sábado, 19 de dezembro de 2015

Dilma assume a Fazenda e nomeia Barbosa – Editorial / O Globo

• O grande risco que o país corre é a presidente dobrar a aposta no ‘desenvolvimentismo’, para ressuscitar a ruinosa política que afundou o país em grave crise

A razão pela qual Joaquim Levy foi um dos mais fracos ministros da Fazenda dos últimos 25 anos ficou explícita ontem, na confirmação da sua troca por Nelson Barbosa, ministro do Planejamento. Além de não ter sido qualquer surpresa — pelo perfil de Barbosa, próximo ao PT —, a mudança confirma que a presidente Dilma Rousseff é o verdadeiro ministro da Fazenda, o que implica nova dose de riscos para o país e mais preocupações com o futuro, já muito nebuloso, da economia.

Levy, na realidade, jamais pôde exercer na plenitude o cargo. O que reforça, entre várias análises sobre este primeiro ano de Dilma II, a de que a presidente aceitou colocar na Fazenda alguém como Levy — conhecido organizador de finanças públicas e que executou bom trabalho na Secretaria do Tesouro, no primeiro mandato de Lula — mais para aquietar mercados, até porque o ministro passara um bom tempo em cargo de direção no Bradesco, do que para fazer as reformas necessárias (da Previdência, do Orçamento etc.). Tampouco cortes efetivos no Orçamento, de que Dilma sempre foi contrária.

Ao nomear Barbosa no Planejamento, este, sim, de sua confiança, a presidente repetiu a fórmula, muito usada, de ter na equipe um contraponto ao ministro da Fazenda, para controlá-lo. Foi isso, porém bem mais: Nelson Barbosa ganharia todas as disputas mais importantes que teve com Levy. Não era mesmo para o ministro da Fazenda atuar.

Parece até que se tratava de uma farsa. Mesmo quando, anunciada ainda no final do governo Dilma I — movimento feito para se contrapor à velocidade da deterioração do ambiente econômico —, a dupla estabeleceu metas de superávits primários. Pelo menos Levy não tinha ideia dos bilhões das pedaladas camuflados pela “contabilidade criativa” exercitada pelo secretário do Tesouro Arno Augustin, com o conhecimento do ministro da Fazenda Guido Mantega, e sob as bênçãos de Dilma. Já a virtual condutora da política econômica.

À medida que os esqueletos fiscais eram exumados, seria necessário fazer cortes mais fundos. Nada aconteceu, porque Dilma não aceitava, e os gastos continuaram e continuam a subir. Como não concordou agora com o tíbio superávit de 0,7% do PIB defendido por Levy para 2016, convertido por ela e Nelson Barbosa em 0,5%, mas que na verdade será zero. E, assim, a dívida pública subirá mais degraus, enquanto continuarão a cair as notas de risco do país. Cimenta-se a sepultura do Plano Real.

O enorme risco é Dilma dobrar a aposta com a ressurreição, agora às claras, do “novo marco macroeconômico”, aplicado por ela no primeiro mandato, uma política ruinosa da qual Barbosa foi um dos formuladores. Mesmo nesses tempos de feriados, os mercados, na segunda-feira, indicarão o tamanho do pessimismo com o futuro da economia brasileira.

Um ministro à moda de Dilma – Editorial / O Estado de S. Paulo

O recém-escolhido ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, já estará desacreditado quando assumir o posto, se aceitar publicamente o papel de mero executor de uma política ordenada pela presidente da República – e de continuador da desastrosa Nova Matriz Econômica. Quem banca a política econômica é a presidente “e ela convoca o ministro para cumprir”, disse ontem o chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. Mas há uma enorme diferença entre bancar e mandar cumprir. O presidente Itamar Franco bancou o Plano Real, formulado pela equipe do Ministério da Fazenda. Foi um sucesso. Em 1964, o presidente Castelo Branco bancou o plano dos ministros Octávio Bulhões e Roberto Campos. Ambos puderam implantar uma política anti-inflacionária, criar o Banco Central, reformar o sistema financeiro e modernizar a tributação, executando uma pauta discutida, mas nunca bancada, no governo anterior.

Países desenvolvidos e em desenvolvimento com desempenho muito melhor que o do Brasil nos últimos cinco anos tiveram políticas concebidas e executadas por ministros com muito respaldo e pouca interferência de seus chefes. As economias em pior situação na América do Sul, a argentina e a venezuelana, foram devastadas por presidentes voluntaristas e preocupados mais com o poder do que com o governo.

A Fazenda tem de ter um perfil técnico e arrojado, disse o ministro Joaquim Levy, também ontem, numa entrevista de fim de missão. Ele até falou de forma positiva sobre a relação com a presidente Dilma Rousseff, mas o perfil de ministério por ele defendido é obviamente incompatível com o padrão de governo vigente no País – e sustentado com a ativa participação de seu colega do Planejamento e agora sucessor. Levy mencionou como um dos avanços do ano a correção das tarifas de eletricidade, fator relevante, segundo ele, para o sucesso do leilão de outorgas do setor elétrico no mês passado.

Mas o realinhamento das tarifas e dos critérios de outorga foi, acima de tudo, uma correção de medidas e de critérios impostos pela presidente Dilma Rousseff em seu primeiro e desastroso mandato. O ministro omitiu esse dado, mas todo o seu balanço dos fatos positivos – como a mudança da relação com os bancos federais – foi uma crítica indireta aos desmandos acumulados nos cinco ou seis anos anteriores.

Com meias-palavras, o ministro apontou a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e do projeto de Orçamento de 2016 como sinais de missão cumprida – pelo menos parcialmente. Mas os dois projetos envolveram conflitos até o último instante.

A presidente, apoiada pelo ministro Nelson Barbosa, ainda tentou, na última hora, afrouxar ou mesmo zerar o superávit primário de 2016, propondo uma meta na faixa de zero a 0,50% do Produto Interno Bruto (PIB). A mensagem foi recebida, mas acabou prevalecendo apenas o superávit de 0,50%, menor que o defendido por Levy (0,70%), mas, de toda forma, diferente de zero. Levy elogiou os congressistas, sem citar seu esforço para anular o lance presidencial.

Não se faz a economia crescer sem gastar com investimento, disse ainda o ministro do Planejamento, numa última crítica ao esforço de Levy. É preciso gastar, mas é preciso pagar o gasto realizado, respondeu na entrevista o ministro da Fazenda, deixando uma lição para seu substituto. Poderia ter acrescentado: também é bom ter competência para elaborar e executar projetos.

Dois dias antes a Fitch havia rebaixado o crédito do Brasil ao grau especulativo, acompanhando a Standard & Poor’s. Foi o coroamento, em 2015, das políticas combinadas entre a presidente e seu ministro do Planejamento, recém-anunciado como sucessor de Levy. A contração econômica de mais de 3%, o desemprego próximo de 10%, a inflação acima de 10% e uma crise fiscal ainda muito grave também entram no balanço. Tudo ficará pior, se a presidente continuar bancando decisões voluntaristas, porque nenhum investidor ou credor bancará desvarios econômicos.

Tentações de Dilma – Editorial / Folha de Dilma

A agonia constrangedora da demissão de Joaquim Levy, típica das decisões do governo Dilma Rousseff (PT), chegou ao fim com a nomeação de Nelson Barbosa para o Ministério da Fazenda.

Quase ocioso dizer que, ao menos a princípio, a escolha representa a reorientação do que restou da política econômica, confirma a volta de um pensamento favorável ao aumento dos gastos públicos, complementa a expulsão de um corpo liberal que o Planalto considerava estranho e atesta a falta de opção do governo.

Seria difícil encontrar um candidato a ministro respeitável, com perfil ortodoxo e ainda disposto a se submeter ao desgaste, quando não sabotagem, sofrido por Levy.

Para Barbosa, será difícil afastar a impressão de que não passa de correia de transmissão das opiniões econômicas de Dilma.

Apesar de ter discordado publicamente da radicalização intervencionista e do extremo de irresponsabilidade do primeiro mandato da presidente que agora o nomeia, o novo ministro compartilha de ideias análogas.

Sua condução à Fazenda agrada ao PT e constitui inegável gesto em direção aos grupos que foram às ruas se manifestar contra o impeachment de Dilma, desde sempre inimigos de Levy. O ministro Barbosa corresponderá integralmente à simpatia com que será recebido por essa ala da esquerda?

