domingo, 12 de abril de 2015

Hélio Schwartsman - O futuro dos protestos

- Folha de S. Paulo

Os protestos de hoje irão superar os de 15 de março? É difícil dizer. Não me surpreenderia nem se eles fossem maiores e mais disseminados, numa indicação de que as pessoas ainda não manifestaram toda a sua indignação com o brusco divórcio entre as promessas eleitorais e a realidade, nem se ficassem mais acanhados, num tradicional caso de regressão à média.

O fato é que não vivemos um momento revolucionário, em que as ruas tomarão o lugar do governo e o povo exercerá o poder diretamente. Uma hora a disposição das pessoas de ir para a avenida vai arrefecer, a pressão sobre os políticos, diminuir, e tudo voltará a ser, se não exatamente igual a antes, também não muito diferente. Já vimos esse filme em junho de 2013. Seria injusto dizer que a resultante daquele movimento foi nula, mas parece claro que ela não redefiniu os rumos do país.

O saldo ponderável das revoltas não foi dos mais animadores. Os aumentos de ônibus foram momentaneamente revertidos em várias cidades, o que acabou contribuindo para a ficção tarifária que hoje cobra seu preço. Houve, é verdade, algum impacto positivo sobre o Congresso, que aprovou o fim do voto secreto nas cassações de parlamentares, e não impediu o MP de conduzir investigações, como ameaçava fazer.

Menos tangível, mas talvez mais importante é o fato de que a população descobriu ali que, se for capaz de coordenar expectativas, pode agir como ator político influente, ainda que com aparições apenas bissextas. A dificuldade está em como transcender à agenda vazia da simples frustração e dar materialidade aos desejos frequentemente contraditórios de milhões de brasileiros. Grandes consensos são raros e, quando existem, tendem a ser, ao menos nas democracias, rapidamente implementados pelos políticos, sem necessidade de muita pressão popular.

Daí que não vejo um futuro muito brilhante para esses movimentos.

Míriam Leitão - Razão conhecida

- O Globo

Fatos concretos sustentam a mudança de humor do país. Chegamos neste domingo, 12 de abril, com uma coleção de razões para o descontentamento. Nada foi fabricado pela imprensa nem pela oposição. Não há conspirações nem conjuração dos astros contra o governo. Quase um milhão de pessoas entraram no time dos sem emprego, a inflação pulou para 8%, os juros subiram e os cintos foram apertados.

Se o brasileiro estivesse feliz com a conjuntura econômica é que seria estranho, porque o trimestre foi tenebroso: inflação, estagnação, juros e desemprego aumentando; contas públicas em colapso. O que fora negado foi diariamente confirmado durante os 100 primeiros dias de governo. O governo se desdisse o tempo todo. Quem votou na presidente se sentiu ludibriado pelas afirmações falsas da campanha; quem não votou tem sentido revolta ao ver a confirmação dos motivos do seu voto.

Não houve uma explicação sequer para uma mudança radical de curso para os seus eleitores. Quem estava contra o governo firmou convicções; quem era a favor não sabe o que pensar nem o que dizer a amigos e familiares. Esta foi uma eleição em que o ódio foi cultivado, principalmente pelos militantes oficiais. Famílias brigaram, amizades foram rompidas, divisões se aprofundaram. O governo teria que ter tido a noção de todo esse cenário, mas agravou contradições com as acusações contra supostos adversários.

Diariamente, durante 100 dias, o governo deu motivo de desgosto aos brasileiros. Houve uma sucessão de números recordes ou históricos. A pior inflação de março em 20 anos, o maior rombo fiscal desde 1997, o crescimento forte da dívida pública, o aumento exponencial dos preços da energia, novos impostos e muitas notícias sobre o propinoduto descoberto na Petrobras.

Há um ano, em fevereiro de 2014, o então deputado do PT e vice-presidente da Câmara André Vargas recebeu com o punho levantado o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa. Era um protesto pelas prisões do ex-ministro José Dirceu e do ex-presidente do PT José Genoíno. Vargas mesmo disse que esse era um gesto símbolo do partido. No centésimo dia do segundo mandato, André Vargas foi para a prisão na 11a fase da Operação Lava-Jato.

Na quinta-feira, a imagem de roedores lançados no chão da CPI da Petrobras, enquanto o tesoureiro do PT falava, correu mundo e foi para as primeiras páginas dos jornais. Era simbólico e triste. Na CPI, com direito conquistado na Justiça de não falar a verdade, o tesoureiro e réu da Lava-Jato João Vaccari Neto fez um depoimento incoerente. Admitiu que foi se encontrar com Alberto Yousseff, o doleiro preso no escândalo. Perguntado sobre o motivo da sua ida, deu uma resposta inusitada: “Essa dúvida eu também tenho”. O tesoureiro do PT não sabe por que vai aonde vai. Tudo assim muito duvidoso neste começo de mandato.

A presidente Dilma disse que a Petrobras “deu a volta por cima” e “limpou o que tinha de limpar”. Mas a estatal não divulgou balanço auditado ainda, foi rebaixada, e está em meio a uma saraivada de ações nos tribunais internacionais, de investidores públicos e privados que investiram na empresa e perderam recursos por causa da corrupção. Ela se colocou em vários momentos como a defensora da Petrobras contra os que a atacam, numa inversão dos fatos que irrita qualquer pessoa bem informada. O governo e seus aliados atacaram a Petrobras. Quem a defende é o Ministério Público, a Justiça e Polícia Federal no Paraná.

A inflação incomoda e irrita os consumidores. Essa é a boa herança que o país preservou do processo de estabilização da economia. Depois de meio século sendo leniente com o processo inflacionário e tendo visto o extremo a que pode chegar esse mal insidioso, o brasileiro decidiu há 20 anos não tolerar inflação alta.

Esta escalada dos preços foi contratada pelo governo no mandato anterior com seus erros, suas postergações de reajustes, suas manobras. E 8% é além da conta, além do teto da meta, mais do que o brasileiro está disposto a suportar. Sem dúvida, esse é um dos motivos da queda abrupta do apoio à presidente Dilma. Tudo o que sustenta a rejeição à presidente é fato. É tudo verdade.

Luiz Carlos Azedo - 100 dias que abalaram o Brasil

• Muitas das decisões de Dilma parecem não ter levado em conta as consequências políticas

- Correio Braziliense

Peter Drucker é quase uma lenda. Misto de guru da administração pública e ícone do mundo dos negócios, criou conceitos que revolucionaram a gestão de empresas e influenciaram a administração pública moderna. Para ele, a coisa mais importante em uma organização são as pessoas.

Comprometimento é uma palavra-chave. Segundo ele, “uma decisão só se torna eficaz quando os comprometimentos com a ação são incluídos na decisão desde o início”. Uma avaliação dos primeiros 100 dias do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff poderia ter como explicação para o fracasso a falta de comprometimento dos parceiros com as suas decisões.

Por exemplo, Dilma não teve o menor compromisso com o discurso e as promessas de sua campanha eleitoral. No jargão político da oposição, o nome disso é “estelionato eleitoral”.

Aumento dos combustíveis, tarifaço de energia elétrica, desemprego, juros elevados, aumento de impostos e corte nos direitos trabalhistas são, hoje, bandeiras da oposição contra o governo. Na campanha eleitoral, porém, foram apresentadas por Dilma como propostas dos adversários.

Não é à toa que o senador Aécio Neves (PSDB-MG), derrotado nas urnas na disputa ao Planalto, aparece hoje nas pesquisas de opinião com muito mais prestígio do que a presidente da República.

Imperial, monocrática e voluntarista, a presidente da República colheu, em três meses e alguns dias, tudo o que plantou de errado ao longo dos quatro primeiros anos de governo. Isso foi agravado por decisões políticas intempestivas, de quem pensava que poderia tudo e deu com os burros n’água.

A agenda do Planalto, desde a posse no segundo mandato, é negativa, por mais que o palácio tente inverter o jogo com entrevistas diárias e atos administrativos. Dilma revelou dificuldades para lidar com a crise econômica e as pressões políticas. Governa contra contra a opinião pública.

A estratégia dela para o desenvolvimento do país, que chamou de “nova matriz econômica”, revelou-se um fracasso. Seu pior desempenho foi na área em que se dizia grande especialista: a energia.

O escândalo da Petrobras, devido à Operação Lava-Jato, pôs à beira do colapso a estratégia de restauração do capitalismo de Estado como modelo de desenvolvimento.

A nomeação de Joaquim Levy, um economista da Escola de Chicago, para ministro da Fazenda, com a missão de executar um ajuste fiscal monetarista, foi a saída para evitar o colapso da economia. O economista não só se tornou o principal fiador do governo perante os empresários como passou a negociar diretamente os termos do ajuste com os políticos.

Trapalhadas políticas
Muitas das decisões de Dilma parecem não ter levado em conta as consequências políticas, a começar pela montagem do seu estado-maior, formado pelos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Thomas Traumann (Comunicação Social), que implodiu. Os dois últimos já nem são mais ministros. A intenção do grupo era minar a influência do PMDB no Congresso e reduzir a participação do aliado principal no governo. Deu tudo errado.

