terça-feira, 17 de novembro de 2015

Míriam Leitão: Sombras sobre Paris

- O Globo

Uma nova sombra cerca a economia europeia depois de anos em que o continente se esforçou para sair da crise. O atentado em Paris cria mais incerteza na região que veio saindo devagar da turbulência financeira que teve início no final de 2008. Uma nova sombra cerca as negociações da Conferência da ONU sobre o clima, que começa dentro de duas semanas em Paris.

Eventos paralelos foram cancelados, manifestações de ambientalistas serão coibidas, e o encontro de chefes de Estado será em um momento em que as atenções estão voltadas para a emergência da guerra ao terror. O mundo espera esta reunião de cúpula do clima desde a última que teve chance de chegar a um acordo, em 2009, em Copenhague. Desde então, o atual encontro, marcado para Paris, é o que mais possibilidades reuniu. Que chance tem agora diante do terror imediato que captura todas as atenções? A dimensão da segurança necessária para proteger os mais de 100 chefes de Estado na cidade pode sufocar a Conferência, para a qual estão sendo aguardadas 40 mil pessoas.

Os massacres de Paris criam sombras diversas que se espalham como estilhaços na economia, na política, na sociedade, nas relações entre os países, na vida de imigrantes e na esperança dos refugiados. Não é um inimigo convencional. É uma guerra territorial, porque o EI ocupa partes da Síria e do Iraque, mas ao mesmo tempo não é, porque o grupo camufla seus soldados e os recruta dentro da população dos paísesalvo. A reação ao Estado Islâmico teria que ser inevitavelmente o aumento do contra- ataque com bombardeio aos alvos do grupo terrorista. Mas certas estratégias usadas dentro dos países atingidos vão aumentar o ódio, a xenofobia, o fechamento de fronteiras, a rejeição aos refugiados e tudo o mais que é o ambiente perfeito para a pregação dos radicais islâmicos. Isso aumenta o risco de crescer o recrutamento de novos militantes.

O petróleo é a grande base financeira do grupo e, por mais que o governo americano já tenha estabelecido que o alvo é destruir essa infraestrutura produtiva, eles continuam produzindo petróleo, nos territórios ocupados, e com isso se financiando. Produzem, segundo uma reportagem do “Financial Times”, entre 34 mil e 40 mil barris/ dia, que vendem ao preço de US$ 20 a US$ 45 o barril. Entre seus clientes, segundo o jornal inglês, há inclusive os rebeldes sírios que lutam contra eles, mostrando como a economia tem contradições difíceis de explicar. Alguns dos seus inimigos não têm a quem recorrer para ter a energia necessária.

Havia um temor de que o petróleo subisse fortemente com a incerteza provocada pelo atentado que deixou 129 mortos e centenas de feridos e deixou a França em emergência nacional. Em épocas turbulentas, sobem ouro, petróleo, dólar. O petróleo tem oscilado em altas e quedas conforme a avaliação dos analistas sobre as consequências do atentado na economia. De um lado, aumenta a incerteza, por outro, a economia europeia pode demandar menos se o cenário for de menor crescimento, e ainda há grandes estoques internacionais que fizeram o preço cair 46% no último ano. Ontem, a cotação passou o dia em queda, mas fechou em leve alta. A que preço for, ele remunera o grupo terrorista, sustenta sua operações, e o Ocidente não sabe como fazer para estancar esta fonte de financiamento, nem o que aconteceria com a população de 10 milhões de habitantes que vive em sua área de controle.

O atentado matou e feriu centenas de pessoas, aprisionou a cidade de Paris no medo, espalhou a ansiedade por inúmeros países. Ontem, Harvard esvaziou andares por uma ameaça de bomba. O mundo vai viver assim com os nervos à flor da pele. Além disso, o Estado Islâmico terá conseguido seu objetivo se aumentar — como se espera — a tensão dentro da Europa entre quem tem e não tem origem árabe, quem professa ou não professa a fé islâmica. É no ódio que ele se movimenta com mais desenvoltura; é no ambiente de medo que ele tem a sua vitória. E ambos os sentimentos pairam como sombras sobre o espírito francês e europeu. Serão tempos difíceis os que estão por vir. A economia será afetada, mas o mais importante é que serão colocados em xeque os valores que fundaram a sociedade francesa e europeia. As divisões e as dúvidas vão se propagar como sombras sobre Paris e muito além.

O difícil combate contra o terrorismo do radical EI – Editorial / Valor Econômico

Quando 8 homens conseguem fazer uma cidade como Paris refém do pânico e provocar 129 mortes e 350 feridos, sabe-se que os governos estão diante de um inimigo difícil de ser contido - fracamente coordenados, com células isoladas, tramando ações em guetos da periferia das grandes cidades e dispostos a tudo para atingir seus objetivos. Desde o assombroso ataque às Torres Gêmeas em setembro de 2001, o terrorismo conseguiu algum sucesso em causar destruição em massa. Após a sexta-feira 13 parisiense, autoridades francesas e inglesas disseram que a polícia tem feito progressos e conseguiu impedir 12 ações nos dois países. E, depois de 168 batidas policiais na capital e em cidades da França, foram capturados fuzis Kalachnikovs e até lança-foguetes, com três dezenas de suspeitos presos. São sintomas de uma corrente contínua de pessoas dedicadas à barbárie política e assassinatos em massa.

O Estado Islâmico é um herdeiro ainda mais radical da Al-Qaeda, matriz de grupos terroristas experimentados no laboratório de guerra do Afeganistão, contra a Rússia, muitos armados e treinados pelos EUA. O EI, ao contrário dos demais, que agem nas sombras e não têm endereço, hoje ocupa um território na Síria e Iraque, com duas cidades importantes como quartéis-generais, Raqqa e Mossul. Aproveitando-se de disputas sectárias insolúveis, como a perseguição do governo xiita iraquiano aos sunitas e a guerra cruel movida pelo tirano Bashar al-Assad contra os sunitas na Síria, o EI capturou áreas importantes dos dois países que lhe deu o que em geral falta a grupos terroristas, fontes relativamente estáveis de recursos financeiros.

Os fanáticos do EI coletam os destroços dos Estados do Oriente Médio desestabilizados pela invasão do Iraque, pela mudança da correlação de forças entre xiitas e sunitas com a derrubada de Saddam Hussein (e Muamar Kadhafi), e, em contraposição ao avanço dos grupos radicais xiitas apoiados pelo Irã, aliado precioso de Assad. Financiados e armados no início pela Arábia Saudita, a mais estável potência do Oriente Médio, os radicais do EI tem ódios óbvios. Na região, tendem a eliminar com crueldade seus rivais religiosos xiitas, como fizeram em atentado recente no Líbano, com 43 mortes. Fora dela, quer punir os imperialistas que invadiram Iraque e os atacam na Síria, como EUA, Reino Unido e França, entre outros.

Com as facilidades da tecnologia, o EI recruta soldados onde há indignação e revolta prontas para serem exploradas - nas periferias de cidades europeias, entre jovens muçulmanos não integrados, que perderam laços com seu país de origem sem criar outros nos países onde decidiram residir. É muito mais difícil para os órgãos de inteligência detectarem movimentos de inimigos "internos" do que radicais estrangeiros se movendo suspeitamente pelas fronteiras da Europa.

É esse grande potencial de recrutamento fora do Oriente Médio que torna a atual guerra ao terrorismo extraordinariamente complexa e impossível de ser ganha a curto prazo.

Ainda assim, reações estão sendo esboçadas, com possibilidades distintas de êxito. Potências ocidentais e Rússia apressaram a busca por uma saída política para a guerra civil síria, ao que tudo indica com a participação de Assad, forte o suficiente para permanecer no poder, fraco o suficiente para vencer o EI e oposição. Os ataques aéreos contra o EI e instalações petrolíferas em seu território já se intensificaram. A França ampliou o estado de emergência por três meses, enquanto que os serviços de inteligência do continente ganharam mais um estímulo para se coordenarem contra a ameaça comum. A guerra na Síria e conflitos no Norte da África provocaram uma migração sem precedentes para a Europa, o que facilita a entrada de terroristas assim como dificulta sua identificação.

É possível fazer mais para cortar a fonte de recursos financeiros a grupos terroristas, assim como restringir ao máximo a entrega de armas ao EI, já que EUA, Reino Unido e França são os maiores fabricantes e vendedores.

