponto de popularizar a produção de motores elétricos realmente eficientes e de baterias leves, recarregáveis e duradouras. Tudo isso combinado a sensores que captam o movimento e a força da pedalada e transferem para a roda a energia que faltava. O resultado é uma bicicleta que aplaina qualquer cidade.

Um ciclista neófito e com sobrepeso é capaz de subir os três quarteirões da ciclovia da Rua João Ramalho, uma das mais íngremes ladeiras paulistanas, sem ter um infarto - porque o motor elétrico complementa a pedalada com a força necessária. No plano, uma e-bike chega, sem esforço, a 25 km/h. Não é brinquedo. É muito mais um meio de transporte do que de lazer.

A e-bike já virou aquilo que a propaganda diz que o carro elétrico será um dia. Os números são incomparáveis. Enquanto as vendas de automóveis híbridos no mundo se contam aos milhares, as e-bikes são produzidas aos milhões. Tudo começou na China, onde o desenvolvimento dessa tecnologia é uma prioridade de Estado desde 1991. Hoje, nove em cada dez e-bikes são chinesas. Mas europeus e norte-americanos tentam recuperar o terreno perdido.

As vendas de e-bikes na Alemanha crescem 45% ao ano. Nos EUA, 80%. Um dos inventores da mountain bike, Gary Fisher disse aos fabricantes de bicicletas dos EUA no seu último congresso: "As e-bikes vão eclipsar as mountain bikes. Isso vai ser maior do que qualquer coisa que vocês já viram. E é melhor darem duro, porque, senão, a indústria automobilística vai tomar conta".

As grandes montadoras de veículos e os fabricantes de autopeças já perceberam a oportunidade e entraram no mercado. Bosch e Yamaha, por exemplo, desenvolveram sistemas integrados de motor e bateria que podem ser adaptados a bicicletas comuns de outros fabricantes. Audi, Ford, Porsche e Smart - para citar algumas marcas que estão se adaptando das quatro para duas rodas - desenvolveram e vendem e-bikes. Não é difícil entender o motivo.

Enquanto um carro elétrico pesa 1,5 tonelada e seu motorista, digamos, 75 kg, a e-bike pesa 25 kg e carrega o mesmo motorista. Num, a relação de peso morto x peso transportado é de 20 para 1; no outro, de 1 para 3. Além de ser 60 vezes mais eficiente, a e-bike custa, em média, um décimo do preço do carro elétrico. Não requer habilitação, pode circular em ciclovias e não paga IPVA.

Inovações não param de surgir nesse novo mercado. Ainda este semestre começará a ser vendida a chamada "Copenhagen Wheel". Apesar do nome, foi inventada pelo MIT, nos EUA, e tem jeito de futuro: motor e bateria embutidos em uma só peça que substitui a roda traseira de quase qualquer bicicleta. Sua bateria se recarrega nas descidas. Controlada pelo celular, forma uma rede volante que mede volume de tráfego e qualidade do ar onde passa.

Enquanto isso, no Brasil… discutimos a cor da ciclovia por parecer uma versão desbotada da do partido do prefeito. Aqui, a Copenhagen Wheel rapidamente viraria "roda petista" e provavelmente teria dificuldades de venda. Afinal, é vermelha.

Vinicius Mota - Que agonia

- Folha de S. Paulo

Ao final da longa purgação que apenas se inicia, a Petrobras e todo o complexo político-empresarial ao seu redor terão sido desidratados. Do devaneio fáustico vivido nos últimos dez anos restará um vulto apequenado, para o bem da democracia brasileira.

As viúvas do sonho grande estão por toda parte. Um punhado de militantes e intelectuais fanáticos por estatais monopolistas acaba de publicar um manifesto que exala agonia.

O léxico já denota a filiação dos autores. A roubalheira na Petrobras são apenas "malfeitos". O texto nem bem começa e alerta para a "soberania" ameaçada, mais à frente sabe-se que por "interesses geopolíticos dominantes", mancomunados, claro, com "certa mídia", em busca de seus objetivos "antinacionais".

Que agenda depuradora essa turma teria condição de implantar se controlasse a máquina repressiva do Estado. Conspiradores antipatrióticos poderiam ser encarcerados, seus veículos de comunicação, asfixiados, e suas empresas, estatizadas para abrigar a companheirada.

Que espectro de PDVSA, o portento estatal total que fatura o equivalente a 60% do PIB na Venezuela, poderia surgir no Brasil. O Congresso conservador, o Orçamento limitado e vigiado, o Judiciário indócil, o Ministério Público indômito e a Polícia Federal autônoma seriam afogados pela força diluviana dessa empresa-Estado.

Felizmente o Brasil é muito maior que o petróleo que produz e pode vir a produzir. A Petrobras, mesmo agigantada após anos de política monopolista perdulária, fatura pouco mais de 5% do valor do PIB.

Quanto maior é o peso de empresas estatais na economia, mais amplos são os meios para o autoritarismo. Imagine se o governo ainda tivesse em mãos a Vale, a Embraer e as telefônicas para fazer política. Quais seriam os valores da corrupção, se é que sobrariam instituições independentes o bastante para apurá-los?

Carlos Melo - “Sarneyzação piorada”

- O Estado de S. Paulo

Em política quase nada é impossível, mas nem tudo é plausível. Há especulação de todo tipo, mas parece claro que, ao final, algumas dezenas de políticos sejam implicados com a Operação Lava Jato. Não parece plausível que a denúncia do procurador-geral da República ao STF possa melhorar o ambiente, improvável que seja apenas “mais uma flechada em São Sebastião”. Mais lógico que agrave o ambiente e mais confusão daí resulte.

A não ser que a montanha venha a parir um rato, os pedidos de abertura de inquérito farão com que pencas de políticos tenham de se explicar. Será um “deus nos acuda”, com acusações de todos os lados e um jogo de pressões e chantagens. A agenda do país, ficará, é claro, paralisada — mais do que já está. Não cabe culpar o mensageiro, o procurador faz seu trabalho. A mensagem será mesmo negativa e as alternativas limitadas. A presidente e o PT podem até torcer para que também a oposição seja alvejada; culpar governos anteriores, apontar o cisco no olho do outro. Mas, abraços de afogado são como jogar esterco no ventilador: compromete a todos, sem resolver o problema.

O quadro tem se agravado em progressão geométrica. Há meses, discutia-se apenas o problema econômico; hoje, sabe-se que a economia não se revolverá por si ou pela simples ação (ou capitulação) da presidente. A política tornou-se variável prejudicial: incapaz de mitigar problemas econômicos, aprofunda o drama; as crises se alimentam mutuamente.

A piora do ambiente político mina a governabilidade e impede o bom manejo de ajustes que coloquem a economia nos trilhos: o ambiente econômico se deteriora e escândalos — como os revelados pela Lava Jato – são menos tolerados. Não há condescendência no humor da opinião pública e, assim, “melar o jogo” com questionamentos processuais, como no passado, é mais difícil ou impossível. O cachorro devora o próprio rabo.

O que esperar deste cenário? Difícil dizer. Mas, possível intuir que se caminha para “um tipo piorado de sarneyzação”: estagnação econômica e crise política. “Piorado” porque, ao longo dos anos, houve rebaixamento da qualidade dos políticos. Falta à Dilma Rousseff a experiência que José Sarney já trazia em seu tempo. Também o Congresso é um deserto de personagens capazes de conduzir o processo a bom termo. Eduardo Cunha não é Ulysses Guimarães; o conflito se agudizou, o Centro é mais fisiológico que político, o baixo-clero triunfou e o governo carece de operadores eficazes. Ao final, a denúncia do procurador-geral pode prenunciar um perigoso vazio.

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Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Marcus Pestana - De volta à realidade: impeachment e crise

- O Tempo (MG)

Reza a lenda que no Brasil o ano só começa após o Carnaval. É hora de encarar a realidade. 2015 promete e preocupa. Emoções fortes nos esperam.

Não há notícia boa no front econômico. Do crescimento zero ao naufrágio de nossa maior empresa, as expectativas se deterioram. A credibilidade da presidente Dilma despenca, como demonstrou a última pesquisa Datafolha. Não é para menos. Formou-se a percepção de um verdadeiro “estelionato eleitoral”. Tudo o que foi dito na campanha foi desdito nos meses seguintes.

Para agravar o quadro, o cenário internacional não ajuda. O preço das commodities despenca. A recuperação mundial é lenta. A política externa brasileira é um desastre e reafirma sua vocação terceiro-mundista. O dano à imagem brasileira com o escândalo da Petrobras é incalculável. O Brasil está sendo objeto de investigações nos Estados Unidos, na Suíça e na Holanda.

É dentro desse ambiente explosivo que a bateria da operação Lava Jato deve acelerar as investigações e precipitar os desdobramentos. É de se esperar que o procurador-geral da República apresente denúncia ao Supremo envolvendo dezenas de agentes políticos. A CPI da Câmara dos Deputados deve aprofundar as investigações, estabelecendo os laços financeiros e políticos entre a direção da Petrobras, partidos, governo e empresas privadas. Cresce a inquietação nas ruas. As redes sociais cobram atitudes fortes contra corruptos e corruptores. Grupos sociais convocam uma grande manifestação nacional para o dia 15 de março. A base do governo no Congresso exibe profundas rachaduras e impõe derrotas a Dilma nas duas primeiras semanas de mandato.