Os primeiros sinais do desastre foram a derrota de Arlindo Chinaglia (PT-SP) na disputa pela Presidência da Câmara. Eduardo Cunha (PMDB-RJ) impôs uma derrota acachapante ao governo e agora dá as cartas na agenda legislativa. A ambiguidade no apoio à reeleição de Renan Calheiros (PMDB-AL) também deixou sequelas, pois o Palácio do Planalto perdeu o controle da pauta do Senado.

Na verdade, Dilma fez uma aposta fracassada nos efeitos da Operação Lava-Jato no Congresso. Faltou noção de que o parlamento tem fuso horário diferente do Judiciário. Os políticos enrolados nas denúncias, entres eles os presidentes das duas Casas, sentiram-se acuados e foram para o tudo ou nada com governo. Já deixaram Dilma de joelhos.

Agora, depois de uma rocambolesca operação política para substituir o ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, Dilma acabou por extinguir a pasta e entregar a condução política das relações do governo com os aliados ao vice-presidente Michel Temer, que é o presidente do PMDB e o sucessor legal dela em caso de impedimento.

Temer passou a ser tratado pelos políticos como uma espécie de primeiro-ministro. Ninguém sabe o que vai ocorrer daqui para a frente. A primeira missão dele é reacomodar os aliados nos segundo e terceiro escalões do governo e pacificar o PMDB. Nada garante, porém, que a disputa entre os peemedebistas e o PT arrefeça. Pelo contrário, os sinais exteriores são de que o conflito aumentará.

A escolha de Temer também não resolve o problema do governo com a opinião pública, porque o PMDB está tão desgastado quanto o PT. Pode estabilizar a situação no Congresso para garantir a aprovação do ajuste fiscal, porém não promove um reencontro com as ruas. Os políticos torcem para que as manifestações de hoje sejam menores do que as de 15 de março, que abalaram o país. Se mais gente for às ruas, a crise política se agravará.

Elio Gaspari - Começou o terceiro mandato da doutora

• Dilma prometeu uma coisa, tentou outra e vai começar tudo de novo, com Levy, Temer, mais PMDB e menos PT

- O Globo

O primeiro mandato da doutora Dilma foi de 2011 a dezembro de 2014. O segundo durou 97 dias. Teve vida mais curta que o de Napoleão entre sua fuga da ilha de Elba e a batalha de Waterloo. O terceiro começou na semana passada. Nada tem a ver com o que a candidata prometeu ou com o que tentou fazer. Para um governo que se meteu em tantas trapalhadas em tão pouco tempo, qualquer previsão será um exercício astrológico. De qualquer maneira, ninguém de boa-fé poderá dizer que Guido Mantega seria melhor ministro do que Joaquim Levy. Da mesma forma, trocar o aloprado "núcleo duro" de Aloizio Mercadante por Michel Temer indica que terminou o período de articulação do caos.

Temer teve a astúcia de assumir uma função sem ocupar qualquer cargo. Um bom indicador para a sua fé no trato com a doutora será a leitura de sua agenda. No dia em que for anunciado que, por alguma razão, ele viajou para o exterior, estará dado o sinal de que desistiu.

O comissário Tarso Genro queixou-se dizendo que "para o bem e para o mal: PT é cada vez mais acessório no governo". Qual PT? O da Papuda e de João Vaccari ou o de Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes? A referência a fundadores mortos deve-se à falta de exemplos seguros entre os vivos que estão sem bússola.

Para o bem, a perda de influência do PT significa estancar a produção de maluquices a que ele se entregou. Coisas como plebiscitos, Constituinte exclusiva, voto de lista ou mesmo a convocação do "exército" de João Pedro Stedile (com quentinha ou sem quentinha?).

O breve segundo mandato da doutora fritou-se. O terceiro, socorrido por Temer, exigirá dela tocar o expediente, valendo-se do apoio de seus aliados. Essas duas funções não podem ser terceirizadas, são atribuições da Presidência da República. Se o novo mandato tiver menos marquetagem e mais trabalho, quem sabe, dará certo.

O software vencido das empreiteiras
As bancas de defesa dos empreiteiros capturados pela Lava Jato continuam tentando usar nesse processo o software usado com êxito na Operação Castelo de Areia. Algo como tentar rodar um programa AppleWorks no sistema OS 10 do Macintosh. Em 2009 a Polícia Federal chegou a um ninho de roubalheiras provadas e documentadas. Seu trabalho foi desossado pelos advogados dos maganos a partir de objeções processuais e há pouco o Supremo Tribunal Federal sepultou-o.

O último sonho da turma que está presa em Curitiba foi o de obter do STF a anulação dos depoimentos de Alberto Youssef em sua colaboração com a Viúva. Morreu numa decisão do ministro Dias Toffoli. Amparada num parecer do ex-ministro do STJ Gilson Dipp, a defesa argumentava que Youssef não merecia crédito porque já fechara dois acordos de colaboração e mentira em ambos. Se esse raciocínio prevalecesse, quebraria uma perna da Lava Jato.

Dipp entende do assunto, mas a ideia de que velhas mentiras devessem impedir um novo acordo é meio girafa.

O mafioso Tommaso Buscetta, preso no Brasil em 1972, foi extraditado para a Itália, fez um acordo com o juiz Giovanni Falcone (flor do orquidário de Sergio Moro) e expôs boa parte das ações da Máfia. Ajudou bastante, mas também mentiu e recusou-se a falar de políticos.

Em 1992 a Máfia dinamitou o carro do juiz Falcone, matando-o. Buscetta começou uma nova rodada de colaboração e nela entregou as conexões da Máfia com políticos, inclusive o ex-primeiro ministro Giulio Andreotti. Graças a essa nova fase detonou o coração da Máfia com o poder.

Pela doutrina de Dipp, as provas apresentadas por ele depois da morte de Falcone seriam "imprestáveis", pois as omitira na primeira colaboração.

ANAC às moscas
A doutora Dilma entregou a coordenação política do governo a Michel Temer. Pelo andar da carruagem precisará arrumar um coordenador de governo. É difícil, mas alguém pode achar que oito meses é um prazo aceitável para a escolha de um ministro do Supremo.

Na Agência Nacional de Aviação Civil a situação é pior. A Anac tem cinco diretorias. Três estão vagas. A primeira delas desde 2013, quando o titular foi defenestrado no rastro de um escândalo. A terceira vagou há três semanas. Estão brincando com fogo. Em 12 anos o setor passou a 34 milhões de passageiros/ano para 101 milhões em 2014. É o terceiro do mundo, perdendo só para os EUA e a China, e as tarifas caíram 40%.

A alta do dólar e a retração da economia podem roubar uma das joias da coroa do PT, devolvendo o andar de baixo para as rodoviárias.

Porta giratória
O senador Ataides Oliveira (PSDB-TO) quer uma CPI para investigar os ilícitos cometidos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais. A ideia poderá expandir o tema. Se recuar muito, arrisca-se chegar ao século 16, quando os caetés comeram o provedor Antonio Cardoso de Barros, o primeiro secretário da Receita de Pindorama. A porta giratória que transformava auditores aposentados em consultores de empresas autuadas que recorriam ao Carf para reduzir seus débitos foi lubrificada no início da década de 90. Desde então rodou invicta, até que chegou a Polícia Federal.

Pavio curto
Ao lidar com a repercussão de suas falas desastradas, o ministro Joaquim Levy já deu uma demonstração de que anda com pavio curto.

Frances Perkins
O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, contou que acaba de ler uma biografia de Frances Perkins, a mulher fenomenal a quem Franklin Roosevelt entregou a Secretaria do Trabalho em 1933.

Barbosa deveria distribuir uma tradução desse livro ("The Woman Behind the New Deal" - "A mulher por trás do New Deal") aos comissários que lidam com os chamados "movimentos sociais" para que conhecessem uma pessoa de quem poucos terão ouvido falar.

Tendo sido uma das personagens mais poderosas de Washington ao longo dos 12 anos em que Roosevelt ocupou a Presidência, ao sair do governo teve que batalhar por empregos de segunda. Pegara fama de esquerdista e sempre vivera do salário. Nem endereço tinha. Arrumou-se com um quarto na Universidade Cornell. Morreu em 1965, aos 85 anos, cega e surda, em heroica pobreza.

Ela ajudou a criar a Previdência Social americana, a proteção aos desempregados, o salário mínimo e as leis que proibiram o trabalho infantil. Quase todo o crédito foi para Roosevelt e, o que sobrou, para sua mulher Eleanor. Isso nunca a incomodou, pois tinha horror a jornalistas.

Perkins batia duro. No dia em que assumiu o cargo, seu antecessor, fazendo-se de desentendido, disse que sairia para almoçar. Ela mandou que suas coisas fossem tiradas do escritório e mandadas para casa. Começou a trabalhar espantando a barata que estava numa gaveta e foi adiante expulsando ratos bípedes.

Frances Perkins não tinha agenda pessoal. Duas coisas a moviam: a fé na religião e a vontade de trabalhar pelo andar de baixo.

