segunda-feira, 4 de maio de 2015

Marcus Pestana - Klauss Vianna, um teatro que merece viver

- O Tempo (MG)

Belo Horizonte tem se firmado crescentemente como um grande polo cultural na cena brasileira. A tradição é forte e funda. Nasceram aqui o Clube da Esquina, o Grupo Corpo, o Galpão. A nova geração produziu nomes nacionais como Skank, Pato Fu e Jota Quest. A arte mineira encontra sua melhor expressão no trabalho de Jota Dangelo, Pedro Paulo Cava e Helvécio Ratton. Nenhuma cidade brasileira possui um eixo cultural tão rico como o formado pelo Museu de Artes e Ofícios, o Inimá de Paula e o Circuito Cultural da Praça da Liberdade. Espaços como o Sesc Paladium e o Cine Theatro Brasil Vallourec vieram se somar ao Palácio das Artes e tantos outros onde nossa história cultural é escrita. Sem falar no Inhotim, o maior museu de arte contemporânea do Brasil, referência mundial no setor. Os festivais se multiplicam, a começar pelo Festival Internacional de Teatro. Das ruas de BH, brotaram a literatura de Fernando Sabino e Roberto Drummond e a poesia de Carlos Drummond de Andrade, entre outros. Enfim, BH sempre teve um encontro marcado com a cultura – universal de tão mineira, mineira de tão universal – e a arte de qualidade.

A vocação e tradição cultural de nossa capital pedem avanços e aprofundamentos, nunca retrocessos.

Muitas vezes, assisti a shows e peças teatrais no Klauss Vianna, um dos melhores e mais bem-equipados teatros de Belo Horizonte. Incrustado no alto da Afonso Pena, foi palco de bons momentos artísticos. Agora, o Teatro Klauss Vianna está em risco.

Inaugurado em 1985, no prédio da então Telemig, empresa de telefonia estatal, mesmo após a privatização, em 1997, continuou a receber eventos culturais de grande importância e investimentos na melhoria de suas instalações e equipamentos, sendo rebatizado como Oi Futuro Klauss Vianna. Recentemente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, uma de nossas mais importantes e admiradas instituições, desapropriou o prédio para ganhar nova sede. O Poder Judiciário é central na democracia e na vida da sociedade e merece uma sede proporcional à sua importância. Mas, dentro de seu planejamento interno, previu fechar o Klauss Vianna para transformá-lo em um simples auditório.

Um forte e representativo movimento de artistas mineiros se formou em defesa não só da memória do bailarino e coreógrafo belo-horizontino, mas da permanência do Teatro Klauss Vianna como um dos principais espaços culturais da cidade.

Tenho convicção de que a sensibilidade e o espírito público da cúpula do Poder Judiciário mineiro, somados ao legítimo movimento de nossos artistas e produtores, resultarão na manutenção do teatro, que completa agora 30 anos. Como disse Pedro Paulo Cava: “Quem constrói um teatro tem um auditório, quem constrói um auditório não tem mais do que isso”.

Em tempo: o absurdo fechamento do Museu dos Governadores, no Palácio da Liberdade, não deve servir de exemplo para que a nossa história cultural seja amputada de suas conquistas.

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Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB de Minas Gerais

Ricardo Noblat - Perdeu, Beto Richa!

- O Globo

"O país foi iludido com sonhos de grandeza nacional enquanto a roubalheira corria solta na Petrobras" - Fernando Henrique Cardoso

Foi uma vitória e tanto a de Beto Richa, 49 anos, reeleito governador do Paraná no primeiro turno da eleição do ano passado. Derrotou o senador Roberto Requião (PMDB), ex-governador, e a senadora Gleisi Hoffmann (PT), ex-chefe da Casa Civil de Dilma. Parecia destinado a integrar a lista de nomes de onde sairá o candidato do PSDB a presidente em 2018. Seis meses depois, está seriamente encrencado.

A EXEMPLO DE DILMA, durante a campanha vendeu a imagem de um Paraná onde tudo ia bem e o melhor estava por vir. Em momento algum admitiu que fosse obrigado, uma vez reeleito, a promover um duro ajuste nas contas públicas. O governo gastara R$ 4 bilhões além do que poderia, o segundo maior déficit do país. Richa herdou dele mesmo um Estado quebrado. E desde então só fez descer a ladeira. Até que na quarta-feira passada aconteceu o pior.

CERCA DE 20 MIL professores reuniram-se defronte ao prédio da Assembleia Legislativa. Queriam impedir os deputados de votarem um projeto de lei do governo que modificava o sistema previdenciário dos servidores públicos — não conseguiram. Por ordem judicial, a polícia isolou o prédio. Os professores forçaram a passagem. A polícia reagiu com a força máxima. Curitiba jamais assistiu a nada igual.

EXATOS 213 manifestantes saíram feridos. A polícia valeu-se de balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, jatos de água e cães. A sede da prefeitura da cidade, ali perto, serviu de abrigo para quem precisava de socorro médico. As cenas produzidas "foram chocantes", como admitiria Richa. A pancadaria durou duas horas. Podendo interrompê-la, Richa não o fez. APELOS NÃO faltaram. Gustavo Fruet (PDT), prefeito de Curitiba, telefonou para Richa. José Eduardo Cardoso, ministro da Justiça, telefonou para Richa. Ele esteve todo o tempo informado sobre o que se passava por meio do secretário de Segurança Pública e do comandante da Polícia Militar. Um vídeo gravado dentro do palácio do governo mostrou um grupo de assessores de Richa comentando a violência sem recriminá-la — antes pelo contrário. Richa defendeu a polícia.

DISSE: "Os policiais agiram em legítima defesa de suas vidas". E quem agiu em defesa da vida dos professores? Richa disse: "Os policiais ficaram parados. Os manifestantes partiram para cima deles". É ou não tarefa da polícia garantir a liberdade de expressão e reagir com moderação quando provocada por uma minoria? Sim, porque o próprio Richa contou que a polícia prendera sete black blocs. E que eles portavam "artefatos perigosos".

MENTIU. A Defensoria Pública do Paraná informou que nenhum dos manifestantes detidos pela polícia era black bloc ou portava artefato perigoso. Quem esteve com Richa enquanto professores eram massacrados revela que ele se dizia vítima de um plano do PT para desestabilizar o seu governo. E repetia que fizera mais pela Educação do que qualquer outro governador. Surtara.

A POPULARIDADE de Richa despencou desde sua reeleição. O governo é reprovado por 76% dos paranaenses. Suspeitas de corrupção bateram à porta de Richa. Um primo dele, responsável por suas campanhas, foi sócio oculto de uma oficina que reparava a preços exorbitantes a frota de carros do governo. Jornalistas que investigavam o caso abandonaram o Paraná por falta de segurança.

RICHA é o primeiro governador da safra de 2014 a perder a condição de circular livremente por seu Estado sem risco de ser hostilizado. Fez por merecer.

José Roberto de Toledo - Puxadinhos e juntinhos

- O Estado de S. Paulo

Na falta de uma reforma que corrija as trincas estruturais da política, políticos erguem puxadinhos. É um voto distrital aqui, uma fusão partidária ali, uma proibição de coligação em eleições proporcionais acolá. Pouco aparecem, pois o noticiário político foi submetido ao policial, mas é de laje em laje, de puxadinho em puxadinho que se constroem as metades pobres das metrópoles no Brasil. Pelo visto, as novas estruturas da política também.

O Senado aprovou pelo menos duas leis que têm potencial de transformar o resultado das eleições. Ambas ainda precisam ser aprovadas na Câmara dos Deputados - o que pode ser mais difícil do que parece, já que as duas Casas representam interesses distintos e seus presidentes travam duelo típico de adolescentes que querem comparar o tamanho de seu - digamos - prestígio.

Porém, as chances de o voto distrital e o fim das coligações de deputados e vereadores virarem leis são maiores do que jamais foram as de o PT aprovar o seu projeto de reforma política. Se os puxadinhos pararem em pé na Câmara, o que acontecerá com a balança do poder? Quem sairia ganhando? Quem ficaria menor?

A proibição de que partidos se juntem em uma chapa só - somando seus votos - para eleger vereadores, deputados estaduais e federais tiraria do mapa, logo na primeira eleição, pelo menos cinco dos partidos nanicos que têm representação no Congresso. O mais provável é que esse efeito se repetisse nos pleitos seguintes, enxugando progressivamente o total de siglas.