A força, porém, não substitui a política, que precisa ser decidida e inteligente para integrar minorias religiosas nas sociedades ocidentais. A exclusão é uma realidade na França e na Inglaterra, por exemplo, embora esses países sigam orientações diferentes, sem muito sucesso. Conter a escalada de violência no Oriente Médio parece ser impossível, mas impedir que ela se dissemine a partir dos subúrbios das metrópoles europeias é tarefa urgente e vital para as democracias sob ameaça.

É inconcebível a relativização da barbárie – Editorial / O Globo

• Não se pode concordar que os crimes em Paris sejam justificados por ações da França no Oriente Médio, um tipo de raciocínio que leva à aceitação de Hitler

O segundo atentado terrorista em Paris no período de onze meses merece, além do repúdio de todos que prezam o avanço civilizatório, uma reflexão sobre a essência dos atos cometidos por grupos forjados no sectarismo religioso de correntes do Islã, no Oriente Médio.

Um aspecto que se tornou mais visível depois dos ataques de assassinos teleguiados pelo Estado Islâmico, na noite de sexta-feira, contra pessoas indistintas na casa de espetáculo Bataclan e em restaurantes, foi o pernicioso viés da tentativa de se relativizar e justificar os crimes. Comentários inaceitáveis neste sentido trafegaram por redes sociais.

No massacre de cartunistas cometido também por “jihadistas”, em janeiro, na Redação do jornal satírico “Charlie Hebdo”, ocorreu o mesmo. Houve quem apontasse “exageros” na linha de humor do periódico, numa caso exemplar de condenação da vítima pelo crime.

Agora, foram lembradas “intervenções” da França no Oriente Médio — no mesmo espírito do comunicado do EI após os assassinatos —, e ainda houve quem responsabilizasse por tudo os Estados Unidos, ao financiarem e treinarem Bin Laden, no Afeganistão, para enfrentar os russos.

Ora, este é um tipo de raciocínio que pode ser aplicado a tudo na História. Até para justificar a trajetória de Hitler e o rastro que deixou milhões de mortos. Afinal, a Alemanha foi sufocada pelo Tratado de Versalhes, marco do fim da I Guerra, de que o país saiu como derrotado, e isso terminaria gerando um ditador nacionalista, racista, populista, autoritário.

Existe, então, quem tenda a ter alguma condescendência diante do nazi-islamismo do EI e similares, porque tudo seria fruto de intervenções ocidentais no Oriente Médio, em particular dos Estados Unidos. Só mesmo o antiamericanismo infantojuvenil do PT explica que meses atrás a presidente Dilma tenha se colocado contra ataques ao EI. Já na reunião do G-20, na Turquia, na esteira dos assassinatos em Paris, Dilma reviu aquela posição, com acerto. Chance para o PT saber ao certo de que lado precisa estar o Brasil nesses conflitos derivados da crise eterna no Oriente Médio.

Não pode haver relativizações quando estão em jogo conquistas inscritas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em incontáveis constituições nacionais, inclusive a brasileira. No Oriente e Ocidente, são cometidos crimes contra a Humanidade, e que, por isso, merecem repulsa e reação da comunidade internacional. Fique claro que, na essência, o Bem e o Mal existem.

Esses últimos atentados em Paris precisam levar, enfim, à montagem de ampla aliança contra o EI, como propôs ontem o presidente francês, François Hollande. Seria bom começo aplicar os estatutos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), pelos quais o ataque a um dos seus membros, a França, é uma agressão aos demais. A resposta deve e pode ser dada por meio da diplomacia multilateral.

Impeachment pode ser forma de destravar crise, diz Armínio Fraga

Ana Estela de Sousa Pinto – Folha de S. Paulo

Com ou sem Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, o Brasil caminha para o "caos profundo" se não mudar de rota. O PT já desperdiçou sua chance e o impeachment —desde que dentro das regras— seria uma solução para destravar a crise, na visão do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.

No curto prazo, todos os seus cenários são sombrios: o desemprego vai piorar, a inflação corre o risco de desgarrar-se na esteira do dólar, que ainda pode subir.

Para o economista, o país ainda não está barato o suficiente para compensar o risco de investir e, mesmo superada a crise atual, o crescimento não volta se não for equacionada a dívida pública.

Em duas horas de entrevista, as palavras "crise", "buraco" e "dívida" foram citadas 4 vezes cada uma, e 12 vezes falou-se de "problemas" —entre os principais, Estado inchado e produtividade baixa.

Foram 12 também as menções a "reformas", única saída sustentável na avaliação de Fraga: "Ou vamos mergulhar no caos profundo. É disso que estamos falando. Não é uma aspirina e um suco de laranja que vai resolver."

O economista, um dos formuladores do programa do candidato tucano Aécio Neves em 2014, foi incisivo sobre a necessidade de mudança política. "Chegou a hora. O PT fez essa lambança toda, imperdoável", afirmou, ao defender "uma nova liderança".

"Pessoalmente, preferia que fosse o PSDB, mas pode ser qualquer outra, desde que seja moderna."

Sem pronunciar nem uma vez o nome da presidente Dilma Rousseff —substituído por "ela", "a chefe dele [Levy]" e "para quem ele trabalha"—, Fraga diz que, apesar da atual crise política, existe uma janela para reformas mais amplas.

"Pode-se chegar a um ponto em que o medo domine e, se houver um mínimo de dignidade política e diagnóstico, pode ser que comece o processo."

Um "bom sinal", para ele, foi a apresentação pelo PMDB do documento "Ponte para o Futuro" (lançado em 29/10). O PMDB, aliás, foi citado pelo economista mais vezes que os tucanos: 3 X 2.

"Temos que mostrar que uma alternativa mais transparente e mais liberal, com um Estado melhor, é muito mais progressista que o que tivemos aqui. O modelo atual é um modelo saturado, um Estado que no fundo não atende aos mais pobres. Eles foram beneficiados, sim, com melhorias importantes, mas há um dinheiro enorme indo para outros lugares e sendo desperdiçado. Essa é uma boa briga política."

À mesa de almoço improvisada numa sala de reuniões da Gávea Investimentos, empresa que ele e seus sócios acabam de recomprar do JP Morgan, Fraga afirma que ainda não se "desintoxicou" da "nojeira" da campanha eleitoral e prefere não pensar na possibilidade de voltar à vida pública.

Usando várias vezes o termo "cardápio" para suas propostas de reforma (leia quais são ao final deste texto), ele elogia a comida preparada pela cozinheira de sua casa, que chega em malas térmicas: salada de alface com abacate, arroz integral, feijão, farofa com cebola, frango grelhado e batata doce corada. "Tudo orgânico."

Folha - Já batemos no fundo do poço?

Armínio Fraga - Não acredito, não. Infelizmente, até para estabilizar vai ser preciso trabalhar bastante. Não vou dizer que seja um poço sem fundo, mas não se corrigirá sozinho.

Existe solução econômica que não passe pelo fim da crise política?

Não.

E o fim da crise política virá como?

Precisa acontecer ao mesmo tempo um entendimento de qual é o cardápio, do que é preciso fazer, e um quadro político que permita essa tomada de decisão. Conscientização e execução.

O quadro hoje é caótico. Qual seria a solução? Há muitas possibilidades

A presidente fica? Não fica? É um caminho mais político? O próprio TSE? Difícil prever. Há muita coisa acontecendo com uma dinâmica própria.

É até bom que tenha mesmo.

Mas, em algum momento, é preciso que haja um grupo suficientemente coeso que faça essa aposta. Essa mudança recente de posição do PMDB, com a proposta, foi um passo importante.

O impeachment é uma solução?

Pode ser. Qualquer coisa que aconteça dentro das regras do Estado de Direito vale. O importante é ser feito assim, para que ninguém possa dizer que é golpe. E é assim que está acontecendo.

Se for isso, se os fatos em geral levarem nosso Congresso, democraticamente eleito, a tomar essa decisão, ou nosso TSE tomar uma decisão nessa área, que assim seja. Pode eventualmente contribuir para uma solução.

Mas não é algo em que se possa dizer "eu quero isso". Pode acontecer porque somos um Estado democrático, aberto, e as instituições vão funcionar, e, se for isso, que assim o seja.
Poderia, sim, poderia destravar alguma coisa, com certeza.

A crise política também é agravada pela espada da Lava Jato pairando sobre o Congresso...