Pedro S. Malan - A força da realidade - II

- O Estado de S. Paulo

"O meu livro propõe que renunciemos às abstrações do moralismo e da ideologia e procuremos, em vez disso, o verdadeiro conteúdo das escolhas possíveis, limitadas, como elas são, pela própria realidade." A observação de Raymond Aron, em livro publicado no terrível ano de 1938, continua atual.

Mas, nota Tony Judt em seu belíssimo O Peso da Responsabilidade, Aron dava por certo que "os seres humanos têm crenças e são movidos por elas de várias maneiras, e isso é tão parte da realidade quanto a disposição de armamentos e as forças de produção". O realismo, na visão de Aron, era simplesmente irrealista "se ignorasse os julgamentos morais que os cidadãos fazem sobre os governos, ou os interesses dos atores em uma sociedade".

O título do meu último artigo neste espaço foi A força da realidade. Por que volto ao tema? Porque essa força continua se impondo ao governo atual, no sentido "aroniano" da palavra, obrigando a uma reconsideração não só de planos e intenções pretéritos, como também reconsiderações de crenças no poder de discursos e promessas sobre o futuro. Em particular, de crenças sobre os poderes do governo e do Estado - e os limites ao exercício desse poder quando seus recursos, nunca ilimitados, escasseiam relativamente a crescentes demandas.

Estamos desde o fim de outubro neste processo (que não é trivial nem será de curta duração) de modificar políticas e crenças arraigadas. Mudanças cuja necessidade era explicitamente negada pela presidente-candidata até o resultado das urnas. A vitória foi apresentada pelos de sua grei como reconhecimento do sucesso da política que vinha sendo seguida e um voto de apoio à sua continuidade. A escolha de Joaquim Levy para a Fazenda representou uma ruptura com essa complacente visão, dando início a um processo de mudança abrupta de curso ali onde era mais imperioso e urgente: restaurar, ainda que gradualmente, a credibilidade do governo na área fiscal, que havia simplesmente desaparecido, junto à opinião pública razoavelmente informada, ao final de 2014.

Mas a visão do governo, reiteradamente repetida, é que essas mudanças de curso são passageiras e o crescimento logo voltará. São ajustes fiscais e correções de algumas distorções, recalibragens de alguns "erros de dosagem", não erros no próprio processo decisório e/ou na concepção de medidas desde Lula 2 e levados literalmente ao limite em Dilma 2. Todavia não é o contexto internacional, por incerto que seja, a razão de nossas sérias dificuldades atuais. Foram políticas, decisões e crenças domésticas.

O PAC, anunciado em março de 2007, expressava a crença na "inflexão nacional-desenvolvimentista pós-Palocci", a virada de Lula 1 para Lula 2. Eram mais de 1.600 "ações do governo", das quais mais de 900 eram obras e mais de 700, "estudos e projetos em andamento". Todo o conjunto a ser monitorado pela Casa Civil, então ocupada pela atual presidente.

Na revisão do PAC em 2009, o número de "ações do governo" subiu para mais de 2.200. O valor dos investimentos previstos, cerca de R$ 1 trilhão, reiterava a crença na "aceleração do crescimento" via elevação das expectativas de maiores gastos públicos, considerados, desde antes da crise internacional, como uma política "keynesiana".

A crise internacional, que chegou ao ponto máximo de tensão no último trimestre de 2008, exigiu, uma resposta "keynesiana" da maioria dos países. O Brasil, que já vinha praticando tal política havia quase dois anos, ampliou-lhe o escopo durante o pior da crise (último trimestre de 2008 e primeiro de 2009) e continuou com as políticas, ampliadas, após a recuperação de 2009, levando ao superaquecimento da economia em 2010, insustentáveis 7,5%.

Os anos de 2009 a 2014 foram marcados por duas grandes crenças. Primeiro, a crença na descoberta de "uma nova matriz macroeconômica" que poderia sustentar um crescimento elevado com inflação baixa e sem problemas de balanço de pagamentos, mesmo num quadro de progressiva e séria deterioração da credibilidade da política fiscal - em particular no triênio 2012-2014. A segunda, a crença de que as empresas estatais, os bancos públicos federais, o financiamento externo e, em última análise, o Tesouro Nacional e o governo federal sempre "arrumariam um jeito" de providenciar os recursos necessários para os ambiciosos projetos do governo. Afinal, os objetivos eram nobres e legítimos: a geração de emprego e renda.

Tudo parecia desejável - e possível. Construir não uma nem duas, mas quatro refinarias no País (e comprar mais duas no exterior). Fazer a Vale construir siderúrgicas (plural) no Brasil. Criar uma empresa para encomendar a sete estaleiros (alguns a serem construídos, outros ampliados) nada menos que 29 sondas, 31 plataformas e 88 navios. Ter outra empresa (EPL) analisando "perto de 4 mil projetos e 10 cadeias logísticas e selecionando mais de 400 como ações prioritárias e essenciais". Etc.

Por trás de todos esses - chamemo-los assim - processos decisórios havia uma crença, arraigada entre nós, de que a demanda (desejada, planejada) ou as intenções e expectativas de gasto em consumo e investimento, público e privado, geram sua própria oferta. O problema é que caso a oferta doméstica não responda em prazo hábil às demandas - pública e privada - o país (qualquer país) experimenta, como o Brasil já o fez inúmeras vezes no passado e o faz agora de novo, uma combinação de pressões inflacionarias e desequilíbrios de balanço de pagamentos.

Estes passam a requerer desvalorização real do câmbio, contenção do crescimento dos gastos públicos e privados e levam - para além do ajuste fiscal de curto e médio prazos - à necessidade imperiosa de busca por eficiência, produtividade e competitividade internacional. Há muito, muito o que "revisitar", para usar o verbo de um ministro (MME), na semana passada, para sua área. Afinal, a conta chegou.

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* Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC

Rolf Kuntz - O choque do fracasso e a operação desmonte

- O Estado de S. Paulo

Nem golpe, nem impeachment. Um choque de realidade liquidou em três meses o mandato da presidente reeleita com a promessa de manter a gastança e o populismo. A inquilina do Palácio da Alvorada, ainda conhecida como presidente Dilma Rousseff, continua falando o intrigante idioma dilmês, atribuindo os males do País à crise internacional e consultando, ocasionalmente, seu guru e inventor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a presidente real, governante sem dinheiro, pressionada pelas agências de classificação de risco e dirigente de um país atolado em crise, pouco se assemelha àquela confirmada pelos votos há cerca de meio ano. É uma figura acuada, sem prestígio e sem liderança. As metas de seu governo são ditadas por um ministro da Fazenda, Joaquim Levy, empenhado em desmontar a maior parte da política executada nos últimos dois mandatos petistas.

O desmonte apenas começou e poderá ir muito mais longe, com a contribuição de outros
companheiros. Mas a autonegação da personagem presidencial, até esse ponto, foi insuficiente. A governante reeleita ainda se tornaria, no começo de abril, dependente de um superministro com autoridade para negociar decisões políticas e garantir nomeações para postos importantes. Indemissível, essa figura com poderes incomuns é o vice-presidente Michel Temer, presidente do PMDB, o maior partido aliado, o mesmo dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara dos Deputados, Eduard0 Cunha.

Enquanto o PMDB se converte em núcleo principal da articulação política, a operação desmonte avança em várias frentes do governo. "Temos de revisitar as regras para conteúdo local na indústria de petróleo", disse na quarta-feira o ministro de Minas e Energia, o peemedebista Eduardo Braga. "O regime de partilha também deve ser revisitado", acrescentou, referindo-se à exigência de participação da Petrobrás nos leilões de direitos de exploração. Falta saber se ele estava autorizado a discutir o assunto e se a presidente da República aceitará sem dificuldades propostas de mudanças. Mas a declaração do ministro Eduardo Braga, mesmo exploratória, já é um sinal importante de mudanças políticas.

As alterações sugeridas são meras questões de bom senso. Uma empresa envolvida na exploração do pré-sal, uma aventura de custos enormes e riscos muito importantes, deveria concentrar-se em sua atividade básica. Ao promover a conversão da Petrobrás em instrumento de política industrial, o presidente Lula cometeu uma notável e caríssima imprudência. A mesma incompetência administrativa foi exibida pelo governo petista com a exigência de participação da estatal em todos os projetos. De onde sairia dinheiro para isso, especialmente quando a empresa já estava superendividada e ainda sujeita a um estúpido controle de preços?

Mesmo sem o saque investigado na Operação Lava Jato, a empresa teria sérios problemas para se financiar, até porque estava comprometida com grandes projetos orientados por interesses ideológicos e eleitorais, como a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e a instalação de outra no Maranhão. Cumprir todas essas tarefas e ainda pagar mais caro por equipamentos e componentes de fabricação nacional seria uma façanha quase milagrosa. Se fosse realizada, ainda seria uma besteira de proporções olímpicas, por causa do previsível desperdício de bilhões.
Implantar as mudanças insinuadas pelo ministro Eduardo Braga ajudaria a restabelecer um mínimo de racionalidade na administração da maior estatal brasileira. Tendo estimulado o debate de uma boa ideia, o ministro poderia, no entanto, ter evitado o vexame da declaração seguinte: "Essas políticas não podem ser tachadas de ineficientes, porque foram pilares do nosso desenvolvimento no setor de petróleo e gás". Nenhum cuidado diplomático ou disciplina funcional torna indispensável um despropósito desse calibre. Nem a Petrobrás seguiu de forma invariável a política de conteúdo nacional, embora seus dirigentes tenham procurado disfarçar os desvios.