O mesmo efeito tende a acontecer com a adoção do voto distrital. Os pequenos partidos só conseguem eleger vereadores numa grande cidade quando seus votos são distribuídos por muitos distritos e/ou quando - no caso dos partidos de esquerda - se beneficiam do voto genérico na legenda partidária. Ter o nome mais votado em um distrito é muito mais difícil. A concorrência é maior.

Os maiores partidos podem distribuir recursos estrategicamente: gastar pouco em distritos onde derrota ou vitória são certas, e despejar toneladas de propaganda e multidões de militantes pagos onde a disputa está apertada, para virá-la em favor de seu candidato. Concentrado em poucos lugares, o dinheiro tende a ser ainda mais decisivo na eleição.

Os puxadinhos políticos em construção tendem a matar os pequenos partidos e aleijar os médios, até eles se tornarem pequenos e morrerem também. É questão de tempo. Antevendo esse destino, várias legendas intermediárias estão numa política de expansão e aquisição. São os casos do PTB e do DEM - o improvável casamento dos trabalhistas históricos com seus patrões. De PSB e PPS - uma aquisição pintada de fusão, tipo Itaú-Unibanco. De PL e PSD.

Esse cenário de concentração partidária é incentivado pelo desgaste do PT, que deve levar a sigla de Lula, em 2016, à sua eleição mais difícil em 25 anos. Com a impopularidade colossal do governo Dilma, a prisão em série de dirigentes partidários e a economia claudicante, os candidatos petistas, como Fernando Haddad, vão ter que ralar muito para se eleger.

Também vai depender de como a Justiça delimitar os distritos eleitorais. Com o voto distrital, o mapeamento é tudo. O repórter Daniel Bramatti, do Estadão Dados, dividiu São Paulo em 55 distritos de duas maneiras distintas, e comparou o desempenho de PT e PSDB, usando os votos para vereador recebidos por ambos em 2012. Num mapa, o PT ganharia em 29 distritos, e o PSDB, em 26. No outro, os tucanos venceriam em 28, e os petistas, em 27.

O PT foi o único grande partido que cresceu consistentemente nos últimos 15 anos nos municípios. Entre 2000 e 2014, dobrou o número de vereadores e triplicou o de prefeitos. Tornou-se, ao mesmo tempo, o maior aliado (via coligações) e o maior adversário do PMDB, o então rei absoluto do municipalismo. Esse ciclo acabou. E o que ocupará o seu lugar ainda é incerto.

Valdo Cruz - Deu a louca em Brasília

- Folha de S. Paulo

Política é a arte de ocupar espaços. Se alguém deixa de preencher o seu, logo surgem interessados. É o que acontece hoje em Brasília, palco de um festival de cotoveladas e encenações de pretensos aliados da presidente Dilma, assanhados com sua fragilidade.

Nesse teatro, o peemedebista Renan Calheiros ataca o peemedebista Michel Temer por organizar a troca de cargos do governo do PT. Algo que o PMDB sempre adorou, o presidente do Senado também, mas agora ele diz que não quer mais.

Em seu roteiro, Renan não poupa o também peemedebista Eduardo Cunha, porque ele deu para adotar a pauta do empresariado na terceirização, enquanto o senador diz que fica do lado dos trabalhadores.

Dilma sofre nas mãos de Renan, que classifica de ridícula sua decisão de não fazer pronunciamento no Dia do Trabalho. E a petista, vejam só, se alinha a Renan nas críticas ao projeto de terceirização aprovado pelo presidente da Câmara.

Sentindo que ficaria mal com a plateia de trabalhadores, Eduardo Cunha se ajeita no palco e propõe a correção das contas do FGTS pela poupança, sonho antigo das centrais sindicais, mas que o odeiam por liberar geral na terceirização.

Aí, Dilma vê no tema uma forma de ficar de bem com os sindicalistas e fala contra o projeto do peemedebista nas redes sociais. Não teve nem tempo de respirar e sofre críticas do deputado por adotar a pauta do PT, e não a da base aliada.

Zonza, Dilma agora precisa do vice Michel Temer, que antes desprezava, tenta se aproximar de Eduardo Cunha, a quem odiava, e não sabe como agradar Renan, que até pouco tempo era seu fiel aliado e hoje nem atende a suas ligações.

Nesse espetáculo de sinais e papeis trocados, Dilma se recolhe sonhando em se recuperar, enquanto Renan e Eduardo Cunha atacam para escapar da pauta negativa da Operação Lava Jato. Enfim, todos desunidos pela sua sobrevivência.

Vasco O Campeão voltou


Teresa Cristina - Cantar

Manuel Bandeira - Cotovia

— Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que saudades me deixaste?

— Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe . . .
Voltei, te trouxe a alegria.

— Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.

— Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia . . .

— E esqueceste Pernambuco,
Distraída?

— Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora.

— Aurora da minha vida
Que os anos não trazem mais!

— Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
— Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.

domingo, 3 de maio de 2015

Opinião da semana – Rubens Bueno

Não há como não investigar a fundo o tráfico de influência exercido por Lula porque os casos envolvendo integrantes do governo do PT já têm extenso repertório de escândalos, no qual figuram Rosemary Noronha e Erenice Guerra. A existência de um padrão no modus operandi do PT, que triangula o dinheiro da propina em paraísos fiscais, reforça ainda mais a instalação da CPI pelo fato de Lula operar em benefício da Odebrecht na América Latina e na África.

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Rubens Bueno, deputado federal (PR) e líder do PPS na Câmara

Força-tarefa prevê sentença na Lava Jato a partir do próximo mês

Em prisão domiciliar, executivos serão levados a julgamento no próximo mês

• Segundo integrantes da força-tarefa, decisão do Supremo Tribunal Federal de tirar da cadeia e transferir para o regime mais brando nove empreiteiros denunciados no bilionário esquema de corrupção na Petrobrás não vai criar obstáculos aos processos

Ricardo Brandt, Fausto Macedo, Julia Affonso - O Estado de S. Paulo

A decisão do Supremo Tribunal Federal de livrar da cadeia e transferir para o regime de prisão domiciliar nove empreiteiros denunciados no bilionário esquema de corrupção e desvios na Petrobrás não vai criar obstáculos ao ritmo dos processos da Lava Jato conduzidos pelo juiz federal Sérgio Moro, avalia a força-tarefa responsável pelas investigações. Pelo cronograma, a partir de junho começam a ser expedidas as primeiras sentenças nas cinco ações penais que têm os executivos como réus.

Esta semana a Justiça Federal em Curitiba dará início aos interrogatórios dos 25 dirigentes e funcionários de seis empreiteiras - Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, Mendes Júnior, OAS e UTC - das 16 apontadas como integrantes de um cartel nos contratos da Petrobrás dentro desse primeiro pacote de processos criminais.

As ações foram abertas em dezembro de 2014, após denuncias do Ministério Público Federal serem aceitas por Moro.

Na semana passada, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef - delatores e peças centrais das investigações - foram os primeiros réus desses processos a serem interrogados pelo juiz. Costa confirmou o esquema de corrupção e cartel na estatal. “Nos contratos envolvendo o cartel, a propina era generalizada”, afirmou.

Na opinião dos investigadores, os executivos das empreiteiras têm pouca chance de escapar da condenação pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro em primeira instância. Alguns respondem ainda por formação de organização criminosa e por uso de documentos falsos.

As acusações tratam da corrupção e dos desvios comprovados pela força-tarefa em contratos apenas da Diretoria de Abastecimento - que era a cota do PP no esquema.

Contra eles, foi reunida farta documentação de prova material e técnica, como quebras de sigilos fiscal, bancário e telefônico, que somadas às confissões de delatores e às provas produzidas pela própria Petrobrás - dentro de suas apurações administrativas - servirão como base para o julgamento de Moro.

‘Cartas marcadas’. O coordenador da força-tarefa, procurador Deltan Dallagnol, sustenta que há “uma guerra contra a corrupção” em curso. “Esse é apenas um pacote das várias denúncias que virão. Estamos em uma guerra contra a impunidade e a corrupção.”

Os executivos e as empresas serão acusados formalmente ainda por formação de cartel, fraudes em processo licitatório, itens ainda não inclusos nesse primeiro pacote. “As empresas simulavam um ambiente de competição, fraudavam esse ambiente e em reuniões secretas definiam quem iria ganhar a licitação e quais empresas participavam de qual licitação. Temos aí um ambiente fraudado com cartas marcadas”, afirma Dallagnol.