Pelo bem do país, espera-se que não –pois isso significaria abandonar o ajuste das contas públicas, condição necessária para a economia nacional sair do buraco em que se encontra. Também significaria desistir de algumas reformas de longo prazo, sem as quais a recessão vai se arrastar dolorosamente.

Diga-se que, quanto a isso, resta esperança. Não faz muito Barbosa defendia mudanças na Previdência –sempre rechaçadas pelo PT, mas cruciais para a saúde dos cofres públicos. Em sua primeira entrevista coletiva no novo cargo, afirmou seguidas vezes a necessidade de perseguir o equilíbrio entre receitas e despesas.

De resto, no fundo nem há dinheiro em caixa para o novo titular da Fazenda se entregar a estripulias desenvolvimentistas.

Dilma, se não quiser amplificar a instabilidade financeira que ameaça seu mandato, precisa ouvir todas as vozes que se manifestam de modo sensato sobre a reconstrução da economia brasileira.

Reconstrução –palavra precisa, pois a destruição é imensa.

O descrédito nos planos econômicos do governo é amplo. O adiamento de definições políticas para depois do Carnaval faz com que intenções de investimento permaneçam nas gavetas empresariais. O Banco Central colocou-se na posição de ou aumentar os juros a partir de janeiro, aprofundando a recessão, ou lavar as mãos quanto à inflação, que ronda os 11% ao ano.

Decerto Joaquim Levy contribuiu no combate a aberrações do primeiro governo Dilma, como controle de preços, expansão temerária do crédito dos bancos públicos, devastação de estatais, gastos ilimitados e malversação da contabilidade.

Não houve reconstrução, todavia, dado o tumulto político e a repulsa da presidente a reformas.

Não há balizas ou âncoras para a política econômica nem esteio político para animar decisões maiores de empresas e consumidores.

O Congresso aprovou o Orçamento para 2016, que registra a promessa do governo de gastar menos do que arrecada, se desconsideradas as despesas com juros.

O documento, entretanto, tem sido ignorado pelo setor privado, que projeta deficit próximo a 1% do PIB –o governo comprometeu-se com superavit de 0,5% do PIB, uma diferença de estimativas que monta a R$ 100 bilhões.

O descrédito tem consequências práticas, ressalte-se. A falta de rumo quanto a gastos e taxas de juros obviamente prejudica o cálculo de impostos futuros, taxas de câmbio, custo do dinheiro. A inexistência de perspectiva mínima sobre a duração da crise suscita cautela que realimenta a recessão.

Ainda que em 2016 a economia permaneça estagnada em relação ao trimestre atual, o PIB será pelo menos 2% menor que em 2015. Outro ano de atividade reduzida e de ociosidade nas empresas provocará mais demissões. O cidadão sentirá um impacto maior. Por ora, o país perde empregos formais ao ritmo de 1,5 milhão por ano.

Há meios e bases para evitar o pior, mesmo no curto prazo. A renda média dos trabalhadores ainda está apenas estagnada em relação ao ano anterior. Não há notícia de uma onda de grandes falências. As contas externas estão em ordem, não há fuga de capitais.

Mesmo depois da devastação, restaram alguns pilares para a reconstrução. Serão derrubados, contudo, se a presidente Dilma Rousseff, agora secundada por Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda, insistir no erro que foi fazer do país um laboratório para experiências ideológicas –essa a perigosa tentação nunca dissipada.

W. Moreira Franco | PMDB: Um horizonte com menos riscos e mais previsível

-Valor /Cenários – Como desatar?

O ambiente econômico em um mundo interdependente e em constante mudança é sempre um ambiente de incerteza. O progresso econômico tem sido através do tempo um processo pelo qual os homens tratam de reduzir ao mínimo possível os graus de incerteza, como forma de incentivar decisões de poupar e de investir, que vão produzir seus resultados num futuro ainda não conhecido. A redução da incerteza dá-se por meio da estrutura institucional, ou como diz Douglass North, das regras do jogo.

Todos sabemos que a economia brasileira está passando por uma crise severa. A renda nacional em 2015 voltou ao nível de 2011, num declínio inédito em nossa história. A renda por habitante está encolhendo, o desemprego aumenta, a inflação voltou a se elevar e a formação de capital, que vai determinar o crescimento futuro, está praticamente estagnada. Para coroar essa sequência de problemas, temos um grave desequilíbrio entre gastos e receitas públicas, que vai se traduzindo numa elevação do endividamento público.

Em qualquer sociedade moderna, a estagnação econômica e o declínio da renda das pessoas produzem desesperança e medo, forjam o ambiente para o surgimento de perturbações sociais. Esse potencial pode ser explosivo em sociedades ainda pobres e nas democracias de massa. Na verdade, ainda não sabemos como uma democracia de massa pode funcionar num ambiente recessivo e sem horizontes.

Não pode haver dúvidas de que a economia brasileira precisa reencontrar o caminho do crescimento econômico e que deixar as coisas como estão não é alternativa. Mas para que isso seja possível é necessário compreender porque a economia deixou de crescer. Uma percepção imperfeita de nossos problemas reais pode tornar a nossa crise cada vez mais grave. No entanto, esta possibilidade infelizmente não pode ser descartada pois ainda há gente que clama por mais gasto público e mais crédito para o consumo pessoal.

O ponto de partida para voltarmos a crescer é a recuperação e a volta do investimento privado. O investimento público, dada a dimensão da crise fiscal que afeta todos os níveis de governo, não será ainda por muito tempo o motor de qualquer crescimento duradouro. Nem pode ter qualquer papel relevante o aumento do consumo privado por meio de crédito.

Crescer de verdade nunca deixou de ser produzir mais para o mercado doméstico e para as exportações. Enquanto não nos convencermos disto não daremos qualquer passo à frente. O investimento privado não reage porque as regras do jogo tornam nosso futuro excessivamente incerto. E as incertezas derivam predominantemente da atividade do Estado, numa certa medida em razão da Constituição e das leis.

Mas, também e complementarmente, são resultado de algumas crenças e percepções compartilhadas pelos atores políticos e por grande parte da sociedade. Reduzir essas incertezas vai depender de reformas legais e de um diálogo sincero com a sociedade.

A primeira fonte de incerteza em relação ao futuro diz respeito à situação fiscal do Estado. Nos últimos vinte e cinco anos, os gastos primários do Estado cresceram em média acima da taxa de crescimento do produto. Num primeiro momento esse excesso foi financiado com a elevação da carga tributária, que cresceu quase 50% no período. Quando a disposição da sociedade de pagar mais impostos diminuiu, o Estado passou a incorrer em déficits e aumento da dívida pública, processo que se aproxima neste momento de um limite crítico.

Este aumento de gastos é resultado de normas legais que tornam certas despesas obrigatórias, estabelecem vinculações orçamentárias e determinam a indexação de rendas e benefícios. Uma outra parte resultou de decisões do governo que geraram expansões da interferência e do papel do Estado. No momento, o déficit do governo se aproxima de 10% do PIB e a dívida pública de 70% do PIB. Este cenário projeta uma trajetória futura claramente insustentável para a economia, com aumento da inflação, dos juros, do câmbio, e com a total ocupação do mercado de capitais pelo financiamento da dívida pública.

Nestas circunstâncias tudo se torna imprevisível e empreendedores compreendem que o risco de investir é grande demais. Tornar o futuro menos arriscado e mais previsível, condição indispensável para o investimento privado, é a primeira tarefa com que se defronta o governo. Para isso é preciso reordenar o funcionamento do Estado, reconhecendo as limitações derivadas da escassez. Para tal, é necessário constituir maioria política capaz de mudar as regras da Constituição e das leis que tornam automático e inevitável o desequilíbrio fiscal. Significa devolver a autonomia do Parlamento na definição do orçamento público, condicionando-o às necessidades e exigências de uma economia normal, com baixa inflação, juros baixos e câmbio num nível de equilíbrio.

Essa maioria política e parlamentar não é um sonho impossível. Mesmo nas tumultuadas relações presentes entre governo e Congresso, muitas medidas de prudência foram aprovadas, embora insuficientes numa visão mais integrada e de longo prazo de uma trajetória de equilíbrio fiscal. Está se constituindo aos poucos no sistema político, na mídia e nos setores mais informados da sociedade, uma compreensão mais realista dos limites do gasto público, da carga de impostos e mesmo da ação do Estado.