O cenário pós-Carnaval é complexo e desafiador.

O PSDB é líder das oposições e alternativa real de poder. Galvanizou sonhos e esperanças de 51 milhões de brasileiros. Temos que ter a coragem de liderar a resistência aos desmandos do PT, mas também ter a responsabilidade de não patrocinar aventuras. Muitos nos cobram que empunhemos de imediato a bandeira do afastamento de Dilma. Impeachment não é objetivo nem fruto de vontade unilateral de um ou mais atores políticos e sociais. O PT está nas cordas e tenta levar todos para a vala comum da irresponsabilidade e da corrupção. Impeachment é consequência, resultado, ponto de chegada, instrumento constitucional. Lutamos muito pela democracia, consolidamos instituições, e a Constituição cidadã está em vigor. O PT tenta nos carimbar como golpistas. Faremos tudo dentro dos marcos constitucionais. Impeachment pressupõe evidências jurídicas sólidas e irrefutáveis e apoio social e parlamentar.

A CPI e a operação Lava Jato ditarão o ritmo. Com determinação e coerência, canalizaremos a insatisfação da maioria da população brasileira. Com competência e habilidade, estaremos ao lado da sociedade para recolocarmos o Brasil nos trilhos, mas não podemos tropeçar na tentação de passar o carro na frente dos bois.
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Marcus Pestana é deputado federal e presidente do PSDB de Minas Gerais

Carlos Ayres Britto - O Decreto 8.243 e a sociedade civil

• Temo pelo pássaro da cidadania a trocar o voo pelo saltitar na gaiola dos conselhos populares

- O Estado de S. Paulo - 22/02/2015

Cidadania não é uma palavra qualquer. É uma figura de Direito. Uma superfigura de Direito, em verdade, pois embutida no rol dos "fundamentos" da República Federativa do Brasil. Está ali no inciso II do artigo 1.º da Constituição, garbosamente perfilada entre os "Princípios Fundamentais" (Título I) do nosso Estado. Seu preciso significado é este: qualidade do cidadão. E cidadão é o habitante da cidade. Da "cidade-Estado"que, na Grécia antiga, era chamada de pólis.

Pronto! O link vai tomando corpo: cidadania é qualidade do cidadão e cidadão é o habitante da cidade como espaço das relações primárias entre governantes e governados. Os governantes a representar a pessoa jurídica do Estado, os governados a "presentar" (Pontes de Miranda) a difusa ou não personalizada instância da sociedade civil. Cada um desses governados a encarnar a referida figura do cidadão. Mas não de um cidadão aquoso e, nessa medida, tão insípido, inodoro e incolor quanto a água potável que deu de faltar nos lares brasileiros. Ao contrário, cidadão como integrante orgânico ou militante ou engajado da sociedade civil perante o Estado. Envolvido com o dia a dia da população, portanto.

Daqui se deduz que o típico do cidadão é se interessar por tudo o que é de todos. Sempre na perspectiva de servir ao todo social mesmo. O cidadão como símbolo da pessoa altruísta ou de alguém que veste a camisa da sociedade. Alguém que faz viagem de alma, e não viagem de ego. Tão socialmente participativo que no "Século de Péricles" (440-404 a.C.) se chegava a dizer: "Sou livre porque participo". E não "participo porque sou livre", como atualmente se fala. O que pressupõe a mais desembaraçada busca de informações sobre os negócios públicos para que, num segundo momento, o cidadão já se posicione mais conscientemente como soberano (a soberania popular é o segundo fundamento da República, nos termos do inciso I do citado artigo 1.º e da cabeça do artigo 14 da Magna Carta federal). E é como soberano que ele vai protagonizar o voto direto e secreto, a iniciativa popular de lei, o plebiscito e o referendo (cabeça e incisos do mesmo artigo 14).

É sob esse entendimento jurídico de cidadania que a nossa Constituição volta muitas vezes ao tema. E volta em sentido afirmativo ou de forte prestígio. Para fazer da cidadania um mecanismo de fiscalização, controle e acionamento do poder. Um necessário instrumento de cobrança, denúncia, representação, queixa... e também de colaboração, claro! O cidadão a vitalizar o lema de que "o preço da liberdade é a eterna vigilância" (frase que ninguém sabe ao certo se de autoria de Thomas Jefferson ou Stuart Mill). Ele totalmente livre para se informar, vigiar e cuidar, seja por conta própria, seja requestando as autoridades. Mas sempre do lado de fora do Estado, porque ver o Estado a partir dele mesmo é ter a vista embaçada. O olhar anuviado de quem é observador e parte ao mesmo tempo. Não assim com o cidadão enquanto agente exógeno perante ele, Estado, de sorte a poder assumir-se como um pássaro solto na amplidão dos seus personalíssimos cuidados para com a pólis. "Livre, leve e solto" (Nelson Motta), inclusive para impedir que o atávico sono da nossa "pátria mãe tão distraída" venha a colocá-la no despenhadeiro das mais "tenebrosas transações" (Chico Buarque).

Assim é que se explica, por ilustração, o seguinte catálogo de normas constitucionais: os incisos XXXIII e LXXIII do artigo 5.º, este a criar o mecanismo da "ação popular" e aquele a consagrar o direito de "receber dos órgãos públicos informações de (...) interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral"; o § 3.º do artigo 37, remetendo à lei "as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta", de maneira a que sejam especialmente regulados "as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral" (inciso I), "o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo" (inciso II), assim como "a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública" (inciso III); o inciso IV do §2.º do artigo 58, que insere nas competências das comissões técnicas do Congresso Nacional e de suas Casas "receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas"; o §2.º do artigo 74, que faz de qualquer cidadão "parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União".

Bem, cheguei aonde queria chegar: o Decreto Executivo federal n.º 8.243, de 23 de maio de 2014, que me parece equivocado quanto aos conceitos constitucionais de cidadania e sociedade civil. E porque equivocado, traz uma e outra para dentro da União. Busca integrá-las à estrutura do poder, para que elas atuem mais e mais ali na própria ossatura orgânico-administrativa da nossa pessoa federada central. Ora no interior desse ou daquele órgão, ora como parte dessa ou daquela comissão, ora na intimidade estrutural desse ou daquele conselho... e por aí vai. Mistura de papéis que mal disfarça duas coisas: a imperial liderança do Estado em face dela, sociedade civil, e o recolocar da altaneira figura do cidadão na subalterna condição de súdito. Isso porque, assim postadas do lado de dentro dos aparelhos de Estado, a sociedade civil e a cidadania não têm o que fazer senão ver quebrantadas ainda mais as suas forças e facilitado o que em tais aparelhos é histórico lugar-comum: botar as mangas de fora. Esse mesmo Estado que, no Brasil, chegou antes da sociedade e até hoje não a reconhece como a única razão de ser da sua jurídica existência. Estado que demora demais a entender que os súditos da sepultada monarquia têm o direito de se transformar nos cidadãos da República finalmente partejada.

Temo pelo pássaro da cidadania a trocar o voo pelo saltitar na gaiola dos conselhos populares ou coisa que o valha.

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Carlos Ayres Britto, mestre e doutor em direito constitucional pela PUC-SP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, foi presidente do TSE e do STF

Renato Andrade - Sem intermediários

- Folha de S. Paulo

Joaquim Levy resolveu colocar o pé na estrada para negociar seu pacote de medidas que precisa ser aprovado para reduzir as despesas do governo neste ano.

Na noite desta segunda-feira, o ministro da Fazenda vai discutir os apertos propostos para o acesso a benefícios trabalhistas com o comando do PMDB, principal aliado do governo da presidente Dilma Rousseff.

É salutar ver o chefe da equipe econômica com disposição para conversar diretamente, sem intermediários, com lideranças políticas. As medidas precisam passar pelo Congresso. Sem diálogo, as chances do pacote ser destroçado por deputados e senadores são consideráveis.

Mas o movimento reforça um problema identificado nos primeiros dias do ano dentro da cozinha do Palácio do Planalto cuja solução não está no horizonte de curto prazo.

A interlocução dos ministros que operam no entorno da presidente Dilma com as lideranças dos partidos da base no Congresso é sofrível.

A vitória inconteste de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na disputa pela presidência da Câmara, no início do mês, é o exemplo mais claro disso.

De lá para cá, muita saliva foi gasta, reuniões foram realizadas, mas nenhum resultado prático foi obtido para resolver o problema. A taxa de rejeição dos articuladores de Dilma segue em alta, assim como a desaprovação do governo da petista.

O Planalto precisa dessas medidas. Elas respondem por cerca de 27% do ajuste prometido para 2015.

Levy também precisa ver o pacote aprovado. Entregar a economia de gastos anunciada ainda no final do ano passado é fundamental para a manutenção de sua credibilidade como comandante da Fazenda.

Mesmo garantindo esse corte, o caminho até o cumprimento da meta estabelecida para o ano será árduo.

O risco da economia brasileira encolher neste ano não é desprezível. Sem os cortes pensados por Levy na concessão de benefícios trabalhistas, a tesoura vai atingir outras áreas.

