quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Bernardo Mello Franco - Começou a batalha

- Folha de S. Paulo

A gritaria que dominou o plenário da Câmara na noite desta terça-feira eliminou qualquer dúvida. Começou a batalha do impeachment, que promete incendiar o Congresso e pode produzir o mesmo efeito nas ruas do país.

O clima azedou após uma jogada ensaiada entre a oposição oficial e o deputado Eduardo Cunha. O líder do DEM, Mendonça Filho, foi escalado para questioná-lo sobre o trâmite de um processo contra a presidente.

Os passos seguintes do roteiro são conhecidos. Alvo da Lava Jato, Cunha deve rejeitar os pedidos de impeachment para não aparecer como seu principal articulador. Em seguida, a oposição recorrerá contra a decisão. Se reunir maioria simples, a roda começará a girar contra Dilma.

A operação atingiu seu primeiro objetivo, porque o tema passou a monopolizar os discursos em plenário. Deputados dos dois lados se inflamaram, dando início a uma troca de insultos que quase descambou para o confronto físico diante das câmeras.

O líder do governo, José Guimarães, deu o tom da reação petista. Acusou a oposição de golpismo e prometeu resistência. "Querem governar o Brasil? Ganhem a eleição", desafiou. "Não venham com esse tipo de comportamento, que vocês receberão o troco nas ruas."

"Golpe foi o que fez a presidente Dilma na eleição, mentindo descaradamente", reagiu Mendonça Filho. A deputada tucana Mara Gabrilli contribuiu para a radicalização ao chamar os petistas de "bando".

O clima em Brasília está conflagrado. Há mais berro do que argumento, mais provocação do que diálogo.

Com o pescoço de Dilma a prêmio, os deputados deixaram de lado uma discussão mais urgente: a do novo pacote de ajuste das contas públicas. No dia seguinte à apresentação das medidas, a Câmara preferiu bater boca sobre o futuro do mandato presidencial. É uma forma de prorrogar a crise econômica e inviabilizar o pacote, que depende do Congresso para sair do papel.

Luiz Carlos Azedo - Sem intermediários (ou agora vai)

• A estreia de Dilma como articuladora do governo no Congresso foi um banho de água fria. Ouviu de todos os líderes da própria base que as dificuldades para aprovar o ajuste fiscal serão grandes

Correio Braziliense

A grande novidade política em relação ao pacote anunciado pelos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, é a estreia da presidente Dilma Rousseff como articuladora política do Palácio do Planalto no Congresso. Sem o vice-presidente Michel Temer, que está em missão oficial à Rússia e à Polônia, e um novo ministro da Articulação Política, cargo em extinção, é disto que se trata: ou Dilma consegue negociar a aprovação do pacote ou seu governo, que virou suco, se evapora.

A estreia de Dilma como articuladora do governo no Congresso foi um banho de água fria. Ouviu de todos os líderes da própria base que as dificuldades para aprovar o ajuste fiscal serão muito grandes. Sugeriram que o governo mude o eixo do ajuste do aumento de impostos para o corte de despesas. O governo não tem credibilidade para impor mais sacrifícios à população sem um corte mais profundo de gastos.

O eixo da proposta do governo é a recriação da CPMF, sem a qual o pacote fracassa, mesmo com as demais medidas para aumentar receitas e os cortes de gastos. A recriação do antigo imposto do cheque representaria metade dos R$ 64,9 bilhões de recursos que o governo pretende obter com corte de gastos e aumento de impostos. Dilma ouviu dos próprios líderes governistas que será “difícil” aprovar a volta do imposto sobre movimentação financeira no Congresso. A propósito, foi no Senado que a antiga CPMF foi sepultada, durante o governo Lula, quando o petista ainda gozava de grande popularidade.

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), resumiu a situação: “Quando o governo está bem, com base social forte e uma base parlamentar forte, é difícil aprovar uma medida como essa. Imagine num momento como esse, em que estamos passando por dificuldade. Essa dificuldade existe de fato”. A volta da CPMF exige uma mudança na Constituição. Para sua aprovação, em dois turnos, necessita do apoio de 49 senadores e 308 deputados.

Dobrou a meta
Dilma não conta com tanta gente na sua base de sustentação. Para reverter essa situação, já na segunda-feira à noite, depois do anúncio do pacote, Dilma reuniu-se com 17 governadores e iniciou uma negociação para aprovar um aumento de alíquota da nova CPMF ainda maior: de 0,38%, a fim de contemplar estados e municípios com a parcela da arrecadação que exceder 0,2%.

A proposta lembra um dos discursos mais non sense de Dilma, no final de julho, ao lançar o Pronatec Aprendiz, quando se enrolou e mandou esta: “Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas, quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta”. Teriam participado da reunião os governadores dos seguintes estados: Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins, Rondônia e Roraima.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), cujo filho governa Alagoas, foi generoso com Dilma, ao cobrar responsabilidade do Congresso em relação ao pacote. Mas não endossou diretamente a proposta de recriação da CPMF: “Os estados estão fazendo um esforço muito grande, melhoraram a eficiência do gasto. Mas os estados precisam ter soluções, e o Congresso Nacional tem responsabilidade com isso”, disse.

Renan cancelou uma viagem oficial à China por sugestão do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), para que Dilma Rousseff não ficasse desamparada no Congresso, uma vez que Michel Temer e a maioria dos ministros do PMDB estão no exterior. A ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB-TO), que integrava a delegação de Temer, também cancelou a viagem por causa do pacote.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), porém, abriu as baterias contra a proposta: “A CPMF é insuportável”. Segundo ele, a recriação do imposto vai causar problema na economia: “Tem impacto não só na inflação, mas no conjunto de preços. Ela entra em toda cadeia produtiva simultaneamente, em cascata. Então, ela realmente é perniciosa”, disse.

No Palácio do Planalto, em entrevista coletiva, Dilma falou como quem terceirizou o ajuste fiscal: “O governo não aprova a CPMF, quem aprova é o Congresso”, disse. Esse é o problema. Governo nenhum aprova aumento de tributos sem muito empenho e uma base sólida no parlamento. Se fosse fácil, não se chamaria imposto.

Dora Kramer - O vice no exercício

- O Estado de S. Paulo

Quando Dilma Rousseff foi eleita com Michel Temer na vice-presidência, em 2010, dirigentes do PMDB vaticinavam que haveria o dia em que a presidente não poderia ir à Bolívia sem correr o risco de perder o lugar. De protagonista da cena.

Na época, soava a gracejo. Não apenas porque aqueles eram tempos de alta popularidade para a “mulher do Lula”. O temperamento ameno, as maneiras discretas, a formalidade e a vocação de Temer para pacificador não autorizavam crédito àquela hipótese. Muito menos que se materializasse com a participação ativa dele.

Mas o tempo, senhor da razão, cuidou não só de conferir veracidade à previsão como também de torná-la mais realista do que poderia supor a “rainha”. Dilma não precisa sair do País nem transferir temporariamente o cargo para virar coadjuvante do próprio governo.

A transformação tem ocorrido na prática, em cada declaração de Michel Temer, em cada encontro dele com setores organizados da sociedade e, agora com toda ênfase e clareza, na viagem oficial à Rússia e à Polônia, na qual o vice-presidente está à frente de uma comitiva de sete ministros e 51 empresários.

O vice mostrou-se em pleno exercício do poder de fato ao assegurar que Dilma termina o mandato, atribuindo essa convicção à evidência de que, segundo ele, a presidente “vem se recuperando cada vez mais”. Temer falou como se fosse ele o avalista do mandato de Dilma Rousseff.

As palavras do vice são recebidas com mais atenção que as negativas da titular sobre a possibilidade de uma renúncia. À medida que os erros persistem vai deixando de ser um ato de vontade. Não passou despercebida a falácia a que Michel Temer recorreu na Rússia. É óbvio que ela não vem se recuperando. Pode até se reerguer, mas por enquanto afunda-se a cada gesto, ação, declaração ou decisão.

Enquanto a presidente se esconde, o vice se expõe. Quando leva ministros e empresários em missão de negócios e dá a declaração que deu, Michel Temer está exercendo o papel de chefe da Nação aos olhos de quem importa: o empresariado, os caciques da política, a população que vê a foto e lê a notícia.

Ainda mais se seus aliados mais importantes, em destaque o ex-presidente Lula, silenciam sobre o assunto, deixando a defesa do mandato da titular ao encargo do suspeito número um.

Encontro marcado. Lideranças do PMDB negam que estejam conversando com o PSDB sobre o desenho do cenário político na hipótese de um pós-Dilma antecipado. Não é verdade. Conversam sim e defendem a necessidade de uma conversa franca entre os presidentes dos dois partidos.

Sinuca de bico. Com a avaliação dos líderes partidários de que o pacote do ajuste fiscal terá “tramitação dura”, eles estão dizendo que a missão de aprovar a volta da CPMF é quase impossível. E o governo, quando se dispõe a propor uma solução amplamente repudiada de antemão, transmite as seguintes mensagens: está numa sinuca, sem saída, e por isso mesmo vai jogar duro com o Congresso.