A Petrobrás - tratada como vítima do esquema - reforçou os trabalhos de investigação no mês passado, quando oficialmente passou a integrar o polo ativo dos processos. Com isso, ela virou acusadora formal dos réus, ao lado do Ministério Público Federal.

Até agora, apenas um processo da Lava Jato envolvendo a estatal foi julgado. Nele, que trata da lavagem de dinheiro usada para desviar recursos da obra da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, Costa, Youssef e outros seis réus foram condenados por crimes que integram as cinco ações penais contra os executivos. O ex-diretor de Abastecimento não recebeu perdão judicial e foi sentenciado a 7 anos de 6 meses de reclusão. Deste total serão descontados os períodos em que ficou preso na Polícia Federal em Curitiba e em regime domiciliar, que cumpre desde outubro de 2014.

O esquema - que começou a ser desmontado em março do ano passado - arrecadava de 1% a 3% em contratos da estatal, por meio de diretores indicados pelo PT, PMDB e PP. O prejuízo estimado até agora é de R$ 6 bilhões aos cofres públicos, desviados entre 2004 e 2014.

Pelo rito processual, após os interrogatórios dos empreiteiros, o MPF terá prazo para fazer suas alegações finais de acusação e depois os acusados terão tempo para suas defesas - antes que o juiz comece a elaborar suas sentenças.

Os procuradores da força-tarefa da Lava Jato sustentam que a decisão do Supremo não altera as acusações contra empreiteiros e executivos das principais construtoras do País. Para eles, a necessidade de prisão dos réus, incluindo o dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa - apontado como o coordenador do cartel -, e o presidente afastado da OAS, José Aldemário Pinheiro, o Leó Pinheiro, está mantida.

A 2.ª Turma do Supremo, em decisão apertada (3 a 2), tirou os executivos da cadeia após cinco meses e meio, mas estabeleceu restrições na prisão domiciliar, entre elas o uso de tornozeleiras eletrônicas.

Cartel. Com a fase final desses primeiros processos que têm como réus executivos de seis empreiteiras, a força-tarefa da Operação Lava Jato entra em nova etapa envolvendo obras da Petrobrás descobertas partir das revelações das delações premiadas.

Serão duas frentes prioritárias. A primeira tem por objetivo concentrar esforços na apresentação de denúncias contra os executivos de outras empreiteiras investigadas por cartel, como a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão.

A segunda frente será aprofundar a descoberta dos esquemas de desvios, propina e lavagem nos contratos das diretorias de Serviços - comandada na época por Renato Duque (preso desde fevereiro) e cota do PT no esquema - e de Internacional - comandada por Nestor Cerveró (preso desde janeiro) e cota do PMDB.

Polícia Federal investiga João Santana, principal marqueteiro do PT

• Suspeita é que remessa de US$ 16 milhões de Angola seja lavagem de dinheiro para o partido

O Globo

RIO - A Polícia Federal abriu um inquérito para investigar se os US$ 16 milhões que o marqueteiro João Santana, responsável pelas principais campanhas do PT, repatriou de Angola em 2012 — quando trabalhou para a eleição do presidente José Eduardo dos Santos — fariam parte de uma operação para lavar dinheiro para beneficiar o PT. A polícia suspeita que o valor repatriado foi pago por empreiteiras brasileiras que atuavam em Angola, em favor do PT. O partido havia contratado Santana para atuar na campanha de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo, no mesmo ano, e tinha dívidas de R$ 20 milhões com ele. A informação foi publicada ontem, no site do jornal “Folha de S.Paulo”.

No fim da tarde, Santana emitiu uma nota à imprensa, em que afirma que “são infundadas as tentativas de estabelecer uma conexão entre os recursos financeiros de duas campanhas (a angolana e a de Haddad)”. Ele também criou um site para se posicionar sobre o assunto. Em www.averdadesobreapolis.com.br, o marqueteiro publicou todos os contratos da campanha de São Paulo e de Angola, além das guias de recolhimento de impostos e do material publicitário que criou para a eleição de José Eduardo dos Santos.

“A transferência de recursos referentes ao trabalho realizado no pleito de Angola para o Brasil cumpriu todas as exigências do sistema financeiro nacional, e foi acompanhada pelo compliance do Bradesco”, diz Santana, acrescentando: “O contrato com a campanha de Angola foi de U$ 20 milhões, pagos pelo partido MPLA, depositados numa conta da Pólis no Banco Sol, em Luanda, capital de Angola. Desse total, US$ 16 milhões foram repatriados ao Brasil gerando uma guia de R$ 6,29 milhões em pagamentos de impostos”.

A assessoria de imprensa de Haddad confirmou por telefone que, na semana passada, o prefeito prestou depoimentos em relação a este caso. A PF não foi encontrada ontem para comentar o inquérito.

Segundo a “Folha”, o alvo da investigação é a transação financeira entre as empresas Pólis e Pólis Caribe, de Santana. O inquérito que as envolve foi aberto este ano, depois que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) considerou “atípica” a repatriação dos US$ 16 milhões.

Santana também trabalhou para Lula e Dilma Rousseff.

Marqueteiro do PT é investigado pela PF

Polícia abre investigação sobre marqueteiro do PT

• Operação que trouxe US$ 16 milhões de Angola em 2012 desperta suspeitas

• PF acha que dinheiro pode ter sido enviado para pagar dívidas do PT no Brasil; Santana diz que agiu legalmente

Natuza Nery, Mario Cesar Carvalho – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, SÃO PAULO - Principal estrela do marketing político brasileiro, o jornalista João Santana virou alvo de um inquérito da Polícia Federal que apura a suspeita de que duas empresas dele trouxeram de Angola para o Brasil US$ 16 milhões em 2012 numa operação de lavagem de dinheiro para beneficiar o Partido dos Trabalhadores.

O valor equivale a cerca de R$ 33 milhões, de acordo com o câmbio da época. Naquele ano, Santana, 62, trabalhou em duas campanhas vitoriosas, a do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e a do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.

Uma das suspeitas dos policiais é que os recursos de Angola tenham sido pagos ao marqueteiro por empreiteiras brasileiras que atuam no país africano. Segundo essa hipótese, seria uma forma indireta de o PT quitar débitos que tinha com o marqueteiro.

Santana ganhou R$ 36 milhões pela campanha de Haddad, em valores corrigidos pela inflação, mas ele só recebeu a maior parte do dinheiro depois da eleição.

A campanha acabou com uma dívida de R$ 20 milhões com a empresa de Santana. O débito foi transferido para a direção nacional do PT, que negociou um parcelamento da dívida com o marqueteiro: o valor foi pago em 20 parcelas mensais de R$ 1 milhão.

Santana nega que tenha praticado irregularidade e diz que a suspeita de operação de lavagem de dinheiro para o PT não tem sentido. "Trata-se de uma operação legal e totalmente transparente", disse à Folha.

Ele elegeu o ex-presidente Lula em 2006 e Dilma Rousseff nas últimas duas disputas presidenciais.

Operação atípica
O inquérito sobre a Pólis, empresa de Santana, foi aberto este ano pela PF após um órgão do governo que combate a lavagem de dinheiro, o Coaf ( Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ter considerado "atípica" a operação que trouxe os US$ 16 milhões. Procurada, a PF não respondeu até o fechamento desta edição.

Três especialistas em finanças ouvidos pela reportagem, sob a condição de anonimato, dizem que não é comum o "internamento" (remessa de dinheiro do exterior para o Brasil), mesmo sendo legal, por causa da elevada carga tributária e da burocracia brasileira para alguém que tem negócios no exterior. A operação foi intermediada pelo Bradesco e declarada ao Banco Central.

Na operação de Angola, Santana teve de pagar R$ 6,29 milhões de impostos, segundo ele, o equivalente a 20% do valor que entrou no país.

Uma das empresas do marqueteiro que fez as remessas, a Pólis Caribe, fica na República Dominicana, que, apesar de não ser classificada oficialmente como um paraíso fiscal, permite o ingresso de valores sem cobrar impostos ou com taxas muito baixas, em torno de 5%.

A outra empresa usada para fazer parte da remessa de Angola para o Brasil foi a Pólis Propaganda & Marketing.

Já depuseram no inquérito o prefeito Fernando Haddad e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que foi ouvido antes de sua prisão, no último dia 15, por suspeita de ter recebido propina de empreiteiras contratadas pela Petrobras no governo Lula.