Celso Ming - Dilma não passa firmeza

- O Estado de S. Paulo - 22/02/2015

O noticiário não dá tréguas. A percepção que cresce na sociedade não é apenas de aumento da recessão, mas a de que a economia continua em deterioração.

A última Pesquisa Focus, por meio da qual o Banco Central avalia as projeções de cerca de 100 instituições, aponta para este ano uma evolução negativa do PIB, de 0,42%; um desempenho também negativo da indústria, queda de 0,43%; e inflação acima do teto da meta, de 7,27%.

Ao contrário do que aconteceu no primeiro período Dilma, desta vez a equipe econômica não promete demais. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, assumiu em janeiro garantindo que cumpriria, neste ano, a meta de superávit fiscal (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,2% do PIB, o que, em volume, corresponde a cerca de R$ 66,3 bilhões. Mas esse resultado vai sendo ameaçado diariamente pelo imponderável. Os políticos vêm encontrando meios de aumentar as despesas públicas e de evitar a adoção de providências de austeridade. As receitas também não ajudam. Como a perspectiva é de queda praticamente inexorável de crescimento, como se viu, a arrecadação também sofre.

O Banco Central, por sua vez, já desistiu de entregar inflação na meta em 2015. Vem avisando que o realinhamento dos preços administrados (principalmente tarifas de energia elétrica e de transportes urbanos) e o impacto da alta do dólar, especialmente sobre os importados, expandirão a inflação nos próximos meses. Apenas em 2016 voltará a convergir para a meta de 4,5% ao ano, alerta o Banco Central e, ainda assim, sem explicar como chegou a essa conclusão. Mas a dinâmica das coisas não tem compromisso com as intenções das autoridades e, decididamente, não dá para apostar nas previsões do Banco Central.

O nível de incertezas segue elevado. Nenhum empresário sabe se pode ou não contar com suprimento regular de energia elétrica, porque o risco de racionamento continua alto. O mesmo pode-se dizer do fornecimento de água tratada nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio e Espírito Santo.

A Operação Lava Jato já inibiu a atuação das empreiteiras. As revelações estão longe de se completar e sabe-se lá que desdobramentos apresentarão na economia e na política. A Petrobrás já anunciou que vai rever (para baixo) seu plano de negócios e sua crise se estende a seus fornecedores. Em paralelo, a derrubada dos preços do petróleo exigirá revisão do marco regulatório do setor, assunto que permanece na moita. São fatores que tendem a bloquear ou a adiar os investimentos e, portanto, a bloquear ou adiar fontes importantes de demanda interna.

O governo da presidente Dilma assiste a tudo passivamente. Há alguns meses, mesmo quando já não acreditava no sucesso de sua política, pelo menos tinha uma posição, quase sempre errada, mas tinha.

Agora parece vacilante. Optou pela estratégia do ajuste, pelo reforço dos fundamentos da economia e pela redistribuição de contas pela sociedade, mas não passa firmeza. Tem saudades da moleza. Falta contundência na defesa de sua nova política.

Míriam Leitão - Travessia do ano

- O Globo – 22/02/2015

Passaram-se quase dois meses de 2015, o carnaval já passou, o horário de verão acabou, mas o motor do país não dá sinais de que vai pegar tão cedo. A confiança não melhorou, a indústria teme uma nova recessão, os preços da energia e o racionamento. A agricultura teme a falta de água e a queda de preços externos. As empresas elétricas continuam enroladas na crise.

OBNDES diz que os setores de indústria e de infraestrutura pretendem investir R$ 1,4 trilhão, entre 2015 e 2018. Seria bom acreditar, principalmente na fatia de 2015. O melhor cenário, no entanto, é o país começar 2016 com inflação cadente, melhor situação fiscal e um ânimo maior dos empresários. Os números de intenção de investimento ou de liberações de empréstimos do BNDES parecem sempre tão brilhantes. O problema é que a taxa de investimento nunca reflete os dados do banco.

A indústria não está pedindo muito desta vez. Sabe que não há espaço fiscal. Por isso, o presidente da CNI, Robson Andrade, acha que o governo ajudará bastante se reduzir burocracias. Reclama da enorme papelada para exportar. Como pode o país que está com déficit comercial tornar a vida do exportador burocraticamente complicada? Pior, diz Robson, é a legislação do ICMS, sobre a qual todos os governos legislam. Para ficar em dia com o tributo é preciso um exército de especialistas para entender as mil páginas de regulação.

A agricultura terá que enfrentar a queda dos preços das commodities, mas pelo menos a alta do dólar neutralizará parte das perdas. O que realmente a ameaça é a escassez de água. O setor consome 70% da água do país para a atividade, grande parte em irrigação. A seca pode afetar a produção.

A indústria é a maior consumidora de energia. Reduziu recentemente o consumo relativo, mas num percentual menor do que a queda da sua participação no PIB. O que cresceu foi o consumo comercial e residencial, mas o gráfico abaixo mostra que o setor que enfrentará a restrição será o industrial. Isso, além de ter que pagar quase 60% de alta na tarifa.

Por isso, o economista Fábio Silveira, da GO Associados, não acredita que o ano de ajuste será apenas 2015. Ele acha que em 2016 o país ainda não estará preparado para voltar a crescer fortemente. Adia o bom momento para 2017.

Robson Andrade torce contra essa previsão e alinha os motivos pelos quais a recuperação pode vir mais cedo: câmbio mais favorável, possível elevação da confiança e reformas de simplificação tributária.

Três anos de recessão são um preço alto demais para pagar pelos erros da presidente Dilma no primeiro mandato. Há ainda o complicador da grave crise em que este governo colocou a Petrobras.

A tentativa de inverter o ônus da desordem na empresa, da qual ela foi por tanto tempo presidente do Conselho de Administração, empurrando o problema para o governo FHC, é tão insano que assusta. Revela muito da incapacidade da presidente de administrar as crises política e econômica que se instalaram no país. Se ela não entendeu a dimensão e natureza do ataque à Petrobras, como poderá sanear e proteger a empresa?

O país terá que reverter a crise fiscal, a apatia econômica, com crises de água e energia e a principal empresa do país no meio de um escândalo de corrupção. Será difícil escapar da recessão em 2015, e a presidente precisará ter mais noção da gravidade do momento se quiser salvar o ano de 2016. Acabaram a campanha, a festa da posse, os descansos na praia, o carnaval, o marketing. É hora de governar.

Luiz Carlos Azedo - O buraco negro

• Cresce o estresse dos executivos que passaram Natal, ano-novo e carnaval na cadeia. Seus advogados negociam acordos de leniência das empresas e ameaçam recorrer a novas delações premiadas

- Correio Braziliense - 22/02/2015

Existem lugares onde o tempo congela no seu centro. Bilhões e bilhões deles: são os buracos negros. O físico Albert Einstein, com sua teoria da relatividade, mostrou que, quanto maior for a gravidade, mais lentamente o tempo passará. E nada tem mais gravidade do que um buraco negro. Quanto mais perto se chegasse de um, mais devagar se envelheceria, por exemplo.

Mas os buracos negros são lugares perigosos, não dá para ficar muito perto de sua gravidade monstro. Ao mergulhar num deles, a força que puxaria a cabeça de um homem seria milhões de vezes maior do que a que atrai os seus pés. Ele seria esquartejado. Mesmo um super-homem, se chegasse inteiro ao centro do buraco negro, o tempo lá fora se esgotaria para ele. E sua vida acabaria. Não teria para onde voltar.

A Operação Lava-Jato pode ser comparada a um buraco negro. Para os executivos e operadores que estão presos em Curitiba, parece que o tempo parou e que a vida aqui fora deixou de existir. Mas não só pra eles: a economia brasileira começa a sentir os efeitos da crise na Petrobras, com quebra de empresas e demissões em massa de trabalhadores do cluster petroquímico e metal-mecânico ligado à companhia.

Os Poderes da República também começam a gravitar no eixo do escândalo da Petrobras. E parece que a presidente da República, Dilma Rousseff, que pensa que pode tudo, agora resolveu desafiar a sua força de atração. Bem ao estilo petista, Dilma culpou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso por tudo o que está acontecendo. Dica do marqueteiro João Santana.

Não importa que a roubalheira na Petrobras tenha ganhado escala inimaginável de bilhões de dólares durante o governo Lula. Nessa época, quando foi presidente do Conselho de Administração da estatal, e no seu próprio governo, se tivesse levado adiante a faxina do começo do primeiro mandato, Dilma poderia ter passado tudo a limpo.

A presidente da República disse que, se os casos suspeitos tivessem sido investigados durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o esquema descoberto pela Operação Lava-Jato não ocorreria: “Se, em 1996 e 1997, tivessem investigado e tivessem punido naquele momento, nós não teríamos o caso desse funcionário que ficou quase 20 anos praticando atos de corrupção”. Dilma resolveu arrastar os tucanos para o buraco negro da Operação Lava-Jato.

Além de levar uma “invertida” de FHC, a petista endossa a delação premiada de Pedro Barusco, o ex-executivo da Petrobras que acusou o PT de receber propina para a campanha eleitoral da legenda. Segundo ele, o ex-diretor de Serviços Renato Duque e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, seriam os principais operadores do esquema. Portanto, para a campanha presidencial de 2010 cair no buraco negro, não custa nada.