Não tem, contudo, instrumentos eficazes à mão. O único e último recurso é construir uma narrativa segundo a qual o Congresso levará o País ao desastre se negar apoio às medidas do Executivo. O êxito dessa estratégia, no entanto, está diretamente ligado ao grau de confiabilidade de que dispõe o Palácio do Planalto junto à sociedade. E este, como se sabe, numa escala de 0 a 100, não chega a oito. Número equivalente ao porcentual dos cidadãos contentes com a atual administração.

Rosângela Bittar - Dois milésimos de respeito

• Vencedor: dez a zero para quem queria aumento de imposto

- Valor Econômico

Apoiada pelos banqueiros, a presidente Dilma Rousseff apostou no caos e pagou para ver. Resta à sociedade pagante assistir ao espetáculo da vitória, que finalmente virá quando ela encher as burras de abonadas fichas, ou da derrota, que lhe venha a determinar sair de fininho, com uma mão na frente e outra atrás. Se o Congresso Nacional não representar seu eleitorado mais do que representa seus financiadores de campanha, e não socorrê-lo, só o impeachment não resolve, será preciso convocar eleições gerais. Nelas incluídos os governadores, se vierem a pedir a deputados e senadores para aumentar o sacrifício do eleitor assalariado, de forma que também arquem com o equilíbrio de suas incompetências governativas, como os aconselhou o governo federal, em jantar no Palácio da Alvorada.

Rosto contrito, voz baixa e monocórdica assoprada entre os dentes, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, levantou seu troféu à tardinha, na segunda-feira. Numa desfaçatez, reapresentou a cena do dinheiro carimbado, evoluindo da enganação da CPMF antes da saúde para, agora, da Previdência.

O novo imposto, a incidir sobre tudo o que se paga com um salário já corroído pela inflação e sem reajuste real, será destinado, segundo o ainda crível ministro da Fazenda, à aposentadoria dos idosos, aos seus remédios e seus cuidados. Só faltou falar, para melhorar a dramaturgia, nas fraldas geriátricas. Mas pronunciou o ministro a palavra mágica, politicamente incorreta, porém forte: inválidos. Quem vai negar dinheiro aos velhinhos inválidos? Foi o que o ministro pediu, praticamente mão estendida.

Para não restar dúvida, avisou em nome de quem falava ao cometer o que, em outra circunstância, poderia ser um ato falho, mas nessa caiu como cinismo: os bancos, que estão na linha de frente do esforço de manutenção da presidente Dilma no cargo e indicaram Joaquim Levy para remar esse barco. A federação de bancos foi a primeira entidade a apoiar a CPMF, de cuja elaboração participou. Os bancos garantiram, e Levy contou a vantagem aos seus ouvintes (a Febraban tem frequentado o Ministério da Fazenda tanto quanto o presidente do Bradesco e padrinho do ministro tem frequentado o Palácio) que estão "preparados". Podem recolher o imposto imediatamente, passar o dinheiro com celeridade ao governo, verba na veia. Se todos já conhecem a CPMF, como alegou o ministro ao dar ao imposto um tratamento carinhoso, e os bancos estão preparados, então viva! Os números não são nada, a questão é o enredo.

Por que será que todos riram quando o ministro anunciou o prazo provisório de quatro anos para a CPMF? E ainda disse que o próximo governo, se quiser, pode revogá-lo?

Mais do que apelar às agruras da velhice, o ministro repetiu às crianças desavisadas, por pelo menos dez vezes, que o imposto é de dois milésimos (0,2%), uma merreca - dois milésimos de uma entrada de cinema, de um sanduíche - os exemplos ministeriais foram todos supérfluos, nada de supermercado, da carne, do arroz com feijão, do ônibus, da farmácia. Quando virem que estão saindo de sua aposentadoria os caraminguás da CPMF, os anciãos se lembrarão da comoção do ministro e pagarão suas contas com satisfação.

Na Ópera Bufa da tarde de segunda, o ato do corte de despesas, que antecedeu o da criação do imposto, cronologia marqueteira, expôs menos o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que precisou de pouca mágica para mostrar que o governo não cortou despesa alguma. Não será tudo o mais o bode da sala para o governo conseguir ganhar a CPMF?

A cara emburrada do ministro poderia dar a impressão que ele estava contrariado com os "cortes", mas como esses não existiram, deve fazer parte da marcação.

O governo apenas pedalou de janeiro para agosto o reajuste do funcionalismo e remanejou receitas. Assim, deu o Orçamento por cortado. Pagou seu programa de construção de casas com dinheiro do FGTS e garfou os recursos das emendas parlamentares (cuja livre aplicação a Constituição havia liberado e tornado impositiva), para o PAC e para os programas do Ministério da Saúde. É como se a presidente Dilma pedisse ao seu vizinho para pagar a escola de seus filhos enquanto faz um superavit básico para o consumo de outras prioridades e alguns presentes.

Quem queria corte de gasto, perdeu. Quem queria aumento de imposto para continuar gastando, ganhou. Por dez a zero, um placar de conta simples.

E ainda é preciso ouvir o ex-jovem senador Lindbergh Faria, notabilizado pela condição de presidente da união dos estudantes, até hoje sem compromisso com a realidade, gritar contra Levy, porque está "cortando", numa tentativa de entrar no pastelão de qualquer maneira como algoz do ministro da Fazenda. Certamente acreditando que ele vai sucumbir, o que não é difícil, e o senador ficar dono do grande feito que deixará sem eco qualquer resultado da Operação Lava-Jato, na qual é um dos investigados.

A arrogância de Levy, porém, lhe tirou a condição de vítima há muito tempo. Na tentativa anterior de empurrar o pacote arrecadatório aos assalariados já havia, numa preparação de terreno de contenção das reações, chamado de míopes os que se rebelam contra "um pouquinho" de imposto. Será merecedor de tudo o que lhe disser o senador petista do Rio.

Dilma não quer cortes de gastos, não quer fechar ministérios, não quer economizar, não quer redimensionar programas. Tudo pela gastança. Então, viva!

É claro que os déficits vão dobrar, a presidente e os ministros não vão ficar competentes de uma hora para outra, mensalão e petrolão viraram método de governo, como diagnosticou com precisão o ministro do Supremo Gilmar Mendes, e será necessária uma outra CPMF ano que vem, mais uma em 2017, uma terceira em 2018. O problemão não teve solução. O governo negou à sociedade dois milésimos de respeito.

Entre viajar à Rússia com o velho amigo vice-presidente Michel Temer, para cumprir uma agenda que ela mesma turbinou com assuntos de sua área, e ficar no Brasil com a nova amiga presidente Dilma Rousseff, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, preferiu torcer o tornozelo. Não sem antes colocar na agenda que iria ao médico. Em 2007, a senadora Kátia segurou na principal alça do caixão da CPMF.

Vinicius Torres Freire - Itamar na cama, crise e tucanos

• Debate no iFHC conclui que crise não depende de solução técnica, mas política, ora em impasse

- Folha de S. Paulo

Quando collor foi afastado da Presidência, devido à abertura do processo de impeachment, FHC recebeu uma ligação espantosa. "Venha para a casa do Itamar [Franco, o vice], ele não quer tomar posse", dizia Roberto Freire, hoje no PPS.

FHC abalou-se para lá, um tumulto de parlamentares, fofocas sobre ministeriáveis e assessores a redigir decretos. Itamar estava deitado, vestido, na cama do quarto. "De roupa? Que coisa feia, parece que o cadáver nem esfriou", disse FHC. Enfim, o futuro presidente do Real iria tomar posse, sim. Apenas se apartava da excitação, mostrava a seu modo peculiar que não "estava ávido" pelo poder.

FHC contou a historieta ao final de um debate sobre a crise em seu instituto, iFHC, com o cientista político Sérgio Abranches e o economista Armínio Fraga, na noite de ontem. Seguindo os debatedores, FHC disse que o "Estado faliu", dada a rigidez de gastos, em parte devida à Carta de 88, a incompetências e ao encantamento da sociedade com o gasto público que parecia sem limite.

O ex-presidente fazia referência indireta às preferências tripartidas de seu partido em relação à crise: Aécio Neves (novas eleições), Geraldo Alckmin (candidato em 2018) e José Serra (talvez com o PMDB num impeachment e em 2018). Em política, há hora de "saber esperar" e "calar", pois a crise vai "levar tempo".

"Estamos sendo movidos por Lava Jato e crise econômica." Como então organizar um acordo, se não se sabe quem vai sobrar? Há um impasse, pois é difícil, mas não impossível, que Dilma Rousseff retome o controle (para Abranches, o governo não tem recursos, dinheiro, para reverter a impopularidade, nem discurso que dê um sentido aos sacrifícios impostos pela política econômica).

Quando a percepção da crise econômica for mais geral e profunda, talvez o impasse se resolva, mas por ora não há nem projeto nem lideranças de um bloco de poder qualquer para enfrentar os "custos altíssimos" da solução da crise, diz FHC.