Haddad foi depor na última quarta-feira (29) à noite, depois do expediente, na condição de testemunha. A Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal cuida das investigações.

Santana é o marqueteiro político brasileiro com maior projeção internacional e atua no mercado desde 1999. Já realizou campanhas na Argentina, na República Dominicana, na Venezuela, no Panamá e em El Salvador, além de Angola. Apesar do currículo globalizado, a operação para trazer os US$ 16 milhões, que recebeu do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), foi a primeira do gênero que realizou.

Segundo Santana, o custo total da campanha angolana em 2012 alcançou US$ 20 milhões, dos quais cerca de US$ 4 milhões foram gastos para cobrir despesas operacionais e tributos em Angola.

Colaborou Ranier Bragon, de Brasília


Gestores públicos escapam de lei fiscal

Punição rara

• Medida foi um marco criado para tentar garantir equilíbrio das contas de União, estados e municípios

Alessandra Duarte e Carolina Benevides - O Globo

RIO - O caixa da prefeitura de Mangueirinha ficou negativo em R$ 5,3 milhões. Mas Albari Guimorvam (PSDB), prefeito da cidade de 17 mil habitantes no sudoeste do Paraná, foi multado em R$ 1.450 por ter encerrado seu mandato em 2012 com a dívida milionária e se reelegeu. Uma das poucas leis de controle fiscal no mundo que preveem punição não só a governos, mas também a governantes, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) faz 15 anos na segunda-feira como um marco criado para tentar garantir equilíbrio das contas de União, estados e municípios. Mas, na hora da punição, são mais frequentes os casos de controle de prefeituras e estados do que os de sanções individuais, segundo representantes de Ministérios Públicos, Tribunais de Contas e especialistas ouvidos pelo GLOBO em sete

Um dos motivos para o quadro de punição mais frequente a governos do que a indivíduos — ou seja, para haver menos políticos punidos por seu descumprimento, como no caso de Guimorvam no fim do seu primeiro mandato — é o tempo que leva a análise das contas dos governantes. Em ano eleitoral, o Tribunal de Contas da União (TCU) e os Tribunais de Contas estaduais (TCEs) enviam à Justiça Eleitoral listas com os gestores que tiveram contas rejeitadas nos últimos anos — e que, por isso, podem ficar inelegíveis por oito anos, segundo a Lei da Ficha Limpa. No entanto, o gestor entra nessa lista apenas depois que não há mais nenhum direito de recurso contra a rejeição das suas contas. Guimorvam teve as contas de 2012 rejeitadas pelo TCE-PR e entrou com recurso. Continua governando. Questionada, a Procuradoria do município disse que a prefeitura não se manifestaria; Guimorvam não foi localizado até o fechamento da edição.

— As sanções institucionais da lei são bastante usadas. Já sobre sanções contra a pessoa, não tenho conhecimento de condenações e prisões — afirma Jose Mauricio Conti, professor de Direito Financeiro da USP.

— É muito difícil um prefeito que infringiu a lei ser preso. E atribuo isso às normas do processo, que permitem muitas protelações. Falta efetivamente diminuir as possibilidades de recursos — diz Jackson Veras, conselheiro do TCE do Piauí.

Entre as sanções a governos está, por exemplo, a inclusão das prefeituras na lista de governos “devedores” que passam a não receber transferências voluntárias da União.

Pedaladas fiscais
Mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal tendo se tornado um marco legal para as contas públicas, em abril um parecer do TCU mostrou que a equipe do ex-ministro Guido Mantega (Fazenda) adiou repasses do Tesouro a bancos públicos, para melhorar artificialmente o resultado das contas do governo em 2014. Batizados de “pedaladas fiscais”, os atrasos, diz o parecer, levaram ao descumprimento da lei.

— A legislação trouxe transparência e impôs um freio aos gastos. Mas sempre há margem de interpretação que pode servir para burlar a lei; por exemplo, se uma despesa é gasto com pessoal ou não. É uma zona cinzenta, e por isso temos o que foi chamado de pedaladas fiscais — completa Conti.

Presidente que sancionou a lei em 2000, Fernando Henrique Cardoso avalia que parte do crescimento do Brasil nos últimos anos foi efeito da lei.

— A crença na estabilidade da economia foi elemento básico para atrair investimentos. E a estabilidade é simbolizada pelo cumprimento da lei — diz FH. — Aperfeiçoar a legislação é sempre possível. O problema é que frequentemente quando se começa a mexer, com a melhor das intenções, (...) os interesses são tantos que é difícil contê-los.

Outro ponto que dificulta a punição de políticos é a demora no julgamento, ou mesmo na abertura, de ações de improbidade por parte dos MPs. Em Tocantins, para cada R$ 1 de dívida, o prefeito de Santa Rita do Tocantins tinha R$ 0,11 para pagamento — déficit de 2007 que só em 2014 foi resultar em ação do MP contra o agora ex-prefeito do município de menos de três mil moradores.

No Piauí, apenas no ano passado o TCE começou a notificar os prefeitos que estavam prestes a descumprir ou já tinham descumprido a lei. Das 224 cidades do estado, 134 se enquadravam numa dessas categorias. Destas últimas, 85 já tinham extrapolado os limites impostos para gastos com pessoal. Agora, o TCE prepara um levantamento para, também pela 1ª vez, notificar o MP para investigar os prefeitos que não se enquadraram.

— Antes o tribunal julgava com o mandato já encerrado, agora alertamos durante a gestão, o que possibilita que erros sejam corrigidos. No Piauí, muitos prefeitos e suas equipes são pouco qualificados. E, quando há gastos não planejados e irresponsáveis, a falha aparece na Saúde, na Segurança, na Educação — afirma o conselheiro Jackson Veras.

Interesses eleitorais
No Rio, em 2012, dos 91 municípios fiscalizados, o TCE viu que 22 não atenderam às normas. Presidente do tribunal, Jonas Lopes diz, por e-mail, que, em alguns casos, “estavam ameaçados até o pagamento dos salários dos servidores e a prestação de serviços como Saúde e coleta de lixo”. Ele destaca que no último ano de mandato alguns prefeitos comprometem as finanças públicas com interesses eleitorais.

No último quadrimestre de 2014, 11 prefeituras extrapolaram os gastos com pessoal; e todas as 91 tiveram altos “índices de servidores comissionados e contratados temporários”, diz Lopes.

Em São Paulo, o TCE aponta que o número de prefeituras com contas rejeitadas subiu de 56 para 335 de 2009 para 2012 — aumento de 498,2%. Já o total com contas aprovadas caiu de 588 para 298.

Entre as razões para a desaprovação está também o descumprimento do limite de gasto com pessoal. Mas em 2012, recorde de rejeição de contas pelo TCE-SP, outro motivo foi que, como era ano eleitoral, houve gastos — no caso, com publicidade — nos últimos dois quadrimestres do mandato, o que é proibido pela lei.

No TCE do Rio Grande do Norte, o relator das contas de 2013 da ex-governadora Rosalba Ciarlini (sem partido) aponta que ela abriu créditos adicionais de R$ 1,097 bilhão sem autorização em lei e desrespeitou o limite de gastos com pessoal. O relator desaprovou as contas, mas foi voto vencido, e elas acabaram aprovadas, com ressalvas. O relator cita, ainda, que o investimento na divulgação dos programas de governo foi de R$ 18 milhões; em Segurança, de R$ 12 milhões; e em Assistência Social, de R$ 549,6 mil. Hoje, o MP tem quatro investigações sobre a gestão de Rosalba relativas ao descumprimento da lei.

Ex-chefe da Casa Civil e marido da ex-governadora, Carlos Augusto Rosado disse que o RN é o segundo estado menos endividado em relação a financiamentos. Sobre o voto do relator, disse que Rosalba já fez sua defesa ao TCE.

Em 15 anos, gastos do governo cresceram mais do que receita

• Para especialistas, Lei de Responsabilidade Fiscal deve ser mais rígida

Regina Alvarez – O Globo

BRASÍLIA - Reconhecida como um marco nas finanças públicas do Brasil, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) se mostrou eficiente para reduzir dívidas de estados e municípios e gastos com pessoal de alguns entes da Federação. Um balanço das contas públicas em seus 15 anos de vigência mostra, no entanto, que, embora a maioria dos governantes defenda a austeridade fiscal, na prática não seguem seu principal mandamento: gastar só o que arrecadam. Entre 2000, quando a lei entrou em vigor, e 2014, os indicadores apontam para a piora nas contas públicas. A situação mais grave é no governo federal. Os gastos neste caso cresceram, no período, o equivalente a 4,2 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a receita líquida, descontadas as transferências a estados e municípios, aumentou 2,2 pontos percentuais.