Isso preocupa muito. Outro problema é que muitos ainda pensam que as opções são ou fazer o ajuste ou ser feliz. Isso é absolutamente falso.

Tem sido uma crítica recente do PT em relação ao Levy.

Sim, e pegou. Levy desde sempre não fez uma proposta ousada. Fez uma proposta modesta. Mas foi o que se mostrou possível, dado para quem ele trabalha.

Onde Levy deveria ter sido mais ousado?

As metas já eram desde o início muito modestas e muito específicas no tema fiscal. De lá para cá, só piorou.

Não nos esqueçamos de que, falando em fundo do poço, o buraco é muito mais profundo.

Em 2003, quando o PT chegou, a herança era de um saldo primário de 3,2% do PIB. Falam do "grande ajuste": foi de 3,2% para 3,3% do PIB, 0,1 ponto percentual. Como há uma piora vegetativa, podemos falar em ajuste de meio ponto do PIB. Mais ou menos o que está fazendo agora, só que a economia entrou num buraco, houve perda de arrecadação, os números pioraram.

Algum ajuste houve, mas depois de uma deterioração de quatro, cinco pontos do PIB...

Essa foi a herança que ela própria deixou para si mesma, e que Levy foi deixado a administrar sem poder mostrar que tudo o que está acontecendo foi obra da chefe dele.
Deu no que deu.

Faz-se algum aperto, sempre incomoda, mas é totalmente insuficiente e malfeito. Há muito pouco espaço de manobra.

Com juros altos e PIB caindo, a dinâmica da dívida vai ficar pior, não?

Sim, e, com um primário negativo [gastos públicos maiores que as receitas, exceto despesas com juros], as três peças dessa aritmética estão todas apontando na direção errada.

Isso deve levar à perda do grau de investimento por uma outra agência além da S&P. A perda seria muito negativa, ou o mercado financeiro já antecipou?

O mercado deu uma parada, está em compasso de espera. Houve também um certo alento lá fora, o tom mudou. Houve um movimento global de melhora recente que nos beneficiou. Mas não é uma solução. Nosso problema é interno. A situação lá fora ajuda ou atrapalha um pouco, mas não é decisiva.

O sr. propôs, em artigo, retirar todas as amarras do orçamento.

Sim, desvincular tudo, fazer um Orçamento base zero do governo.
Além, claro, de outras reformas, que, caso tivéssemos ido para o governo, acho que consertaria [leia ao final deste texto]. Dessa forma, se faz o ajuste, recupera confiança, muda de mão, muda de ar, e a economia se recupera.

Hoje estamos no pior dos mundos: não há recuperação nem ganho de confiança. Ao contrário, só faz piorar. E o Levy leva a culpa, o que é um certo exagero.

Qual o principal erro de Levy?

Ter ido para o governo.

[Pausa] O segundo erro foi não ter traçado uma linha divisória: "Se não fizer isto não adianta; chama outro, porque não vou ficar aqui enrolando".

O ex-presidente do BC Henrique Meirelles seria alguém que traçaria essa linha? Meirelles em vez de Levy faria diferença agora?

Resolver esta crise requer um entendimento profundo e realista da situação e um quadro político que permita que as reformas passem.

Nesse meio tempo, como pano de fundo, vemos esse pandemônio geral, um número enorme de lideranças tentando se safar, lideranças importantes, a própria presidente da República, o presidente da Câmara.

E mais: a presença do Lula, uma força gravitacional que afeta o comportamento de todo mundo. Não sei como esta equação se resolve. No curto prazo, nos próximos seis meses, parece muito difícil.
Mas não creio que as ideias de Meirelles seriam muito diferentes das ideias de Levy. Dez anos atrás já se falava que o gasto público não poderia continuar crescendo daquele jeito. E continuou, por mais dez anos.

Agora, estamos em um ponto em que a dinâmica da dívida passou a ser altamente relevante e muito preocupante.

A possibilidade de o Lula voltar é um problema?

Qual Lula que vai voltar, né? Depois de tudo o que aconteceu, tudo o que está exposto Ele decepcionou muito, em muitas dimensões. É muito hábil, se defende, mas é tanta coisa que aconteceu...

Se dependesse de mim, preferia que fosse alguém do PSDB, ou de algum outro partido, alguma liderança que surja. É melhor. Chegou a hora. O PT teve a sua chance, fez essa lambança toda, mais até política e ética do que econômica.

A econômica é uma pena, mas o resto é imperdoável.

Seria bom uma mudança.

Uma área em que a oposição perdeu o debate até agora é mostrar que uma proposta alternativa mais transparente e mais liberal, com um Estado melhor, é muito mais progressista que o que tivemos aqui. Esse debate até agora foi perdido, mas a chance agora existe.

Tem coisa melhor aqui. Bem melhor.

O modelo atual é um modelo saturado, um Estado que no fundo não atende aos mais pobres. Eles foram beneficiados, sim, com melhorias importantes, mas há um dinheiro enorme indo para outros lugares e sendo desperdiçado. Essa é uma boa briga política.

Desse ponto de vista, a crise chega a ser favorável para a oposição, então?

Infelizmente, né? Espero que a oposição saiba demonstrar que tem propostas melhores, neste ambiente de populismo e demagogia, como o do ano passado.

O regime populista em geral não perde nas urnas. Ele quebra. Ainda mais com um líder carismático e inteligente como o Lula; é mais difícil ainda.

E ele tinha o que mostrar, justiça seja feita. O Lula 1 foi excelente. Foi em parte uma continuação do que vinha antes, mas isso não é demérito nem mérito. São ideias boas, testadas, que dão certo. É preciso mostrar que uma reforma que tire o Estado da mão de interesses privados e partidários tem um potencial distributivo enorme.

Está otimista ou pessimista?

Estou muito preocupado. Não gosto de falar em pessimista, porque há um viés. Analiticamente, vejo com enorme preocupação o que está acontecendo aqui.
O quadro econômico pode piorar bastante. E isso tem consequências sociais colossais, possivelmente de longa duração. Nada garante que o país não vai ficar cavando esse poço sem fim. Espero que pare antes de uma fase ainda pior que essa, ou mais prolongada.
O quadro está difícil.

Reformas mais amplas, como as que o sr. propôs, não são mais difíceis numa crise como a atual?

Depende. Pode-se chegar a um ponto em que o medo domine e, se houver um mínimo de dignidade política e diagnóstico, pode ser que comece o processo de reforma. O próprio PMDB ter apresentado a proposta que eles apresentaram é um bom sinal.

Mas é o mesmo Congresso que anulou o fator previdenciário

Claro. Estou tentando preservar uma chama de esperança... [pausa] realista.

Não acredito que o Brasil tenha impedimentos estruturais, que não sejam passíveis de superação. Se você não tem uma perna e quer jogar futebol, é um problema estrutural seríssimo. O Brasil não tem nada disso. O que há somos nós, enquanto sociedade, com dificuldade em organizar nossa vida.

É possível voltar a crescer, mas o país acordou com um buraco fiscal enorme, uma dívida enorme e uma economia muito estragada. Isso requer uma resposta muito caprichada.

É preciso fazer o país voltar a se desenvolver, ou vamos mergulhar no caos profundo. É disso que estamos falando. Não é uma aspirina e um suco de laranja que vai resolver.

O caos profundo é o quê?

É isso que está aí. Estragaram a macroeconomia e a microeconomia. Do lado econômico, é isso. Do lado político, estamos vendo agora ao vivo e em cores, todo dia, uma situação horrorosa, uma doença espalhada por toda a parte, que está sendo processada pelo sistema. Esse é um lado bom. Mas precisa ser resolvido. E daí precisa surgir, provavelmente com uma reforma política, uma base política mais sólida para que se tenha um grupo no poder com uma visão de longo prazo para tomar as medidas.
Não adianta tomar pequenas medidas paliativas.

Há um grupo de pessoas que têm trabalhado em melhorias incrementais, para serem ajustadas aos poucos, em vez de grandes reformas. Há economistas trabalhando nisso...

Sim, e líderes empresariais também, mas acho que estão diminuindo em número. Ninguém pode ser contra melhorias, é melhor do que nada, mas hoje isso não resolve.
Não adianta aprovar a CPMF. Vai aprovar uma a cada três meses? Vamos ficar com um sistema tributário horroroso. Qual a vantagem? Não é por aí.

O fato de que a produtividade do Brasil está estagnada há muitos anos não é tão limitante quanto não ter uma perna?