Chantagens
Transformar a Lava Jato num Fla-Flu com FHC pode ser uma causa vã. Dilma quer se apropriar dos louros das investigações: “Hoje nós demos um passo, e para esse passo devemos olhar e valorizar. Não tem ‘engavetador da República’, não tem controle da Polícia Federal (…) E isso significa que o que está havendo no Brasil é o processo de investigação como nunca foi feito antes”. Para a opinião pública, é uma espécie de “me engana que eu gosto”.

Engajou-se o governo — o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a Advocacia-Geral da União(AGU) e a Controladoria-Geral da União(CGU) — numa operação com o Tribunal de Contas da União (TCU) para isentar as empreiteiras envolvidas no escândalo da responsabilidade pelos “malfeitos” investigados pela Lava-Jato, circunscrevendo o caso às pessoas físicas. O Palácio do Planalto tenta ainda mitigar os danos de imagem causados a Dilma pelo escândalo, abafar a crise na Petrobras e livrar o PT das consequências legais.

Cresce, porém, o estresse dos executivos que passaram Natal, ano-novo e carnaval na cadeia. Seus advogados negociam acordos de leniência das empresas e ameaçam recorrer a novas delações premiadas. As pressões e as chantagens sobre o Palácio do Planalto — e sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — só aumentam. Recrudesce o esforço dos advogados para afastar o juiz federal Sérgio Moro do caso e anular o processo para evitar que seus clientes sejam condenados.

Trata-se, porém, de um buraco negro. O Ministério Público Federal entrou com cinco ações na Justiça Federal para cobrar R$ 4,47 bilhões de ressarcimento das empresas Camargo Corrêa, Sanko, Mendes Júnior, OAS, Galvão Engenharia, Engevix e seus executivos.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito contra políticos envolvidos na Lava-Jato até 3 de março. O ministro Teori Zavascki, relator do caso no STF, quebrará o sigilo sobre o nome dos envolvidos.

Na quinta-feira, a nova CPI da Petrobras será instalada na Câmara, e a bancada do PMDB reivindica a relatoria, numa queda de braço com o PT. Ameaça indicar para o cargo o deputado Osmar Serraglio (PR), aquele da CPI dos Correios, cujo relatório resultou no processo do mensalão.

Maria Alice Setubal - Da retórica aos resultados

• O século 21 exige que o Brasil prepare seus estudantes para participar de uma sociedade complexa. É isso o que esperamos deste governo

- Folha de S. Paulo

No momento em que um novo ano letivo se inicia, com um novo ministro afirmando que a prioridade de sua gestão será a qualidade da educação no Brasil, é fundamental que a sociedade brasileira tenha maior clareza de que um sistema educacional de qualidade exige muito mais do que os resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) podem mostrar.

Estudos apontam como componentes que contribuem para a qualidade da educação a formação e qualificação dos professores, gestão por resultados com metas e expectativas de aprendizagem, currículo e material didático diversificado, acompanhamento personalizado dos estudantes, uso de novas tecnologias e a participação dos pais.

No entanto, são as diferentes combinações dessas dimensões e, sobretudo, o modo de implementá-las, que faz com que algumas redes alcancem qualidade e outras não.

A complexidade da questão educacional pode ser evidenciada pela dificuldade de encontrar parâmetros comuns entre os dez países mais bem colocados nas avaliações do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), para além da prioridade da educação e da valorização dos professores.

No Brasil, passamos a atribuir, a comparar e a classificar a qualidade das redes de ensino e das escolas brasileiras a partir dos resultados do Ideb. Apesar do avanço do índice, ele é um indicador composto pelas notas de língua portuguesa e matemática da Prova Brasil e pelas taxas de aprovação, reprovação e abandono escolar do 5º e 9º anos do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio.

Ou seja, não estamos medindo condições vitais para a qualidade da educação como as diferenças na infraestrutura física das escolas, sua localização e tamanho, a qualificação dos docentes e diretores, além do currículo e da ausência de avaliação das demais disciplinas e séries. Isso sem mencionar o clima escolar e a capacidade da escola em preparar seus alunos.

É, portanto, reducionista comparar o Ideb de um município com menos de dez escolas com os resultados dos sistemas de ensino de grandes cidades e metrópoles, com diversidade e complexidade maiores.

Ou, então, colocar no topo do ranking redes que alcançam melhores resultados em decorrência de processos de seleção, que acirram as desigualdades ao excluir parcelas mais vulneráveis da população.

A qualidade tem que estar estreitamente relacionada com equidade. O Brasil precisa alcançar um nível básico de qualidade da educação para todas as crianças e jovens.

As diversidades regional, cultural e educacional de um país com as dimensões brasileiras inviabilizam políticas únicas e rígidas para realidades tão distintas.

Se a prioridade é o ensino médio, é preciso ter um olhar sistêmico para levarmos em conta a qualidade dos ciclos anteriores e as diferentes necessidades e potencialidades de cada rede de ensino.

Não bastam políticas genéricas. Temos que analisar todos os aspectos que envolvem a educação. O mundo globalizado e o século 21 exigem que o Brasil prepare seus estudantes para participar de uma sociedade complexa e sustentável, baseada em valores como inovação, criatividade, autoria e trabalho colaborativo. É isso o que esperamos deste novo governo.

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Maria Alice Setubal, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência da República pelo PSB na eleição de 2014

Marisa Monte - A Festa de Santo Reis

Paulo Mendes Campos - Sentimento do tempo

Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

Era a hora sim de a presidente da República fazer a sua mea culpa, olhar nos olhos dos brasileiros e dizer que o seu governo errou, e errou muito. Errou na condução da economia, errou durante a campanha eleitoral ao pregar a mentira, o terrorismo como arma de campanha, e errou principalmente no seu comportamento ético. Enquanto não houver a mea culpa do governo, os brasileiros continuarão a se sentir iludidos e lesados pela presidente da República e pelo seu governo.
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Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB em entrevista, 20 de fevereiro de 2015

‘Governo usa Lava Jato para não pagar ninguém’, afirma empreiteiro

• Presidente da Constran, empresa da holding UTC, confirma ter conversado com dirigente do Instituto Lula para tratar de falta de verba e nega ter citado operação

Andreza Matais – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Presidente da Constran, empresa da holding UTC, João Santana, afirmou em entrevista ao Estado que o governo Dilma Rousseff tem usado a Operação Lava Jato como desculpa para atrasar pagamentos às empreiteiras. “Eu já tenho quase 60 anos, eu nunca vi um governo numa situação como esta. Ele não paga fornecedor. No nosso caso tem fatura desde outubro que não são pagas”, reclamou Santana.

A UTC é uma das empresas cujos dirigentes foram presos na sétima fase da Operação Lava Jato. O sócio e ex-presidente da empresa, Ricardo Pessoa, cumpre prisão preventiva em Curitiba.

Por que o senhor procurou o Paulo Okamotto?
Eu estive com o Paulo Okamotto no ano passado, em novembro ou dezembro. Fui porque há três anos o presidente Lula estava na nossa empresa fazendo uma palestra de final de ano e nos incentivou muito que sempre procurássemos o instituto (que leva o nome do ex-presidente e é dirigido por Okamoto), o próprio Okamotto, para contar para ele o que estava acontecendo, se tivéssemos algum problema.

O senhor queria falar com o Okamotto ou com o próprio presidente Lula?
Eu queria falar com o presidente Lula, mas cheguei lá e o presidente Lula não estava.

O presidente Lula queria saber como estão as coisas?
Eu quero dizer que as coisas estão muito difíceis, que o governo não está pagando faturas vencidas, de um trabalho realizado, isso faz com que as empresas fiquem sem dinheiro e demitam. Vai ter que parar as obras, o que aliás é o que está acontecendo no Brasil independentemente de Lava Jato. Nesse sentido que eu fui conversar com ele.

Mas as empresas envolvidas na Lava Jato não estão recebendo justamente por esse motivo, por estarem sob suspeita?
O governo está usando essa coisa de Lava Jato para aproveitar e não pagar ninguém. O crédito para a educação não foi pago (uma referência a atrasos nos repasses do Pronatec). Da mesma maneira o governo sistematicamente não vem pagando seus fornecedores. Eu já tenho quase 60 anos, eu nunca vi um governo numa situação como esta. Ele não paga fornecedor. No nosso caso tem fatura desde outubro que não é paga.

O senhor não tentou procurar a presidente Dilma?
Não. Eu não tenho essa proximidade com ela.

Mas por que não procurar alguém do governo?
O problema é que o ministro da Fazenda que deveria fazer os pagamentos, que era o Guido Mantega na época, estava demissionário; a presidente já tinha dito que ele não seria mais o ministro, e nem ele nem a equipe dele faziam nada (Joaquim Levy foi confirmado no lugar de Mantega em 27 de novembro, mas só assumiu o cargo no início do segundo mandato de Dilma). No Ministério dos Transportes o ministro Paulo Passos simplesmente preenchia uma cadeira, mas não tomava nenhuma ação. Assim sucessivamente (ocorria com) a equipe toda do governo Dilma.