O resultado primário do setor público (que engloba também estados e municípios), um indicador importante da saúde das contas por ser a economia usada para pagar os juros da dívida, regrediu nesse mesmo período 3,8 pontos percentuais do PIB. Saiu de um superávit de 3,2 pontos do PIB em 2000 para um déficit de 0,6 ponto em 2014. A piora nos indicadores fiscais é observada, a partir de 2005, em todas as esferas de governo. No caso do governo federal, o superávit primário correspondia a 1,7 ponto do PIB em 2000, chegou a 2,6 pontos em 2005 e, a partir daí, só decresceu, culminando num déficit equivalente a 0,4 ponto do PIB em 2014.

Os gastos crescentes do governo federal foram sustentados, nos últimos anos, por um forte aumento da arrecadação de impostos, mas, com a economia em desaceleração, as receitas encolheram, e o resultado das contas públicas foi fortemente afetado. A ausência do princípio de gastar apenas o que se arrecada ficou também evidenciada pelas diversas tentativas de flexibilizar a lei para gastar ainda mais. Para o economista José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), considerado um dos pais da LRF, é preciso, pelo contrário, endurecê-la:

— Nos últimos anos, o Brasil pecou ao criar receitas por mágica, ao postergar, omitir e até usar terceiros para pagar gastos públicos, ao não computar tudo na dívida ou a dela abater o que não cabe. É com uma lei mais dura que evitaremos que a porta seja arrombada de novo. Não basta substituir quem a arrombou.

Nesses 15 anos, essa tentativa de flexibilização não foi iniciativa exclusiva do governo federal, já que muitas manobras foram feitas por estados e municípios. Entretanto, as manobras do Tesouro para driblar a LRF ganharam notoriedade, sobretudo com a recente decisão do Tribunal de Contas da União, que concluiu que as “pedaladas fiscais” — atraso nos repasses a bancos públicos para melhorar as contas artificialmente — feriram a lei.

Nova ameaça no Congresso
A presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil, Lucieni Pereira, aponta o que considera a nova ameaça à LRF: o projeto que propõe a exclusão das áreas de Saúde e Educação dos limites de pessoal previstos na lei, o que deixaria esses setores sem controle de gastos. O projeto tramita no Congresso.

— O que se viu nos últimos dez anos foi um verdadeiro ataque a pontos que são estruturantes da gestão fiscal, como as condicionantes para que estados e municípios recebam as transferências voluntárias (recursos do governo federal) e também as vedações para evitar o endividamento — afirma Lucieni Pereira. — A lei proibe que um ente da federação financie o outro ou use os bancos que controla para fazer alavancagem fiscal com fins eleitorais.


‘A estabilidade é simbolizada pelo cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal’, diz FH

• Ex-presidente disse ainda que ‘pedaladas’ fiscais do governo Dilma são ‘um desrespeito flagrante à lei’

Carolina Benevides – O Globo

RIO - Ao fixar limites para os gastos da União, dos estados e dos municípios, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi, segundo o ex-presidente Fernando Henrique (PSDB), “fundamental para que o Real continuasse a ter valor”. Quinze anos depois de tê-la sancionado, FH diz acreditar que, “sem dúvida, parte do êxito do Brasil” pode ser atribuído à lei e ainda que as “pedaladas” fiscais do governo Dilma — irregularidades feitas pela equipe econômica e apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) — são “um desrespeito flagrante à lei”. Em meio à discussão que a decisão do TCU criou no Congresso, o governo federal, por sua vez, divulgou que, em 2001, a equipe econômica tucana não cumpriu a lei, ao alterar a meta do superávit primário.

Que balanço o senhor faz sobre a importância da Lei de Responsabilidade Fiscal?

Foi fundamental para que o real continuasse a ter valor. Isso por um motivo muito simples: a LRF obriga os governos a serem responsáveis, não se endividando para passar a conta aos sucessores e ao povo, via novos impostos ou inflação. Confesso que me surpreendi com a facilidade com que a LRF foi aprovada pelo Congresso em 2000.

Parte do crescimento do país pode ser atribuído à lei?

Sem dúvida, parte do êxito do Brasil, a crença na estabilidade da economia, foi elemento básico para atrair investimentos. E a estabilidade é simbolizada pelo cumprimento da LRF.

Alguns juristas e economistas fazem algumas críticas à lei, destacando que a LRF pune mais os entes federativos do que prefeitos e governadores. É possível aperfeiçoá-la?

Aperfeiçoar a legislação é sempre possível. Não tenho de memória os itens que poderiam ser mais específicos para garantir um bom desempenho fiscal. O problema é que frequentemente quando se começa a mexer na legislação, com a melhor das intenções, ocorre um agravamento da lei, pois os interesses são tantos que é difícil contê-los.

Como o senhor avalia a aplicação da lei?

A lei, que deve muito ao então ministro do Planejamento Martus Tavares e ao José Roberto Afonso, até muito pouco tempo foi respeitada e deu bons resultados. Preveniu gestores públicos dos riscos em que incorreriam se a desrespeitassem e deu parâmetros para o gasto público.

Em relação às “pedaladas”, o senhor vê essa prática como um drible à LRF?

As “pedaladas” constituíram basicamente em fazer com que bancos públicos pagassem contas da União. Ora, como os bancos públicos estão proibidos de emprestar ao governo federal, obviamente, ao assim fazer o governo incorreu em desrespeito flagrante à lei.

Gostaria ainda que o senhor comentasse a decisão do TCU, que considerou ilegal a contabilidade criativa adotada pelo Tesouro.

O TCU tem competência para dizer o que disse e usa critérios técnicos. Houve desrespeito à lei.

‘Mais importante que punir é prevenir’, defende o economista José Roberto Afonso

• Um dos autores da lei, Afonso diz que é preciso ampliar e aperfeiçoar as regras para evitar distorções nas contas públicas

- O Globo

O que mudaria na LRF à luz da realidade atual?

Falta impor limites à dívida federal e criar o conselho de gestão fiscal para padronizar contas. É preciso melhorar a lei para impedir o aumento de gastos e de renúncias sem compensação e a concessão indiscriminada de garantias pelo Tesouro a estados e municípios. E fechar as portas para subsídios escondidos nos armários de bancos e empresas estatais que não são computados na dívida.

Qual a maior ameaça hoje?

Ignorar que a LRF precisa ser aperfeiçoada e ampliada. Não basta trocar pessoas e práticas para recuperar a credibilidade da política fiscal: é preciso mais regras, por escrito.

Como aperfeiçoar a lei com o atual Congresso?

O presidente Fernando Henrique teve o mérito de bancar politicamente a proposta, mas é bom lembrar que a LRF foi iniciativa do Congresso. O atual Congresso pode repetir esse processo se houver vontade política, a começar do Executivo.

A punição para quem tenta burlar a LRF é branda?

Mais importante que punir é prevenir. As regras da LRF precisam ser revistas e complementadas para evitar tais distorções. Também é preciso mais rigor quando se trata dos chefes de órgãos e poderes. Nenhum governo e nenhuma autoridade pode estar fora do alcance da responsabilidade fiscal.

Cunha:sindicatos contra a terceirização brigam por dinheiro

Suzana Inhesta – O Estado de S. Paulo

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), reforçou sua opinião sobre as discussões polêmicas sobre a PEC 4330 que regulamenta a terceirização, já aprovada na Câmara.

"Parte dos sindicatos está a favor da lei, como a Força Sindical, cujo ato fui ontem. Os que são contra são os que querem manter a contribuição sindical. A briga é por dinheiro e aí essas pessoas estão politizando o assunto", declarou, em conversa com jornalistas da ExpoZebu 2015.

Segundo ele, a terceirização como está é a que precariza o trabalho. "Temos que ter uma regulamentação correta, justa. O projeto de lei que aprovamos é a que mantém os direitos e obrigações trabalhistas", disse. Ele reiterou sua opinião sobre a sinalização de que a presidente Dilma Rousseff (PT) é contra a lei. "Ela tem que ter cautela, não pode só levar em conta a pauta do PT, até porque o PT não tem número para aprovar pauta sozinho no Congresso. Ela tem que considerar todos os partidos", declarou.