É o meu ponto. Mesmo depois do ciclo -supondo que ele seja superado e que venha só um ciclo/crise-, há muitos problemas. Mesmo que se supere esse momento de incerteza e medo, nada garante que o país vai crescer do jeito que está. Ao contrário. Tudo indica que não vai.

O país precisa, primeiro, mobilizar mais capital e, segundo, ser mais produtivo. Fazer mais com menos. É uma mudança de mentalidade.

Tem que ter mais concorrência, mais integração, melhor alocação do capital, uma evolução ainda mais pronunciada no mundo da educação. As pessoas estão alfabetizadas, mas a realidade não é boa. O garoto tem seis anos de escola, mas não absorve a leitura.

Pelo menos existe esse debate no Brasil.

Aliás, o debate em geral existe. A mudança no PMDB, em particular, sugere que há possibilidade de uma articulação de ideias que superficialmente seriam um grande sacrifício -eu não acho que são; ao contrário, o sacrifício é ficar do jeito que está- e começam a ser viáveis até no meio político, que em geral opera com um horizonte de tempo mais curto.

O sr. parece bem otimista com o PMDB.

Não. É que acho que foi, pode-se dizer, um pequeno passo. Mas foi. Merece registro. Sou pessimista de que isso vá ser posto em prática. Muito pessimista. Mas hoje o quadro é tal que a chance de isso acontecer é maior.

Exigiria uma mudança maior de concepção de Estado, modelo de economia?

Sim, foi um dos pontos do meu artigo. Este é um Estado gordo, corrupto, ineficaz e quebrado. Esse é o núcleo da questão. Mas as propostas do próprio PSDB, antigas, nossa proposta na campanha, talvez não tão detalhada, porque o momento não permitiu, o próprio PMDB sugerem que isso precisa acontecer.

Há um conjunto de medidas que seriam mais emergenciais, para estancar a sangria, afetar a dinâmica da dívida, as expectativas, e o início de reformas que vão desde lá do setor real, microeconômico, até reforma tributária, integração internacional, educação etc.

O Brasil já está barato o suficiente para compensar o risco de investir aqui?

De maneira genérica, não estou convencido. A taxa de juros está muito alta. Se descontar tudo usando os preços de mercado, diria que não.

Mesmo a taxa de câmbio: como o Brasil passou esses últimos cinco anos por uma perda muito importante de preço de exportação, principalmente, quase toda a depreciação do câmbio veio para compensar isso. Não seria impossível, num momento difícil mais para a frente, o câmbio depreciar bem mais.

A relação de trocas [relação entre preços de exportação e preços de importação] nos oito anos do governo Lula, que coincidiu exatamente com a valorização do câmbio, melhorou 45%. É um ganho enorme. Depois disso piorou o preço do petróleo, do minério de ferro, da soja. O câmbio reage muito a isso, a correlação é grande e há causalidade, não é um acaso.

Mas, perto dos problemas internos, não é tão relevante.

A inflação resistente mesmo com longo desaquecimento é sintoma de quê?

É sinal claro de falta de credibilidade na moeda.

Uma vertente dessa falta de credibilidade é a inflação, outra é o câmbio.

Vejo muitos investidores estrangeiros perguntando: o Banco Central vai aumentar os juros? Isso aqui não é uma discussão tradicional, de curva de Phillips [que relaciona desemprego e inflação]. O Brasil é outra coisa, esse arcabouço de análise não se aplica. Claro que é preciso segui-lo, mas não é só isso, pois está no meio de um contexto de risco enorme, enorme, enorme, bem claro.

Há risco de a inflação sair de controle?

Sim. Está alinhado ao câmbio. O câmbio a R$ 4 de 2002 hoje seria muito mais alto.
Espero que não aconteça, mas é possível.

O BC já comunicou que vai subir juros se a inflação não for em direção à meta em 2017.

Não tem muito jeito. O Banco Central tem que fazer o trabalho dele a essa altura do jogo. Mas não é fácil.

Está difícil subir mais os juros no momento? O Brasil está na chamada dominância fiscal [quando a piora nas finanças públicas limita o uso de juros para controlar a inflação]?

Sim, podemos até dizer que "está" em dominância fiscal. Mas o Brasil não "é" em dominância fiscal. Essas coisas podem mudar.

O que é preciso para mudar?

Fazer as reformas profundas, para deixar o Banco Central trabalhar seguro.

O que o BC faz com o câmbio?

Sou totalmente a favor da flutuação.

Mesmo com a inflação um pouco desgarrada?

Sim. Parece que é muito ter de reserva US$ 200 bilhões -US$ 300 bilhões com um pedaço "swapado" [o BC tem feito contratos de "swap", que funcionam como oferta da moeda]-, mas não é tanto assim no mundo de hoje. Tabelamento artificial do câmbio não dá certo, e mudar o regime para basear em meta cambial já deu errado a vida inteira.

Há algumas semanas, com alta dos juros futuros, começou-se a falar em um risco de choque de crédito e quebradeira.

Está acontecendo já. As empresas já estão quebrando. O crédito secou, para alguns mais que para outros.

Mais para as médias?

Para as grandes, também. É geral. Estamos no meio do processo, ainda. Infelizmente, não terminou. Os balanços dos bancos públicos são menos transparentes, mas até essa encrenca ser processada e, espero, resolvida, muita coisa vai aparecer.

A taxa de desemprego está alta, mas as demissões ainda não aceleraram.

A tendência é piorar. É consenso no mercado que o ano que vem é de nova recessão. Não é um cálculo de engenharia, mas já se fala até em -3% outra vez. Há uma paralisia no investimento bastante grave. Já de algum tempo minha preocupação é que, do jeito que o país está, mesmo depois que esse ciclo se superar... e esse ciclo ainda tem uma dimensão de crise não trivial, em que não fazer nada não é empurrar com a barriga, empurrar com a barriga já exigiria muita coisa.

Se não houver uma mudança bastante radical em como essa economia funciona, não vai ter muito crescimento mesmo após o ciclo.

O quadro é desolador.

O Brasil tem problemas sérios do lado macroeconômico e também setoriais, microeconômicos.
Sem uma solução definitiva do lado macro, as taxas de juro continuam altas, a incerteza, a inflação voltou a ser um problema.

Do lado micro, há o exemplo do setor elétrico, que virou um caos. Não fosse a recessão, provavelmente estaríamos em racionamento.

No setor de petróleo, eles quebraram a Petrobras.

Nosso sistema tributário é outro problemaço.

E o Brasil está desconectado do mundo. Há uma depreciação do câmbio grande, mas, para um país desconectado, o impacto é muito menor. As empresas não se animam; o esforço que elas têm que fazer é muito grande.

Do que não falamos?

De um tema muito complicado, que é cenários. Não quero ficar imaginando cenários de crise e o que fazer a respeito, mas todos têm uma característica em comum: são todos muito difíceis, muito desagradáveis, e todos incluem um buraco fiscal e a perspectiva de que ele cresça junto com a dívida.

Sem mexer na trajetória da dívida, não tem jeito, mas seria também preciso mexer no resto, para que o crescimento volte. Todos os cenários de crise sugerem que algumas dessas peças não foram reposicionadas, o fiscal principalmente. Sem um saldo primário de 3% a 4% do PIB e uma redução do gasto como proporção do PIB, nada resolve. E, sem as reformas, o caminho é muita incerteza, menos investimento, gente indo para fora.

E por outro lado o sr. está recomprando seu negócio [a gestora de recursos Gávea Investimentos, da qual parte havia sido vendida à gestora do J.P. Morgan].

Sim, estou redobrando a aposta. Mas tenho medo. Não sou pessimista, sou até otimista nas minhas decisões, mas nem sempre as coisas tendem a dar certo.

E também seu ramo de negócios não tem barreira geográfica.

Sim, mas a parte importante do nosso negócio é investir no Brasil. Das duas áreas que vamos ficar, a maior é a de participações, em empresas do Brasil. Nossa carteira vai bem, mas é sempre melhor estar em um país que cresce do que em um que cai 3%. Agora, se não resolver o fiscal, o jeito é insistir no modelo que está aí. Porque o resto é uma aventura heterodoxa com um histórico longo no Brasil absolutamente unânime de fracasso. Não há espaço para nada muito diferente.

O programa de leilões de concessão é opção para criar um círculo virtuoso?

A ideia é boa e em tese tem chances de sair.