O senhor disse que procurou o presidente Lula porque ele deu essa abertura. O que ele poderia fazer nessa situação?
É um político, um cara que pode... O que é que você faz? Tem um governo, o governo é político, você vai procurar as pessoas que estão no governo, não tem ninguém no governo, ninguém mais se dizia responsável. Você está tendo uma resultante social que é o fato de o governo não pagar suas obrigações. O Instituto Lula é ligado aos trabalhadores, defende (a manutenção do) emprego. A gente vai lá para o ex-presidente procurar a amiga dele e dizer: “Amiga, veja o que você faz. Obrigação tem que pagar”.

Com a entrada da nova equipe econômica, o senhor acha que melhorou a interlocução?
Continua sem ter interlocutor. O governo pagou um pedaço do que devia, mas ainda deve muito, ainda tem resto a pagar em 2014.

O que está acontecendo com o atual governo?
Se não está pagando, então é porque há uma crise administrativa no Estado. Não é que não está pagando a Constran. Não está pagando ‘n’ fornecedores. Eu imaginava que não pagava para a construção civil, mas vimos que não é só isso.

A Lava Jato foi assunto de sua reunião com Paulo Okamotto?
Eu não procurei o senhor Paulo Okamotto para tratar com ele sobre Lava Jato. Ele até perguntou, mas eu mudei porque é um assunto que no nosso caso tem que ser tratado por nossos advogados. O nosso grupo, a UTC/Constran, não procurou qualquer autoridade política para discutir Lava Jato. As únicas autoridades públicas procuradas por nós são os juízes, promotores, através dos nossos advogados.

Os relatos são de que sua reunião com o Okamotto foi tensa. Teve até murro na mesa.
Não tinha nem mesa para bater, porque a gente estava sentado numa sala de estar.

Falou-se muito que o Ricardo Pessoa, ex-presidente da UTC que foi preso pela PF em novembro, faria uma delação premiada e que isso teria sido colocado nessa conversa com o Okamotto. As dificuldades de caixa poderiam levar a uma delação....

Isso não foi colocado de maneira alguma. Até porque essa reunião com o Paulo Okamotto foi no final do ano. As prisões eram recentes, naquele momento todo mundo imaginava que mais alguns dias as pessoas estariam soltas. A conversa não foi boa porque ele começou a dizer: “Sabe, eu vou ver”. Eu falei para ele: “Paulo, desculpe, estou apenas colocando uma realidade conforme o seu chefe disse, que sempre que a gente precisasse, trouxesse aqui para o Instituto Lula. Isso não está acontecendo apenas com a empresa que eu dirijo, mas com todo o setor”. Não só empresas nominadas na famosa Operação Lava Jato, mas com outras. O governo federal não paga as empresas.

O senhor pediu ajuda para liberar dinheiro do BNDES? Okamotto disse que orientou o senhor a procurar os bancos.
Para o Okamotto, não. Até porque eu sei que ele não tem capacidade nenhuma (para isso). As relações que a gente tem com o BNDES são formais, o contrato foi aprovado e está em curso.

Vocês conseguiram o empréstimo antes ou depois da conversa com Okamotto?
Foi posteriormente a isso. Mas não tem nada a ver com a conversa. Até porque o Paulo Okamotto não sabe nem onde fica o BNDES. Era simplesmente um empréstimo complementar.

Qual a impressão do senhor sobre o fato de a empreiteira Odebrecht não ter executivos presos pela Lava Jato?
O juiz do caso tem que responder por que parte das empresas denunciadas tem executivos presos e parte não tem. Ele deve ter suas razões para isso. Esse desbalanceamento das ações judiciais é um tanto estranho.

Ricardo Pessoa fará delação premiada?
A condução da defesa é tratada pelos advogados criminais e pela família. Por questão de governança, deixamos de tratar da defesa do dr Ricardo. Mas eu, pessoalmente, também como advogado, acho que é um instrumento que o réu, com o advogado, tem que lançar mão quando achar necessário.
Depois que virou lei você não pode deixar de ser contra.

Par Lembrar. A UTC, grupo do qual faz parte a Constran, é uma das seis empreiteiras que tiveram executivos e funcionários denunciados pelo Ministério Público Federal em dezembro do ano passado sob suspeita de envolvimento no esquema de corrupção e desvios na Petrobrás. Segundo a denúncia da Procuradoria, a empreiteira pagava comissões para dirigentes da Petrobrás em troca da obtenção de contratos da estatal, além de simular ambiente de competição, fraudar a concorrência e, em reuniões secretas, definir quem ganharia as licitações.

Uma semana após a denúncia do Ministério Público, a Justiça Federal abriu ação penal e tornou réus por corrupção ativa, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro os três denunciados ligados à UTC: Ricardo Pessoa, presidente da companhia, João de Teive e Argollo, executivo, e Sandra Raphael Guimarães, funcionária da empresa.

Pessoa está preso em Curitiba desde 14 de novembro do ano passado, quando foi deflagrada a 7.ª fase da Operação Lava Jato, que mirou nas empreiteiras. Segundo um dos delatores da operação, Augusto Mendonça, o presidente da UTC era o “coordenador” do “clube” de construtoras que atuava em cartel na Petrobrás. Mendonça disse que Pessoa, como “chefe do clube”, atuou, por exemplo, na obra de modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar, na foto), no Paraná.

Em depoimento à Polícia Federal prestado logo depois de ser preso, Pessoa afirmou que “nunca existiu” formação de cartel para contratação de obras na Petrobrás.

Esquema sonegou pelo menos, R$ 1 bilhão

• Receita faz devassa em contas de investigados na Lava-Jato

• Além de processos criminais e ações por improbidade, empreiteiras terão de prestar contas ao Leão

Martha Beck – O Globo

BRASÍLIA - O esquema de corrupção na Petrobras revelado pela Operação Lava-Jato resultou numa sonegação fiscal de, pelo menos, R$ 1 bilhão, apontam cálculos preliminares da Receita Federal. Segundo técnicos do Fisco, esse valor — que inclui tributos, multas e juros — foi estimado com base na primeira etapa da operação.

— O número é muito maior — estimou ao GLOBO um técnico da Receita.

Ele explicou que o grupo especial de auditores do Rio, de São Paulo e de Brasília criado há cerca de um mês para investigar os envolvidos na Lava-Jato já analisou as contas de 268 pessoas físicas e empresas. Por enquanto, foram abertos procedimentos de fiscalização de apenas 57 contribuintes (incluindo pessoas físicas e jurídicas). Isso porque nem todos os nomes analisados pela Receita eram de interesse tributário.

No grupo de 268 estavam, por exemplo, laranjas ou empresas que foram citadas em depoimentos, mas que não apresentaram indícios de sonegação. A expectativa é que novos procedimentos sejam abertos nas próximas semanas, à medida que o Fisco for recebendo mais dados da investigação da força-tarefa da Polícia Federal e do Ministério Público.

Os técnicos da Receita explicaram que o valor da sonegação, estimado em R$ 1 bilhão por enquanto, deve aumentar porque ainda não foi concluída, por exemplo, a análise das manobras que empreiteiras fizeram para pagar menos Imposto de Renda sobre as obras superfaturadas e também sobre a propina.

Essa conta também não considera as perdas decorrentes da evasão de divisas com o esquema de corrupção. Os indícios de envolvimento direto das empreiteiras nas fraudes em contratos com a Petrobras só foram reforçados a partir da sétima fase da Operação Lava-Jato, quando, a pedido da força-tarefa, o juiz federal Sérgio Moro decretou a prisão de dirigentes das maiores construtoras do país. As informações dessa fase das investigações continuam sendo processadas pelos auditores da Receita.

O grupo especial do Fisco está passando um pente-fino nas contas de cada um dos investigados. Os fiscais estão verificando, por exemplo, como as companhias registraram em sua contabilidade o pagamento de propina nas obras da Petrobras. Segundo os delatores, as empreiteiras pagavam a políticos e executivos da estatal, em média, 3% sobre o valor dos contratos.

Esses pagamentos eram registrados em notas frias e contabilizados como despesas passíveis de serem deduzidas do Imposto de Renda. Assim, o trabalho do Fisco agora é analisar essas contas e incluir esses valores no cálculo do imposto devido pelas empresas. Os gastos registrados em notas fraudulentas não poderiam ter sido usados para abater o valor do IR.

— Considerando apenas esses abatimentos ilegais, o valor do imposto devido pelas empresas vai subir — explicou o técnico, lembrando que a alíquota de IR que incidiria sobre as despesas deduzidas é de 35%.

A Operação Lava-Jato reuniu documentos mostrando que grandes empreiteiras simularam a contratação de empresas de fachada do doleiro Alberto Youssef, que emitiam notas fiscais por serviços que não foram prestados. Youssef admitiu à Justiça que essas notas era fictícias e serviam para tentar legalizar as propinas pagas pelas empreiteiras. Entre as empresas de fachada do doleiro estão GDF, Construtora Rigidez, MO Consultoria e RCI Consultoria.

Outro fator que também deve elevar o valor da sonegação é o superfaturamento das obras. A Receita já identificou que as empreiteiras inflaram seus custos e descontaram despesas inexistentes para recolher menos impostos sobre os empreendimentos. Assim, se ficar comprovado que também houve abatimentos ilegais, as empresas terão que recolher os valores devidos acrescidos de multa e juros.