Um desmonte eficiente na área industrial e comercial deveria incluir a redução do protecionismo, a multiplicação de acordos comerciais com parceiros relevantes e, muito provavelmente, o abandono das amarras da união aduaneira do Mercosul. Já haveria um ganho importante se o bloco retornasse ao status de área de livre-comércio e funcionasse bem nessa condição. Os governos do Paraguai e do Uruguai provavelmente aceitariam sem muita dificuldade a mudança. Afinal, os dois países foram seriamente prejudicados pelo emperramento do Mercosul e pelas limitações típicas de uma união aduaneira.

O Brasil também ganharia com uma revisão ampla da política educacional. Maior atenção à qualidade do ensino e à eliminação de gargalos, com abandono do populismo e da multiplicação eleitoreira de universitários, teria bons efeitos sociais, políticos e econômicos. Mais jovens se tornariam capazes de ganhar a vida sem depender de favores governamentais, por meio do trabalho digno e produtivo. Seria preciso, naturalmente, renunciar ao clientelismo, e para isso a presidente seria forçada a romper com os padrões de ação de seu partido.

Não há alternativa a uma política de desmonte, se se quiser repor o Brasil no caminho da modernidade e da integração nos melhores padrões globais de educação, de produção e de distribuição de oportunidades. Foi fácil, durante alguns anos, sustentar uma política baseada na transferência de recursos, na expansão do crédito e do gasto público e no estímulo ao consumo. Isso rendeu votos e garantiu lealdade política aos distribuidores de bem-estar, mas é materialmente impossível levar muito longe uma estratégia desse tipo. A mudança é tão indispensável quanto trabalhosa. A resistência política será forte e qualquer apoio será custoso.

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* Jornalista

Gabriel Zacarias - Espelho Trincado

• Foi-se a imagem do Estado onipotente, mas isso não trouxe ganhos suficientes de participação política

- O Estado de S. Paulo / Aliás

Não se pode prever se as manifestações de hoje levarão tantas pessoas às ruas como no último dia 15 de março. Mas pode-se antecipar que sua presença se fará sentir nas redes sociais. Na manifestação de março, chamou atenção a quantidade de fotografias pessoais que circularam pela rede, sobretudo os “selfies”. Todos queriam compartilhar um registro de sua presença no ato. Os manifestantes de março se sentiam partícipes de um evento histórico. Não à toa, pois as manifestações foram amplamente noticiadas, sobretudo pela grande mídia, como se se tratasse já de um acontecimento histórico. E isso antes mesmo que elas tivessem acontecido. Uma curiosa inversão no âmbito da temporalidade coletiva que, embora incomum no âmbito da política, é um fenômeno típico da sociedade do espetáculo. Guy Debord já notara que na sociedade do espetáculo é o próprio tempo que é transformado em mercadoria. A indústria do lazer coloca à venda “blocos de tempo” com “tudo incluso”. Nos pacotes de viagens ou nos festivais culturais, vende-se uma experiência espaço-temporal fechada. Daí que se opera uma inversão temporal. A experiência que se projeta para o futuro aparece como pronta antes mesmo de ser vivida. Ela já é, nesse sentido, uma experiência passada.

Se a prática do autorretrato não costuma ser habitual nas manifestações de rua, isso se deve ao intenso envolvimento dos participantes com o presente, um campo de possibilidades aberto tanto à criatividade quanto ao perigo. O que os “selfies” das manifestações atuais revelam é, pelo contrário, o empobrecimento da experiência presente. A consequência da reificação espetacular do tempo é a redução extrema do campo de possibilidades do sujeito, uma vez que tudo já está dado. Na experiência reificada como passado, o sujeito se vê desprovido de sua capacidade de ação no presente. Destituído de potência, torna-se presa fácil do ressentimento.

Giorgio Agamben escrevera justamente que a mídia produz o homem do ressentimento, veiculando sempre acontecimentos findos sobre os quais o sujeito não pode mais agir. Apresentadas como acontecimentos antes de acontecerem, as manifestações atuais propagam o ressentimento, e podem incorrer no esvaziamento de toda força propriamente política - isto é, de uma política não compreendida como simples representação, mas como ação de indivíduos autônomos na construção da vida coletiva.

Com efeito, para o já citado Guy Debord, o espetáculo não estava apenas nas mídias. A moderna democracia representativa seria também uma forma de espetáculo por não dar lugar a uma vida política em comum, reduzindo a participação política à escolha individual de representantes. Nesse sentido, a política representativa comporta já o germe do ressentimento, pois, ao delegarem toda ação política aos representantes, os indivíduos se veem mais uma vez destituídos de potência. Esse ressentimento pode se voltar contra os representantes, ou ainda contra um bode expiatório. Nasce daí a construção paranoica de um inimigo intolerável, o ódio contra um outro que é visto como aquele que pode fazer o que eu não posso fazer; como se a sua potência fosse a razão da minha impotência. No Brasil, vemos a retomada atual da paranoia anticomunista, mais de meio século após o fim do comunismo.

Mas a frustração que resulta de uma participação política limitada ao voto pode também dar lugar à demanda por uma ampliação da vida democrática, para além dos limites da política representativa, como ocorreu em junho de 2013. O Movimento do Passe Livre (MPL), que impulsionou aquelas manifestações, era avesso à política representativa e se construíra através de uma experiência de democracia direta, com horizontalidade e sem lideranças. Já os movimentos que coordenam as manifestações atuais são distintos. O Movimento Brasil Livre (MBL), por exemplo, é um movimento recém-formado e que se esforça por projetar lideranças. Tendo como alvo o governo e afirmando fazer o papel da oposição, seu objetivo resume-se a interferir no jogo de poder existente. Mas fica patente o ressentimento de seus membros para com aqueles que seriam seus representantes. Em um dos vídeos veiculados na internet, o grupo ataca o PSDB, que acusam de incapaz de “ganhar uma mísera eleição”. O impeachment, posto pelo grupo como principal reivindicação do ato de hoje, revela-se assim uma bandeira do ressentimento, trazendo o amargor mal resolvido da derrota nas eleições.

O ressentimento que nasce da frustração com a política representativa tem como grande risco a adoção de uma via autoritária. Nas manifestações de hoje devemos ver mais uma vez a presença, minoritária mas inquietante, daqueles que, sob a sombra do mais triste dos passados brasileiros, clamam por intervenção militar. O autoritarismo busca justamente recompensar a impotência real dos indivíduos através da identificação imaginária com um Estado onipotente. Acostumada por muito tempo ao autoritarismo, uma parte da população brasileira parece ressentir-se hoje dos trinta anos de experiência democrática. Mas isso pode se dever também ao fato de que a nova ordem democrática, que quebrou a identificação imaginária com o Estado onipotente, não trouxe suficientes ganhos reais de participação política para a população.

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Gabriel Zacarias é doutor em estudos culturais pelo programa Erasmus Mundus, da União Europeia, e historiador habilitado pelo Conseil National des Universités, da França

Mariene de Castro - Eu quero ir com você

João Cabral de Melo Neto – Dois parlamentos

- Nestes cemitérios gerais
os mortos não mostram surpresa
- A morte para eles
Foi coisa rotineira.
- Nenhum tem o ar de ter morrido
em instantâneo ou guilhotina.
- Porém de um sono lento
que adorme, não fulmina.
- Em nenhum deles há as posturas
desses que morrem sob protesto.
- É sempre a mesma pose
sem nenhum grito, gesto.
- Entre eles gestos de eloqüência
não se vêem nunca, quando a morte.
- Todos morrem em prosa,
como foram, ou dormem

sábado, 11 de abril de 2015

Opinião do dia - Eliane Cantanhêde

A economia e a política são o coração e o pulmão do governo, aqui e em qualquer lugar do mundo. A presidente Dilma Rousseff, antes tão centralizadora, delegou a economia para um estranho no ninho, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e a política para o seu vice, Michel Temer, que preside justamente o PMDB.

Então, o que faz a presidente da República? Inaugura unidades do Minha Casa Minha Vida, faz discursos dizendo que a Petrobrás está uma maravilha, dá entrevistas para TVs estrangeiras, tira fotos em reuniões protocolares com prefeitos e, se preside alguma coisa, preside solenidades no Planalto.

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Eliane Cantanhêde, jornalista - Temer e o vácuo de poder. O Estado de S. Paulo, 10 de abril de 2015.