Mesmo sem o BNDES?

Alguma coisa o BNDES terá que dar. Se as regras forem bem desenhadas, o capital vem. Muita coisa é viável. Algumas não são tão viáveis mas valem a pena assim mesmo porque gera um ganho adicional que a empresa poderia capturar, como em casos de desenvolvimento regional, por exemplo.

Neste caso, estamos com o tanque vazio no momento, mas dá para fazer muita coisa. Parte do atraso no investimento em infraestrutura, que já chega a dez anos, tem problemas operacionais e parte é ideologia. A ideologia parece estar sendo superada pela adversidade.

Parece? Não está convencido?

Não, em muitos casos não. Mas falta também ainda a capacidade de execução. Isso demora. O Brasil perdeu muito tempo numa área que deveria ser a locomotiva, pela necessidade. E faz sentido licitar, para que o Estado possa se preocupar com outras coisas. Onde for o caso, regula. É bom que seja assim.

Os investidores estrangeiros já estão menos inseguros?

Nosso histórico com regras é razoavelmente bom. Houve um ou outro caso mais ou menos complicado, como o do setor elétrico, mas a regra tem sido que o contratado vale.

E o controle de preços?

Isso afeta também. O caso mais grave foi o do setor elétrico e combustíveis, que resvalou no setor de etanol. Está muito longe de ser o paraíso, mas ainda tem muito espaço para as concessões no Brasil e seria uma locomotiva extraordinária, porque tem muita necessidade, o que eleva a chance de acontecer.

O sr. defendeu também rediscutir a Constituição para transformar o Brasil numa economia de mercado, em que qualquer intervenção do Estado tivesse que ser justificada, com meta a ser cobrada.

Isso sinalizaria uma mudança de mentalidade, onde se adquire uma postura mais rigorosa em relação ao Estado, mas um pouco mais cética, também. Não sou um liberal radical, mas é saudável ser cético com o funcionamento do Estado. Como aliás, é saudável ser cético em empresas também.

Já que o Estado recolhe tanto, cobra tanto Não tenho uma meta específica de tamanho para o Estado, mas pelo menos é preciso pensar no assunto. Há países com Estado maior ou menor, mas os que dão certo têm um Estado bom, com igualdade perante a lei, preocupação em entregar o que se propõe.
No nosso caso teria que ter uma preocupação distributiva, pois continuamos muito desigual. Mas feita com espírito mais de buscar igualdade de oportunidades. É nisso que acredito. E exige ter mais concorrência, mais integração, um certo grau de simplicidade nas coisas, no sistema tributário, por exemplo.

Parece uma mudança tão grande quanto a reforma da natureza de Monteiro Lobato.

É um pouco, sim, mas pode estar ficando maduro. Seria um sinal.

É possível num país muito desigual como o Brasil implantar uma competição de economia de mercado? Há igualdade de oportunidades para isso?

Não, claro que não. Nem perto. Esse é o problema.

Eu próprio não creio em uma ideia de Estado mínimo. Não me passou pela cabeça.

Mas hoje o Estado está crescendo sem parar, sem pensar no resultado. Sem reflexão, e com péssimos resultados.

Não defendo nada de muito radical. Vários de nós aqui temos falado há muito tempo da importância de aprender o funcionamento do Estado, avaliando, repensando, experimentando. Hoje se vê muito isso em algumas áreas.

Na educação, por exemplo, há discrepâncias muito grandes entre os resultados que as melhores prefeituras conseguem versus o que um número muito grande ainda consegue. Vamos olhar o que se faz lá em Sobral [CE], o que a [ex-secretária municipal da Educação] Claudia Costin fez aqui no Rio.

A Folha publicou no dia 12 um caderno sobre ilhas de excelência em educação no Brasil.

Acho isso fantástico, porque mostra que é possível. O Rio teve bastante sucesso nessa área, tanto na educação básica quanto no ensino médio, com o [secretário estadual da Educação, Wilson] Risolia e a equipe dele. Vem gente do país inteiro ver. Como eles foram a outros Estados ver o que se faz, a outros municípios. É bom estudar tanto casos de sucesso quanto os mais problemáticos. A gente aprende muito também com a análise dos casos de fracasso.

Não defendo uma obsessão com métricas, resultados, feita de maneira superficial. Pode e deve ser bem profundo. Mas é preciso ter disciplina, transparência, analisar como rotina. Se toda política pública, antes de ser posta em prática, já nascer pensando que terá que passar por avaliação, ajuda muito. No Brasil isso é muito pouco feito. Como agora, com o BNDES abrindo informações, isso é bom. Mais que bom, é imprescindível.

Há um consenso de que os governos do PT promoveram redução da pobreza e queda da desigualdade. Esse ganho pode se perder com a crise?

Acho que é preciso deixar esse experimento chegar ao fim para termos uma conclusão final. Espero que chegue, o mais rápido possível.

A parte de combate à pobreza, principalmente a extrema, foi muito bem-sucedida. Começou com Fernando Henrique, teve uma grande impulso do Plano Real e depois o presidente Lula turbinou esses programas com muito sucesso. A nova classe média teve ganho de renda também, mas não se sabe até que ponto foi sustentável.

Uma parte veio muito além do ganho de produtividade, o que impõe um limite.

E há trabalhos que mostram que uma parte importante das melhorias na pobreza e distribuição veio do próprio crescimento, que parou. Agora está caindo, mas já vinha muito pior que a região: nos quatro primeiros anos da presidente Dilma o Brasil cresceu 2%, a metade da América Latina.

Uma parte desse crescimento de consumo veio pelo crédito, o que é ótimo. Várias gerações de governo trabalharam para isso. Mas ancorar o crescimento do consumo no crédito tem limite, ainda mais com um crédito tão caro quanto o nosso.

As famílias ficaram saturadas, têm que pagar ao menos os juros, que são muito altos, o que é outro problema.

Em geral, a ênfase em distribuição, antipobreza, do PT veio para ficar. Já existia com o Fernando Henrique, que redirecionou o Estado e fez o que precisava no lado macro. Deu certo até um certo ponto. Mas agora estamos numa ressaca monumental. Vai ser preciso organizar a casa para voltar a essa trajetória.

O modelo de transferência é o mais eficiente para reduzir a desigualdade?

O modelo é bom para a pobreza, mas é preciso ter mais ênfase em igualdade de oportunidade e produtividade.

Igualdade de oportunidade inclui sistemas de cotas?

De forma limitada, sim. Mas há soluções melhores a longo prazo. As cotas são mais emergenciais. O ideal é ter educação pública decente para a maioria, saúde pública, vida urbana mais civilizada, com transporte público decente, praias e lagoas limpas. A cota é classicamente emergencial.

O sr. falou em melhoria na economia internacional. Está se referindo aos EUA?

Estava falando de uma melhoria no mercado.

Na economia, os EUA estão bem. A Europa, com o petróleo baixo e o câmbio mais fraco, também está melhorando, mas é uma sociedade mais madura, com outra demografia, outros objetivos. A Europa é um bem de luxo, se comporta de outra forma. Alemanha vai muito bem, mas Itália e Espanha, embora estejam se recuperando, estão longe de ter chegado ao ponto de antes da crise.

A China desacelerou e é um fator importante. E tem, claro, essa saída da política de juro zero nos Estados Unidos, próxima.

Espera para o mês que vem?

É o cenário mais provável.

O pêndulo no mundo já começou a voltar para uma visão mais liberal da economia?

Acho que não, ainda. A China está passando por um processo que tem uma dimensão de mercado. O desenvolvimento deles foi voltado para fora, mas há partes muito grandes da China ainda no modelo antigo, com estatais, bancos públicos e governos locais, um tripé cheio de problemas. Estão pagando o preço por isso agora.

O que acho que aconteceu, não é de hoje, foi uma mudança na direção de um mundo não tão róseo como o de [Francis] Fukuyama, de "Fim da História", em que o mundo teria chegado à conclusão de que a democracia, a sociedade e o mercado eram o único caminho.

Isso mudou. Houve a ascensão da China, com um regime autoritário e outros lugares, como a Turquia e a Rússia, dando sinais. São países grandes. Se pegamos os Brics, só falta Brasil e Índia. E aqui houve uma guinada dirigista claríssima, com certo esforço na área política também. O governo fez algumas tentativas de controlar a imprensa, e o modelo mais recente, a partir do mensalão, de corromper a democracia.

Isso é antidemocrático.