Penso que a sociedade brasileira nesta quadra de nossa vida está evoluindo para entender que estamos correndo grande perigo. Está se formando uma consciência de que algo errado está acontecendo e que soluções não cairão do céu. A economia brasileira está à deriva e esta constatação cria o clima propício ao entendimento e a alguma forma de união.

Se persistimos na ilusão da hegemonia e na divisão sistemática da sociedade entre "nós" e "eles", ou, pior, de "nós" ou "eles", nosso drama político e econômico alcançará o paroxismo, a partir do qual tudo será possível. Temos hoje uma grande oportunidade de evitar isto, compondo forte maioria, mesmo que transitória, para devolver ao país sua capacidade de crescer com ordem, justiça e juízo. E não podemos perdê-la.
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W. Moreira Franco, ex-governador do Rio, ex-deputado e ex-ministro do governo Dilma Rousseff, atualmente preside o Instituto Ulysses Guimarães, vinculado ao PMDB.

Aécio Neves | PSDB: Reconquistar a confiança no Brasil

Valor / Cenários – Como desatar?

As múltiplas crises que atingem o Brasil -no plano fiscal e econômico, no campo moral e político - se alimentam mutuamente e caminham a passos largos para um agravamento ainda maior, dada a ausência de rumo do governo Dilma Rousseff. É zero a confiança que a gestão do PT inspira hoje tanto nos investidores quanto em quem trabalha e produz. Ou, pelo menos, naqueles que ainda restam depois de o país ser novamente rebaixado.

Vivemos um retrocesso de no mínimo uns 20 anos. Experimentamos sensações que pareciam ter ficado no passado, mas ora ressurgem. Corremos céleres para uma nova década perdida.

É importante entender que as causas por trás da combinação perversa de crescimento negativo, inflação de dois dígitos, desemprego caminhando para ultrapassar 10% já no início de 2016, crescente desequilíbrio fiscal e perda de confiança da população e dos investidores no governo são domésticas, e não externas.

É verdade que o menor crescimento mundial, em especial da China, derrubou os preços de commodities a partir de 2011. Mas nossos vizinhos exportadores de matérias-primas, ao contrário de nós, continuaram e continuam crescendo.

No Brasil, uma sucessão de decisões erradas e políticas de governo ruinosas adotadas desde 2009 geraram o cenário atual, que não é outro senão o de um desastre de grandes proporções, que ora se transforma em aguda crise social. O fracasso poderia ter sido pelo menos atenuado se houvesse nos últimos anos algum compromisso do governo petista que não fosse apenas com seus interesses próprios. Nunca houve.

Neste e no próximo ano duas quedas sucessivas importantes acontecerão: do PIB e da renda per capita, esta acumulando baixa de 9% entre 2014 e 2016. São os brasileiros empobrecendo, é o país andando para trás.

Um exemplo da irresponsabilidade com que o governo vem conduzindo o país - e tudo indica que a vontade da presidente da República é perseverar nos erros - foi a expansão da dívida pública a partir de 2009. O que deveria ter sido um instrumento temporário de combate à restrição do crédito decorrente da crise mundial naquele ano acabou se transformando em política permanente de concessão de subsídios, aumentando o endividamento bruto em mais de R$ 500 bilhões. Quem ganhou com isso?

Em momento posterior, essa expansão da dívida pública e das subvenções dadas levou às pedaladas fiscais, quando o Tesouro Nacional atrasou de forma planejada o ressarcimento dos subsídios concedidos pelos bancos públicos. O problema das pedaladas não foi o Minha Casa Minha Vida ou outros programas sociais, mas sim os empréstimos para empresas amigas e o atraso em pagamentos de subsídios de mais de R$ 50 bilhões.

Ao invés de promover reformas estruturais fundamentais para o país (tributária, trabalhista e previdenciária) e definir marcos regulatórios adequados para atrair investimento privado em infraestrutura, o governo do PT percorreu o caminho contrário: agigantou o Estado, interviu onde não deveria e aprofundou distorções.

Junto a isso, uma política pretensamente nacionalista voltada a aumentar o investimento nos setores de petróleo, gás e energia transformou-se num desastroso controle de preços que levou ao crescente desequilíbrio financeiro das duas principais estatais brasileiras, a Petrobras e a Eletrobras. A conta está sendo paga agora pela população.

A redução forçada das tarifas de energia - em torno de 20% - em 2013 resultou em aumentos de mais de 76% nos últimos dois anos, na queda de investimentos e na paralisia do setor, que precisará ainda de novos aumentos de tarifas para restaurar o equilíbrio dos contratos. Ao mesmo tempo, nossa matriz energética tornou-se mais suja, na contramão da sustentabilidade.

Com o controle artificial dos preços dos combustíveis, a Petrobras foi afetada não apenas no seu fluxo de caixa e no aumento exponencial de seu endividamento, mas também pela sua utilização como instrumento de desvios de recursos públicos para financiar, segundo o STF, uma organização criminosa. Uma empresa de excelência com mais de 60 anos de história foi desestruturada, está hoje imersa em graves problemas administrativos e financeiros, obrigada a cortar investimentos e a vender ativos na bacia das almas.

Como se não bastasse, a estratégia de equívocos foi ainda agravada pela política ideológica que nos isolou do comércio mundial e atrasou ainda mais nosso parque produtivo, hoje reduzido a uma sombra do passado. A cada ano, despencamos nos rankings mundiais de competitividade.

Às consequências de todos esses erros somou-se a constatação de que os brasileiros foram deliberadamente enganados durante as eleições do ano passado: a bonança apresentada e prometida pela presidente-candidata em sua campanha não existia. Com isso, o segundo governo Dilma começou com enorme déficit de credibilidade, o que contribuiu para inviabilizar a agenda de reformas estruturais, muitas vezes adiada, mas necessária para nos tirar da crise.

Ao contrário do que costuma apregoar o governo, o problema do país não é a oposição. O governo Dilma simplesmente não sabe aonde ir e não mobiliza mais sequer sua base política em torno de suas propostas. Como liderar assim um país como o Brasil?

Mesmo se contasse hoje com apoio suficiente no Congresso para fazer os ajustes necessários, como já teve, falta ao governo e ao PT a convicção sobre o quê fazer. Falta-lhes clareza até sobre quais metas almejam com suas políticas públicas. Sua única certeza é tentar dar continuidade a seu projeto de poder, custe o que custar, doa a quem doer.

Vive o país hoje sem parâmetros fiscais, sem perspectiva de retomada de crescimento, sem horizonte para investimentos. O que deveria ser um ajuste fiscal se revelou mero corte de investimentos públicos (redução de 40% reais) e arrocho sobre os trabalhadores. Terminaremos o ano com um déficit primário de 1% do PIB ou de 2% do PIB com o pagamento das pedaladas fiscais. Em qualquer hipótese, o pior resultado já registrado. Ou seja, o buraco fiscal aumentou ao invés de diminuir. Agora, em plena recessão, a saída encontrada pelo PT é aumentar ainda mais os impostos. Assim não dá.

À paralisia e dificuldade em apontar rumos soma-se o cruel aparelhamento da máquina pública feito por um governo que parece acreditar que partido, governo e Estado são as mesmas coisas. Não são.

A verdade é que depois de 13 anos no poder o PT não tem respostas para os principais desafios do país, como educação e saúde com qualidade, oportunidades de trabalho, a simplificação tributária para quem empreende ou a reforma da previdência, entre outros tantos. Não sabe como lidar de maneira equilibrada com o orçamento público, não consegue levar adiante os projetos estruturantes necessários.

O atual governo perdeu a confiança da população, das forças produtivas e as condições básicas para formular e liderar uma ampla coalizão política pró-reformas, capaz de promover a retomada do nosso crescimento econômico. E essa é a base para a construção de soluções capazes de nos tirar do abismo em que fomos colocados: confiança.

O país só retomará o rumo da prosperidade, do desenvolvimento e da verdadeira superação das desigualdades sociais quando voltar a dispor de um novo governo com credibilidade e que inspire confiança em quem trabalha, em quem produz, em quem investe.

Esse caminho precisa ser construído com responsabilidade, dentro dos limites da Constituição, respeitadas as nossas instituições. É pelo que o PSDB vem lutando no Congresso, nas ruas e onde governa. Para o bem do Brasil e dos brasileiros.
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Aécio Neves é senador, presidente nacional do PSDB e ex-governador de Minas Gerais.

Beto Albuquerque | PSB: Novas eleições para reanimar o país

Valor / Cenários – Como desatar?