Abranches e Fraga disseram que soluções "tecnocráticas" para a crise brasileira estão na mesa (reforma política profunda, constitucional, e nova política econômica), ainda que sujeitas a debates. O problema é político, de falta de lideranças.

Para Armínio "tudo está imbricado na crise política". Mas "não fazer nada" é "empurrar para o buraco", uma crise "profunda inexorável": "do jeito que está, o país não vai crescer".

Não se trata de crise cíclica, mas de algo gestado em uma década, desde quando Lula 1 abandonou o plano de longo prazo de arrumação das contas públicas, apresentado por sua equipe econômica e bombardeado pela então ministra Dilma Rousseff. É preciso um plano radical de reformas de longo prazo, até para dar algum alívio ao presente: fim de gastos obrigatórios, revisão de todos os programas do Orçamento, austeridade-já e reformas micro.

Segundo Abranches, o sistema político não está funcionando. Estão sem rumo ou controle as negociação entre Executivo e Congresso, não há controle da agenda parlamentar que vota qualquer coisa atirando para qualquer lado. Reformas políticas sérias agora estariam fora de questão. Urgente é haver lideranças que proponham um "acordo", uma "trégua", pactuada por "políticos profissionais".

Xico Graziano - Novo mundo rural

- O Estado de S. Paulo

O Brasil hoje é reconhecido, em tamanho e em tecnologia, como um gigante global da agropecuária. De passado oligárquico, em poucas décadas revolucionou seu modo de produção, garantindo o abastecimento interno e exportando milhões de toneladas de alimentos. Celeiro do mundo. Gera superávit que paga as importações industriais. Motor da economia.

Missões estrangeiras desembarcam continuadamente para vir conhecer nosso modelo de agricultura tropical: plantio direto na palha, duas, até três safras na mesma área, integração da lavoura com a pecuária, e silvicultura, fruticultura de ponta, genética animal. Produtividade com qualidade. Embora admirada, e até temida, pelos concorrentes externos, muita gente aqui dentro enxerga a agropecuária nacional como se o campo ainda fosse dominado pelos latifundiários. Visão caolha.

Essa surpreendente, e reiterada, dissintonia entre a realidade e sua interpretação me motivou, juntamente com Zander Navarro, a publicar o livro Novo Mundo Rural (Editora Unesp). Nele defendemos a necessidade de se adotarem novas perspectivas, outros conceitos e teorias, para a correta compreensão da dinâmica de nossa agropecuária. É preciso modernizar as ideias agrárias no Brasil.

A nova situação produtiva que passou a dominar o campo se assenta em três marcos fundamentais: 1) a montagem do sistema nacional de crédito rural, entre 1960 e 1970; 2) a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973; 3) e a estabilização da economia nacional com o Plano Real. Desde então se aceleraram as mudanças no modelo agrário. De essencialmente rural, até há pouco tempo, o Brasil transformou-se numa nação urbanizada. Sua agricultura, antes primitiva, na base da enxada, tornou-se altamente produtiva. Surgiu o competitivo agronegócio.

Embora tão marcantes sejam as modificações tecnológicas e socioeconômicas, alguns observadores da agricultura brasileira – pesquisadores, agentes sociais ou políticos – continuam a tratá-la como se permanecessem adormecidos no tempo. Qual a razão dessa atitude? Resposta: a força do paradigma gerado pelo socialismo tupiniquim. Pura ideologia.

Nos idos de 1970, os estudiosos agrários (Zander e eu incluídos) acreditavam que sem profundas “transformações estruturais” – o que necessariamente passava pela reforma agrária – o Brasil não conseguiria romper a barreira da pobreza e do subdesenvolvimento, nem promover a justiça social.

Todos nós estávamos equivocados. A modernização capitalista do campo, puxada pela globalização e ancorada nas novas tecnologias, superou o dilema histórico. Mesmo antes da “queda do Muro” já se podia perceber esse movimento transformador que modificaria totalmente a equação do desenvolvimento rural, jogando poeira nas velhas teorias marxistas. Bastava desvendar os olhos para divisar um novo mundo rural se materializando.

Muitos acusam de “conservador” esse processo de transformações. É verdade, no sentido de que ele não alterou a estrutura concentrada da propriedade da terra. Por outro lado, pode-se afirmar que foi extremamente progressista, por ter provocado uma mudança impressionante, em termos econômicos e tecnológicos, elevando fortemente a produtividade no campo. Romperam-se, no geral, as barreiras do atraso caipira.

Existem, claro, setores marginalizados do processo. Sempre é assim. Uns progridem mais, outros ficam para trás e, ainda, terceiros esperam sua chance. De qualquer forma, o tempo não recua. A nova realidade impõe-se a quem pretende interpretar o campo brasileiro. Independentemente de julgamentos de valor, ou mesmo de avaliações éticas, quem permanecer apegado aos raciocínios antigos – marxistas ou não – mais embaralha do que compreende o nosso desenvolvimento agrário e seus desafios futuros.

O problema não é principalmente teórico, e sim empírico. Dificilmente alguém muda de ideia ou abandona uma teoria científica facilmente, a não ser que se defronte com argumentos ou fatos incisivos. Ora, eles estão à solta. Basta “sair do escritório”, ou da “academia”, e trocar as lentes ideológicas para perceber o novo mundo rural se afirmando.

Mas há quem teime na posição fixada. Pior ainda: para a incredulidade geral, e sem corar, alguns defendem até mesmo uma “recampesinização” no agro, uma espécie de volta ao passado. Propõem algo como trocar o trator pela enxada, os fertilizantes pelo estrume da vaca, os agroquímicos pelas cinzas da madeira, uma regressão dourada animada pelo discurso em defesa do agricultor familiar.

Essa utopia regressiva possivelmente seria viável naquela época em que Elis Regina cantarolava: “Eu quero uma casa no campo...”. Mas hoje, num mundo onde a população mundial já ultrapassou os 7 bilhões de pessoas, é impossível de ser concretizada. Chega a ser bizarra.
Marcel Proust escreveu, no livro Em Busca do Tempo Perdido, que “a viagem da descoberta consiste não em achar novas paisagens, mas em ver com novos olhos”. No novo mundo rural brasileiro a paisagem também muito se modificou, especialmente no Centro-Oeste. Mas o olhar de muitos sobre a economia agrária ainda continua apegado às memórias do passado. Não temos mais tempo a perder.

O futuro dos milhões de pequenos agricultores passa pelo apoio governamental, aliado ao desenvolvimento tecnológico e à sua integração aos mercados de consumo. Quer dizer, um olhar adiante, não para trás. E é preciso pressa. Os processos de exclusão social dos pequenos agricultores se aceleram simultaneamente à consolidação da agricultura de larga escala.

Pregar o anticapitalismo agrada ao ego ideológico, mas pouco os ajuda. Para que os pequenos no campo vençam, ao contrário, precisamos capitalizá-los.
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* Xico Graziano agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Aumento de impostos prevalece sobre corte de gastos no ajuste – Editorial / Valor Econômico

As medidas de ajuste fiscal anunciadas pela equipe econômica são um conjunto desequilibrado onde os cortes de gastos ora parecem irrisórios, ora truques, e os aumentos de receitas são vigorosos e objetivos. Pelo teor do pacote, não se sabe por que não foi anunciado antes, já que ele reitera a rejeição da presidente Dilma e de seu núcleo palaciano por economias mais decisivas, compatíveis com o péssimo estado das contas públicas. O sinal emitido pelo Planalto não mudou: não haverá intervenção fiscal maior do que a tímida contenção apresentada anteontem. A diferença é que as medidas têm agora também a chancela do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Os limites para a redução dos gastos públicos já haviam sido delimitados em julho, quando o governo desistiu de perseguir superávit primário de 2% do PIB em 2016 e reduziu-o para 0,7% do PIB, amortecendo também as metas para os anos seguintes - 1,3% em 2017 e 2% em 2018. O esforço diminuiu quando crescia a necessidade de serem maiores para estabilizar a relação dívida bruta/PIB. Pior, pouco mais de um mês depois já não havia mais superávit como meta, apenas déficit no Orçamento enviado ao Congresso. Em seguida, veio a perda do grau de investimento.

As medidas de ajuste tornaram-se então inevitáveis e o superávit de 0,7% do PIB voltou à cena. Até a véspera da decisão, a presidente Dilma, que, como o ex-presidente Lula, lamentou o fim da CPMF, mantinha um discurso coeso com o de seus auxiliares mais próximos: os cortes já tinham ido longe demais, nada mais haveria a reduzir. Sob exigência dos líderes do Congresso, teve de apresentar um plano de contenção de despesas para que pudesse propor outro, pelo qual se inclinava de antemão, de aumento de impostos.