Moro diz que Ministério da Saúde omitiu encontro de Vargas, doleiro e ex-ministro Alexandre Padilha

• Candidato derrotado do PT ao governo paulista em 2014 participou de reunião com alvos da Lava Jato para tratar dos interesses de empresa de remédios

Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

O Ministério da Saúde omitiu da Justiça Federal a informação de que o ex-ministro Alexandre Padilha – candidato derrotado do PT ao governo do Estado, em São Paulo, em 2014 – se reuniu com o ex-deputado federal André Vargas (sem partido-PR) para tratar da contratação da empresa Labogen S/A Química Fina e Biotecnologia, que havia sido comprada pelo doleiro Alberto Youssef, dentro de uma parceria para desenvolvimento de um medicamento.

A omissão do dado em nota técnica enviada no dia 26 de março de 2014 pelo Ministério da Saúde à Justiça Federal, após a deflagração da Operação Lava Jato, foi considerada suspeita pelo juiz federal Sérgio Moro, em sua decisão desta sexta-feira, 10, em que mandou prender o ex-deputado.

“Agentes do Ministério da Saúde faltaram, aparentemente, com a verdade para com este Juízo, ao não revelarem todos os fatos envolvidos na aprovação da parceria”, registrou o juiz federal Moro, que conduz os processos da Lava Jato e que nesta sexta feira, 10, deflagrou a Operação ‘A Origem’ para prender André Vargas e outros dois ex-deputados, Luiz Argôlo (SD/BA) e Pedro Corrêa (PP/PE), ambos das relações com o doleiro.

“Apesar da extensão da nota e do relato dos encontros entre os representantes da Labogen e os agentes do Ministério da Saúde, foi omitida qualquer informação acerca dos aludidos encontros de André Vargas com Alexandre Padilha ou com Carlos Gadelha (então secretário executivo da Pasta) a respeito dos fatos.”

A parceria aprovada envolveria a fabricação no Brasil e o fornecimento ao Ministério da Saúde do medicamento “citrato de sildenafila”, o que seria feito pela Labogen em associação com a empresa EMS S/A e o Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFM). Desde abril de 2014, a Lava Jato havia divulgado relatórios em que apontavam o encontro entre Padilha e Vargas. Os dois negaram relações no negócio.

Moro afirmou em seu despacho, que “foram colhidas provas que indicam, em cognição sumária, que André Vargas, então deputado federal, teve papel fundamental para que a Labogen lograsse obter a aprovação do Ministério da Saúde para a parceria em questão”.
O encontro com Padilha foi revelado em delação premiada feita pelo doleiro perante a força tarefa da Lava Jato. A Labogen era empresa do laranja de Youssef, Leonardo Meirelles, que a utilizava para a celebração de contratos de câmbio para importações fictícias, a fim de remeter fraudulentamente dinheiro ao exterior.

Segundo o magistrado, as investigações da Lava Jato mostraram que a “interferência de André Vargas teria ocorrido a pedido de Alberto Youssef que pretendia, com sócios, comprar 80% das cotas sociais da Labogen”.

Em depoimento em março, dentro do acordo de delação premiada, Alberto Youssef confirmou a atuação de Vargas em prol da Labogen e revelou “a presença de André Vargas e dele mesmo em reunião com dirigentes do Ministério da Saúde, especificamente o então ministro Alexandre Padilha, para tratar da questão”.

“Vargas efetivamente ajudou” nas negociações, afirmou Youssef. “Sendo que em uma data que não se recorda, no ano de 2013, houve uma reunião no apartamento funcional do deputado André Vargas, em Brasília, onde compareceram o depoente, Pedro Argese, André Vargas e o ministro Alexandre Padilha”, registrou a PF no termo de delação.

Nessa ocasião, Vargas teria apresentado a Labogen ao então ministro. Padilha teria dito que encaminharia os representantes da Labogen a um dos coordenadores do Ministério da Saúde, Eduardo Jorge, a quem cabia tratar do assunto e habilitar a Labogen, caso ela apresentasse os requisitos necessários.

O doleiro afirmou aos investigadores que “certamente, sem alguém com a influência no governo federal como tinha André Vargas, a Labogen não teria condições de fazer contratos ou sequer ser atendida no Ministério da Saúde”.

“Há razoável prova de que André Vargas realizou diversas e intensas intervenções junto ao Ministério da Saúde para a aprovação da parceria”, sustenta Moro na decisão de prisão de Vargas. Segundo ele, “há indícios de que a intervenção de André Vargas foi essencial para a aprovação da parceria, já que a Labogen não tinha estrutura adequada para obtê-la junto ao Ministério da Saúde”.

Em abril de 2014, quando o nome de Padilha foi citado no caso, sua assessoria de imprensa divulgou nota repudiando qualquer relação com o doleiro Alberto Youssef. “O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha repudia o envolvimento do seu nome e esclarece que não indicou nenhuma pessoa para a Labogen. Se, como diz a Polícia Federal, os envolvidos tinham preocupação com as autoridades fiscalizadoras, eles só poderiam se referir aos filtros e mecanismos de controle criados por Padilha dentro do Ministério da Saúde justamente para evitar ações deste tipo. A prova maior disso é que nunca existiu contrato com a Labogen e nunca houve desembolso por parte do Ministério da Saúde.”

Na ocasião, o Ministério da Saúde esclareceu que não foi fechado nenhum contrato com a Labogen.
Em nota, nesta sexta-feira, a pasta afirmou novamente que ‘não firmou contrato com a empresa Labogen’.

“Em todas as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, a relação do Ministério é com os laboratórios oficiais, que podem buscar parceiros privados. Em 2013, ao tomar conhecimento do relatório da Polícia Federal sobre a Operação Lava-Jato, o Ministério imediatamente suspendeu o termo de compromisso selado com o Laboratório da Marinha, antes mesmo da assinatura de contrato ou de qualquer repasse de recursos públicos. Isso significa que a proposta envolvendo a Labogen sequer passou da fase do cumprimento dos requisitos para assinatura de contrato.”

Lava-Jato chega à Caixa e ao Ministério da Saúde

A vez da CEF e da Saúde

• Na 11ª etapa da Lava-Jato, PF prende 3 ex-deputados e apura corrupção em contratos de publicidade

Renato Onofre, Germano Oliveira, Thais Skodowsk e Vinicius Sassine

SÃO PAULO, CURITIBA e BRASÍLIA - Os ex-deputados André Vargas (ex-PT), Luiz Argôlo (SDD-BA) e Pedro Corrêa (PP-PE) foram presos, ontem, na 11ª fase da Operação Lava-Jato. Batizada de A Origem - em razão do envolvimento de pessoas investigadas desde o início da operação - a nova ação da Polícia Federal vai além do escândalo de corrupção na Petrobras e investiga um esquema de pagamento de propinas em contratos publicitários da Caixa Econômica Federal e do Ministério da Saúde que, segundo a PF, é semelhante ao operado por Marcos Valério no escândalo do mensalão. Além dos contratos publicitários, os investigadores descobriram que uma empresa do irmão de Vargas recebeu, só em 2013, R$ 50 milhões da Caixa em contratos para serviços de tecnologia.

Além dos ex-deputados, foram presos o publicitário Ricardo Hoffmann, ex-diretor da agência BorghiLowe; a secretária de Argôlo, Eliá Santos da Hora; o ex-assessor de Pedro Corrêa, Ivan Mernon da Silva Torres; e Leon Vargas, irmão de André Vargas. Eles responderão por corrupção, fraude em procedimento licitatório, lavagem de dinheiro, uso de documento falso e tráfico de influência.

Para a Força-Tarefa da Lava-Jato, Vargas usou sua influência política para indicar Clauir dos Santos para a gerência de Marketing da Caixa. Com o aliado no cargo, teria influenciado na escolha da empresa de publicidade BorghiLowe. O "apoio" de Vargas também teria se repetido no Ministério da Saúde, que fechou contratos de R$ 113 milhões com a agência. A BorghiLowe foi responsável por campanhas publicitárias como as da prevenção de hepatite e da vacinação de poliomielite. Além do esquema em contratos de publicidade, os investigadores encontraram indícios de que Vargas pode ter recebido propina de outra empresa supostamente de fachada registrada em nome de Leon, a IT7 Sistemas. Em 2013, ela recebeu cerca de R$ 50 milhões da Caixa em contratos ligados à área de tecnologia. No total, são R$ 163 milhões em contratos suspeitos com a Caixa e o Ministério da Saúde investigados nessa fase da Lava-Jato. De acordo com Portal de Transparência, além do dinheiro do banco estatal, a IT7 recebeu, entre 2010 e 2013, outros R$ 44,9 milhões de contratos com outros órgãos, como o Ministério de Ciência e Tecnologia, o Exército, a Marinha e o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).

Segundo as investigações, depois que a BorghiLowe vencia as licitações, Hoffmann, que dirigia o escritório da agência em Brasília, subcontratava produtoras para filmagens das campanhas e confecção de jingles. Por orientação de Hoffmann, essas empresas repassavam a título de comissão - os chamados bônus de volume - 10% dos contratos assinados. Contudo, segundo os investigadores, em vez de os valores serem pagos à própria BorghiLowe, o publicitário orientava o depósito em favor de duas empresas de fachada ligadas a Vargas e a seu irmão: a LSI Solução em Serviços Empresariais e a Limiar Consultoria. Segundo o delegado da PF Igor Romário de Paula, a participação do ex-petista é clara:

- O pagamento pela influência de Vargas na escolha da BorghiLowe era que os 10% fossem destinados às empresas de fachada dos irmãos Vargas. O bônus não voltava para BorghiLowe, ia para as empresas do André e do Leon.