Cunha, na palestra com pecuaristas, fornecedores e autoridades, comentou que a discussão atual sobre divisão do País em classes é retórica e não ajuda a sociedade. "Não existe trabalho sem capital e nem capital sem trabalho. Temos que integrar", declarou, admitindo que já recebeu "umas 50 ameaças de morte pelo Facebook e Twitter", onde a discussão está mais acalorada.

Sobre as conversas que o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB) teria com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cunha comentou que é normal. "É um comportamento de político. Nós sentamos para conversar com todos, para discutir, para consentir", afirmou.

Novo partido de Kassab está prestes a sair do papel

• MP Eleitoral já deu aval e PL deve ser fundado até julho; objetivo da legenda é apoiar o governo Dilma

Simone Iglesias – O Globo

BRASÍLIA- A lei que dificultou o surgimento de novos partidos e as fusões não intimidou o ministro Gilberto Kassab (Cidades), que continua trabalhando firmemente na criação do Partido Liberal (PL) para entregar à presidente Dilma Rousseff uma nova legenda governista. Em fase adiantada, de acordo com os organizadores da legenda, falta apenas os cartórios eleitorais validarem cerca de 100 mil assinaturas, das mais de 500 mil necessárias para fundar uma nova legenda. A previsão, segundo eles, é que isso ocorra até o dia 15 deste mês, e o PL esteja formalmente criado até julho.

Na semana passada, o Ministério Público Eleitoral deu parecer favorável ao início do processo de registro do PL. Alertado pelo Palácio do Planalto, Kassab instruiu Cleovan Siqueira, que responde oficialmente pela nova legenda, a apresentar a documentação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um dia antes da votação de projeto no Senado que passou a impedir fusão de partidos com menos de cinco anos. A lei tem o objetivo de atingir em cheio a fundação do PL e sua imediata fusão ao PSD.

Aliados de Kassab disseram ao GLOBO que se a Justiça entender que a nova lei se aplica de imediato, e o PL não conseguir se fundir ao PSD, os dois “caminharão lado a lado”. Ou seja: quando for fundado, o PL abrigará parlamentares e políticos interessados em mudar de partido, e esses contarão, para isso, com apoio permanente do PSD. Como a nova lei estabelece um prazo de cinco anos para que a fusão possa ocorrer, caso a Justiça a valide, a intenção de Kassab é aguardar o fim deste período para fundir as duas legendas.

Sem infidelidade partidária
— Nossa intenção é abrigar no PL todos aqueles que pensaram em ir para o PSD, quando foi fundado, mas ficaram inseguros, com medo de que o partido não desse certo. Há gente de todos os partidos com interesse, mas vai prevalecer para a filiação os acordos regionais, de forma que não se sobreponham lideranças novas às que já estão no PSD — explicou um dirigente que participa da criação do novo partido.

Essa estratégia é necessária porque só novos partidos permitem que o político deixe sua legenda sem estar sujeito à perda do mandato por infidelidade partidária.

Fernando Henrique Cardoso - Desvendar a trama

- O Estado de S. Paulo

Eu preferiria não voltar ao tema arquibatido das crises que nos alcançaram. Mas é difícil. Vira e mexe, elas atingem o bolso e a alma das pessoas. Na última semana o início de recessão repercutiu fortemente sobre a taxa de desemprego. Considerando apenas as seis principais metrópoles, ela atingiu 6,2%, a maior taxa desde 2001. A Petrobrás, ao tentar virar uma página de sua história recente, pôs em evidência que o "propinoduto", enorme (R$ 6 bilhões), é incomparavelmente menor do que o "asnoduto", dos projetos megalômanos e mal feitos: R$ 40 bilhões. São cifras casadas, pois quanto piores ou mais incompletos os projetos de obras, mais fácil se torna aumentar seu custo e desviar o dinheiro para fins pessoais ou partidários.

O setor elétrico foi vítima de males semelhantes (só à Petrobrás as "pedaladas" da Eletrobrás custaram R$ 4,5 bilhões). E não é o único setor em que os desmandos se vêm tornando públicos. Se algum dia se abrirem as contas da Caixa Econômica, vai-se ver que o FGTS dos trabalhadores deu funding para uma instituição bancária pública fazer empréstimos de salvamento a empreendimentos privados quebrados. No caso do BNDES, a despeito da competência de seus funcionários, emprestou-se muito dinheiro a empresas de solvabilidade discutível, também com recursos do FAT, ou seja, dos trabalhadores (ou dos contribuintes), oriundos do Tesouro.

No afã de "acelerar o crescimento" usando o governo como principal incentivo, as contas públicas passaram a sofrer déficits crescentes. Pior, dada a conjuntura internacional negativa e o pouco avanço da produtividade nacional, também as contas externas apresentam índices negativos preocupantes quando comparados com o PIB brasileiro (cerca de 4%, com viés de alta). Pressionado pelas circunstâncias o governo atual teve de entregar o comando econômico a quem pensa diferente dos festejados (pelos círculos petistas e adjacentes) autores da "nova matriz econômica". Esta teria descoberto a fórmula mágica da prosperidade: mais crédito e mais consumo. O investimento, ora, é consequência do consumo... Sem que se precisasse prestar atenção às condições de credibilidade das políticas econômicas.

As consequências estão à vista: chegou a hora de apertar os cintos. Como qualquer governo responsável - antes se diria, erroneamente, neoliberal -, o atual começou a cortar despesas e a restringir o crédito. Há menos recursos para empréstimos, mais obras paradas, maior desemprego, e assim vamos numa espiral de agruras, fruto da correção dos desacertos do passado recente. Para datar: essa espiral de enganos começou a partir dos dois últimos anos do governo Lula. Agora, na hora de a onça beber água, embora sem reconhecer os desatinos, volta-se ao bom senso. Mas, cuidado, é preciso que haja senso. Ajuste fiscal às cegas, sem confiança no governo, sem horizontes de crescimento e, pois, com baixo investimento é como operação sem anestesia. Pior: política econômica requer dosagem e nem sempre os bons técnicos avaliam bem a saúde geral do País.

Também o cavalo do inglês aprendeu a não comer, só que morreu.
Não quero ser pessimista. Mas o que mais falta faz neste momento é liderança. Gente em quem a gente creia, que não só aponte os caminhos de saída, mas comece a percorrê-los. Não estou insinuando que sem impeachment não há solução. Nem dizendo o contrário, que impeachment é golpe. Estou apenas alertando que as lideranças brasileiras (e escrevo no plural) precisam dar-se conta de que desta vez os desarranjos (não só no plano econômico, mas no político também) foram longe demais. Reerguer o País requer primeiro passar a limpo os erros. Não haverá milagre econômico sem transformação política. Esta começa pelo aprofundamento da Operação Lava Jato, para deixar claro por que o País chegou aonde chegou. Não dispensa, contudo, profundas reformas políticas.

Não foram os funcionários da Petrobrás os responsáveis pela roubalheira (embora alguns nela estivessem implicados). Nenhuma diretoria se mantém sem o beneplácito dos governos, muito menos o dinheirão todo que escapou pelo ralo foi apropriado apenas por indivíduos. Houve mais do que apadrinhamento político, construiu-se uma rede de corrupção para sustentar o poder e seus agentes (pessoas e partidos). Não adianta a presidente dizer que tudo agora está no lugar certo na Petrobrás. É preciso avançar nas investigações, mostrar a trama política corrupta e incompetente. Não foi só a Petrobrás que foi roubada, o País foi iludido com sonhos de grandeza nacional enquanto a roubalheira corria solta na principal companhia estatal do País.

Quase tudo o que foi feito nos últimos quatro mandatos foi anunciado como o "nunca antes feito neste país". É verdade, nunca mesmo se errou tanto em nome do desenvolvimento nacional e jamais se roubou tanto sob a proteção desse manto encantado. Embora os diretores da Petrobrás diretamente envolvidos na roubalheira devam ser punidos, não foram eles os responsáveis maiores.

Quem enganou o Brasil foi o lulopetismo. Lula mesmo encharcou as mãos de petróleo como arauto da falsa autossuficiência. E agora, José? Não há culpabilidade política? Vai-se apelar aos "exércitos do MST" para encobrir a verdade?

É por isso que tenho dito que impeachment é uma medida prevista pela Constituição, pela qual não há que torcer nem distorcer: havendo culpabilidade, que se puna. Mas a raiz dos desmandos foi plantada antes da eleição da atual presidente. Vem do governo de seu antecessor e padrinho político.