O Brasil vive um dos piores momentos políticos e econômicos de sua história.

Assistimos, estarrecidos, a um escândalo de corrupção sem precedentes, protagonizado por ocupantes de altos postos no governo e no parlamento e por figuras destacadas do mundo empresarial. Uma organização criminosa que tomou de assalto o Estado brasileiro, atingindo uma das mais importantes empresas do país, e cuja atuação parece se estender muito além dela, pelo que já demonstram investigações das operações Lava-Jato e Zelotes.

Soma-se a isso uma recessão que se aprofunda, com inflação em alta e renda em baixa, levando o país à pior crise econômica desde os anos 90. A dívida pública não para de crescer e o seu custo deve ultrapassar, só neste ano, meio trilhão de reais, o equivalente a quase 20 anos do Programa Bolsa Família. Já o desemprego pode atingir 10 milhões de brasileiros.

O agravamento da situação econômica e fiscal levou o governo a cortar nas áreas sociais, na educação e na saúde, enquanto alguns empresários próximos do poder são beneficiados com subsídios a taxas camaradas. Uma trágica ironia para um governo que se pretendia de esquerda e prometeu transferir renda aos mais pobres.

Eduardo Campos alertou repetidas vezes à presidente Dilma Rousseff sobre as consequências dos erros e irresponsabilidades cometidas na política econômica em seu primeiro governo. Mas não foi ouvido. Por nossas discordâncias, o PSB deixou o governo em 2013 e no ano seguinte disputou as eleições com candidatura própria à Presidência da República.

Como diz Marina Silva, minha companheira de chapa em 2014, "Dilma ganhou, perdendo". É evidente sua incapacidade de exercer plenamente o atual mandato, de demonstrar aos agentes econômicos alguma segurança, e de garantir sustentabilidade política a partir de sua própria base partidária. A cada dia, um erro mais grave, como a redução da meta fiscal para 0,5% do PIB, anunciada nesta semana.

Infelizmente, as nossas advertências se confirmam e hoje é o país inteiro que perde com a soma de várias crises - econômica, política, social, ética, institucional, de gestão e credibilidade - que se retroalimentam.

Mas não podemos deixar que essas crises nos paralisem por mais tempo.

Estou convencido de que apenas um amplo acordo entre forças políticas, empresariais, intelectuais, trabalhadores e outros segmentos sociais, articulados em torno de uma agenda emergencial para o país, será capaz de nos fazer superar este momento de extrema gravidade, com a rapidez necessária.

Acredito, para isso, nas nossas reservas morais e intelectuais, lideranças respeitadas em todos os campos, que podem - digo mais, desejam - contribuir para esta mudança de rumo.

É indispensável combater a inflação, buscar o reequilíbrio das contas públicas e adotar um plano rigoroso de contenção de gastos. É imprescindível estimular o desenvolvimento produtivo e a modernização do parque industrial, retomar os investimentos públicos em infraestrutura e incentivar o capital privado a fazer o mesmo, através de parcerias público-privadas (PPPs) e licitações de concessões.

Da mesma forma, devemos evitar a criação de impostos ou elevação de alíquotas de tributos já existentes e propor mecanismos que facilitem o comércio com outros países e blocos econômicos, com a redução do custo das operações e da burocracia.
Tais propostas são conhecidas, mas há muito tempo aguardadas pela sociedade - que igualmente espera por uma mudança qualitativa da política brasileira.

Após um ciclo de conquistas sociais, os agentes políticos, em sua maioria, já não respondem aos anseios da maioria da população, são incapazes de renovar uma política marcada pela falta de transparência, pelo clientelismo, pelo nepotismo e por outras formas de patrimonialismo e de perpetuação no poder a qualquer custo.

Na eleição passada, fizemos essa reflexão quando em nosso programa de governo afirmamos que o modelo de democracia brasileira vivia a crise mais aguda desde a redemocratização. E por isso precisava iniciar um processo de transformação. Infelizmente, a situação só se agravou desde então.

São muitas as frentes que exigem mudança na nossa democracia. Precisamos renovar as instituições, reorganizar o Estado, reformar a política e reinventar os partidos. As nossas instituições públicas são obsoletas, necessitam ser renovadas. O Estado deve ser modernizado, ser capaz de impulsionar o desenvolvimento de forma sustentável e justa, ganhar eficiência e transparência.

Em um regime democrático transparência nunca é demais. Quanto menos transparente for um Estado ou um governo, menos confiável será para o cidadão. Norberto Bobbio afirma: "a opacidade do poder é a negação da democracia". Em Democracia e Segredo (1981), o cientista político adverte para a existência de um "poder invisível" que atenta contra os Estados democráticos. "É um poder que pratica atos politicamente relevantes sem ter qualquer responsabilidade política sobre eles, mas, ao contrário, procurando escapar por meio do segredo até mesmo das mais normais responsabilidades civis, penais e administrativas", define Bobbio.

Partidos, governos e parlamentos estão desafiados a inovar. Isso passa obrigatoriamente por conceitos como transparência radical, participação plural e popular permanente, com uso de instrumentos de consulta já previstos, como plebiscitos e referendos, mas ainda empregados de forma esporádica.

Os partidos poderiam se preparar para oferecer ou atrair os melhores quadros da sociedade e contribuir para essa necessária inovação na política, como apregoa Moisés Naím. Utopia? Talvez sim, mas sem ela não vamos a lugar algum.

É imperioso superar a política destrutiva, verticalizada e patrimonialista que tira a vitalidade do nosso desenvolvimento econômico e social e, dia após dia, eleição após eleição, desanima o cidadão de participar da vida política.

Dilma Rousseff, Michel Temer e Eduardo Cunha representam esta política e, na realidade, estão inviabilizados para comandar qualquer acordo que mobilize a sociedade. De fato, estão mais preocupados com a manutenção do poder do que com o futuro da nação. Se assim não fosse, renunciariam já, permitindo novas eleições presidenciais em 2016 e a execução de uma agenda legítima e duradoura para o Brasil.
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Beto Albuquerque, 52, vice-presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), candidato a vice-presidente da República na chapa de Marina Silva em 2014.

Marina Silva | Rede: Dois trilhos para sair da crise

Valor / Cenários – Como desatar?

Nosso primeiro e grande desafio consiste em termos clareza da altura e profundidade da crise política, sob pena de incorrermos no erro de achar que basta remover alguns entraves e ela será resolvida. Apesar das aparências, dos lances vistosos da guerra congressual, ela se expressa plenamente na crueza dos fatos que impactam a população: desemprego, corrupção generalizada, recessão, volta da inflação, juros elevados, falta de credibilidade e confiança, só para citar alguns exemplos de nossa tremenda enrascada.

Em segundo lugar, é preciso grande esforço para, de alguma forma, criar uma superfície que nos sustente, a fim de não sermos tragados pela vertigem política para o poço sem fundo onde, todos os dias, vemos serem jogadas nossas esperanças. É fundamental encontrar pessoas, instituições, movimentos organizados ou autorais, setores e lideranças com ou sem partido nos mais diversos segmentos políticos, dispostos a pensar o país para além das próximas eleições.

Há dois trilhos sobre os quais é possível - se não um novo caminho, como diz o poeta Thiago de Mello - pelo menos tentar uma nova maneira de caminhar para sair da crise. O primeiro é o do total apoio ao combate à corrupção inédito, em profundidade e extensão, que vem sendo feito pelo Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça. O segundo deve ser um processo de articulação política às claras, em torno de uma agenda de transição, para gerar uma governança que traga alguma perspectiva de futuro para as políticas públicas, para os investimentos, para a vida das pessoas e o desenvolvimento da nação.

No trilho do combate à corrupção, é preciso não compactuar com movimentos erráticos, de salve-se-quem-puder, dos velhos atores acostumados a dominar o espaço da política com sua infindável capacidade de manobra, agora buscando novo polo de atração gravitacional, uma ponte para garantir seu futuro mudando as aparências sem alterar o status quo.

É preciso tomar cuidado para não permitir que, sob a oferta de um porto seguro na tempestade, fiquem ocultas as mesmas incompetências, privilégios, esquemas de corrupção e desejos inconfessos de frear os rumos das investigações.