O ajuste divulgado coroa a intenção de minimizar a redução de gastos. A maior economia, de R$ 7 bilhões, virá do adiamento do reajuste de salários dos servidores públicos. Outros cortes importantes entram no terreno da astúcia contábil: a despesa não desaparece, mudam-se suas fontes. Diante da penúria de recursos, a terceira fase do Minha Casa Minha Vida deveria ser adiada e o programa, redimensionado. A redução de R$ 4,8 bilhões anunciada ocorre para o Tesouro, mas os gastos serão feitos assim mesmo, só que com dinheiro do FGTS. Despesas de R$ 7,6 bilhões com Saúde e PAC serão evitadas, com a engenhosa sugestão aos parlamentares de que usem para esses fins suas emendas impositivas. O governo acerta o alvo, porém, ao cancelar concursos e eliminar o abono de permanência, com economia de R$ 2,7 bilhões.

Do lado da receita, como já era cogitado, a CPMF resolve a maior parte dos problemas, com arrecadação prevista de R$ 32 bilhões. Sua volta traz vários estragos, reais ou potenciais. Quando o governo acena com racionalidade tributária quanto ao PIS-Cofins e ao ICMS, e ao mesmo tempo recria uma contribuição regressiva, cumulativa e punitiva das cadeias mais longas da produção, contradiz suas boas intenções anteriores.

A CPMF, se passar pelo Congresso, ficará por um bom tempo. O ministro Joaquim Levy, que conviveu bem com o tributo no governo Lula e chegou a elogiá-lo, negaceou muito para dizer que ela tinha prazo para acabar (4 anos). A alíquota menor do que a contribuição anterior, de 0,2% é o ponto de partida, mas pode não ser o de chegada. No mesmo dia do anúncio do pacote, em jantar com governadores, os líderes governistas revelaram sua tática: para obter o apoio dos Estados no Congresso para o tributo, estimulou-os a aumentar a alíquota para 0,38% para que as receitas sejam compartilhadas. No encontro, o ministro Jacques Wagner apresentou explicitamente a sugestão.

Pela carência de recursos e por exemplos do passado, há dúvidas se a CPMF financiará só a Previdência. O dinheiro não é carimbado e a CPMF, no governo FHC, não bancou só a saúde. A Cide, antes de ser zerada, não cumpriu os objetivos para os quais foi criada, entre eles, investimentos na melhoria da malha rodoviária. O dinheiro do Fust teve o mesmo destino e, agora, também 30% das receitas do sistema S, que em tese irão para a Previdência.

Havia a compreensão, até mesmo por conformismo diante da agonia fiscal, de que mais impostos seriam inevitáveis e eram um preço a pagar para se sair da crise, se o governo pelo menos acertasse a mão nos cortes. Veio o de sempre: ficam as despesas, sobem os impostos. No curto prazo, o tapa-buraco anunciado indica que a recessão será mesmo profunda e prolongada.

Um beco sem saída – Editorial / O Estado de S. Paulo

Estroina, ensina o Aurélio, significa “gastador, dissipador, perdulário”, ou seja, aquele que em matéria de dinheiro comporta-se leviana e irresponsavelmente. Foi exatamente o que os governos petistas fizeram nos últimos anos, sob a justificativa de acabar com a pobreza, como se para isso bastasse escancarar os cofres públicos. O resultado está aí, numa crise econômica agravada pela hipocrisia de atribuí-la a fatores externos e pelo fato de atingir implacavelmente os pobres – aqueles mesmos pobres que Lula, Dilma e companhia garantiam que estavam redimindo. E, de quebra, lá se está indo a nova classe média, que não adquiriu resistência para enfrentar a perda de renda que é o fecho da aventura lulopetista.

A soma da irresponsabilidade com a incompetência – esta, até para mentir – resultou na dissipação quase completa da credibilidade da presidente Dilma Rousseff. Agora, para consertar a lambança que leva suas impressões digitais, ela pede mais dinheiro na forma de tributos e de redução de benefícios sociais. No ponto a que chegamos, qual a credibilidade da estroina Dilma Rousseff para propor sacrifícios ao povo brasileiro?

Medidas de emergência foram enunciadas pelos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa, em nome de uma chefe de governo que, tida como valente e durona, preferiu não se expor num ato que era o reconhecimento explícito de seu fracasso, de sua incúria e de sua desídia nos cuidados com os haveres dos brasileiros. Os cortes de despesas e o aumento das receitas – até mesmo a reedição da malfadada CPMF – precisam ser seriamente discutidos, até porque, como se diz nessas horas, é o que temos para hoje. Mas o anúncio oficial provocou um sonoro coro de reações negativas. Logrou Dilma Rousseff a proeza de reunir praticamente a unanimidade da opinião nacional contra suas propostas.

O cerne da questão, no entanto, não são, em si, as medidas que o governo se propõe a adotar. É exatamente a sua falta de credibilidade e de competência para executá-las. Quem é que garante que ao menor alívio no balanço orçamentário o governo não sairá a anunciar novos espetaculares programas redentores da Pátria “como nunca antes na história deste país”? Se afundaram o governo na insolvência porque, ocupados com a campanha eleitoral, demoraram a prestar atenção aos fundamentos econômicos que se desmilinguiam – de acordo com o sincericídio cometido dias atrás pelo ministro Aloizio Mercadante –, quem garante que o primeiro dinheirinho que sobrar não será usado na tentativa de ressuscitar o PT? Afinal, como até os petistas mais lúcidos e honestos admitem, o lulopetismo não tem projeto de governo, mas um projeto de poder.

Fazia parte desse projeto de poder a opção eleitoreira de Lula, primeiro, e Dilma, depois. Em vez de investir o dinheiro disponível – que não era pouco – no ataque às verdadeiras causas da miséria social, criando, em benefício dos brasileiros marginalizados da vida econômica, uma infraestrutura de educação, saúde, saneamento básico e transporte, materializando as condições indispensáveis à inclusão social, Lula e Dilma incentivaram a população mais pobre a se endividar com a compra de bens de consumo. A falta de sustentabilidade dessa “opção pelos pobres” se reflete amargamente hoje na grave ameaça do desemprego e na carência de recursos públicos para a continuidade dos programas sociais.

Se o governo, por causa da crise econômica por ele próprio provocada, não consegue entregar o que é de sua obrigação, como exigir maiores sacrifícios de quem já paga pelo que não recebe? É verdade que, numa situação excepcional, se justifica um esforço extra de todos. Mas a esmagadora maioria do povo brasileiro não considera que Dilma Rousseff tem competência para tirar o Brasil da crise. Até porque as medidas que ela está propondo dependem, quase todas, da aprovação do Congresso, onde também lhe falta apoio e sobra o oportunismo de maus políticos que não admitem abrir mão de seus privilégios, a que cinicamente chamam de “prerrogativas”. É ensurdecedora a gritaria de senadores e deputados contra cortes que atingem seus interesses.

É difícil crer que o governo consiga a aprovação do Congresso para seu plano de combate à crise. Sem que ninguém, nem seu próprio partido, se mostre disposto a lhe estender a mão, Dilma Rousseff está num beco sem saída. Talvez só lhe reste a porta dos fundos do Palácio do Planalto.

Muito pouco – Editorial / Folha de S. Paulo

• Governo anuncia pacote para reequilibrar Orçamento, mas iniciativa é insuficiente do ponto de vista econômico e de pouca viabilidade política

Cinco dias depois do rebaixamento da nota de crédito do país, o governo Dilma Rousseff (PT) anunciou um plano para reequilibrar o Orçamento de 2016. Entre corte de despesas e aumento de receitas, o Planalto espera obter R$ 66,2 bilhões a mais do que havia estimado na proposta anterior.

Trata-se de esforço para amenizar o desgaste gerado pela peça orçamentária com deficit de R$ 30,5 bilhões, enviada ao Congresso em agosto. Com a cifra divulgada na segunda (14), o Executivo poderá produzir superavit primário (desconsiderado o pagamento de juros) de 0,7% do PIB, meta com a qual se comprometeu há um mês e meio.

Em tese, a mudança no saldo das contas evitará novas quedas da nota brasileira no futuro próximo e estancará a deterioração dos mercados –dólar e juros em alta são os sintomas mais evidentes da baixa credibilidade do governo.

O pacote, todavia, é insuficiente do ponto de vista econômico e tem pouca viabilidade política.

De saída, resta evidente o improviso. Não há o mais tênue sinal de um projeto orquestrado de reformas; há nada mais que um conjunto desconexo de iniciativas destinadas a tapar buracos emergenciais.

Para começar, dos R$ 66,2 bilhões, a menor parte (R$ 26 bilhões) proviria de redução de despesas, e a maior (R$ 40,2 bilhões), do aumento de receitas, sobretudo com a recriação da CPMF.

O governo parece não ter percebido que a sociedade, bem como os parlamentares que elegeu, não pretende aceitar majoração da carga tributária sem a devida contraparte em cortes na máquina pública.

Isso não significa apenas adiar o reajuste de servidores, suspender concursos, diminuir o número de ministérios e cargos comissionados e alterar fontes de financiamento de certos programas. Embora tais ações tenham se tornado imperativas, elas não representam a principal resposta à crise.

O fundamental, neste momento, é promover reformas de cunho estrutural, capazes de convencer a população de que haverá esforço genuíno para conter o crescimento do tamanho do Estado.