O que já se sabe sobre o petrolão é suficientemente grave para que a sociedade repudie as forças e lideranças políticas que teceram a trama da qual o escândalo faz parte. Mas é preciso que a Justiça não se detenha antes que tudo seja posto às claras. Só assim será possível resgatar os nossos mais genuínos sentimentos de confiança no Brasil e no seu futuro.

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Sociólogo, foi presidente da República

Luiz Werneck Vianna - As marcas de origem e a crise atual

- O Estado de S. Paulo

Marcas de origem, nos indivíduos e nos países, influenciam, para o bem ou para o mal, suas trajetórias futuras, sustentava Tocqueville em A Democracia na América, ao identificar na paixão pelo princípio da igualdade dos pioneiros que colonizaram seu território as razões dos êxitos da sociedade que elegera como objeto de estudo. Gramsci, em suas notas sobre a formação tardia e mal resolvida do Estado italiano, foi buscar na função internacional que coube à Itália como sede da Igreja e depositária do Sagrado Império Romano as origens dos males que afligiam seus contemporâneos. Para ele, a consequência negativa dessa posição cosmopolita teria sido a de a Itália ter estagnado numa fase "econômico-corporativa" sem conhecer uma força "jacobina" que em outras nações operou no sentido de fundar os Estados modernos em torno de uma vontade nacional-popular.

Entre nós, o tema das origens da nacionalidade foi enfrentado por Euclides da Cunha no ensaio Da Independência à República, quando a caracterizou como um caso singular, projeto de minorias eruditas que, num processo de longa duração, buscariam realizar, "em meio às trevas do meio", a teoria política do liberalismo do legislador constituinte de 1823. Aqui, ao contrário da América, que teria nascido a partir das instituições do self-government, a nação deveria surgir pela ação de seus homens de Estado inspirados naquela teoria sobre um "povo disperso".

A civilização, a que estávamos "condenados" - frase famosa desse autor -, nos viria pela ação pedagógica das elites, escorada pelo Direito e suas instituições, a fim de debelar a barbárie dos sertões, submeter à sua ordem os potentados clânicos do hinterland e interditar os riscos do caudilhismo que assolariam os países vizinhos. O ideal normativo do Estado imperial de criar uma nação orientada pelas luzes da civilização, objeto de elogio do republicano Euclides, contava com um problema: ele tinha uma cabeça grande, mas seus braços eram curtos, na expressão do visconde de Uruguai.

Em a Construção da Ordem, de José Murilo de Carvalho, estuda-se a estratégia da política imperial de avizinhar essa cabeça - por meio da ação dos magistrados nomeados pelo poder central - da periferia e dos remotos rincões do Brasil, fazendo daqueles funcionários um instrumento da sua missão civilizatória. Com isso nossa marca de origem, na qualificação de Euclides, teria encontrado sua forma de reprodução nas longas décadas do Segundo Reinado.

As lutas pela descentralização política, que nos vinha de longe, ao lado da afirmação da dimensão dos interesses, especialmente com os êxitos da cafeicultura paulista, nos trouxeram a República e, com ela, uma nova paisagem social e novos repertórios, como os relacionados ao mundo do trabalho e à questão social. A intensa movimentação, em particular nos anos 1920, dos novos seres sociais nascidos dessas transformações esteve na raiz da Revolução de 30, que precipitou inovações institucionais no sentido de incorporar ao sistema da ordem temas e sujeitos emergentes, como os do empresariado industrial e os do sindicalismo operário.

Entre essas inovações, a criação da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral, que puseram sob a jurisdição do Direito e de suas instituições o cerne de uma sociedade que se modernizava. Ambas fizeram fortuna e tanto sindicatos como partidos políticos não podem mais fazer sua história sem elas, presentes capilarmente na vida social. Ainda sob o diagnóstico, mesmo que velado, da imaturidade da sociedade para resolver seus conflitos - marca sob a qual viemos ao mundo -, a Carta Magna de 1988 ampliou, por meio de várias inovações, a presença do Direito e de suas instituições na nossa vida política e social, expurgando heranças autoritárias como as que afetavam o sindicalismo.

No caso brasileiro, o programa do notável jurista italiano Mauro Cappelletti de elevar o Judiciário à posição de um "Terceiro Gigante", formulada nos anos 1970, já é obra realizada, como testemunham estes últimos anos de julgamento da Ação Penal 470 e do processo que, hoje, investiga os casos de corrupção de agentes públicos e partidos políticos, na chamada Operação Lava Jato. Na cena política, o proscênio encontra-se ocupado pelo Judiciário, que, ao julgar crimes cometidos contra a República, expõe mazelas do poder público e de partidos políticos diante de um Poder Legislativo acuado e sem forças de reação na opinião pública.

Magistrados e promotores públicos, estes últimos deslocados pela Carta de 88 das funções de defesa do Estado para a da sociedade - figura institucional sem paralelo no Direito Comparado -, estão por toda parte, corporações que não param de crescer numa sociedade destituída de outros meios para resolver seus conflitos que não o Judiciário. Na política, na demarcação de terras indígenas, na questão ambiental, na família - com ironia, fala-se em ménage à trois: o marido, a mulher e o juiz - não há dimensão da vida social que escape da sua intervenção.

Até políticos e personalidades eminentes da nossa vida pública, inseguros quanto ao Poder Legislativo, se têm voltado para o Judiciário em busca de soluções para impasses crônicos, como em manifestações recentes de alguns a fim de que ele intervenha, pelas vias judiciais, em favor de uma reforma política ou que decida extrair o consumo de drogas da esfera criminal.

De fato, não há do que nos envergonharmos quanto às nossas marcas de origem, reinterpretadas no tempo da democratização do País pelo constituinte de 1988 com as instituições que nos deixou, às quais cabe agora exercer um importante papel saneador na vida republicana. Mas a sociedade tem de tomar o destino em suas mãos, que não lhe virá dos tribunais e de suas leituras hermenêuticas nem de elites ilustradas, como na nossa tradição. A crise atual é a sua oportunidade.

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Sociólogo, PUC-Rio

Marco Aurélio Nogueira - Violência em manifestações é fato complexo, causa indignação e pede reflexão

- O Estado de S. Paulo

Há coisas que não casam com democracia e não podem ser toleradas, nem sequer de leve. Uma delas é a violência em protestos e manifestações.

As cenas dos confrontos entre manifestantes e policiais em São Paulo e Curitiba provocaram horror e preocupação. Foram atos de professores, categoria respeitada pelos brasileiros e uma das mais sacrificadas no mundo do trabalho. Suas demandas e expectativas são justíssimas e ganham expressividade quando confrontadas com o estado geral da educação no País: nosso atraso, a falta de boas políticas e de coordenação governamental, a má formação dos alunos, tudo termina por convergir de modo dramático para as condições de trabalho e remuneração dos protagonistas principais do sistema, os professores.

Foram muitos os que reagiram com indignação contra os excessos da repressão, empreendida por policiais armados, com viseiras, escudos, gás lacrimogênio, cassetetes e cachorros. Fizeram muito bem. O que se viu desonra a democracia e as lutas sociais. Os mais engajados responsabilizaram diretamente o governador paranaense, Beto Richa, pelo “massacre dos professores”, não poupando também o governador paulista pela adoção de uma política de “dizimação” da categoria docente.

Não houve quem não se manifestasse. Entre as vozes, inúmeras e eloquentes, que pediram justiça e punição aos repressores, também foram ouvidas palavras de sensatez. A presidente Dilma veio a público repudiar a violência nos protestos em nome do “respeito às diferenças de opinião”, conclamando todos a compreenderem que “para construir consenso e evitar a violência, o único caminho existente é o caminho do diálogo”. De modo ainda mais claro, o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, num vídeo institucional do MEC, pediu o fim do conflito nas ruas e a valorização plena do diálogo, mostrando-se disposto a empreender esforços de conciliação para que se alcancem soluções para o conflito. “Educação não se constrói com violência” e nela o diálogo é valor supremo, acrescentou Janine.

Ambos foram criticados nas redes, numa demonstração clara de como estão exacerbados os ânimos.
É uma espécie de lei universal: as pessoas querem falar de seus problemas e protestar, e os governos não querem ouvi-las e nem querem que sejam ouvidas. Daí para o excesso, o arbítrio e a violência é um passo, que a cada dia parece ser dado com maior rapidez. Incomodado, o poder age e busca desqualificar os que o desafiam. Tanto faz se são de esquerda ou direita, progressistas ou conservadores. Os manifestantes sobem o tom, vocalizam demandas que quase nunca podem ser atendidas. Provocadores surgem de todos os cantos e de ambas as partes. Heróis e vítimas também.
Cenário perfeito para confrontos improdutivos e cenas de horror.