É preciso evitar que as decisões e os recursos que pertencem a todos os brasileiros continuem sendo manejados no balcão de negócios e de interesses particulares em que se transformou - ressalvadas as honrosas e heroicas exceções de pessoas, lideranças, autoridades e instituições - uma boa parte do sistema político brasileiro.
Além do apoio às investigações, é preciso estabelecer medidas estruturantes que previnam a corrupção. Acabar com a quase certeza de impunidade já é um grande passo. Para isso, é fundamental abraçar as propostas do Ministério Público, consolidadas com a experiência da Operação Lava-Jato. Não se pode esperar solução para a crise vinda da parte degradada da política, cuja forma de agir e apego ao poder estão no alicerce da corrupção endêmica que é imperativo combater.

É igualmente importante romper com a velha servidão voluntária aos dogmas ideológicos, sempre indulgentes em perdoar de seus inimputáveis senhores aquilo que jamais poderia ser perdoado. Boa parte de nossa cultura política engajada tornou-se especialista em criticar, enfrentar, constranger, punir, execrar, até mesmo injustiçar. Em mobilizar para expurgar a incompetência, a corrupção e todos os pecados do espectro da direita, mas sequer foi alfabetizada, política e eticamente, para usar igual peso e medida para com os seus próprios erros, mesmo quando se tratam dos mais escabrosos pecados capitais.

Finalmente, é preciso também institucionalizar as conquistas, inclusive as alheias, encarar novos desafios no campo da democracia, da economia, da sociedade e do meio ambiente. A retomada dos investimentos depende de instituições sólidas, regras claras e estáveis e um Estado que funcione, do tamanho necessário para atender e regular as demandas da sociedade.

Estamos hoje entre um Estado provedor paternalista herdeiro da casa grande, e o Estado fiel depositário do espólio do feitor, que se limita a definir as regras que legitimem o chicote da competição predatória em favor do mercado.

Para quebrar produtivamente esse ciclo vicioso de estagnação e polarização estéril, será necessária muita inovação, sobretudo na política. A começar pela busca de novos significados, base sobre a qual se tornará possível estabelecer nova visão, novos processos e estruturas para assimilar as inúmeras oportunidades que emergem paralelas à crise.

E por que não substituir a velha polarização entre os espólios do senhor e do feitor pela força propulsora de um Estado Mobilizador, capaz de integrar as melhores contribuições de todos os setores da sociedade? Políticas públicas precisam resultar de negociação confiável e aberta para a tomada de decisões econômicas e sociais.

Essas são algumas pré-condições para a travessia para as próximas décadas que, espero, não sejam mais perdidas. Mas, para isso, precisamos olhar em volta e nos conectarmos verdadeiramente com as grandes transformações econômicas, sociais, comunicacionais, ambientais e políticas que estão ocorrendo no mundo, onde cada ser humano é potencialmente protagonista e gerador de informações para outros bilhões de pessoas, sem passar pelos canais tradicionais de poder e intermediação da informação. A era digital impacta também o mundo dos negócios, as dinâmicas urbanas, a forma como as empresas se relacionam com os consumidores e o trabalho se intensifica em conhecimento e se distancia dos processos manuais.

O grande enunciado da CoP-21 demonstra que, no âmbito de cada país, a transição para uma economia sustentável, geradora de novos empregos, produtos, materiais e serviços, onde o investimento volte a ocorrer, requer mais do que fórmulas bem desenhadas e planos, aqui fartamente apresentados nos últimos meses. Exige os meios de implementação, novas correlações de força, visão e ação política sustentadas pelo debate franco com a sociedade sobre as escolhas que teremos que fazer para superar a estagnação e os retrocessos econômicos e sociais que nos foram impostos. O momento não é o de saídas definitivas com respostas fechadas, mas o da transição. E quem sabe essa transição não se dê pela substituição do moribundo presidencialismo de coalizão, pelo de "proposição", onde a composição do governo e da maioria no Congresso se dá a partir de um programa pactuado com os mais diversos segmentos da sociedade.
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Marina Silva, ex-senadora e fundadora da Rede Sustentabilidade, foi ministra do Meio Ambiente e candidata ao Planalto em 2010 e em 2014.

Sergio Fausto: Crise é oportunidade para PSDB retomar raízes progressistas

• Entrevista. Para Sergio Fausto, do Instituto FHC, futuro do partido requer superação de ambições políticas

Por Cristiane Agostine – Valor/ Cenários – Como desatar?

SÃO PAULO - A crise política que atinge o PT e o governo da presidente Dilma Rousseff é a grande chance para o PSDB dar uma guinada para o centro-esquerda, ocupar o espaço político deixado pelos petistas e retomar valores progressistas, "longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas", como diz o programa tucano, de 1988. Essa é a análise do cientista político Sergio Fausto, superintendente executivo da Fundação Instituto FHC. O sentimento de antipetismo levou o PSDB para perto de grupos mais conservadores e é essencial os tucanos se descolarem da direita para conseguirem ampliar sua base social, diz o cientista político.

A despeito de no próximo ano a disputa pela Prefeitura de São Paulo, principal cidade do país, ter como possível candidato tucano o empresário João Doria Junior - defensor do Estado mínimo e da ampliação das privatizações até mesmo para saúde e educação -, Fausto mantém a aposta de que o PSDB pode rumar à esquerda.

O futuro do partido depende de as lideranças tucanas agirem unidas e não fraturarem o PSDB de acordo com suas ambições políticas, diz o cientista político. O problema, afirma, é que o PSDB enfrenta uma "rarefação ideológica e programática", perdeu densidade e não tem "visões, mas sim personalidades". "Hoje não tem escolas de pensamento do PSDB", diz.

Próximo ao ex-presidente Fernando Henrique, Fausto defende que o PSDB se una em torno do impeachment de Dilma e defina qual será sua participação no governo que suceder a presidente. Os tucanos devem alinhavar um acordo com o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), com o compromisso de o pemedebista não se candidatar em 2018, diz Fausto. O senador Aécio Neves (MG), que representou o partido em 2014, não necessariamente será o candidato em 2018, analisa. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Valor.

Valor: O senhor avalia que Dilma terminará o mandato?

Sergio Fausto: Acho que não. Tem uma convergência de fatores, com poucos precedentes na história brasileira, que vai se materializar no primeiro semestre de 2016 e jogará o país numa recessão econômica com reflexos na renda e no emprego. Isso em um governo com baixa popularidade, sem capacidade de organizar a sua base no Congresso e sem capacidade de resposta para a crise que vai piorar. Paradoxalmente, o processo acolhido por [Eduardo] Cunha cria uma chance para a presidente construir uma narrativa em que ela se transforma em alvo da ação de um presidente da Câmara envolvido em malfeitos, com pouca legitimidade. Assim, abre espaço de luta política para as forças empenhadas em manter a presidente. Mas os fatores estruturais são de tal ordem que não vejo como Dilma sobreviver.

Valor: O governo aposta na celeridade do impeachment para encerrar uma disputa que começou em 2014. É possível reverter essa situação?

Fausto: Sou cético. O governo terá dificuldade de controlar o timing do processo. A oposição, ao contrário, tem interesse em fazer o processo se alongar porque aposta no agravamento da crise. Os setores mais oportunistas que apoiam o governo querem arrancar o que resta desse processo. Para esses setores, quanto mais durar, melhor.

Valor: O senhor avalia que é possível Cunha continuar no cargo?

Fausto: Não. A Procuradoria-Geral da República (PGR) tinha o pedido de afastamento do Cunha preparado e foi essa uma das razões pelas quais ele precipitou o acolhimento do pedido de impeachment. Ele perdeu inteiramente as condições. Vamos viver um processo em sequência de substituição do presidente da Câmara em meio ao processo de impeachment. Não vejo Cunha conduzindo esse processo até o final.

Valor: A PGR pediu o afastamento de Cunha do cargo. Caso o Supremo aceite o pedido, o impeachment tende a perder força?

Fausto: A fundamentação do pedido de impeachment independe de quem seja o presidente da Câmara. O eventual afastamento de Cunha pode inclusive fortalecer a legitimidade do processo aos olhos da sociedade.

• Muitas vezes o governo cai não por ilegalidade, mas pela total incapacidade de governar

Valor: A economia continuará em recessão em 2016. A oposição tem interesse em assumir o país durante a crise ou seu objetivo é 'sangrar' o governo até 2018?

Fausto: Não tem essa escolha. A ideia de crise em 'slow motion', em que se controla a velocidade, é uma fantasia. O governo é incapaz de dar resposta. Mas a oposição também ficará engessada com esse cenário. A oposição precisa apontar um caminho e construir uma ponte entre o presente e o futuro. Terá de trabalhar pelo impeachment e pela construção de uma agenda de governo, na eventualidade de o impeachment se consumar.