Impressiona que, sem fazer isso agora e oferecendo só a promessa de que abraçará tais ajustes no ano que vem, o governo peça ao Congresso que recrie a CPMF.

Se quiser retomar a iniciativa e reverter o pessimismo, o governo Dilma deverá fazer mais. Precisa apresentar medidas, por exemplo, para reduzir o deficit da Previdência e as vinculações orçamentárias, além de conter a expansão estrutural dos gastos em relação ao PIB.

Apenas assim será possível discutir novos impostos que sejam justos socialmente –e a CPMF não figura como a melhor alternativa.

Oportunidade de revisão de um Estado obeso – Editorial / O Globo

• A crise fiscal expõe a que ponto chegou o aparato estatal, cujas despesas equivalem a 40% do PIB, e mesmo assim ainda ostenta um déficit elevado

A crise fiscal — ainda em seu início, pois apenas na segunda-feira o governo apresentou um conjunto de medidas para tentar equilibrar a proposta de Orçamento para 2016 — cumpre até agora dois papéis relevantes. Um, comprovar quão ruinosas são as políticas “desenvolvimentistas”, por explodirem as contas públicas em nome de um crescimento econômico nunca atingido; e o outro, projetar luz sobre o Estado, despido à frente da sociedade com seu gigantismo em várias áreas, carências em outras, gastos desmesurados, castas. Um enorme aparato que, como previsto desde a promulgação da Carta de 1988, ultrapassou a capacidade de o país pagar seu custo.

Ao optarem por um Estado tutor e interventor, com missões múltiplas — entre outras, dar saúde e educação gratuitas e de boa qualidade, acabar com a pobreza —, os constituintes da redemocratização lançaram as fundações de um aparato de “bem-estar” que talvez só pudesse ser financiado sem maiores dificuldades por uma economia capitalista já desenvolvida.

Mas não havia no Brasil sequer renda para isso, intuía o então presidente José Sarney e alertava o ministro da Fazenda da época, Maílson da Nóbrega. Era claro na década de 90 que o Brasil da Constituição de 88 já não cabia no PIB.

Instituíra-se uma espécie de “estado de bem-estar” da Europa Ocidental numa economia de renda baixa. Não funcionaria, e mais ainda com a contribuição do populismo lulopetista, contido na primeira parte da gestão inicial de Lula, mas dominante a partir de 2006, com a transferência de Dilma Rousseff do Ministério de Minas e Energia para a Casa Civil.

Foi chave para este desnudamento do Estado o primeiro governo Dilma radicalizar o estatismo e dirigismo, ao criar o “orçamento paralelo” do Tesouro dentro do BNDES, distribuir incentivos tributários sem maiores cuidados, e assim por diante. Seguia a cartilha ruinosa do “novo marco macroeconômico”. Chegou-se, então, ao ponto em que uma das oito economias do mundo gasta cerca de 40% do seu PIB, acumula um déficit nominal (incluindo juros) de 5%, padece de uma inflação próxima dos 10% e se encontra atolada numa recessão. Parâmetros de UTI.

Para cumprir missões beneméritas da Carta de 88, engessaram-se por meio legal cerca de 90% do Orçamento (gastos com Previdência, Saúde, Educação, folha de servidores e diversos programas sociais). E ainda atrelaram boa parte desta gigantesca conta aos reajustes do salário mínimo. Armou-se uma destruidora bomba-relógio com nova data para explodir: quando o novo mínimo entrar em vigor em 2016. Nesse momento, despesas ditas sociais crescerão 0,2% do PIB, calcula-se, mesmo com as receitas em baixa.

Por óbvio, sem reformas profundas não haverá saída para esta confusão fiscal. O pacote de segunda sequer arranha a questão. A crise, ao menos, dá chance para o enfrentamento de questões centrais, hoje à vista de todos.

Marisa Monte - Pernambucobucolismo

Fernando Pessoa - Todas as cartas de amor...

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos, 21/10/1935

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Opinião do dia – Roberto Freire

O governo mais uma vez joga nas costas do povo a conta por suas irresponsabilidades.

Na questão da austeridade, o governo continua não dando nenhum exemplo.

O corte (de gastos) é insignificante, de R$ 26 bilhões, quando a receita dos novos impostos prevista é quase o dobro, de R$ 45 bilhões.

O aumento da carga tributária terá “muita dificuldade” de ser aceito pela sociedade brasileira e pelo Congresso Nacional.

É tanta irresponsabilidade que o governo mandou um orçamento para o Congresso com um déficit de R$ 30,5 bilhões porque não teve a coragem de assumir isso que agora está assumindo.
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Roberto Freire é deputado federal por S. Paulo e presidente nacional do PPS.

Governo anuncia pacote com recriação da CPMF

Por Leandra Peres, Edna Simão, Bruno Peres e Lucas Marchesini – Valor Econômico

BRASÍLIA - O governo anunciou ontem um pacote de R$ 66,2 bilhões para garantir a meta de superávit primário de 0,7% do PIB em 2016. Quase metade dos recursos - R$ 32 bilhões - depende da recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), considerada politicamente inviável há duas semanas pelo próprio Executivo. De tudo o que foi proposto, R$ 62,2 bilhões dependem da aprovação do Congresso Nacional.

"São dois milésimos da entrada de cinema para fortalecer a Previdência Social, para pagamentos dos aposentados", disse o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ressaltando a volta da CPMF com alíquota de 0,2% e prazo de vigência de quatro anos.

O aumento de receitas não se restringe à CPMF. Reduções de benefícios fiscais e elevação de outros tributos somarão mais R$ 7,7 bilhões. Além disso, o governo quer ficar com 30% das receitas do "Sistema S" (Sesi, Sesc, Senac, Sebrae etc.), estimadas em R$ 6 bilhões, para financiar gastos com a Previdência. Com isso, 62% de todo o esforço anunciado será coberto por mais tributação.

O corte de despesas é de R$ 26 bilhões, mas R$ 12,4 bilhões representam substituição de fontes de receitas. A proposta do governo é que R$ 7,6 bilhões de gastos da Saúde e do PAC deixem de ser cobertos por receitas primárias da União e passem a ser financiados pelo orçamento impositivo dos parlamentares e que a redução de R$ 4,8 bilhões no orçamento do Minha Casa, Minha Vida seja coberta pelo FGTS.

Cortes de fato são os R$ 10,5 bilhões sobre a folha de pagamentos, sendo as principais medidas o adiamento do reajuste dos servidores federais de janeiro para agosto, a suspensão de concursos públicos e o fim do abono pago aos servidores que podem se aposentar mas decidem continuar trabalhando. A redução de despesas correntes do governo é de apenas R$ 2 bilhões e o setor agrícola ficará sem R$ 1,1 bilhão para a política de preços mínimos.

Para garantir que as medidas entrem em vigor no ano que vem, o governo terá que aprovar no Congresso duas propostas de emenda constitucional, uma delas a da CPMF, além de alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias e enviar três projetos de lei. As propostas de aumento de receitas serão enviadas em medidas provisórias. Isso em um momento em que o governo não tem um ministro na coordenação política e a popularidade da presidente Dilma Rousseff está em 8%, uma baixa histórica.

"Governo e sociedade têm os instrumentos para resolver o problema que enfrentamos", disse o ministro Nelson Barbosa.

Governo propõe cortes e CPMF, mas precisará de aval do Congresso
O governo anunciou ontem um pacote de R$ 66,2 bilhões para garantir a meta de superávit primário de 0,7% do PIB em 2016 em que a metade dos recursos - R$ 32 bilhões - depende da recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), considerada politicamente inviável há duas semanas pelo próprio Poder Executivo. De tudo o que foi proposto, R$ 62,2 bilhões ainda dependem de aprovação do Congresso Nacional.

"São dois milésimos da entrada de cinema para fortalecer a Previdência Social, para pagamentos de aposentados, de benefícios a idosos e aos aposentados do Brasil. Os dois milésimos que tem que pagar no sanduíche vão dar bastante energia para a economia", disse o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ressaltando a nova roupagem que o governo achou para a CPMF.

O aumento de receitas previsto no pacote não se restringe à CPMF. Reduções de gastos tributários e elevação de outros tributos somarão mais R$ 7,7 bilhões. Além disso, o governo quer ficar com 30% das receitas do Sistema S (Sesi, Sesc, Senac, Sebrae), estimado em R$ 6 bilhões, para financiar gastos com a Previdência. Com isso, 62% de todo o esforço anunciado serão cobertos por mais tributação.

O corte de gastos anunciado para fechar a conta do superávit é de R$ 26 bilhões. A maior parte deste esforço (R$ 12,4 bilhões) virá da transferência de despesas que hoje são da União para outras fontes, notadamente as emendas parlamentares e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A proposta do governo é que R$ 7,6 bilhões de despesas da Saúde e do PAC sejam cortadas, mas que os parlamentares usem as emendas ao Orçamento para evitar o corte. O mesmo deve ser feito no Minha Casa, Minha Vida. Neste caso, o governo fala numa redução de R$ 4,8 bilhões no orçamento do programa, mas pretende que o FGTS cubra essas despesas com recursos próprios do fundo.