A partir da crise de 2008, que foi mais dos países desenvolvidos, tem havido mais protecionismo. A abertura comercial parou um pouco. Acho que a China vai acabar voltando ao mercado, mas não sei como será na política. Lá dentro, há muito debate. As pessoas não podem se organizar, mas nas universidades há muito mais debate do que se imagina.

O sr. já se desintoxicou da campanha?

Não [risos]. Sou muito de bem com a vida, e não me arrependo de ter me dedicado boa parte do ano passado para ajudar o Aécio, mas não é da minha natureza estar permanentemente engajado nisso. Eu e meus sócios acabamos de recomprar nosso negócio. Ainda não foi concluído mas está em fase avançada. Tenho uma pequena vida acadêmica, estou trabalhando em dois ou três temas.

Está pesquisando que temas?

Taxa de juros. Um trabalho bem completo, histórico, do Brasil, com o professor Tiago Berriel, da PUC-RJ. É um tema enorme, e há pouco escrito sobre isso. Estamos fazendo um trabalho comparativo com outros países e olhando nossa história. Mas tem mais um ano pela frente ainda.

O sr. já esteve duas vezes no governo, voltou nas eleições passadas. Gosta da vida pública?

Se me perguntarem 'Você gosta de ficar indo para Brasília toda semana, indo e voltando', a resposta é não. Saio da minha zona de conforto. Mas alguma coisa aconteceu na minha vida que me meti nisso, e acho que é algo de que poucos têm a chance. Ter a chance de poder pôr em prática boas políticas e tentar fazer o país se desenvolver com D maiúsculo é gratificante. Considero que fui três vezes, porque passei o ano passado não só em campanha, mas preparando o governo.

Mas o ônus foi na campanha, não?

Tem o ônus de tempo, também. Eram 16 horas por dia.

Não foi o tempo que o intoxicou, certo?

Não, foi a nojeira da campanha, a mentirada geral, isso, sim. Que agora está exposta. Mas é muito frustrante, um horror.

Mas voltaria, num governo em que acreditasse?

Prefiro não pensar. Nessas coisas, para valer a pena, ao menos para mim, é preciso que os astros se alinhem um pouco, que haja condições de trabalho. E há muita gente qualificada no Brasil.

Nem se lhe derem a chance de implantar o seu cardápio?

Não sei. Não estou pensando nisso agora, não.

O cardápio de Armínio Fraga
Principais problemas apontados
• Estado incompetente e endividado
• Sistema tributário complexo
• Aparato regulatório desprestigiado
• Elevado grau de dirigismo
• Claro desprezo pela eficiência em geral, e pelo mercado em particular
• Isolamento do mundo
• Má alocação do capital
• Políticas setoriais mal desenhadas

Medidas emergenciais sugeridas
• Metas de saldo primário de 1%, 2% e 3% do PIB para os próximos três anos, baseadas em premissas realistas e receitas recorrentes (as metas atuais não estão sendo cumpridas e, de qualquer forma, são insuficientes).
• Aprovação da idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres (para gerações futuras) e reaprovação do fator previdenciário.
• Desvinculação do piso da Previdência do salário mínimo (essa vinculação é cara e regressiva).
• Introdução de um limite para a dívida bruta do governo federal como proporção do PIB.
• Reforma do PIS/Cofins e ICMS já proposta, acrescida da unificação e simplificação das regras do ICMS (por muitas razões, inclusive a integração interna do país).
• Mudança das regras trabalhistas também na mesa (onde o negociado se sobrepõe à lei).
• Aumento da integração do Brasil ao mundo (um primeiro passo seria transformar o Mercosul em zona de livre comércio).

Medidas mais fundamentais relativas ao Estado:
• Discussão sobre o tamanho e as prioridades do Estado (requer limite ao crescimento do gasto, o que, por sua vez, demanda as reformas abaixo).
• Fim de todas as vinculações e adoção de um orçamento base zero (sem prejuízo de espaços plurianuais, nunca permanentes).
• Meritocracia e a boa gestão no setor público.
• Revisão da cobertura da estabilidade do emprego no setor público.
• Revisão do capítulo econômico da Constituição (adotar a economia de mercado. Qualquer interferência do Estado deverá ser justificada e seus resultados, posteriormente avaliados).

Hier - Música francesa

Vinicius de Moraes: Receita de Mulher

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques

Difícil calcular, ainda, o impacto e o alcance de uma operação como a Lava Jato não só sobre usos e costumes, como também sobre o sistema partidário, esse elemento central da vida democrática. Numa visão clássica da moderna comunidade política de massas, os partidos são a própria “democracia que se organiza”, ao lado, naturalmente, de outros numerosos institutos que expressam o associativismo, representam interesses e, em última análise, animam o confronto de ideias e dão substância ao pluralismo.

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Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das 'Obras' de Gramsci no Brasil. ‘Lava Jato, partidos e democracia’. O Estado de S. Paulo, 15 de novembro de 2015.

PMDB usa congresso para reforçar críticas ao PT

• Principal partido da base aliada fará encontro amanhã no qual pretende destacar suas propostas para o País

PMDB usa congresso para reforçar as críticas ao modelo econômico da gestão petista

• Principal partido da base aliada fará encontro na terça-feira no qual pretende destacar suas propostas para a economia brasileira

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Dividido sobre o melhor momento de se apresentar como alternativa de poder ao governo Dilma Rousseff, o PMDB fará um congresso na terça-feira sem consenso nem mesmo sobre o seu novo programa econômico, intitulado "Uma Ponte para o Futuro". O encontro foi idealizado com o objetivo de fustigar Dilma e acenar para o PSDB e o mercado, mas perdeu força depois que o PMDB aumentou o seu tamanho no Ministério e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), passou a enfrentar processo de cassação no Conselho de Ética.

Mesmo assim, a cúpula do PMDB resistiu às pressões para adiar o congresso - que deve focar as críticas na condução da economia. No momento em que os tucanos tentam ganhar protagonismo na crise, o partido quer fugir da pecha de fisiologismo, destacar suas propostas e deixar claro que não desistirá de lançar candidato próprio à sucessão da presidente Dilma, em 2018. A ideia é transmitir para a opinião pública a imagem de que o PMDB vai se divorciar do PT e só não o fez ainda porque "o Brasil encontra-se em situação de grave risco", como diz um trecho do programa.

Com a ameaça de impeachment refluindo e Cunha na berlinda, acusado de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobrás, o PMDB foi obrigado a recolher as armas na política e a se concentrar nas críticas ao modelo econômico petista. Diante do novo cenário, o vice-presidente Michel Temer - que em agosto afirmou ser preciso encontrar "alguém capaz de reunificar a todos" - adotou posição mais cautelosa, para se preservar, e submergiu.

Afastado da articulação política do Palácio do Planalto e distante de Dilma, Temer tem dito que o objetivo imediato do PMDB é preparar uma agenda consistente para o País. "Se o governo incorporar essas teses, isso será um trabalho do PMDB", avaliou o vice, que também comanda o partido. "Se não, vamos trabalhar como um programa para 2018."

As correntes do PMDB, no entanto, não chegaram a um acordo sobre o documento "Uma Ponte para o Futuro" e querem desidratar as questões mais polêmicas. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por exemplo, detestou o trecho sobre as relações trabalhistas.

O programa propõe que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, achou a ideia "muito boa", mas Renan disse que a norma pode acabar abrindo brecha para a flexibilização de direitos dos empregados, empurrando o PMDB para uma pauta negativa.

"O PMDB é uma federação de partidos e cada um tem uma posição, mas tudo será discutido", disse Renan. "Estou cuidando da Agenda Brasil, que tramita no Legislativo. Creio que com ela será possível criar mais rapidamente as condições para a retomada dos investimentos."

Teses. Escrito pelo ex-ministro da Fazenda Delfim Netto em parceria com o ex-secretário de Política Econômica Marcos Lisboa e o presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Wellington Moreira Franco, o documento do PMDB abriga teses opostas às defendidas pelo PT. Entre elas estão o fim do porcentual previsto na Constituição para despesas com saúde e educação e o término das indexações de benefícios sociais ao salário mínimo. Além disso, o texto atribui a crise atual aos gastos excessivos do governo nos últimos anos.