Valor: O desemprego e a inflação aumentaram, mas isso não gerou uma revolta nas ruas. O que poderia levar a uma onda de protestos contra o governo?

Fausto: O processo de impeachment e o agravamento da situação social, com o aumento do desemprego. Abriu-se uma disputa política que não é só no Congresso nem na mídia. Não ficará restrito ao mundo da política institucional. Abriu-se um terreno de disputa política pelos corações e mentes e isso terá expressão nas ruas. O importante é que havendo mobilização da sociedade, ela se dê em termos pacíficos. É importante que no Congresso o processo cumpra os ritos da legalidade. O país está bem equipado porque tem o STF autônomo e vigilante.

Valor: A força que o PT teve em 2005, com o mensalão, para mobilizar suas bases tende a repetir?

Fausto: O PT não tem mais o monopólio das ruas. Perdeu força para mobilizar sua base e isso vai fazer falta. O partido cruzou fronteiras inaceitáveis, sobretudo porque se dizia portador da bandeira da ética, e parte dos apoiadores se desiludiu. Um pedaço grande da classe média, da juventude não responde mais às palavras de ordem do PT. Tem um conjunto de movimentos sociais que não aceitou a virada da política econômica. E tem aqueles que eram alimentados por recursos públicos e esses recursos secaram. É evidente que a ameaça de impeachment pode dar um fôlego adicional ao partido. Como em uma metáfora futebolística, é a prorrogação. Você está cansado, mas é a prorrogação de uma final de Copa do Mundo e você se lança.

Valor: Como essa crise do PT abre perspectivas para a direita?

Fausto: O PT fez aparecer uma direita que tinha uma expressão menos visível. Tem um lado que é o preconceito de classe que Lula despertava. É da natureza do conservadorismo reagir à mudança de elite política. Mas a essa rejeição inicial, que era pequena, se juntou um sentimento de repulsa ao PT, porque o partido adotou as piores práticas da elite que substituiu. Isso provocou uma reação forte e parte disso é a expressão de um pensamento de direita. Mas é errada a ideia de que tem uma direita muito expressiva no Brasil.

Valor: O PSDB está cedendo à tentação das forças conservadoras?

Fausto: Esse risco existe. Seria um equívoco não apenas porque nega a trajetória do partido, mas porque as demandas sociais e eleitorais permitem uma resposta de centro-esquerda. É bobagem embarcar em uma plataforma "Deus, ordem e mercado", que seja ultraliberal na economia e ultraconservador em temas relacionados à moralidade e segurança. Não é uma plataforma ganhadora e, mais importante do que isso, não é a origem do PSDB nem é a história do partido até aqui. O PSDB foi empurrado para a direita, por conta da ocupação do espaço político pelo PT da esquerda para o centro. Tem uma parte do sentimento de antipetismo que é de direita e isso levou o PSDB para perto desses grupos mais conservadores. A crise do PT reconfigura a distribuição de forças no espectro político e abre espaço do centro-esquerda para o PSDB ocupar. Faz sentido do ponto de vista político-eleitoral, mas depende das lideranças.

Valor: O PSDB deve apostar no espaço do PT no centro-esquerda?

Fausto: Sim. Com a crise do PT esse espaço está presente. Qual é a força à direita que compete com o PSDB? Não tem. Aprendemos ao longo dos últimos 20 anos que a economia de mercado se mostrou muito mais eficiente do que qualquer outro experimento de organização da produção, assim como se provou que tem falhas que podem ser supridas pelo Estado. É no entrosamento entre mercado e Estado que as soluções para os problemas contemporâneos vão aparecer. Nas áreas sociais, vamos discutir como é que organizamos a participação do Estado, do mercado e do terceiro setor nas grandes áreas que o Brasil precisa progredir de uma maneira mais veloz.

Valor: O PSDB poderá lançar em São Paulo, em 2016, João Doria Junior, defensor da privatização e do Estado mínimo. É possível as lideranças tucanas apoiarem essa mudança de rumo do partido?

Fausto: Sem entrar na discussão de candidaturas, não creio que a ideia de "Estado mínimo" nos leve muito longe. Em nenhum país razoavelmente organizado e desenvolvimento do mundo existe um "Estado mínimo", a começar pelos Estados Unidos. O que varia são as áreas de atuação prioritária do Estado, a sua forma de fazê-lo, o modo pelo qual regula o setor privado, de que maneira e até que ponto a sociedade o controla, qual o tamanho e a estrutura da tributação e do gasto público. É isso que interessa discutir.

Valor: O PSDB é marcado por visões distintas entre suas lideranças. Como o senhor vê a perspectiva de os três líderes do PSDB fraturarem o partido em três para perseguir suas ambições políticas?

Fausto: Não acho que seja problema de visões muito distintas. Não sei se tem visões. Tem personalidades. O partido perdeu densidade. No passado, podia se falar em visões que vinham de uma certa elaboração política. Tinha uma tradição de democracia cristã, da qual [André Franco] Montoro era representante. Havia um pensamento político por trás disso. Tinha um setor mais popular nacional; [Mário] Covas era expressão disso, e tinha um setor social democrata à moda europeia, que [José] Serra e Fernando Henrique [Cardoso] representavam. Naquele tempo tinha visões muito convergentes. Hoje não tem escolas de pensamento do PSDB. Tem algum consenso básico do que fazer. Não tem grandes divergências ideológicas dentro do PSDB. Tem rarefação ideológica, rarefação programática. Tem disputa de lideranças no partido - que é perfeitamente normal e aceitável até o ponto de se tornar destrutiva. O aprofundamento da crise lançou um alerta que o sucesso do PSDB depende de atuar de maneira coesa. Vai continuar na briga individual ou vai olhar para a crise? A força da situação obriga o partido a ser mais convergente e unitário.

Valor: As lideranças entenderam esse alerta, inclusive Aécio?

Fausto: O PSDB tem lideranças com ambições pessoais e é um partido em que as instâncias coletivas de decisão, as formais pelo menos, não têm o peso que deveriam ter. Essa disputa em torno de individualidades ganha mais fôlego. Mas o partido tem gente experimentada, capaz de entender a situação que o país vive. Há cenários plausíveis como [Geraldo] Alckmin ir para o PSB, o Serra ir para o PMDB. Não digo que isso não esteja no horizonte, mas no frigir dos ovos, não é o que vai acontecer.

Valor: Com essa rarefação ideológica, o PSDB não pode perder oportunidade de crescer? Precisa de uma 'refundação'?

Fausto: O PSDB precisa de um sacolejão e tomara que a crise seja essa sacolejada. O partido deve agir enquanto partido. O PSDB não está chegando a essa conclusão por si próprio, mas porque está sendo forçado a agir. Se não agir em uma circunstância histórica como essa, o PSDB se perderá no meio do caminho.

Valor: Qual seria a melhor ação para o PSDB neste momento? Lançar programa para o governo?

Fausto: Precisa ter um programa mínimo para fazer a transição. Vai votar pelo impeachment? Vai. Se Dilma cair e Temer assumir, qual é a posição do partido? Participará do governo? Tem que participar, formar uma coalizão. Em torno de que pontos? O PSDB precisa responder. O processo de impeachment só se conclui se os atores sociais, sobretudo os que têm mais poder, tiverem segurança do que vem depois.

Valor: O senhor defende um acordo com o PMDB para 2018?

Fausto: O acordo é simples: Temer se comprometer a não ser candidato. O resto é da política. Mas o PSDB não pode ter a desconfiança de que apoiará Temer e que ele promoverá depois sua própria candidatura. Não dá.

• Não tem grandes divergências ideológicas no PSDB. Tem rarefação ideológica, rarefação programática

Valor: O senhor defende uma guinada ao centro-esquerda e, ao mesmo tempo, aliança com o PMDB. O programa apresentado pelo PMDB defende a flexibilização dos direitos trabalhistas, o fim da vinculação da aposentadoria ao salário mínimo e o fim da vinculação constitucional para gastos com saúde e educação. O senhor concorda com esse programa?

Fausto: Acho que precisa passar uma mão de tinta social democrata no programa. Tem que reduzir as vinculações, mas acabar com todas as vinculações não é factível.

Valor: Como o PSDB pode se transformar em uma alternativa viável para 2018? E o PMDB?