Os cortes de fato recairão sobre a folha de pagamentos e chegam a R$ 10,5 bilhões, sendo as principais medidas o adiamento do reajuste dos servidores federais de janeiro para agosto, a suspensão de concursos públicos e o fim do bônus pago aos servidores que podem se aposentar mas preferem continuar trabalhando. A redução de despesas correntes do governo é de apenas R$ 2 bilhões e o setor agrícola ficará sem R$ 1,1 bilhão para a política de preços mínimos.

Para garantir que as medidas entrem em vigor, o governo terá que aprovar no Congresso duas propostas de emenda constitucional, uma delas a da CPMF, além de alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias e enviar três projetos de lei. Além disso, todas as medidas de aumentos de receitas serão feitas por meio de medidas provisórias, que o Congresso terá que aprovar depois. Isso no momento em que o governo não tem um ministro na coordenação política e a popularidade da presidente Dilma Rousseff está em 8%, uma baixa histórica.

"Procuramos compor [o ajuste fiscal] da maneira menos distorcida e mais eficiente, dividir o esforço [entre todos] para alcançar o necessário equilíbrio orçamentário. É um orçamento que impõe esforço de todos", justificou o ministro Joaquim Levy.

O governo quer que a CPMF seja cobrada por quatro anos a uma alíquota de 0,2%, o que renderia R$ 32 bilhões ao ano para o governo federal. É pouco provável, no entanto, que esta alíquota se mantenha. As negociações com governadores e prefeitos preveem o aumento da CPMF para 0,38%, sendo a diferença transferida para os cofres estaduais e municipais.

De acordo com o ministro Levy, será necessário cobrar a CPMF por quatro anos porque o governo tem que "continuar a fortalecer o lado fiscal e o superávit de 0,7% do PIB não pode continuar a vida toda". Mas Levy afirma que o governo "tem sensibilidade" e pode reduzir a alíquota antes do prazo.

Além da CPMF, o governo também está propondo ao Congresso uma redução de benefícios tributários para aumentar sua receita no ano que vem. O Reintegra, que devolve impostos pagos nas exportações, terá alíquota reduzida para 0,1% no ano que vem. Outra medida proposta é a limitação das deduções que as empresas podem fazer quando distribuem lucros por meio de um mecanismo chamado de juros sobre capital próprio. Neste caso, o governo fixará em 5% a taxa que vai remunerar este recursos e aumentar a alíquota cobrada de 15% para 18%.

O Sistema S, além de ficar sem 30% de sua receita, também passará a pagar pelo benefício tributário que o governo dá às empresas que investem em inovação e tecnologia. A estimativa é que esta medida garanta uma economia de R$ 2 bilhões ao Tesouro.

Houve também mudanças no imposto de renda cobrado sobre ganhos de capital, que o governo quer transformar em progressivo. Em vez de uma alíquota única de 15% cobrada no momento em que a venda de um bem é feita, a proposta é que a tributação chega a até 30% para operações acima de R$ 20 milhões num ano.


Redução de despesas se concentra nos servidores públicos

Por Ribamar Oliveira – Valor Econômico

BRASÍLIA - O adendo à proposta orçamentária de 2016, apresentado ontem pelo governo, pode ser resumido com três afirmações: houve o reconhecimento de que a receita da proposta encaminhada há 15 dias ao Congresso Nacional estava superestimada em R$ 5,5 bilhões; houve o reconhecimento de que as despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) estavam subestimadas em R$ 1,3 bilhão; e houve corte apenas nas despesas com o servidor público e, em menor proporção, no custeio administrativo.

Na proposta original, o déficit projetado era de R$ 30,5 bilhões. Se, na conta, forem incluídos uma redução de receitas da ordem de R$ 5,5 bilhões por causa de mudanças nos parâmetros macroeconômicos, e a despesa adicional de R$ 1,3 bilhão do FAT, que paga seguro-desemprego e abono salarial, o déficit iria a R$ 37,3 bilhões.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não revelou ontem qual são os novos parâmetros macroeconômicos com os quais o governo trabalha. Antes, estimava um crescimento de 0,2% da economia no próximo ano. Agora, Levy disse apenas que o governo trabalha "com pequena redução do PIB". Ou seja, o governo reconhece que a proposta original foi elaborada com parâmetros macroeconômicos irrealistas. Agora, aparentemente, prevê uma pequena recessão econômica em 2016.

Ontem, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, anunciou um "corte" nas dotações orçamentárias de R$ 26 bilhões. Mas, desse total, R$ 12,4 bilhões se referem apenas a mudanças de fontes de financiamento. A União reduzirá em R$ 4,8 bilhões os recursos que destinará ao programa Minha Casa, Minha Vida em 2016.

Na proposta orçamentária inicial, a dotação para o programa era de R$ 15,5 bilhões. Com o adendo, foi reduzida para R$ 10,7 bilhões. Mas o governo vai usar recursos do FGTS para complementar a dotação, de forma que o valor a ser gasto pelo Minha Casa, Minha Vida fique em R$ 15,5 bilhões.

O governo anunciou um "corte" de R$ 3,8 bilhões na saúde. Mas não haverá redução efetiva, pois informou que usará os recursos das emendas parlamentares, no mesmo montante, para refazer a dotação da área. Aparentemente, houve um erro na proposta orçamentária original, pois ela já deveria ter considerado essa possibilidade, como prevê a emenda constitucional que tornou as emendas parlamentares de execução obrigatória.

Outro "corte" foi feito no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no montante de R$ 3,8 bilhões. Mas o governo anunciou que proporá mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), determinando que a outra parte dos recursos das emendas parlamentares seja usada para financiar o gasto. A previsão para as emendas em 2016 é exatamente de R$ 7,6 bilhões.

Cortes efetivos foram feitos na administração federal. Com o adiamento do reajuste aos servidores, de janeiro para agosto, o governo espera economizar R$ 7 bilhões. Com a suspensão dos concursos, economizará R$ 1,5 bilhão. Com a eliminação do abono de permanência, economizará R$ 1,2 bilhão; com a implementação do teto remuneratório do serviço público, a estimativa é de economia de R$ 800 milhões; e com a redução de ministérios, de cargos de confiança, de diárias, passagens, telefone, auxílio moradia, aluguel e segurança, a economia esperada é de R$ 2 bilhões.

Oposição promete 'frente' contra novos impostos

Por Vandson Lima, Raphael Di Cunto e Raquel Ulhôa – Valor Econômico

BRASÍLIA - O corte de gastos anunciado ontem pelo governo foi elogiado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mas criticado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e pelo PT. Já a oposição, atacou o plano de criação de um novo imposto de intermediação financeira, a volta da velha CPMF, com 0,2%, só para o governo federal

A presidente Dilma Rousseff e equipe econômica, no entanto, esperavam convencer os governadores, convidados a jantar ontem no Palácio da Alvorada, a pressionarem o Congresso a aumentar para 0,38%, ficando a diferença de 0,18% para os Estados. A oposição prometeu criar no Congresso uma frente para atacar a medida.

Enquanto Renan viu "capacidade de iniciativa" na "tesourada", considerada fantasiosa por analistas, porque faz remanejamento de fonte de receita de alguns programas e não corte de R$ 26 bilhões, Cunha lembrou que boa parte dos cortes depende "de terceiros". O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), avaliou o corte de despesas como "jogo de cena", enquanto o senador petista Lindbergh Farias (RJ) previu uma reação contra o governo por parte dos movimentos sociais.

Apesar de dizer que o governo saiu do imobilismo, Renan não deu garantias para a segunda parte do ajuste, que consiste na viabilização de novas receitas por meio da criação de um imposto nos moldes da antiga CPMF. Ontem, porém, deu um passo atrás. "O governo anuncia um corte significativo. Isso é bom. O governo não pode ter nenhuma dúvida com relação ao corte de ministérios e de cargos em comissão. Essa é uma preliminar para que nós possamos discutir qualquer aumento de receita", disse ele. A economia com corte de ministérios é simbólica.

Cunha disse que a nova CPMF dificilmente será aprovada na Câmara e lembrou que só 25% dos cortes anunciados dependem do Executivo. "Cerca de 75% dos cortes vão depender de terceiros. O governo está fazendo ajuste na conta dos outros", afirmou.

O pemedebista previu uma tramitação complicada para a CPMF. "Sou pessoalmente contra. Mas é claro que não vou obstruir, se estiver pronto para votar, vota. Só que é um processo demorado, tem que passar pela Comissão de Constituição e Justiça, por comissão especial e duas votações (Câmara e Senado). Não sei se dá tempo para 2016", afirmou Cunha.

As principais lideranças da oposição mostraram que o corte de gastos não existiu e prometeram uma guerra contra novos impostos. "Dilma faz um jogo de cena, não faz um corte significativo de ministérios nem cargos de apadrinhados e ainda resolve repassar a conta do desastre de seu governo para o brasileiro. Vamos fazer uma ampla frente ao lado da população contra aumento de carga tributária. O Congresso não vai referendar esse ataque", afirmou Ronaldo Caiado (DEM-GO).