— A Lava-Jato é a maior operação da história da Receita. Se ficar comprovado que as empresas inflaram custos para pagar menos impostos, isso também entrará na conta da sonegação — disse a fonte do Fisco.

Outra frente que poderá ajudar o Fisco a se aprofundar nas investigações de sonegação da Operação Lava-Jato é análise de contas de brasileiros mantidas no banco HSBC na Suíça. Essas contas faziam parte de um arquivo do banco que foi roubado por um ex-funcionário da área de informática da instituição. O documento — que continha os nomes e a movimentação financeira de milhares de clientes de diversos países — foi alvo de uma investigação realizada por 154 jornalistas de 45 países, batizada de “SwissLeaks”. Ela concluiu que o HSBC ajudou clientes a movimentar quantias milionárias secretamente e a sonegar tributos em 2006 e 2007.

A Receita ainda não teve acesso completo aos dados sobre os brasileiros. Segundo os técnicos do Fisco, a estimativa é de que 4.000 contas sejam de pessoas com passaporte brasileiro, o que muito provavelmente inclui os envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras.

O HSBC suíço foi um dos oito bancos usados por Pedro Barusco Filho, ex-gerente executivo da Petrobras, para movimentar a propina que recebeu pelo desvio de dinheiro de obras da estatal. Na filial do banco na Suíça, Barusco mantinha a conta em Genebra, com saldo de US$ 6 milhões. A conta estava em nome da offshore Vanna Hill, empresa que pertencia no papel à mulher de Barusco, Luciana Adriano Franco.

Pedido de informações ao governo da França
A titularidade de uma conta na Suíça, por si só, não é considerada crime. Mas os brasileiros que operaram contas naquele país sem declarar às autoridades brasileiras podem ter utilizado a conta bancária para sonegar impostos.

Segundo os técnicos da Receita, as autoridades brasileiras já tiveram acesso a alguns nomes do caso do HSBC, mas eles ainda não são de pessoas da Lava-Jato. Para poder utilizar os documentos do banco numa investigação, os órgãos do governo, e também o Ministério Público, não podem trabalhar com base em dados disponíveis na imprensa, nem podem pedir que os jornalistas repassem as informações.

Como os documentos foram roubados do HSBC, são de origem ilícita, e uma apuração não pode ser iniciada a parte de fonte irregular. No entanto, há uma alternativa para assegurar a legalidade da investigação. Os documentos do HSBC foram objeto de uma investigação na França e lá teriam adquirido status de dados lícitos. Por isso, o governo brasileiro já está negociando com as autoridades francesas que têm os arquivos do "SwissLeaks". Mas a expectativa é que os dados só sejam liberados pelos franceses em cerca de dois meses.

Há uma semana, o presidente do Coaf, Antonio Gustavo Rodrigues, informou ao GLOBO que o órgão já tinha analisado 342 nomes de correntistas que aparecem na “SwissLeaks”. Os dados foram entregues ao Coaf pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), em janeiro deste ano. Essas contas movimentaram US$ 2,5 milhões. Mas nenhuma delas tem ligação com o caso da Lava-Jato.

Desses 342 nomes, 60 já constavam nos bancos de dados do Coaf, mas a maioria delas (70%) não apresentou indícios de prática de irregularidades. Segundo o presidente do conselho, a situação de 15 pessoas é diferente. Elas apareceram em relatórios do Coaf por indícios de crimes de corrupção, tráfico de drogas e crimes fiscais. O relatório mais antigo data de 2001.

Devassa fiscal é apenas uma das frentes de investigação da Lava-Jato

• Lavagem de dinheiro, evasão de divisas e prática de cartel são outras crimes na mira de órgãos de fiscalização

- O Globo

BRASÍLIA - A ação da Receita Federal é só uma das frentes da Operação Lava-Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras. Cabe ao Fisco investigar os crime de sonegação de tributos praticados por empreiteiras, seus executivos, políticos e diretores da estatal. Mas existem ainda investigações judiciais por outros tipos de irregularidades — como lavagem de dinheiro e evasão de divisas — que estão sendo conduzidas pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF).

Na última sexta-feira, por exemplo, o MPF enviou à Justiça Federal de Curitiba cinco ações por improbidade administrativa. Nelas, os procuradores da força-tarefa pedem que as principais empreiteiras e executivos envolvidos na Lava-Jato sejam condenados a pagar R$ 4,47 bilhões aos cofres públicos, dos quais R$ 319 milhões correspondem aos valores pagos em propinas. O número também inclui um pedido de indenização por danos morais, de R$ 3,19 bilhões, e multa civil, de R$ 959 milhões. Esse pedido, no entanto, não inclui estimativas de sonegação fiscal.

Treze empresas dos grupos Camargo Corrêa, Mendes Junior, OAS, Galvão Engenharia e Engevix foram incluídas nas ações do Ministério Público, além de duas empresas da Sanko Sider, que fornecia tubos para obras da Petrobras. No total, 24 pessoas físicas foram denunciadas, sendo a maioria delas dirigentes e executivos das empreiteiras.

Outra frente está sendo conduzida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para investigar a prática de cartel entre as empresas do esquema. O órgão já está negociando um acordo de leniência com a Setal Óleo e Gás (SOG) e seus executivos. A empresa negocia com o Cade para fechar um acordo que reduza sua pena, em troca de informações sobre o cartel das empreiteiras que atuava na estatal.

Há ainda apurações na Controladoria Geral da União (CGU) e no Tribunal de Contas da União (TCU). A Procuradoria-Geral da República também prepara uma lista com pedidos de abertura de inquérito contra parlamentares suspeitos de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras. Os pedidos serão enviados ao Supremo Tribunal Federal (STF), foro especial onde tramitam processos contra ministros, senadores e deputados.

O que ele sabe é dinamite pura

• Ricardo Pessoa, presidente da UTC, preso na PF em Curitiba, quer fazer delação premiada e contar tudo. As manobras para convencê-lo do contrário seguem o padrão do ciclo petista no poder: o ministro da Justiça vira advogado de defesa do governo e tenta evitar que os escândalos atinjam o Planalto.

As revelações de Ricardo Pessoa
• O esquema de cobrança de propina na Petrobras começou em 2003, no governo Lula, organizado pelo então tesoureiro do PT Delúbio Soares

• A UTC financiou clandestinamente as campanhas do ministro Jaques Wagner ao governo da Bahia em 2006 e 2010

• A empreiteira ajudou o ex-ministro José Dirceu a pagar despesas pessoais a partir de simulação de contratos de consultoria

• Em 2014, a campanha de Dilma Rousseff e o PT receberam da empreiteira 30 milhões de reais desviados da Petrobras

- Daniel Pereira e Robson Bonin – Veja

Muito se discute sobre as motivações que um empreiteiro há três meses preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba teria para contar o que sabe — não por ter ouvido falar, mas por ter participado dos eventos que está pronto a levar ao conhecimento da Justiça. O engenheiro baiano Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, tem várias. A primeira, evidente, é não ser sentenciado pela acusação de montar um cartel de empreiteiras destinado a fraudar licitações na Petrobras, quando a festa pagã de que ele tomou parte na estatal foi organizada pelo PT, o partido do governo. A segunda, também óbvia, é atrair para o seu martírio o maior grupo de notáveis da política que ele sabe ter se beneficiado das propinas na Petrobras e, assim, juntos, ficarem maiores do que o abismo — salvando-se todos. A terceira, mais subjetiva, é, atormentado pela ideia de que tudo o que ele sabe venha a ficar escondido, deixar registrado para a posteridade o funcionamento do esquema de corrupção na Petrobras feito com fins eleitorais. Antes dono de um porte imponente e até ameaçador, Pessoa está magro e abatido. As acusações de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa que pesam sobre ele poderiam ser atenuadas caso pudesse contar, em delação premiada, quem na hierarquia política do país foi ora sócio, ora mentor dos avanços sobre os cofres da Petrobras.

"Vou pegar de noventa a 180 anos de prisão", vem dizendo Ricardo Pessoa a quem consegue visitá-lo na carceragem. Foi com esse espírito que fez chegar a VEJA um resumo do que está pronto a revelar à Justiça caso seu pedido de delação premiada seja aceito. A negociação com os procuradores federais sobre isso não caminha. Pessoa reclama que os procuradores querem que ele fale de corrupção em outras estatais cuja realidade ele diz desconhecer por não ter negócios com elas. Já os procuradores desconfiam que Pessoa está sonegando informações úteis para a investigação. O impasse só favorece o governo, pois o que Pessoa tem a dizer coloca o Palácio do Planalto de pé na areia do mar de escândalos.

Sobre o ministro da justiça
Pessoa recebeu de seus advogados a informação de que partiu de José Eduardo Cardozo a iniciativa de procurá-los para uma conversa que foi relatada a ele como tentativa de evitar sua delação premiada.