Fausto: O partido é viável eleitoralmente, mesmo com essa ausência ideológica. Tem três nomes nacionais. Quem tem nome nacional são só PSDB e PT. Isso em geral leva mais de uma eleição e é um trunfo eleitoral imenso. Muita coisa pode acontecer, há insatisfação com o PSDB, mas é favorito para 2018. Sempre esteve na oposição ao PT e disputas eleitorais tendem a ser binárias. No PMDB quem seria o candidato? Eduardo Paes? Sou cético. O caminho natural do Paes é ser candidato a governo do Rio.

Valor: Como o senhor vê o papel do Lula hoje? Para o governo Dilma, Lula tende a ser mais um fator de estabilidade por sua ação política ou de instabilidade, já que investigações se aproximam dele?

Fausto: Lula é muito importante para a sustentação do governo, porque é a única hipótese de esse bloco de forças que já está muito desmantelado se reorganizar no mercado futuro do poder. Mas ele vem num processo de perda de poder acentuada. Onde isso vai terminar depende de muitos fatores, inclusive da Lava-Jato.

Valor: De que modo a Lava-Jato pode aprofundar a crise em 2016?

Fausto: Com a prisão do Delcídio [Amaral], do [José Carlos] Bumlai, com a delação premiada do [Nestor] Cerveró, a operação entrou numa fase com muita contundência e provocará terremotos no sistema político, particularmente no PT e PMDB. Essa é outra questão: qual é o PMDB que estará de pé para governar o país? É uma pergunta relevante para o PSDB. No quadro que está desenhado é um PMDB em que a figura do vice-presidente sai fortalecida.

Valor: Isso interessa ao PSDB?

Fausto: Interessa porque Temer tem um perfil condizente com a necessidade do momento, é uma pessoa que tem ambições políticas comedidas do ponto de vista eleitoral. É um homem maduro, não tem obsessão por ser presidente da República, não se deixará encantar pelo fato de ocupar o Palácio do Planalto. Ao encerrar uma carreira política como presidente do Brasil, ajudando a fazer uma transição, escreverá o nome dele na história. Não se valerá dessas circunstâncias excepcionais para catapultar uma candidatura própria.

Valor: Caso o impeachment não se viabilize, há risco de debandada de partidos da base, como o PMDB, em 2016?

Fausto: Se Dilma continuar no cargo, significa que se transformará em presidente com força para comandar o país? Não acredito. O PMDB vai manter seu padrão habitual, dividido, com uma parte dentro, outra fora. Não afasta a hipótese de que a presidente seja inviabilizada de permanecer no governo pelo simples fato de não conseguir mais governar. Muitas vezes o governo cai não por ilegalidade, mas pela total incapacidade de governar. Ainda que garanta sua permanência até o final, será um governo medíocre.

Valor: No Congresso, o PSDB penderá mais para a coerência com o passado ou para a luta para derrotar o PT, mesmo que prejudique o equilíbrio das contas públicas?

Fausto: O PSDB já mudou nesse aspecto. Na questão da DRU [Desvinculação de Receitas da União], o PSDB disse que se trata da gestão das contas do Estado, não de ser contra ou a favor do governo. É uma percepção de que aquela trajetória anterior não deu bons resultados para o partido e também por saber que o partido está na possível iminência de assumir um governo. Como é que vai atuar para solapar o terreno que está prestes a pisar? Não faz sentido.

Valor: Aécio será o candidato?

Fausto: É prematuro dizer isso. O PSDB tem bons candidatos, Serra e... Geraldo e Aécio. É cedo.

João Cabral de Melo Neto: A Educação pela Pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.

Paulinho da Viola: Foi um Rio que passou em Minha Vida

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Merval Pereira

"A única decisão que me parece exorbitante, no entanto, é a intervenção na Câmara, anulando a eleição da comissão, impedindo que surjam chapas alternativas e determinando que os líderes partidários escolham os representantes, em votação aberta. Ora, se não pode haver disputa, não é eleição, é nomeação."

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Merval Pereira, jornalista, 'Pedras no caminho', O Globo , 18. 12. 2015

STF dá ao Senado poder de barrar impeachment

• Governo vence, e comissão eleita na Câmara por voto secreto é anulada

• Processo contra a presidente Dilma terá de voltar ao início e, com o recesso parlamentar, só deverá recomeçar em fevereiro, após o carnaval, numa derrota para Eduardo Cunha

Numa vitória do governo e contrariando o rito que vinha sendo imposto pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o STF decidiu que o processo de impeachment da presidente Dilma deve seguir o trâmite adotado em 1992, quando Fernando Collor foi cassado. Com a anulação dos procedimentos adotados até aqui, a Câmara terá de eleger novamente, e em sessão aberta, a comissão que fará o parecer a ser votado em plenário. O STF decidiu que o Senado, onde a base governista é mais forte, pode rejeitar o processo, caso ele seja aberto pela Câmara. Com o recesso, o caso só será retomado após o carnaval.

Todo poder ao Senado

• STF decide que senadores poderão rejeitar o afastamento de Dilma, que almoçou com Renan

1 Autonomia do Senado
O Senado pode barrar uma eventual decisão da Câmara autorizando a instauração do processo de impeachment. A presidente Dilma Rousseff só poderá ser afastada do cargo e submetida a julgamento após votação prévia no Senado concordando com a decisão da Câmara de abrir o processo.

2 Quorum no Senado
Para instaurar o processo de impeachment no Senado, é preciso a aprovação da maioria simples dos senadores, desde que a maioria absoluta esteja presente. É necessária a presença de pelo menos 41 dos 81 senadores. Entre os presentes, é preciso que haja mais votos a favor.

3 Voto aberto
O Supremo entendeu que a eleição dos integrantes da comissão do impeachment na Câmara dos Deputados deve se dar pelo voto aberto. Como a votação realizada na semana passada foi feita com voto secreto, por determinação do presidente Eduardo Cunha, terá que ser anulada.

4 Candidatura avulsa
O STF determinou que só podem concorrer à comissão do impeachment deputados que sejam indicados pelos líderes partidários. Na eleição secreta realizada na Câmara, saiu vitoriosa uma chapa avulsa, integrada por deputados dissidentes e de oposição ao governo.

5 Defesa de Dilma
Não existe defesa prévia, anterior à aceitação do pedido de impeachment pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O momento da defesa será após a elaboração do parecer da comissão do impeachment e antes do julgamento na própria comissão da Câmara

- O Globo

BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem as regras para a tramitação do processo de impeachment no Congresso com duas importantes vitórias para a presidente Dilma Rousseff. A Câmara dos Deputados terá que anular boa parte do rito que tinha sido adotado pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Será preciso realizar nova eleição para escolher os integrantes da comissão do impeachment, com voto aberto e indicações de líderes dos partidos políticos, sem a possibilidade da apresentação de chapa avulsa. A segunda vitória para o governo foi a decisão de que o Senado tem poderes para arquivar previamente o processo assim que ele for enviado pela Câmara, antes mesmo de dar início ao julgamento do impeachment.

Pela decisão, a presidente só será afastada de suas funções, pelo prazo de até 180 dias, se os senadores aceitarem a denúncia da Câmara. A aprovação deve ser por maioria simples — ou seja, metade dos senadores presentes mais um. A autonomia conferida ao Senado dá nova esperança ao Palácio do Planalto, que conta com o apoio do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), para enterrar de vez o processo. Se o objetivo do governo não for atingido, na votação final no Senado são necessários dois terços dos senadores para condenar a presidente.

Para os ministros do STF, a eleição para a comissão do impeachment não deveria contar com representantes de uma chapa avulsa, como foi feito, mas com deputados indicados por líderes partidários. Eles também consideraram ilegal a votação secreta determinada por Cunha.

Por outro lado, o STF negou à presidente o direito de apresentar defesa anterior ao ato de Cunha de abrir o processo de impeachment. Dilma só terá o direito de se manifestar depois que a comissão do impeachment elaborar um parecer pela abertura ou não do processo, antes da votação desse parecer na comissão.

Cunha tem prerrogativa de abrir processo
O governo também foi derrotado em outro ponto. A ação julgada, de autoria do PCdoB, pedia que o tribunal declarasse Cunha suspeito para abrir o processo, por não ter a isenção necessária para isso. Os ministros foram unânimes ao declarar que o presidente da Câmara tem essa prerrogativa, mesmo que tenha interesses pessoais no processo de impeachment. Esclareceram que esse tipo de processo tem natureza político-jurídica, pois tramita no Congresso. Por isso, os julgadores não têm a obrigação de ser imparciais, como ocorre no Judiciário.