O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), disse que o corte de gastos foi anunciado com atraso e criticou a criação de novos impostos. Ele se comprometeu, no entanto, avaliar a proposta que será enviada pelo governo. "O Brasil tem uma situação tão difícil que não nos permite simplesmente dizer que somos contra. Então, o conjunto de medidas será analisado para que nós possamos conhecer em detalhes cada uma delas", afirmou o senador.
A compreensão do tucano, porém, não foi percebida no partido do governo. Lindbergh Farias criticou duramente os cortes de investimento, que classificou de "criminosos" em um cenário de recessão. Farias, que vem atacando o ajuste há muito tempo, acredita em uma reação dos movimentos sociais, que até agora vêm demonstrando apoio ao governo.

"Vai criar um problema na nossa base social, exatamente naqueles que estão indo às ruas defender a Dilma. A reação será contra os cortes no Minha Casa, Minha Vida e também virá de muita gente do serviço público, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) E o corte na saúde também vai atingir setores da nossa base social", disse o senador petista.

Pacote prioriza volta da CPMF e elevação de impostos

• Redução de gastos inclui adiar reajuste de servidores, mas não reformas

Esforço total para tentar equilibrar contas públicas é de R$ 66,2 bilhões, dos quais R$ 32 bilhões sairiam apenas da recriação da contribuição sobre movimentações financeiras; foco em tributos foi criticado por entidades como Firjan e Fiesp

Com o país em recessão e cinco dias após perder o selo de bom pagador, o governo Dilma anunciou um pacote de medidas para tentar reequilibrar as contas e amenizar a crise. As medidas, que em sua grande maioria dependem do aval do Congresso, priorizam o aumento de impostos. A principal proposta é recriar a CPMF, com alíquota de 0,20% e duração de quatro anos. A previsão, caso o novo tributo seja aprovado pelo Congresso, é arrecadar R$ 32 bilhões anuais. O governo também quer cobrar mais IR sobre o lucro na venda de imóveis. O pacote propõe cortes de R$ 26 bilhões, dos quais R$ 7 bilhões sairiam do adiamento, de janeiro para agosto de 2016, do reajuste dos servidores. Novos concursos serão congelados. O total do esforço anunciado pelos ministros Joaquim Levy ( Fazenda) e Nelson Barbosa ( Planejamento) é de R$ 66,2 bilhões. Não foram propostas reformas.

Mais impostos do que corte de gastos

• Depois da perda pelo Brasil do grau de investimento, governo Dilma anuncia medidas para equilibrar contas; da CPMF é a principal proposta

Catarina Alencastro, Geralda Doca, Washington Luiz, Simone Iglesias e Eliane Oliveira - O Globo

- BRASÍLIA- Cinco dias depois de ter a nota de investimento do Brasil rebaixada pela agência Standard & Poor’s, o governo apresentou ontem um duro ajuste fiscal, propondo um aumento de R$ 40,2 bilhões na arrecadação, com R$ 32 bilhões provenientes de uma nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira ( CPMF), desta vez voltada para pagar aposentadorias. Além disso, o governo anunciou um corte de R$ 26 bilhões nas despesas.

Foi revelado também que a projeção de déficit do Orçamento de 2016, enviado ao Congresso há 2 semanas, é maior que R$ 30,5 bilhões. Ontem, o Executivo deixou claro que as receitas foram superestimadas em R$ 5,5 bilhões, e os gastos com o seguro- desemprego, subestimados em R$ 1,3 bilhão. Ou seja, o rombo sem cortes de despesas e aumentos de receitas ficaria em R$ 37,3 bilhões. A revisão dos dados será enviada hoje ao relator da proposta orçamentária.

A nova CPMF terá duração de pelo menos quatro anos e será voltada para abastecer os cofres da Previdência. Será cobrada alíquota de 0,2% de qualquer movimentação financeira. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tentou minimizar o impacto da nova cobrança sobre o bolso dos contribuintes, afirmando que é temporária e que corresponde a apenas “dois milésimos” do valor das compras feitas pelos brasileiros. A alíquota é menor do que a da CPMF cobrada pelo governo até 2007, de 0,38%.

Os brasileiros que vendem imóveis também serão mais tributados. O aumento será escalonado. Quem vende um imóvel de até R$ 1 milhão continuará pagando alíquota de Imposto de Renda de 15%. A partir daí, a alíquota sobe de forma escalonada até chegar a 30% para imóveis vendidos por mais de R$ 20 milhões.

Para justificar o aumento de tributos, o governo apresentou a fatura dos cortes na própria carne, como insistiu Levy.

— É um esforço bastante concentrado, não sei se shakespeareano de cortar na própria carne, mas são reduções importantes — justificou Levy.

As principais medidas nessa área são o adiamento do reajuste dos servidores para agosto de 2016 e o fim dos concursos públicos previstos para o ano que vem. O governo também vai renegociar contratos de aluguéis e prestação de serviços nos ministérios; otimizar os gastos dos servidores com viagens e telefone e cortar ministérios e cargos de confiança.

— Não é uma economia elevada do ponto de vista econômico, mas é uma economia necessária para melhorar a eficiência do governo — justificou o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.

Os programas sociais do governo também serão afetados. Uma das principais vitrines de Dilma, o Minha Casa Minha Vida terá redução de R$ 4,8 bilhões em sua terceira fase, cuja previsão orçamentária era de R$ 15,6 bilhões em 2016. Em contrapartida, passará a conta para o FGTS.

A presidente Dilma Rousseff avisou na reunião de coordenação política, ontem pela manhã, que anunciará a reforma ministerial na próxima semana. Segundo uma fonte que participou da reunião, Dilma disse estar reformulando a proposta que recebeu de Barbosa, com a possibilidade de corte de 15 ministérios. Estavam previstas, por exemplo, a incorporação do Desenvolvimento Agrário à Agricultura ou ao Desenvolvimento Social e a extinção do Ministério do Turismo.

Das 16 medidas anunciadas, só uma não depende de aval do Congresso

• Eduardo Cunha chama pacote de ‘ pseudo corte’ de gastos; Renan apoia

Washington Luiz, Cristiane Jungblut, Júnia Gama e Simone Iglesias - O Globo

- BRASÍLIA- O Congresso Nacional é imprescindível para a implementação do pacote anunciado ontem pela equipe econômica. Das dezesseis medidas anunciadas pelos ministros, apenas uma, a que altera a alíquota do Reintegra ( um programa de incentivo à exportação) e que prevê arrecadação de R$ 2 bilhões, depende apenas de decreto da presidente Dilma Rousseff para entrar em vigor.

A proposta de retorno da CPMF, com a qual o governo pretende arrecadar R$ 32 bilhões, vai precisar passar pelo Congresso. No primeiro semestre deste ano, o Parlamento impôs várias derrotas ao Planalto, que já promovia o ajuste fiscal.

Emendas na conta
Já nas nove medidas anunciadas para cortar R$ 26 bilhões dos gastos, nenhuma depende apenas do governo. Medidas como o adiamento do reajuste dos servidores e mudanças no Minha Casa Minha Vida vão exigir aprovação de projetos de lei pelos parlamentares e alterações na peça orçamentária encaminhada ao Congresso no fim de agosto.

O governo anunciou ainda que contará com as emendas parlamentares para suprir R$ 3,8 bilhões que previa gastar no Programa de Aceleração do Crescimento ( PAC) e outros R$ 3,8 bilhões que investiria na saúde. Durante a apresentação dos cortes, Levy fez questão de ressaltar que o corte de gastos não depende apenas da boa vontade do governo.

— Eu acho que ficou evidente para todos a necessidade desse esforço. E eu acho que agora, nós próximos meses, temos aí dois, três meses, para que se possa converter em realidade essas medidas, principalmente através da votação dos projetos de leis, eventualmente até das PECs.

O presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), adotou um tom ponderado, destacando que o Congresso terá a “palavra final” sobre as medidas e que caberá ao Legislativo “melhorar” as propostas.
— É melhor fazer alguma coisa do que não fazer nada, e o Congresso vai dizer se a coisa que está sendo proposta é a coisa certa. O governo, sem dúvida nenhuma, está demonstrando que está querendo vencer o imobilismo, que está recuperando a sua capacidade de iniciativa, e isso é muito bom — disse Renan.

‘ Não podemos recusar debate’
Renan disse que o Congresso não pode se negar a debater a proposta de recriação da CPMF, mas admitiu que não se sabe o que vai ocorrer na sua tramitação. Ele esteve ontem com a presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto às 15h, antes do anúncio das medidas, após ter recebido em casa, das mãos do ministro Aloizio Mercadante ( Casa Civil), o pacote que seria anunciado mais tarde. Dilma fez um apelo a Renan no sentido de garantir a governabilidade e impedir aprofundamento ainda maior da crise econômica.