"Qual é o problema de criticar o governo?", questionou o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE). "O PT faz isso todo dia. Além disso, nós não somos governo. Apoiar é uma coisa e ser governo é outra." Com a reforma ministerial de outubro, o PMDB ampliou o espaço na equipe e passou a controlar sete ministérios, entre eles o da Saúde, dono do maior orçamento da Esplanada.

Sob o argumento de que não adianta procurar culpado pela crise nessa altura do campeonato, Moreira Franco amenizou as divergências em relação ao programa do PMDB e admitiu mudanças. "No PMDB não existe centralismo democrático. Existe maioria", disse dando uma estocada no PT. Ex-ministro de Dilma e amigo de Temer, o presidente da Fundação Ulysses Guimarães garantiu, ainda, que a acusação de corrupção contra Eduardo Cunha, um dos principais líderes do PMDB, não vão constranger o partido. "Estamos assistindo à presidente da República e ao presidente da Câmara discutirem o próprio mandato enquanto a economia vai para o vinagre", afirmou. "É isso que nos preocupa."

'Reflexão'. Informados de que o congresso corre risco de ser esvaziado, dirigentes do PMDB adotaram o discurso de que o encontro foi convocado pela Fundação Ulysses Guimarães para uma "reflexão" do momento. O PMDB, agora, aposta suas fichas na convenção nacional de março de 2016, quando será escolhida sua nova direção. Até lá, a estratégia do partido consiste em ganhar tempo para se descolar da crise, dando visibilidade às propostas econômicas.

Em conversas reservadas, porém, ministros e parlamentares do PMDB admitem que, se o quadro piorar, o rompimento com o PT será inevitável no ano eleitoral de 2016, quando haverá disputa para as prefeituras.

PMDB eleva crítica ao governo

Ala descontente com o Planalto vai pedir o fim da aliança com o PT em congresso amanhã.

Em congresso, PMDB deve elevar tom das criticas ao governo

• Ala do partido pode apresentar pedido para romper aliança com PT, mas isso não será votado no encontro

Maria Lima - O Globo

- BRASÍLIA- Com o mote “O PMDB tem voz e não tem dono”, e depois de divulgar um documento com diretrizes econômicas para tirar o país da crise, o congresso nacional do PMDB, que será realizado em Brasília amanhã, pode se tornar um palco para o vice- presidente Michel Temer e para as alas da legenda que querem romper a aliança com a presidente Dilma Rousseff.

— O partido é player para a sucessão presidencial, agora ou numa futura eleição — diz um aliado do vice.

O congresso peemedebista vai dar visibilidade ao documento intitulado “Uma ponte para o futuro”, elaborado por economistas sob a coordenação do ex- ministro Moreira Franco, presidente do Instituto Ulysses Guimarães. Quando foi divulgado, há algumas semanas, o programa econômico gerou controvérsia com parte do governo, já que propõe uma ruptura do atual modelo, apontado pelo PMDB como a origem da grave crise que o país atravessa na economia.

A ala descontente do PMDB quer também aproveitar o congresso para dinamitar a relação com o governo e o PT. Esses peemedebistas devem apresentar uma moção de rompimento da aliança, mas o efeito disso será apenas midiático, porque qualquer deliberação partidária sobre o posicionamento do partido só poderá ocorrer na convenção nacional, marcada para março do ano que vem. Porém, uma outra ala do partido, encabeçada pelos ministros que estão satisfeitos com a nova fatia de poder na Esplanada, tenta botar panos quentes e evitar que o movimento antigoverno ganhe corpo.

Nesse cenário de divisão, o PMDB terá ainda que administrar outra saia justa: a participação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ). Ele já disse várias vezes que prefere que o partido rompa a aliança com o governo. Agora, pressionado pelas investigações da Operação Lava- Jato, também pode usar o evento para buscar apoio contra sua cassação no Conselho de Ética.

Temer, que é presidente da legenda, deve adotar o tom de “reunificar a sociedade que está muito dividida”, segundo Moreira Franco — que trabalha nos bastidores para viabilizar a posse do vice em caso de impedimento de Dilma. Outro integrante dessa ala, o senador Romero Jucá ( PMDB- RR) comandará uma sala de discussão sobre o programa econômico do partido e, no encerramento, vai apresentar o documento final com as mudanças propostas.

No discurso, Temer vai detalhar a crise e defender as medidas do programa do PMDB para resolver, por exemplo, a crise que tem devolvido 40 milhões de brasileiros que ascenderam à classe C a condições até piores do que enfrentavam antes. Vai ressaltar que o modelo de retomada do crescimento econômico e da capacidade de investimento do PMDB não tem nada a ver com a atual matriz econômica do governo Dilma.

— Estão querendo nos colocar num falso dilema. Cunha e Dilma ficam se ameaçando ao redor do impeachment, os números pioram a cada dia, e, enquanto isso, o país não discute alternativas para o que aí está. Neste quadro, temos que discutir saídas para a crise. Não se trata de Michel ( Temer) se colocar como “esse cara sou eu” — diz Moreira Franco.

Outro dirigente do PMDB, mais ligado à ala governista, diz que não há movimento para esvaziar o congresso da sigla: pelo contrário, o trabalho seria para trazer o máximo de gente possível para mostrar a vida partidária nos estados e a unidade partidária para os desafios do futuro.

— É o momento para falar. É bom ter essas sessões de exorcismo, ver o que vai na alma do partido. Michel e Moreira lançaram o programa para debate na sociedade. Temos a espinha dorsal de um programa para assumir hoje ou depois de uma nova eleição. Se tiver que assumir amanhã, esse é o nosso programa — diz esse integrante da Executiva Nacional.

O ex- ministro Geddel Vieira Lima ( PMDB- BA), que defende o rompimento com o governo, afirmou ao GLOBO que há uma tentativa da ala mais governista de esvaziar o congresso da legenda.

— Como houve uma grande repercussão no lançamento do programa, os ministros não querem uma manifestação real contra o governo no congresso — avalia Geddel.

PMDB e PSDB antecipam sucessão de Dilma

Por Thiago Resende e Raymundo Costa – Valor Econômico

BRASÍLIA - A três anos da eleição, a sucessão presidencial já está nas ruas. PSDB e PMDB tentam emergir como resposta à crise do governo federal. O primeiro partido a apresentar uma alternativa aos governos do PT, há 13 anos no poder, foi seu parceiro e vice PMDB, que realiza amanhã o seu congresso partidário, em Brasília. O encontro irá discutir o documento "uma ponte para o futuro", publicado no mês passado. Em dezembro, será a vez do PSDB divulgar seu texto.

O PT, por seu turno, tenta escapar da pauta negativa em que se encontra desde o início do ano - para ser mais preciso, talvez, desde a época do mensalão, o esquema de compra de votos por apoio do Congresso desvendado em 2005. Em seu site no internet, o partido divulgou uma cartilha rebatendo 13 pontos sobre os quais recaem acusações e críticas à sigla.

Uma pesquisa do Ibope divulgada recentemente chamou a atenção dos dirigentes partidários: do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à ex-senadora Marina Silva, passado por José Serra e Geraldo Alckmin (ambos do PSDB-SP), todos apresentaram altos índices de rejeição. A leitura óbvia - e reforçada pelo PT, que tem interesse nela - é que a população cansou das querelas congressuais e quer mais ação positiva de seus representantes. Mas pode ser também um reflexo da "antipolítica" manifestada em protestos.

O documento pemedebista foi visto por muitos como um programa mínimo para um eventual governo do vice-presidente Michel Temer, no caso do impeachment da presidente Dilma Rousseff. A discussão da "Proposta Temer" será um passo no descolamento do atual governo, mas sem perspectivas de rompimento, até porque não será a esfera partidária capaz de tomar esse tipo de decisão, de acordo com o líder da legenda no Senado, Eunício Oliveira (CE), que não descarta a possibilidade de pemedebistas externarem o desejo de saída do governo.

"Não tenha dúvida que o PMDB vai querer uma candidatura própria nas eleições presidenciais. O PMDB tem que sair completamente do governo em algum momento para essa disputa. Mas agora geraria muita instabilidade", observou Eunício.

Promovido pela Fundação Ulysses Guimarães, o evento vai reunir principalmente pemedebistas críticos à gestão Dilma e à política econômica. O presidente da Fundação é o ex-governador do Rio de Janeiro Wellington Moreira Franco, que, segundo parlamentares, ainda está irritado por ter sido "cortado" do ministério de Dilma e muito ligado a Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Lula, que se opõe ao atual governo. Moreira foi ministro da secretaria de Assuntos Estratégicos e da Aviação Civil, até o ano passado.