O pior da violência em protestos é que ela não costuma ter uma única fonte geradora, um único culpado. Repressores profissionais são treinados (ou deveriam ser) para agir com discernimento perante massas de manifestantes. Nem sempre agem assim e muitas vezes invadem o terreno do arbítrio. Mas não é correto, em termos de análise do quadro e de seus efeitos, apontar o dedo unilateralmente para a polícia e as “forças da ordem”, especialmente quando se vê que não são poucos os manifestantes que se mostram como estando de fato “fora de controle” ou organizados à parte, como afluentes que se desviam dos rios principais. Não é confortável dizer isso, mas infelizmente é o que se vê.

Em manifestações de massa, ação e reação andam juntos, abraçadas, alimentam-se reciprocamente.

Manifestantes violentos ou destemperados, querendo ou não, funcionam como “agentes provocadores”. Provocar a violência do outro é em certos casos norma de conduta política: programa de ação. O importante não é chegar à conquista da reivindicação, mas manter a temperatura alta e provocar estragos. Se alguns inocentes caem pelo caminho, recebem balas indevidas ou terminam presos, fala-se em efeitos colaterais. Há algo assim também no lado dos “agentes da ordem”, entre os quais estão sempre acampados alguns amantes da violência, que sentem prazer em bater e veem o outro (o manifestante) como inimigo a ser esmagado e desmoralizado.

Não se trata, em nenhum destes casos, de pessoas que “perdem a cabeça” ou se movem pela paixão que cega, pela indignação que não se contém, pela exacerbação ou pelo calor do momento. Costumam ser organizadas, funcionam no paralelo e quase sempre escapam do controle dos núcleos organizados que, em tese, deveriam coordenar a ação e a reação. O comandante que lamenta o ato insano de seu comandado corresponde ao sindicalista que vai ao microfone, em pânico, pedir calma e “ordem” aos que resolveram partir para o confronto. Agentes provocadores deste tipo, de resto, não costumam respeitar posicionamentos partidários ou comandos. Não são de esquerda, nem vítimas inocentes.

Seu problema é com o poder, seja de que coloração for. Pagam tributo ao anarquismo mal compreendido. Em nada contribuem para o sucesso das causas ou para a conscientização da sociedade.

Ao lado destes “agentes provocadores”, há também os que procuram extrair vantagens políticas da violência. Culpam-se governos conforme a postura partidária que se tem diante deles: o Executivo do partido adversário — aquele que se julga como antagônico aos interesses dos agentes — é tratado invariavelmente como um Nosferatu de plantão, sempre disposto a maltratar manifestantes inocentes ou a abandonar os leais servidores da força policial. Se o governador ou o prefeito, ao contrário, são do “lado bom”, transfere-se a culpa aos manifestantes. O eixo é um só: criar embaraços e dificuldades aos governantes tidos como adversários políticos ou ideológicos.

Hoje, no Brasil, a bipolaridade PT x PSDB não dá conta da complexidade nacional. Está esgotada. Mas petistas e tucanos, com seus respectivos aliados, não sabem viver sem ela: perdem o discurso e a base lógica de raciocínio. Precisam uns dos outros como inimigos xifópagos. Nada mais natural, por isso, que terminem por tentar manter viva a bipolaridade, valendo-se de recursos artificiais e manobras de botequim.

Uns falam em impeachment como se se tratasse de algo banal, não necessitado de fatos e procedimentos, como se fosse mero ato de vontade. Outros veem retrocesso e maldade social em toda política esboçada pelo adversário. Uns e outros convertem a violência em expediente de culpabilização e “criminalização”. Dedicam-se, sem distinção, a tratar os adversários como antagonistas soltos no ar, não vinculados a circunstâncias concretas que os obrigam a fazer escolhas dilemáticas, entidades que somente erram e prejudicam. Duro avançar assim.

Não é fortuito que o foco das manifestações esteja em São Paulo e Paraná, dois estados que funcionam como “pequenas pátrias” do PSDB e nos quais o PT não tem tido vida fácil.

Pode ser cômodo usar violentos de manifestações — manifestantes ou policiais — para atiçar a luta partidária. Reanima-se assim, de algum modo, a bipolaridade zumbi de que petistas e tucanos tanto necessitam. Mas é uma comodidade que traz consigo uma tragédia, bastante crueldade e muitos riscos. Põe a nu a indigência política, o vazio de lideranças e dirigentes, o calor artificial que chamusca a institucionalidade. Coisas que fazem sangrar a democracia.

Na base de tudo, muitas incompreensões, discrepâncias de entendimento, falta de treino e educação para conviver democraticamente com o conflito social.

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Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política da Unesp

Merval Pereira - Castelinho e a liberdade

- O Globo

Acompanhar a vida de Carlos Castello Branco, o Castelinho, é acompanhar a história política recente do Brasil, e essa é a grande qualidade do livro do jornalista Carlos Marchi "Todo Aquele Imenso Mar de Liberdade”, da Editora Record, que está sendo lançado amanhã no Rio na Livraria Cultura do Fashion Mall.

Destaco do prefácio que escrevi algumas passagens que darão aos leitores a dimensão do maior de todos os colunistas político que o país teve, o jornalista mais influente de sua geração.

"Ao longo de 50 anos de jornalismo, sendo 30 deles no colunismo político diário no Jornal do Brasil, Carlos Castello Branco participou ativamente da vida política do país, mas apenas uma vez “do outro lado do balcão” como dizemos nós, jornalistas, daqueles que atuam em governos".

"Foi, a contragosto, assessor de imprensa do presidente Janio Quadros, conseguiu passar incólume por essa aventura que lhe trouxe muitos ensinamentos, sobretudo identificar quem é que manda mesmo nos governos, aquele que tem conhecimento dos mecanismos internos e informações que não sejam apenas especulações com interesses pessoais".

"Frio, pragmático, Castelinho sabia lidar com as autoridades de Brasília sem perder de vista sua condição de repórter, o que sempre surpreendia seus interlocutores. Não se sentiu limitado a exercer seu poder de crítica sobre a eleição de Jânio Quadros, mesmo já tendo sido nomeado seu secretário de imprensa, e depois da renúncia continuou acompanhando a vida política de Jânio sem poupar-lhe críticas quando considerava necessário".

"A bebida passou a ser a companheira inseparável de Castelinho depois que seu filho Rodrigo morreu num desastre de carro em Brasília. Não bastasse a dor da tragédia e a saudade, Carlos Castello Branco ainda tinha que lidar com a desconfiança de que o desastre fora premeditado pelo SNI, uma vingança contra seus artigos e críticas que o levaram algumas vezes à cadeia depois do golpe de 1964".

"A conversa que teve com Jango em um hotel em Paris, em que o presidente deposto lhe disse ter certeza de que o acidente fora forjado, é um dos pontos altos do livro, que soube pegar muito bem os traços humanos de Castelinho, suas fragilidades pessoais e seus gestos generosos, sua veleidade de tornar-se um escritor e a glória de chegar à Academia Brasileira de Letras não pelos méritos literários de seus contos, mas pela qualidade de sua coluna política, que unia bom estilo literário com análises agudas, especialmente durante o período ditatorial, em que o Congresso a certa altura funcionava mais na Coluna do Castello do que na realidade".

" Não se furtou a uma atuação pública, quando um grupo de jovens jornalistas de Brasília, entre eles o autor do livro, o convidou para assumir a presidência do Sindicato dos Jornalistas num momento especialmente difícil da ditadura militar. E atuou nos bastidores políticos para ajudar Tancredo Neves a concretizar seu plano de derrotar o governo militar no próprio Colégio Eleitoral em que teoricamente tinha maioria".

"Com o texto direto e capacidade analítica que dispensava firulas literárias, mas sabendo ser sarcástico quando necessário, Carlos Castello Branco teve que adaptar-se às dificuldades que a censura impunha durante o regime militar, e não raras vezes enviou mensagens cifradas nas suas colunas a favor de manobras políticas não apenas da oposição ao regime, mas também de setores militares que atuavam nos bastidores para a abertura democrática que acabaria chegando".