— O Congresso não pode recusar o debate ( sobre CPMF). O que vai acontecer no final da tramitação não sabemos, não cabe ao presidente do Congresso dizer. Só sabemos que tudo que passa pelo Congresso sai melhorado — disse.

Cerca de uma hora após encontrarse com Renan, a presidente Dilma Rousseff telefonou para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), para comunicar as propostas que seriam apresentadas. Na ligação, que durou poucos minutos, Dilma disse que, apesar de saber que o presidente da Câmara não concordava com a recriação da CPMF, esta seria uma das propostas para cobrir o deficit. Cunha disse à presidente que acreditava ser “muito difícil” a medida alcançar os 308 votos necessários para ser aprovada na Câmara, mas garantiu que não iria atrapalhar a tramitação da proposta.

Após o anúncio público do pacote, Cunha deu uma entrevista coletiva, na qual chamou o conjunto de medidas de “pseudo corte” de despesas e disse que o governo decidiu fazer ajuste “na conta dos outros”.

— É muito pouco provável que passe ( CPMF). O governo está com uma base muito frágil aqui. Se o governo perdeu a CPMF numa época que estava muito forte, não é agora que governo está com a base muito mais fraca que vai conseguir passar um aumento tributário, mesmo que a alíquota seja menor do que aquela que entrou em vigor naquele momento, ainda mais sem compartilhamento com estados e municípios e por um período muito maior — pontuou.

Pacote já sofre resistência na base aliada e na oposição

Apenas uma das medidas anunciadas pelo governo não depende do aval do Congresso, que já prevê dificuldade para a aprovação do pacote. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, afirmou que a recriação da CPMF é “pouco provável”. Já o mercado reagiu bem, e o dólar caiu.

• Líderes se dizem descrentes de que CPMF será aprovada no Congresso

Isabel Braga, Simone Iglesias, Cristiane Jungblut, Maria Lima e Eliane Oliveira - O Globo

- BRASÍLIA- As medidas anunciadas pela equipe econômica já encontram resistência entre os líderes no Congresso, tanto da oposição quanto da base aliada. Eles deixaram claro que a tarefa do governo de aumentar a arrecadação e fazer cortes não será fácil.

O senador Romero Jucá ( PMDB- RR) afirmou que é muito difícil a CPMF prospere no Congresso porque, além de se tratar de aumento da carga tributária, teria uma função diferente da original, que era o financiamento da Saúde. Jucá cobrou o detalhamento da reforma administrativa e da redução de ministérios, que ainda não foi apresentada pelo governo. Ontem, a área econômica estimou os cortes em ministérios em R$ 200 milhões, mas só irá anunciar as pastas que serão extintas na semana que vem.

A oposição reagiu ontem à proposta de recriação da CPMF e trabalha para tentar evitar sua aprovação pelo Congresso. O DEM chegou a anunciar a criação de uma frente dos partidos de oposição contra o aumento de impostos. O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), disse que é “inaceitável” a volta da CPMF. Ele criticou o fato de o governo ter optado pelo aumento da carga tributária como caminho para tentar aumentar a arrecadação.

Em nota, Aécio disse que o governo de Dilma quer um “cheque em branco”. Para Aécio, o aumento de impostos ocorre num cenário de recessão, o que pode piorar.

O senador Aloysio Nunes Ferreira ( PSDB- SP) foi direto:

— A volta da CPMF é um delírio puro. A simples menção desse item entre as medidas do ajuste destrói a credibilidade de tudo o mais — disse Aloysio.

Apesar dos discursos, até mesmo na base aliada do governo a avaliação é que há dificuldades para se aprovar a volta da CPMF.

O líder do governo no Senado, senador Delcídio Amaral ( PT- MS), disse que as medidas exigem uma “forte articulação política”. Delcídio admitiu que não será tarefa fácil aprovar as medidas anunciadas pelo governo, mas argumentou que isso é necessário:

— As medidas exigem forte articulação política do governo. Tarefa dura, mas necessária! A aprovação da CPMF depende muito dos governadores, porque eles podem se beneficiar de um eventual aumento de alíquota — disse Delcídio, apesar de a CPMF anunciada ontem ficar toda com a União.

Já o senador Lindbergh Farias ( PT- RJ) fez duras críticas ao pacote. Para ele, o pacote é “uma declaração de guerra a todos os servidores”. Ele afirmou que haverá uma reação dez vezes maior do que a reação ao primeiro ajuste por parte dos movimentos sociais, da CUT e do PT.

— É claro que vai ter reação! Passamos oito anos criticando Fernando Henrique Cardoso por causa do congelamento do salário dos servidores e agora copiam a receita de FHC? — protestou Lindbergh.

Para o petista, em vez de atacar o funcionalismo e cortar investimentos de forma criminosa, o governo deveria ter optado por onerar mais o “andar de cima” com a tributação de lucros e dividendos, o que renderia uma receita de cerca de R$ 50 bilhões.

Líder defende debate
O líder do PMDB, Leonardo Picciani ( RJ), defendeu um debate no Congresso sobre a CPMF:

— O aumento de impostos é um debate que tem que ser feito. Se vai passar ou não, é outra história. A CPMF tem que ser discutida, o primeiro passo é fazer o corte, mas, por mais duro que seja falar em aumento de impostos, neste momento é importante discutir isso, sobretudo para estados e municípios. Em alguns

Líder do PMDB defende discussão da CPMF no Congresso casos, situação fiscal de alguns estados e municípios é mais grave do que a União — afirmou Picciani.

Para o líder peemedebista, o momento fiscal pede uma discussão séria sobre como enfrentar o problema, e o governo deu o primeiro passo, anunciando os cortes. Sobre a proposta de adiar o aumento dos servidores públicos, Picciani afirmou que todos devem compreender a situação enfrentada pelo país:

— Na iniciativa privada, pessoas estão perdendo o emprego. Os servidores terão que ter compreensão, não perdem o emprego pela estabilidade, mas terão que compreender que o momento pede cautela.

O líder do PSD, Rogério Rosso ( DF), antevê dificuldades para aprovar a CPMF no Congresso. Para Rosso, o governo ainda deve anunciar medidas de estímulo à produção. O líder também não é favorável a adiar o reajuste dos servidores públicos.

— O momento exige responsabilidade. É muito cedo para ter uma avaliação mais profunda, mas minha percepção pessoal é da enorme dificuldade que o governo terá para aprovar a nova CPMF. O governo também deveria reavaliar a questão dos servidores públicos, isso desmotiva e pode desencadear reação em cadeia. Ainda tenho esperança de que o governo anuncie medidas para o setor produtivo, de incentivo à competitividade, conceder prazos, ampliar o sistema de concessão, ampliar mercados fora do país — afirmou Rosso.

CPMF: Governo jogou a conta da irresponsabilidade nas costas do povo, diz Roberto Freire

Por: Valéria de Oliveira - Portal do PPS

“O governo mais uma vez joga nas costas do povo a conta por suas irresponsabilidades”, disse o presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), ao comentar o anúncio feito pelos ministros da área econômica de que a CPMF será recriada.

Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) falaram sobre medidas relativas ao orçamento na tarde desta segunda-feira (14) em entrevista coletiva.

Freire lamentou que o governo tenha partido para a recriação e aumento de impostos e feito cortes “insignificantes” nas suas despesas. “Na questão da austeridade, o governo continua não dando nenhum exemplo”, salientou.

“O corte (de gastos) é insignificante, de R$ 26 bilhões, quando a receita dos novos impostos prevista é quase o dobro, de R$ 45 bilhões”, observou Roberto Freire. Na redução de ministérios e de cargos de confiança a expectativa de economia é de apenas R$ 200 milhões.

O presidente do PPS avalia que o aumento da carga tributária terá “muita dificuldade” de ser aceito pela sociedade brasileira e pelo Congresso Nacional.

“É tanta irresponsabilidade que o governo mandou um orçamento para o Congresso com um déficit de R$ 30,5 bilhões porque não teve a coragem de assumir isso que agora está assumindo”, lembrou Freire.

Segundo ele, o Planalto só tomou essa postura agora “não por respeito à sociedade brasileira, mas pelo temor de que outras agências de classificação (responsáveis por avaliar o grau de investimento) também rebaixem a nota do Brasil”. “É antes de tudo um governo covarde e que não responde à sociedade brasileira”, salientou.

O parlamentar lembrou que o governo não fez aquilo que sua própria base, inclusive o PMDB, indicou, que era enxugar despesas e evitar elevação da carga tributária. “Eles fizeram o contrário”.

Sobre o termo usado pelo ministro Joaquim Levy de que a proposta é de prorrogação da CPMF, Freire retrucou: “Não tem prorrogação nenhuma. É mais uma vez um governo mentiroso. Estão tentando recriar a CPMF”.

Ao ser questionado sobre quais medidas esperava ver o governo tomar, Freire, afirmou que não espera mais nada da administração Dilma Rousseff. “Esperava que saísse, que pedisse o chapéu e fosse embora. Seria o melhor para o Brasil”.