A PF identificou que pelo menos cinco produtoras pagaram a empresas dos irmãos Vargas: a Conspiração Filmes, a e-Noise, a Atakk (cuja razão social é Luis Portela Produções Ltda), a Sagaz e a Zulu Filmes. Para o juiz Sérgio Moro, ainda não há indícios suficientes para afirmar que elas sabiam do esquema criminoso. Mas ele defendeu a ampliação das investigações e autorizou a quebra de seus sigilos fiscais e bancários. As produtoras admitiram à PF terem feito os pagamentos às empresas indicadas por Hoffman sem ter prestado serviços algum a elas.

Do mensalão para a lava-jato
Pedro Corrêa, também preso ontem pela PF, é um dos condenados por corrupção no processo do mensalão. Cumpre pena em regime semiaberto em Pernambuco, mas será transferido para Curitiba. É acusado de "dar sustentação à nomeação e à permanência em cargos da Petrobras" de diretores e gerentes ligados ao esquema de corrupção, entre eles o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa.

Em despacho, Moro afirmou que, mesmo depois de cassado no processo do mensalão, o ex-parlamentar "não perdeu seu poder político, tendo inclusive logrado eleger sua filha Aline Corrêa para a Câmara". Durante o julgamento do mensalão, Corrêa continuou recebendo mesadas do doleiro Alberto Youssef, no que Moro classificou de "deboche à Justiça". Sobre André Vargas, o juiz também observou que a prisão era necessária porque ele poderia, "mesmo cassado", reproduzir esquemas criminosos em órgãos públicos.

Já Luiz Argôlo, segundo as investigações, recebeu, ao menos, R$ 1,2 milhão de Youssef no esquema de corrupção na Petrobras. O ex-deputado também seria sócio de Youssef na empresa de engenharia Malga. Segundo a PF, o deputado e o doleiro trocaram 1.411 mensagens. Além das prisões, Moro determinou o bloqueio de R$ 120 milhões de seis acusados nessa fase da Lava-Jato. Só de Corrêa e Argolo a Justiça pede o confisco de R$ 20 milhões de cada um.

PF prende políticos e apura crimes na Caixa e na Saúde

• Foram detidos os ex-deputados André Vargas (ex-PT) e Luiz Argôlo (SD)

• Ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), que cumpre pena pelo mensalão, também foi alvo de ordem de prisão

Flávio Ferreira e Stelita Hass Carazzai – Folha de S. Paulo

Curitiba - Mais de um ano após seu início, a Operação Lava Jato levou nesta sexta (10), pela primeira vez, políticos suspeitos de corrupção à prisão. As investigações extrapolaram a Petrobras e atingiram a Caixa Econômica Federal e o Ministério da Saúde.

Foram detidos os ex-deputados federais André Vargas (ex-PT, hoje sem partido), Luiz Argôlo (ex-PP e hoje Solidariedade-BA) e mais quatro pessoas ligadas a eles.

Também houve ordem de prisão contra o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), que já estava preso em Pernambuco por condenação no mensalão. Ele será transferido para a PF em Curitiba.

Os políticos só puderam ser presos neste momento, com decisão da primeira instância, porque não exercem mandato e, assim, não têm direito ao foro privilegiado que exigiria que eles fossem investigados em tribunais superiores.

As prisões desta sexta fazem parte da 11ª fase da operação. "Essa investigação vai nos levar a mares nunca dantes navegados", afirmou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que coordena as investigações.

Na Caixa e no Ministério da Saúde, novos alvos da operação, os desvios eram feitos a partir de contratos de publicidade, segundo as investigações. Ricardo Hoffmann, diretor-geral da agência de publicidade Borghi/Lowe em Brasília, que detinha contratos com os dois órgãos, foi preso.

Só do Ministério da Saúde a empresa recebeu R$ 112,8 milhões desde 2011. Há suspeita de que a agência tenha pago propina para obter vantagens nos contratos.

Segundo a PF, 10% do valor dos contratos mantidos com a Caixa e com o ministério eram desviados para empresas de fachada de Vargas e de seu irmão, Leon Vargas, que também foi detido.

As empresas eram a LSI e a Limiar Consultoria. Com nenhum ou apenas um funcionário, ambas eram usadas, segundo o Ministério Público, "tão somente para pagamento de vantagem indevida em favor do ex-deputado".

O dinheiro era repassado por meio de subcontratadas da Borghi/Lowe. Intimadas pela Receita Federal sobre os pagamentos, algumas declararam que, de fato, não houve prestação de serviços à LSI ou à Limiar, mas que fizeram os depósitos por orientação da Borghi/Lowe.

Segundo a Folha apurou, nas buscas realizadas nesta sexta, foram encontrados documentos que apontam que dezenas de outras empresas ligadas ao ramo de publicidade fizeram pagamentos às firmas de fachada de Vargas.

Entre os repasses feitos à Limiar, está um depósito da JBS de R$ 200 mil, feito em 2010 --ano em que Vargas foi reeleito deputado federal. A empresa é uma das maiores doadoras eleitorais do país.

Consultada, a empresa confirmou o pagamento, mas disse não saber a que serviço ele se devia. O juiz Sergio Moro diz que "não é possível afirmar por ora" que este depósito teve causa ilícita.

A investigação também aponta que há "razoável prova" de que Vargas realizou "diversas e intensas intervenções junto ao Ministério da Saúde" para a aprovação de uma parceria de R$ 31 milhões com o laboratório Labogen, investigado na Lava Jato.

Outros detidos
O ex-deputado Luiz Argôlo é investigado sob a acusação de ter atuado com o grupo da Labogen, o que ele nega.

Pedro Corrêa, condenado no mensalão, foi acusado pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa de ter recebido R$ 5,3 milhões no esquema de corrupção na estatal.

Os investigadores agora querem saber quem são os demais destinatários da propina, além dos ex-deputados presos. Servidores da Caixa e do Ministério da Saúde devem ser ouvidos pela polícia.

Para a Polícia Federal, esquema utilizava 'padrão' do mensalão

Ricardo Brandt, Julia Affonso, Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

A Polícia Federal identificou "padrão semelhante" com o esquema do mensalão envolvendo agências de publicidade ligadas ao ex-deputado petista André Vargas. As agências subcontratavam produtoras de Vargas. O bônus de 10% que deveria ser direcionado pelas produtoras para as agências era pulverizado em propinas para políticos.

Segundo a PF, a agência de publicidade Borghi/Lowe Propaganda e Marketing, que administra contas publicitárias de entidades públicas como a Caixa Econômica Federal e o Ministério da Saúde, teria contratado serviços de produtoras que foram orientadas a pagar as comissões de bônus de volume - tradicional no mercado publicitário - nas contas das empresas Limiar e LSI controladas por André Vargas e seus irmãos.

No mensalão, escândalo que marcou o governo Lula, o empresário Marcos Valério, dono de duas agências de publicidade, foi apontado como o operador do esquema de propinas para a base aliada no Congresso.

A pedido da PF e do Ministério Público Federal, a Justiça quebrou o sigilo bancário e fiscal de empresas relacionadas a Vargas como a LSI Solução em Serviços Empresariais Ltda., com sede em São Paulo, e a Limiar Consultoria e Assessoria em Comunicação, de Curitiba.

"A partir da quebra de sigilo bancário e fiscal da Limiar (sócios André Vargas e Leon Vargas) e LSI (sócios Leon Vargas e Milton Vargas) constatou-se que essas empresas receberam nos anos-calendário 2010, 2011, 2012 e 2013 remuneração de serviços não prestados por pessoas jurídicas que receberam recursos direta ou indiretamente da administração pública federal", informa a Procuradoria.

As empresas citadas são a E-noise, Luis Portela, Conspiração, Sagaz e Zulu Filmes. Ouvidas pela Receita, elas informaram que foram orientadas a fazer os depósitos para as duas empresas pelo representante da Borghi/Lowe, Ricardo Hoffmann, preso ontem.

A Receita recebeu informações das produtoras contratadas pela Borghi de que a LSI e a Limiar não prestaram serviços. "As empresas acrescentaram que os pagamentos em favor das empresas ligadas a André Vargas ocorreram em razão de solicitação da Borghi/Lowe", representada por Hoffmann e Mônica Cunha - que foi conduzida coercitivamente para depor.

Juiz lamenta a 'longevidade' de políticos flagrados em corrupção

• Reclamação de Sergio Moro aparece no despacho em que ele mandou prender André Vargas

• Magistrado citou o caso do ex-deputado Pedro Corrêa, que, mesmo cassado, "continuou recebendo propinas"

Flávio Ferreira – Folha de S. Paulo

CURITIBA - Em despacho sobre a prisão do ex-deputado André Vargas (ex-PT-PR, hoje sem partido), o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, lamentou a "longevidade na vida pública" de políticos envolvidos em crimes de corrupção.