Propinas
O empreiteiro quer contar à Justiça que em 2014 deu 30 milhões de reais desviados da Petrobras aos candidatos do PT. A maior parte do valor percorreu caminhos legais e foi declarada como doação eleitoral. Em depoimentos às autoridades, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef já haviam declarado que o dinheiro roubado dos cofres da companhia era transferido ao PT e aliados, como PMDB e PP, por meio de doações legais. A descrição do mecanismo que Pessoa quer relatar não é nova. Mesmo assim, se repetida aos procuradores, tem potencial para fechar um elo da cadeia criminosa. Por um motivo crucial. Costa e Youssef eram operadores do esquema, conheciam o caminho do dinheiro, mas não o desembolsavam. Já Pessoa, caso conte ao Ministério Público o que narrou reservadamente, será o pri-h meiro grande empreiteiro a confessar o pagamento de propina — com a autoridade, repita-se, de quem atuou nesse campo por mais de uma década.

Alianças antigas
Fornecedora da Petrobras, a UTC cresceu no governo Lula. Pessoa era amigo do ex-presidente, com quem se encontrava sem agenda específica. A empreiteira contratou Lula para dar uma palestra aos seus funcionários. O clima era de confraternização. Não sem razão. A pessoas próximas, o empresário confidenciou que a UTC pagava propina ao PT. em troca de contratos e aditivos na Petrobras, desde a chegada do partido ao poder, em 2003. No início, a ponte com a direção petista era o então tesoureiro Delúbio Soares, que deixou a operação depois de ser flagrado no escândalo do mensalão. Segundo Pessoa, o esquema de corrupção sempre contou com o conhecimento do ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli e financiou diretamente as campanhas, entre outros, do atual ministro da Defesa, Jaques Wagner, ao governo da Bahia em 2006 e 2010. Wagner era um dos padrinhos da indicação de Gabrielli ao comando da companhia. Gabrielli, por sua vez, tentou se utilizar do posto para pavimentar sua candidatura à sucessão de Wagner no estado. Não deu certo. Coube ao petista Rui Costa, também com o apoio financeiro da UTC, vencer a eleição para o governo em 2014.

Pessoa e as pessoas... Que devem... Temê-lo
Pessoa garantiu a interlocutores que a UTC também fez doações à campanha de Costa utilizando recursos obtidos de contratos superfaturados.

Sentindo-se traído
Com mais de uma década de parceria com o PT, Ricardo Pessoa se ressente da falta de solidariedade dos políticos que, garante ele, receberam ajuda financeira em campanhas. Não se sabe o que esses bolsos que conheceram o dinheiro da UTC podem fazer por Pessoa agora — a não ser morrer politicamente de braços dados com ele. "O Ricardo pode destruir o Wagner", diz um auxiliar do empreiteiro. Tome-se o exemplo do mensaleiro José Dirceu, a quem Ricardo Pessoa diz ter dado 2,3 milhões de reais entre 2011 e 2012 a título de consultoria, rubrica, aliás, que nos dias de hoje é quase sinônimo de propina. Pessoa conta que Dirceu precisava de dinheiro para bancar despesas pessoais. Qualquer ajuda de Dirceu agora seria a do náufrago tentando salvar o afogado.

A revelação
Ao tentar explicar o envolvimento do tesoureiro João Vaccari no escândalo, PAULO OKAMOTTO, diretor do Instituto Lula, foi de uma sinceridade desconcertante: "As empresas estão ganhando dinheiro. Ninguém precisa corromper ninguém. Funciona assim: "Você está ganhando dinheiro? Estou. Você pode dar um pouquinho do seu lucro para o PT? Posso, não posso." É o que espero que ele tenha feito".

O problema Dilma
De outro velho camarada de propinoduto, João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, o empreiteiro Ricardo Pessoa pode esperar o que em termos de ajuda? Pessoa lembra que se considera amigo de Vaccari. Diz-se pronto a contar à Justiça que a pedido de Vaccari colocou 10 milhões de reais na campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Esse é o ponto fulcral de todas as forças que giram em tomo de uma eventual deposição de Ricardo Pessoa em delação premiada. Perante a Justiça, o empreiteiro teria de detalhar se o dinheiro que ele deu a Vaccari foi obtido ilegalmente, como sugere. E, sendo dinheiro ilegal, mesmo que doado dentro das regras eleitorais, a presidente Dilma terá mais um sério problema. Obviamente, Ricardo Pessoa terá de exibir provas de tudo o que afirma. O lado recebedor poderá alegar que Vaccari pode até ter pedido dinheiro a Pessoa para a campanha de Dilma, mas, por alguma razão, os recursos foram destinados aos cofres de outras candidaturas. O que Pessoa afirma é grave e deveria ser bastante para que a Justiça aceite sua delação premiada — mas é insuficiente para embasar um processo eleitoral mais agudo contra a presidente. Do ponto de vista exclusivo da Lei Eleitoral, o candidato é responsável direto pela sanidade das finanças de sua campanha, mas é discutível se cabe a ele exigir dos doadores provas de que suas contribuições foram obtidas honestamente.

Conforme VEJA revelou, outra fatia da doação eleitoral da UTC, vinda de propinas obtidas em contratos da Petrobras, foi negociada diretamente com Edinho Silva, tesoureiro da campanha da presidente-candidata. Duas testemunhas disseram a VEJA ter presenciado Luciano Coutinho, presidente do BNDES, informar a diretores da UTC que a empresa seria procurada por Edinho com o objetivo de obter doações adicionais à campanha da presidente. Luciano Coutinho negou ter feito qualquer pedido ou insinuação nesse sentido a diretores da UTC com quem se reuniu para tratar da continuação das obras do Aeroporto de Viracopos, em parte financiadas pelo banco de fomento estatal.

Canal direto
"O PT usou a Petrobras para financiar seu projeto de poder", resume um executivo da UTC que fala frequentemente com Pessoa. É disso que se trata. A esta altura, se Pessoa quer desabafar ou se vingar dos parceiros políticos de uma década, se manda recados ou faz ameaças, não tem tanta relevância. O que importa é se os promotores e a Justiça vão deixar escapar essa oportunidade de ouvir o que o empreiteiro tem a dizer em delação premiada. Em um de seus bilhetes manuscritos na cadeia, Ricardo Pessoa escreveu: "Edinho Silva está preocupadíssimo". Em outro registrou: "Todas as empreiteiras acusadas do esquema criminoso da Operação Lava-Jato doaram para a campanha de Dilma".

O juiz Sergio Moro e os procuradores federais não têm foro para tratar das repercussões políticas dos fatos revelados pelos acusados da Operação Lava-Jato. Mas isso não pode ser motivo para deixar de ouvir oficialmente o empreiteiro. Mas, por lidarem com uma questão altamente complexa e com interesses monumentais e distintos, Moro e os procuradores têm razões de sobra para ser cuidadosos. Antes de começar a deixar seus desabafos virem a público, o chefão da UTC mandou recados diretos ao PT. A UTC garante ter 600 milhões de reais a receber por serviços já prestados à Petrobras e vem pressionando os petistas amigos a conseguir a liberação do dinheiro. A cobrança chegou, entre outros, a Paulo Okamotto, braço-direito do ex-presidente Lula e bombeiro escalado para tentar apagar os incêndios que mais ameaçam o PT.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Okamotto confirmou a conversa com representantes da UTC. Ao ser questionado sobre a acusação de que João Vaccari Netto recolhia propina na Petrobras, Okamotto cometeu um sincericídio histórico: "Funciona assim: "Você está ganhando dinheiro? Estou. Você pode dar um pouquinho do seu lucro para o PT? Posso, não posso". É o que espero que ele tenha feito". Mesmo depois da conversa com Okamotto, a UTC não recebeu os 600 milhões a que teria direito. O calote e os três meses de prisão de Ricardo Pessoa acirraram ainda mais os ânimos do empresário. Foi isso que levou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a pedir a um dos advogados do escritório que representa a UTC que o dono da construtora não feche o acordo de delação premiada com o Ministério Público.

Cardozo insistiu, na semana passada, na versão de que não tratou dos rumos da Lava-Jato numa conversa com o advogado Sérgio Renault. O ministro reafirmou que, como bons amigos, tiveram apenas um bate-papo sobre assuntos fortuitos. Executivos da UTC responsáveis pela contratação do escritório do qual Renault é sócio confirmam que Cardozo pediu a Pessoa que não formalizasse o acordo de delação premiada. "O ministro pediu que não usássemos um instrumento legítimo de defesa", diz um executivo da UTC. A reunião, que não consta da agenda oficial, foi devidamente registrada numa agenda extraoficial, sob os cuidados de Simone Fernandes, assessora especial do ministro.

Normais aos olhos de Cardozo, seus encontros foram vistos como transgressão pela Associação dos Magistrados Brasileiros, por Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, e pelo próprio juiz Sergio Moro. Barbosa pediu a demissão de Cardozo; Moro descreveu os encontros como "intoleráveis". Como lembra a Carta ao Leitor desta edição de VEJA, as agruras do PT com o petrolão são fruto do mesmo pecado original que produziu o escândalo do mensalão: a ideia assombrosa de que o partido pode se servir do Estado como se fosse sua propriedade, das leis como se existissem apenas para os outros e das instituições como bombeiros de suas eternas crises.