Antes de o ano acabar, em dezembro, o PSDB também vai reunir as propostas do partido num documento. "O PSDB não pode resumir sua atuação política ao impeachment", disse o senador Aécio Neves, presidente do PSDB. Aécio evita dar detalhes do documento que, de acordo com ele, fará um diagnóstico da crise econômica e com propostas para o país, principalmente, na área social. Mas um debate no plenário do Senado neste mês entre Serra, Aécio e Tasso Jereissati (PSDB-CE) sinaliza um dos pilares do plano: o comércio exterior.

"Se internamente a economia vai mal, o natural seria apostar nas exportações, mas prevalecem, na política externa, as mesmas ideias atrasadas da política doméstica, com consequências ainda mais graves", discursou Tasso. Na mesma linha de raciocínio, Aécio ressaltou que, nos dez primeiros meses do ano, as importações recuaram 22% e as exportações em um ritmo um pouco menor por causa da desvalorização do real. "Isso faz com que haja agora um superávit na nossa balança comercial alcançado pela pior das equações, exatamente consequência da retração da nossa economia", concluiu o presidente da sigla.

A oposição não desistiu do impeachment, mas teve que mudar a postura para ficar mais parecida com a rua. O PSDB rompeu - o que hesitava fazer - com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), investigado pela Lava-Jato, e quer mostrar ideias de governo.

Na semana passada, Aécio reuniu-se com deputados federais que são pré-candidatos a prefeitos nas eleições de 2016. "O que podemos fazer agora quanto PSDB, além das críticas, além da correção de rumos que temos aqui cobrado, estamos apresentando propostas", afirmou o presidente nacional do partido, derrotado por Dilma nas eleições presidenciais do ano passado.

Um deputado tucano que participou do encontro contou que o partido vai insistir nas críticas ao aumento de impostos e deve defender corte mais vigoroso nas despesas da máquina pública e mais recursos para o Bolsa Família.

PF detalha propina em Pasadena

Novo colaborador da Operação Lava- Jato promete entregar documentos que mostram que ex- diretores da Petrobras indicados pelo PMDB receberam propina por Pasadena.

PF começa a fechar acordos de deleção premiada

• Doleira Nelma Kodama, parceira de Alberto Youssef, foi a primeira a aceitar

Cleide Carvalho – O Globo

- CURITIBA- A Polícia Federal vai começar a negociar e fechar diretamente acordos de delação premiada na Operação Lava- Jato. Até agora, as delações eram feitas apenas na esfera do Ministério Público Federal. A doleira Nelma Kodama, que atuava em parceria com Alberto Youssef, foi a primeira a fechar acordo com a PF. A alteração deverá servir para agilizar as investigações, uma vez que o interesse pelos acordos é grande, e muitos possíveis colaboradores podem ajudar a elucidar pontos específicos de apurações, feitas pela polícia, ainda em andamento. Tanto na PF como no MPF, a homologação é feita pela Justiça.

A colaboração com a PF segue os moldes das que são acertadas com os procuradores da República, ou seja, pode resultar também em redução de penas, por exemplo. Nos depoimentos à Polícia Federal, são abordadas provas específicas.

— Para nós, essas novas delações valem mais do que os depoimentos iniciais — afirma um dos investigadores, referindo- se aos depoimentos tomados depois da homologação do acerto.

As mais de 30 delações firmadas até agora foram conduzidas apenas pela força- tarefa do MPF. Com a abertura do leque, a PF dará a largada em uma série de negociações com outros envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras. Os depoimentos poderão ser acompanhados por procuradores. A intenção é atrair delatores ligados a empresas que possam dar mais detalhes sobre os mecanismos usados para pagamento de propina.

Investigação entra em nova fase
A investigação das empreiteiras entrou também em nova fase. A PF iniciou a perícia da contabilidade das empresas, mesmo daquelas cujos executivos já foram julgados em ações da LavaJato, como a OAS e a Mendes Júnior. A perícia foi detalhada e passou a ser mais completa depois das informações apresentadas pela Camargo Corrêa, que fechou acordo de leniência.

O objetivo é detalhar quem recebeu valores significativos das empreiteiras e identificar outros repassadores de recursos que não são os operadores já identificados pelo ex- gerente da Petrobras Pedro Barusco, que fechou acordo de delação.

Boa parte da propina a políticos foi repassada por empresas de consultoria, assessorias ou escritórios de advocacia. A Camargo Corrêa identificou 13 fornecedores que ela própria usou para repassar dinheiro, entre eles dois escritórios de advocacia. A Odebrecht foi a primeira das empreiteiras do cartel a ter sua contabilidade dissecada depois do acordo de leniência feito pela Camargo.

Do pente- fino na contabilidade poderá ainda, segundo os investigadores, surgir mais nomes de políticos beneficiados com repasses de recursos, inclusive, fora do âmbito da Petrobras. A investigação também revela esquemas, por exemplo, na hidrelétrica de Belo Monte e na Eletronuclear, ambas alvos de fraude envolvendo pessoas já investigadas no âmbito da Lava- Jato.

A devassa contábil deverá ajudar a PF em duas investigações mais complexas, do grupo Andrade Gutierrez e da construtora Queiroz Galvão. A Queiroz segue apenas como investigada na Lava- Jato, mas, segundo relatório da PF, foi a segunda empreiteira mais beneficiada com contratos da Petrobras entre as 27 empresas do cartel.

Nova fase da Lava-Jato apura contratos da Abreu Lima e Pasadena

• PF deflagra 20ª etapa da operação com 18 mandados, sendo dois de prisões temporárias

Por O Globo

SÃO PAULO - A Polícia Federal deflagrou na manhã desta segunda-feira a 20ª fase da Operação Lava-Jato – Operação Corrosão. Estão sendo cumpridos dois mandados de prisão temporária e cinco mandados de condução coercitiva nas cidades do Rio de Janeiro, Rio Bonito (RJ), Petrópolis (RJ), Niterói (RJ) e Salvador, na Bahia. Também serão cumpridos 11 mandados de busca e apreensão.

As ações policiais, segundo a PF, têm como alvo ex-funcionários da Petrobras investigados pelo recebimento indevido de valores por parte de representantes de empresas contratantes da estatal, notadamente em contratos relacionados com as refinarias Abreu e Lima e Pasadena.

Também estão sendo cumpridas medidas em investigação que apura a atuação de novo operador financeiro identificado como facilitador na movimentação de recursos indevidos pagos a integrantes da Diretoria de Abastecimento da Petrobras.

Os investigados responderão pela prática dos crimes de corrupção, fraude em licitações, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, dentre outros crimes em apuração.

Os presos serão levados ainda hoje para a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, no Paraná.

Aval de Lula garantiu contrato bilionário com a Petrobras, diz delator

Bela Megale – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Representantes do grupo Schahin que fecharam um acordo para colaborar com as investigações da Operação Lava Jato indicaram que o aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi decisivo para que o grupo conseguisse um contrato bilionário com a Petrobras em 2007.

Segundo eles, o contrato foi uma compensação em troca do perdão de uma dívida milionária que o PT tinha com o banco Schahin. Foi o empresário José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente, que mencionou o apoio de Lula a executivos do grupo durante as negociações para livrar o PT da dívida, eles disseram.

As negociações ocorreram no fim de 2006, após a reeleição de Lula, de acordo com um dos depoimentos colhidos pelos procuradores da Lava Jato. Em 2007, poucos meses depois da conversa com Bumlai, a construtora do grupo Schahin assinou com a Petrobras um contrato de US$ 1,6 bilhão para operar o navio-sonda Vitória 10.000.

Delação
O episódio foi relatado a procuradores da Lava Jato na semana passada, em Curitiba, por um dos acionistas do grupo, Salim Schahin. Ele controla o grupo com o irmão, Milton. As negociações para que o Schahin colabore com as investigações tiveram início há quase dois meses.

Salim fechou na semana passada acordo de delação premiada em troca de redução da sua pena no futuro, mas o acordo ainda não foi homologado pelo juiz federal Sergio Moro, que conduz os processos da Lava Jato no Paraná.

Representantes do grupo Schahin que participam das negociações disseram que os acionistas não tiveram contato com o ex-presidente Lula, mas acharam suficiente a garantia oferecida por Bumlai de que ele daria seu aval ao contrato do navio-sonda.