Nesta sexta (10), em nova fase da investigação que apura um esquema de corrupção na Petrobras, a Polícia Federal prendeu Vargas e o ex-deputado, Luiz Argôlo (ex-PP e hoje Solidariedade-BA) e mais quatro pessoas ligadas aos políticos.

Também houve ordem de prisão contra o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), que já estava preso em Pernambuco por condenação no processo do mensalão. Foi encaminhado ofício para o presídio para que ele seja transferido para a PF em Curitiba.

Segundo Moro, "infelizmente, no Brasil, não raramente agentes políticos surpreendidos na prática de crimes graves, alguns até presos e condenados, mantêm surpreendente longevidade na vida pública".

O magistrado citou o caso de Pedro Corrêa, "que teve o seu mandato cassado em 2006, mas continuou, como indicam as provas descobertas na Operação Lava Jato, recebendo propinas periódicas decorrentes do esquema criminoso na Petrobras".

Sobre Vargas, Moro disse que, apesar dele ter tido o mandato cassado pela Câmara, "seria ingenuidade acreditar que não dispõe de qualquer poder político".

Ele disse haver "risco" de Vargas recuperar o mandato no futuro, "como tantos outros fizeram", e que nem todos os agentes públicos envolvidos no esquema já foram identificados.

Moro apontou ainda que as investigações mostraram que o político do Paraná atuava com "profissionalismo" na prática dos crimes.

"A quantidade de crimes nos quais André Vargas se envolveu em relativamente curto espaço de tempo ""pelo menos quatro esquemas diversos de corrupção e lavagem"" é indicativa de habitualidade e profissionalismo na prática de delitos."

Para justificar a prisão, o magistrado afirmou que "em um contexto de criminalidade desenvolvida de forma habitual, profissional e sofisticada, não há como não reconhecer a presença de risco à ordem pública, a justificar a prisão preventiva para interromper o ciclo delitivo".

Sem petrobras
O juiz ressaltou ainda que os supostos delitos de André Vargas não têm, a princípio, ligação com o esquema na Petrobras, mas envolvem corrupção em outros órgãos públicos.

"Os crimes atribuídos a André Vargas são estranhos ao esquema criminoso na Petrobras, mas se inserem um mesmo contexto de obtenção de comissões ou propinas em contratos com a administração pública", argumentou.

Para Sergio Moro, "o nexo de ligação entre os fatos é aqui o escritório de lavagem de dinheiro de Alberto Youssef que, além de atender ao esquema na Petrobras, também estava envolvido em outros crimes em conjunto com André Vargas".

Agência investigada tem contratos com BR Distribuidora, BNDES e CEF

• Ex-diretor preso ontem comandou empresa em Brasília até dezembro

Sergio Roxo e Tiago Dantas – O Globo

SÃO PAULO - A BorghiLowe é uma das maiores agências de publicidade do Brasil. Ela ocupa a quarta colocação em ranking que leva em conta o investimento publicitário dos anunciantes atendidos por cada agência. De acordo com a pesquisa, que foi divulgada pelo Ibope em dezembro, os clientes da BorghiLowe movimentaram R$ 3,2 bilhões em 2014.

Entre as principais contas da empresa, estão Caixa Econômica Federal, Petrobras Distribuidora, BNDES, Unilever, Subway e Fast Shop. Além do faturamento alto, a agência também é premiada: ano passado, três de suas campanhas ficaram em terceiro lugar no Festival de Cannes, o mais conhecido do mundo no setor.

Hoffmann, ex-vice-presidente
Sediada em São Paulo e com escritórios no Rio de Janeiro e em Brasília, a BorghiLowe tem, hoje, mais de cem funcionários. O presidente do grupo, José Henrique Borghi, entrou no último mês na lista dos 20 publicitários mais influentes da revista "GQ Brasil".

Ricardo Hoffmann, que foi preso preventivamente ontem pela Polícia Federal, ocupou os cargos de vice-presidente e diretor geral do escritório de Brasília da BorghiLowe até o fim do ano passado. Em dezembro, a Receita Federal fez os primeiros pedidos de informação sobre contratos da agência com o governo.

Hoffmann construiu sua carreira profissional em Brasília, onde trabalha desde 1994. A capital federal é considerada o segundo maior mercado publicitário do Brasil, atrás de São Paulo. A posição se deve, principalmente, às verbas do governo federal.

Sob seu comando, o escritório de Brasília da agência chegou a ter 50 funcionários. Em entrevista publicada pela revista "Propaganda", em novembro de 2012, Hoffmann chegou a falar sobre as ligações entre a política e a corrupção na capital federal. Ele disse que os resultados que obteve no mercado publicitário de Brasília se devem ao trabalho "planejado, focado e dedicado", e não às relações políticas.

Regras para bônus de volume
Na entrevista, ele disse: "De um modo simplista e até reducionista, as pessoas dizem que em Brasília tudo é política. Na verdade, dizem pior, que tudo é sacanagem. (...) Eu penso diferente, e consegui convencer meus pares de que vale a pena acreditar na competência".

Após trabalhar em outras agências grandes, como DM9 e Newcomm, Hoffmann foi contratado pela BorghiLowe em 2006.

Não existem regras para o pagamento de bônus entre agências de publicidade e produtoras, como aconteceu no caso investigado pela 11ª fase da Operação Lava-Jato, segundo o Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp). A entidade é formada por representantes do próprio mercado e regula as práticas comerciais no meio publicitário do Brasil.

As normas do Cenp estabelecem apenas critérios que devem ser observados nos bônus que são pagos pelos veículos de comunicação, como redes de TV, rádio e jornais, para as agências de publicidade. Essa pratica dá incentivos às agências que compram mais espaços de propaganda.

Pelas regulamentações do Cenp, o veículo deve fazer o pagamento diretamente à agência com emissão de nota fiscal. Não é permitido o pagamento para um terceira empresa, como aconteceu no caso da BorghiLowe e das produtoras. "Os planos de incentivo às agências mantidos por veículos não contemplarão anunciantes", diz a norma do Cenp.

Um executivo do mercado publicitário disse ao GLOBO que o pagamento de bônus entre produtoras e agências é incomum e desperta suspeitas.

Petrobras: custo da corrupção pode chegar a r$ 6 bilhões

• Balanço deve ser publicado no próximo dia 20, diz fonte da estatal

Gabriela Valente, Ramona Ordoñez e Bruno Rosa – O Globo

BRASÍLIA e RIO - Técnicos da Petrobras vão fechar neste fim de semana o cálculo exato do peso da corrupção nas contas da estatal. A diretoria trabalha com uma estimativa baseada nos contratos sob investigação na Operação Lava -Jato da Polícia Federal que indicam uma perda em torno de R$ 6 bilhões. Os executivos da estatal devem receber o resultado final dos cálculos na segunda-feira. Oficialmente, o valor será apresentado e divulgado no dia 20 deste mês, quando a empresa publicará o balanço do terceiro trimestre do ano passado já auditado.

- Neste fim de semana, vão rodar todo o sistema. Só aí, vamos saber o valor. Deve ficar próximo de R$ 6 bilhões - contou uma alta fonte da instituição que pediu para não ser identificada.

Esse é o principal passo para a recuperação da credibilidade da instituição. A conta foi feita de maneira conservadora para deixar claro que a nova gestão não pretende encobrir as perdas com a corrupção, segundo essa fonte. Esse valor em análise representa cerca de 3% do valor dos ativos da estatal suspeitos de terem tido desvio de recursos, como a Refinaria Abreu e Lima (Renest), em Pernambuco, e o Comperj, em Itaboraí, no Rio de janeiro.

Grau de investimento sob risco
O anúncio previsto para o dia 20 ocorre pouco mais de dois meses após a posse da nova diretoria da Petrobras e inúmeras reuniões com técnicos, auditores e representantes da PricewaterhouseCoopers (PwC). A baixa contábil de R$ 6 bilhões foi calculada após a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Securities Exchange Comission (a CVM americana) aprovarem a metodologia para calcular o custo da corrupção nos diversos projetos da estatal.

O valor é cerca de 93% menor que o apresentado pela Petrobras no dia 27 de janeiro, quando a estatal calculou uma baixa contábil de R$ 88,6 bilhões em 31 ativos. A divulgação do número desagradou ao governo e contribuiu para a queda da então presidente da estatal Maria das Graças Foster e de toda a sua diretoria.

O número apresentado na ocasião incluía, além da corrupção, outros fatores como ineficiência em projetos e mudança cambial. Na ocasião, a estatal divulgou informações financeiras sem o aval da PwC, após adiar por duas vezes a publicação dos números.

Desde o fim de outubro, a Petrobras não consegue publicar seu balanço financeiro auditado referente ao terceiro trimestre de 2014. A PwC se recusou a dar o aval para o relatório por conta das denúncias de corrupção na Petrobras que vieram à tona com a Operação Lava-Jato, da Polícia Federal (PF) e seus desdobramentos.