Esperando Janot

• O círculo da corrupção começa a se fechar nos próximos dias, quando o procurador-geral da República enviará ao STF os primeiros nomes de políticos acusados de se aliar a diretores da Petrobras e construtoras para assaltar os cofres da estatal

Mariana Barros – Veja

No cafezinho, nos corredores e nos gabinetes do Congresso, o assunto nesta semana será um só: a lista de Janot. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, passou os últimos meses analisando os indícios que pesam contra políticos acusados nas investigações da Lava-Jato. A operação que revelou a existência de um esquema montado para assaltar os cofres da Petrobras completará um ano no mês que vem. Na primeira fase, ela se concentrou na gangue que atuava dentro da estatal e que tinha como um dos principais obreiros o ex-diretor e agora delator premiado, Paulo Roberto Costa. 

No fim do ano passado, o alvo foi o clube do bilhão. Nessa etapa, os investigadores fizeram um cerco em torno de empreiteiros que, segundo os delatores, pagaram centenas de milhões de reais em propinas para obter contratos, bilionários e superfaturados, com a estatal. Para fechar o círculo da corrupção, no entanto, faltava entrar na mira da Justiça uma última categoria: a dos políticos que ajudaram a montar o esquema ou acobertá-lo em troca da parte mais polpuda das "comissões" pagas pelo clube do bilhão. Agora, chegou a vez deles.

A lista de Janot contém em torno de quarenta nomes de deputados, senadores e governadores acusados de se locupletar dos milhões do petrolão. Ela foi elaborada com base nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, além dos testemunhos de mais de uma dezena de delatores premiados - entre eles, Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco e os executivos Julio Camargo e Augusto Mendonça, ambos da construtora Toyo Setal.

Cada um dos políticos incluídos na relação de Janot pode ter três destinos diferentes. Se o procurador-geral considerar que há elementos suficientes para levar o político a julgamento, ele será denunciado ao Supremo e, caso a corte aceite a denúncia, vai se tornar réu. Se avaliar que há indícios contra ele, mas não o suficiente para levá-lo a julgamento, pedirá a abertura de um inquérito para que as investigações prossigam. O procurador pode também simplesmente pedir o arquivamento das investigações sobre um acusado se considerar que não há nada que as justifique.

Com a chegada do caso ao STF, todos os nomes de políticos acusados de envolvimento no petrolão vão se tornar públicos. Até agora, estavam sob sigilo - por terem foro privilegiado, políticos não podem ser processados na Justiça comum como os outros envolvidos no caso, cujos nomes já são conhecidos e que estão desde março sob a pesada caneta do juiz federal Sergio Moro. No ano passado, porém, VEJA antecipou que entre os suspeitos de envolvimento no petrolão com foro privilegiado estão ao menos seis senadores — incluindo Renan Calheiros (PMDB-AL), Ciro Nogueira (PP-PI), Edison Lobão (PMDB-MA) e Romero Jucá (PMDB-RR). Mais tarde, em depoimentos de testemunhas e delatores, outros nomes de políticos surgiram como beneficiários do dinheiro do petrolão, como o senador Fernando Collor (PTB-AL), a hoje senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e o deputado Nelson Meurer (PP-PR).

Alguns dos acusados deixaram de ter mandato no fim do ano. Foi o que aconteceu com os ex-governadores Roseana Sarney (PMDB-MA) e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), os ex-deputados Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Luiz Argôlo (SD-BA), Cândido Vaccarezza (PT-SP), André Vargas (ex-PT-PR) e João Pizzolatti (PP-SC) e o ex-ministro das Cidades Mário Negromonte. Com isso, eles perderam o direito de ser julgados pelos tribunais superiores. A lei prevê que o procurador-geral da República devolva a análise dos seus casos à primeira instância - o que significa que eles voltarão às mãos do juiz Moro.

Ao contrário do que ocorreu com o mensalão, quando todos os processos foram condensados em uma única ação penal no STF, desta vez o procurador-geral deve apresentar denúncias individuais e pedidos também separados de abertura de inquérito para os suspeitos de participação no esquema da Petrobras. Dessa forma, Janot e sua equipe esperam agilizar os julgamentos. Há outra diferença em relação ao julgamento do mensalão que também promete tornar as decisões mais rápidas. Em maio do ano passado, o STF decidiu que os crimes comuns de congressistas - e rapinar a Petrobras se encaixa nessa categoria - não seriam mais julgados pelo plenário, formado por onze ministros, e sim pelas Turmas, grupos menores compostos de cinco integrantes. A Segunda Turma, à qual caberá a análise da Lava-Jato, é constituída pelos ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Deveria haver um quinto integrante, mas uma das cadeiras está desocupada desde a aposentadoria de Joaquim Barbosa, em agosto. A presidente Dilma Rousseff tem dado indícios de que planeja finalmente preencher a vaga, que, por sinal, é a que por mais tempo ficou aberta no STF em toda a sua gestão. Para que o círculo da Justiça comece finalmente a se fechar, no entanto, o primeiro passo agora tem de ser dado pelo procurador. O Brasil aguarda por Janot. E, neste caso, a espera não será vã.

Os alvos da lava-jato
• Depois dos funcionários da Petrobras e dos donos de empreiteiras, chegou a vez dos políticos. Dentro de alguns dias, eles entrarão no foco da investigação.

Em março do ano passado, a Polícia Federal prendeu trinta pessoas envolvidas em um esquema de lavagem de dinheiro - entre elas, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. Os dois fecharam acordo de delação premiada com a Justiça e revelaram o esquema de corrupção que ficou conhecido como petrolão.

Em novembro, como consequência dos depoimentos dos delatores, a PF prendeu onze executivos da OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, UTC, Engevix, Iesa e Galvão Engenharia. Eles são acusados de formar um cartel com o objetivo de fraudar licitações e superfaturar obras na Petrobras, com a ajuda do ex-diretor Costa e de outros funcionários corruptos da estatal. Parte do dinheiro superfaturado ia para o bolso dos funcionários e parte para o bolso de políticos que organizavam ou acobertavam o esquema.

Nos próximos dias, o procurador-geral da República vai denunciar ao STF os políticos acusados de receber dinheiro para chefiar ou acobertar o esquema de desvio de dinheiro da Petrobras. Os nomes foram citados ao longo dos últimos meses por delatores e testemunhas, mas, por terem foro privilegiado, políticos não podem ser denunciados na primeira instância como os outros réus. No ano passado, VEJA revelou alguns dos principais nomes da lista. Ela inclui ao menos seis senadores, um ministro e 25 deputados federais.

Arthur Lira ou Arthur Cesar?
0 deputado federal Arthur Lira é um nome dado como certo na lista de políticos implicados em ações ilícitas na Operação Lava-Jato a ser divulgada em breve por Rodrigo Janot, procurador-geral da República. Lira, do PP alagoano, aparece, e muito bem colocado, em outra lista também ligada ao tema da Justiça. Esta, porém, é mais nobre. Lira é nome quase certo também para assumir um dos postos-chave da Câmara, a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Conviver com o nome de Lira nas duas listas vai exigir da Câmara dos Deputados um grau de elasticidade moral talvez inédito.

0 deputado Arthur Lira tem suas credenciais para estar em ambas as listas. Não foi parar nelas por obra do acaso. Lira foi líder do PP na Câmara, posto que ocupou até meados de 2013 e que o qualifica, pelo menos teoricamente, para postular a presidência da CCJ. Na outra lista, a do procurador Janot, ele deve ter seu lugar assegurado por suas relações com o doleiro Alberto Youssef, a cujo escritório em São Paulo ele comparecia, identificando-se como "Arthur Cesar Pereira". 

Reveladas por VEJA no ano passado, as imagens das câmeras de segurança do prédio do escritório de Youssef ilustram as relações de negócio dos dois personagens. Não se sabe exatamente sob que luz Arthur Lira aparecerá na lista de Janot, mas Youssef já esquadrinhou em detalhes à Justiça como funcionava o esquema do PP na Petrobras. 0 deputado Arthur Lira nunca explicou o motivo da visita ao doleiro. Isso ficará esclarecido em detalhes no decorrer do processo, no âmbito da Procuradoria-Geral da República, que vai apurar responsabilidades de políticos com foro privilegiado, que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

A indicação de Lira para a CCJ faz parte de acordo entre o PP e o PMDB que garantiu a presidência da Câmara ao deputado Eduardo Cunha. 0 PMDB também tem representantes na relação de investigados na Lava-Jato. Para os políticos tragados pelo escândalo, ter um aliado no comando da comissão é questão de sobrevivência. 0 PT testou a fórmula na legislatura passada. No mensalão, o partido pôs o deputado João Paulo Cunha no comando da CCJ. Ele fez de tudo para dificultar as investigações.Tentou cooptar apoios e simpatia e preservou o mandato até fevereiro de 2014, quando foi condenado por corrupção passiva, preso e confinado no Centro de Prisão Provisória de Brasília, de onde deve sair nos próximOS dias por ter conseguido o benefício de cumprimento domiciliar da pena. 

A estratégia de emplacar Lira na CCJ se combina com a ideia de preencher apenas com deputados sem nada a perder diante da opinião pública o Conselho de Ética, o órgão responsável por julgar os pedidos de cassação. Como em geral quem nada tem a perder em público tem muito a ganhar debaixo do pano, não se corre o menor risco de as manobras para salvar os políticos pegos na Lava-Jato enobrecerem o Parlamento.