Com as incertezas, a Petrobras perdeu o grau de investimento pela Moody´s no fim de fevereiro. Já no fim de março a Standard & Poor"s (S&P) avisou que, se a estatal não publicar o balanço até o fim de abril, pode tirar seu grau de investimento, já que os investidores donos dos títulos emitidos pela companhia no exterior podem entrar com o pedido de calote, o que forçaria a uma antecipação do pagamento das dívidas.

A estatal vem correndo contra o tempo para tentar publicar seu balanço auditado o mais rápido possível e evitar a perda de seu grau de investimento por outra agência de risco. Muitos fundos de pensão do exterior só podem aplicar recursos em companhias que contam com grau de investimento de, pelo menos, duas agências de classificação de risco.

A próxima reunião do Conselho de Administração da Petrobras estava prevista originalmente para o próximo dia 17. Será a 12ª reunião desde o dia 31 de outubro, quando a PwC se recusou a assinar o balanço do terceiro trimestre de 2014, abrindo uma crise na estatal. Na ocasião, a PwC, segundo fontes, recusou-se a assinar o balanço alegando que o então presidente da Transpetro, Sergio Machado, não poderia assinar o balanço pode ter sido citado por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, em sua delação premiada à Justiça.

Troca de todos os conselheiros
Com a chegada de Aldemir Bendine, o governo federal, controlador da Petrobras, sinalizou que também iria trocar todo o Conselho de Administração com nomes do mercado. Assim, dos sete nomes que a União tem direito de indicar, foram recém-empossados o diretor financeiro da Petrobras, Ivan Monteiro, o advogado Luiz Navarro e o próprio Bendine. Para presidir o Conselho foi indicado o presidente da Vale, Murilo Ferreira no lugar de Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda.

Os mandatos de todos os dez conselheiros - os sete indicados pela União, e os três membros independentes - precisarão ser aprovados pelos acionistas em assembleia marcada para o dia 29 de abril. O mandato tem duração de um ano. Os conselheiros independentes Mauro Cunha e José Monforte já anunciaram que não vão se candidatar à reeleição. Por sua vez, o novo representante dos funcionários da Petrobras será Deyvid Barcelar, , coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP) da Bahia.

Os três atuais conselheiros independentes têm se mostrado contrários a uma série de medidas adotadas pelo governo para recuperar a estatal, como a própria nomeação de Murilo Ferreira para presidir o conselho.

FH diz que Dilma perdeu capacidade de liderança e entregou o governo

• Em palestra a empresários, ex-presidente afirmou que Dilma perdeu credibilidade

- Valor Econômico

SÃO PAULO — Três dias depois de a presidente Dilma Rousseff delegar a articulação política do governo ao vice-presidente, Michel Temer (PMDB), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que a capacidade de liderança de Dilma está abalada e afirmou que a presidente entregou o comando político e financeiro do país a quem pensa de forma diferente dela. Para o ex-presidente tucano, Dilma perdeu a credibilidade. FH afirmou ainda que parte da solução para enfrentar a crise está em não fazer "conchavo" nem acordos obscuros.

Ao falar para uma plateia de empresários em São Paulo, o ex-presidente disse que o governo precisa de liderança para superar os problemas políticos e econômicos.

— Estamos, por circunstâncias, em um momento em que a capacidade de liderança de quem está na Presidência está muito abalada, tanto que entregou a chave do cofre para alguém que pensa o oposto. E entregou para ele fechar o cofre. Ela não pode mexer mais no cofre — afirmou FH, em referência ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy. — E agora, [Dilma] entregou o comando político para outro que também pensa diferente, para outro partido. É uma situação delicada que estamos vivendo — disse, ao participar do VTEX Day, evento de comércio eletrônico na capital paulista.

FH afirmou que a queda da aprovação do governo está ligada à perda de credibilidade da presidente.

— Infelizmente o que aconteceu no Brasil nos últimos meses não foi uma perda de popularidade só. Popularidade você ganha, você perde. Mas foi perda de credibilidade. Aí não tem jeito — declarou — Quando não tem nem popularidade nem credibilidade fica difícil mover as peças. Se não ganhar a credibilidade não vai.

O ex-presidente tucano disse que "haverá forçosamente uma mudança", mas lembrou que o país vive um sistema democrático. Ele afirmou que o país vive uma crise "política, econômica, moral e um começo de mal-estar social".

— É crise para não botar defeito. É muita coisa junto. Erro de condução de política econômica.

Na palestra, o ex-presidente citou o escândalo de desvio de recursos da Petrobras, chamado de "petrolão", ao falar sobre a crise política enfrentada pelo governo.

— Não pode dirigir um país na base do ‘dá lá-toma cá’ incessantemente. Gera uma crise moral. O petrolão é só o mais impactante, mas não é o único. É uma série, um sistema de modelo de negócios, que não funciona. Ou melhor, funciona mas para poucos e o dinheiro é nosso — destacou.

Na análise do ex-presidente, a saída para a crise, com a retomada da governabilidade, passa pelos protestos nas ruas, pelo bom funcionamento da Justiça e pelos meios de comunicação divulgarem "o que está acontecendo", ampliando a informação.

— Não fazer conchavo, conciliação. Em algum momento sempre tem que ter algum acordo. A sociedade não funciona em pé de guerra o tempo todo, mas o acordo não pode ser debaixo do pano. Tem que ser alguma coisa sustentada pela opinião da sociedade — afirmou.

Sem citar diretamente as manifestações contra o governo, que devem se repetir neste domingo, FH disse que os grupos organizados da sociedade civil "têm muita capacidade de mobilização, mas não têm de implementação".

— É uma espécie de ato de protesto, de desespero, mas e depois? O que acontece? Não se sabe, porque as instituições estão muito rígidas. As instituições disponíveis, o partido, o Congresso, a forma de governar vêm de outra época — disse.

Na palestra de quase uma hora, marcada por críticas aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma, o ex-presidente tucano afirmou que a presidente "merece um prêmio Nobel ao contrário".

— Ela conseguiu colocar a Petrobras na posição que está, segurar a inflação, arrebentou com o etanol, usinas faliram e na parte hidrelétrica deu nó nas finanças que estão todas quebradas. Isso tem que ser refeito — apontou.

FHC criticou ainda a forma como o governo federal investe no Bolsa-Família, uma das principais marcas da administração petista na Presidência. O tucano disse que a desigualdade social continua grande no país e disse que pior do que o tamanho da desigualdade é o modelo usado para reduzi-la, de transferência de renda.

— Não foi um modelo de incentivo ao trabalho, de engajamento e de criação de novos campos de prosperidade. A transferência de renda é necessária como estímulo, mas não como resultado final. Se mantiver no Brasil a tendência vai criar uma camada de funcionários públicos que não são funcionários públicos, mas que dependem do Tesouro — afirmou — Uma camada dependente, que é crescente, que se veste, come, está melhor alimentada, mas não é isso que se deseja numa sociedade moderna e dinâmica.

FHC diz que liderança de Dilma está abalada e que saída passa por protestos

• Às vésperas de uma manifestação contra o governo, no próximo dia 12, ex-presidente fez várias críticas a Dilma Rousseff

José Roberto Castro - O Estado de S. Paulo

Ao fazer um diagnóstico sobre o atual momento político brasileiro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou a capacidade de liderança de Dilma Rousseff. A escolha do vice-presidente Michel Temer (PMDB) para comandar a articulação política do governo é um sinal, segundo o tucano, de que a presidente está com a capacidade de liderança "muito abalada".

"Nós estamos, por circunstâncias, em um momento em que capacidade de liderança da pessoa que ocupa a Presidência está muito abalada.", criticou. "Tanto que entregou a chave do cofre para alguém que pensa o oposto (Joaquim Levy). E entregou para ele fechar o cofre, ela não pode mexer mais no cofre. E agora entregou o comando político a outro que também pensa diferente, para outro partido", completou, falando de Michel Temer.

Em palestra na manhã desta sexta-feira, 10, para uma plateia formada por empresários e trabalhadores do setor de tecnologia, FHC foi aplaudido diversas vezes quando criticava o governo. O tucano classificou a situação atual do Brasil como "delicada". "Neste momento a saída passa pelos protestos de rua, pela justiça funcionar e a mídia dizer o que está acontecendo. Ampliar a informação, não fazer conchavo, não fazer conciliação", disse o ex-presidente, amenizando, em seguida, a afirmação. "Mas em algum momento sempre tem de haver algum acordo. A sociedade não funciona em pé de guerra o tempo todo", disse, emendando que tal acordo "não pode ser embaixo do pano".

''Nobel ao contrário'' Ao comentar o quadro do setor energético no Brasil, Fernando Henrique Cardoso arrancou risadas da plateia ao dizer que a presidente Dilma Rousseff "merece um Prêmio Nobel ao contrário". O tucano usou como exemplo os escândalos na Petrobrás, a crise no setor elétrico e entre os produtores de etanol. Para Fernando Henrique, o Brasil, para avançar, precisa "resolver a questão energética".

O primeiro cargo que Dilma ocupou no governo federal foi justamente como titular do Ministério de Minas e Energia, no início do governo Lula. Na época, o petista recém-eleito incumbiu Dilma de desenvolver o setor energético no Brasil, que pouco tempo antes havia sofrido com o racionamento durante o governo FHC.