O julgamento começou na quarta-feira, com o voto do relator, ministro Edson Fachin. Ele negava os principais pontos pleiteados pelo governo. A reviravolta de ontem foi liderada pelo ministro Luís Roberto Barroso, o primeiro a votar depois do relator. Coube a ele defender o voto aberto, a proibição de chapa avulsa e a autonomia do Senado para aceitar ou rejeitar a denúncia.

O Planalto comemorou o resultado do STF. Mas, independentemente do rito, auxiliares de Dilma lembraram que será preciso ganhar no voto no Congresso. Antes do julgamento, Dilma e Renan Calheiros almoçaram juntos no Palácio da Alvorada. Depois, Renan comemorou. Disse que a Constituição é clara ao definir o poder do Senado, e que o STF apenas manteve o entendimento de outros processos de impeachment, sem citar especificamente o de Fernando Collor, em 1992. Descontraído, Renan terminou a sessão do Senado “encerrando o ano legislativo”, e disse que não há necessidade de convocação do Congresso, que entra em recesso a partir do dia 23.

— Vivemos no Brasil o bicameralismo. Você não pode afastar o presidente da República a partir da decisão de uma Câmara (Câmara dos Deputados), sem ouvir a outra Câmara (Senado). Na prática, não seria bicameralismo. Seria predominância de uma Casa sobre outra — disse Renan.

Cunha critica decisão do STF
Cunha, por sua vez, disse que pretende questionar a decisão do Supremo. Para ele, o STF mudou entendimento anterior:

— É claro que o Supremo mudou o entendimento que tinha com relação ao rito do Collor. Naquele momento, o ministro Celso de Mello teve o voto vencedor em que colocou claramente que o Senado não poderia mudar a Câmara. Então, houve mudança na jurisprudência do Supremo.

Cunha disse ainda que a decisão do Supremo “torna inócuos” artigos da Câmara sobre candidaturas avulsas na Casa:

— O que mais nos preocupa é a parte que toca na impossibilidade de candidaturas avulsas porque, de certa forma, não deixa de ser uma mudança e torna inócuos artigos regimentais da Casa, como eleição de candidatura avulsa à Mesa. Há uma ligeira confusão que vamos, através de embargos, tentar questionar.

O presidente da Câmara ainda levantou a possibilidade de o plenário não aprovar a chapa indicada pelos líderes para formar a comissão:

— Se o plenário rejeitar a chapa única, como é que vai ficar? Não vai ter comissão? Esse é um ponto que tem que ser esclarecido. O plenário pode rejeitar, se a maioria dos 513 não quiser votar ou votar contra essa chapa, como vai ser?

Na oposição, a aposta agora é na mobilização das ruas para virar o jogo. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) diz que pouco importa se agora o processo tem que ser admitido no Senado.

— O que vai valer é o clamor das ruas. Com o recesso, teremos tempo para mobilizar as ruas, e o país inteiro estará de olho no voto de cada deputado e cada senador — disse Caiado.

O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), defenderá que a eleição dos integrantes da comissão do impeachment seja feita já na próxima semana, mas admite que o clima na Câmara ontem já era de despedida entre os deputados:

— Estou preocupado com quorum na próxima semana, mas minha bancada estará aqui. O melhor é eleger logo a chapa e trabalhar em janeiro. Vamos terminar a obra.

O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, responsável pela defesa de Dilma, saiu satisfeito com o resultado:

— É um respeito aos eleitores da presidente Dilma. Não é um processo de atropelo, inquisitorial.

Como será o rito do impeachment


Dilma obtém vitória no STF sobre rito de impeachment

STF dá ao Senado poder de afastar Dilma e rejeita criação de chapa avulsa

Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Ao definir o rito do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou nesta quinta-feira (17) decisões que, na prática, anulam a comissão pró-afastamento da petista que havia sido formada na Câmara dos Deputados e dão mais poder ao Senado no processo.

Os dois pontos definidos pelo STF atendem o desejo do governo e representam uma derrota para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Em um julgamento tenso e com direito a troca de provocações, a maioria dos ministros entendeu que não cabe votação secreta, como havia definido Cunha, para a eleição da composição da comissão especial que ficará encarregada de elaborar parecer pela continuidade ou não do pedido de destituição de Dilma na Câmara.

Na semana passada, numa sessão secreta com direito até a cabeçadas entre os parlamentares, a Câmara elegeu um colegiado pró-impeachment, a partir de uma chapa avulsa indicada por oposicionistas e dissidentes da base aliada. Mas, segundo o STF, não há previsão legal para indicações sem o crivo de líderes partidários ou blocos.

O ministro Luís Roberto Barroso, que puxou a divergência que saiu vitoriosa, sustentou que o entendimento segue o mesmo rito aplicado no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.

Ele apontou ainda que o presidente da Câmara mudou as regras para permitir o voto secreto e chapa avulsa no meio do jogo diante da eminência de derrota. "A vida na democracia não funciona assim", criticou Barroso.

A posição contrariou o voto do relator, Luiz Edson Fachin, a favor da votação secreta e da chapa alternativa sob o argumento de que são questões internas da Câmara. O governo acredita que com o voto aberto tem mais chances de controlar eventuais traições em sua base, tendo maior chance de barrar o processo de afastamento.

O STF também fixou que o Senado não fica obrigado a instaurar o impeachment caso a Câmara autorize (com aval de 342 de 512 deputados) a abertura do processo. Para os ministros, a Câmara autoriza o trâmite, mas cabe ao Senado decidir sobre a instauração.

Com isso, somente a partir da instauração do processo por maioria simples (metade mais um, presentes 41 dos 81 dos senadores) no plenário do Senado, a presidente da República seria afastada do cargo, por até 180 dias, até o julgamento final. A perda do mandato dependeria de aprovação de 54 dos senadores.

Senado
A palavra final ao Senado sobre o tema agrada ao Planalto. Submerso em uma grave crise política, o governo conta com os senadores para fazer contrapeso à oposição que vem enfrentando na Câmara. Sob o comando do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a Casa é considerada um ambiente menos hostil a Dilma.

"Não há sentido de que numa matéria de tamanha gravidade estabeleça-se uma subordinação do Senado em relação à Câmara", disse Celso de Mello.

"A Câmara abre a porta, ela permite, não tem força de impor o ingresso. O Senado é a casa a quem cabe processar o impeachment", disse Rosa Weber. A ministra Cármen Lúcia reforçou. "Compete ao Senado processar e julgar. A Constituição não possui palavras inúteis".

O ministro Jaques Wagner (Casa Civil) disse que o resultado do julgamento do STF garante uma "tramitação garantista" ao processo de impeachment, o que foi recebido com alívio pelo Palácio do Planalto. "O poder moderador do Supremo repôs as coisas nos seus lugares", afirmou o ministro.

A discussão sobre o impeachment foi provocada pelo PC do B, que questionava quais trechos da Lei do Impeachment estão ou não de acordo com a Constituição.

Os ministros negaram o pedido do partido para determinar a necessidade de defesa prévia da presidente ocorrer antes de o presidente da Câmara acolher o pedido de afastamento.

Também foi rejeitada a solicitação para tirar Cunha da condução do caso. Governistas o acusam de ter avançado com o impeachment em vingança ao PT que resolveu votar por sua cassação no Conselho de Ética.

Num julgamento que se estendeu por dois dias, os ministros evitaram fazer inovações sobre o rito do impeachment fixado no caso Collor.

O resultado, no entanto, provocou divergências entre os ministros.
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Veja como votaram os ministros do STF

Papel do Senado: 8 a 3
O Senado não fica obrigado a instaurar o processo de impeachment mesmo que a Câmara autorize a sua abertura. Dilma só é afastada para ser julgada após decisão do Senado
Avaliação: vitória para o governo

Voto secreto: 6 a 5
Não é permitido voto secreto na eleição da comissão especial da Câmara que analisa o impeachment. A Constituição prevê voto aberto pelo princípio da publicidade
Avaliação: vitória para o governo

Chapa avulsa: 7 a 4
Não é permitida chapa avulsa na eleição da comissão especial da Câmara que analisa o impeachment. A indicação dos integrantes deve partir dos líderes dos partidos
Avaliação: vitória para o governo

Defesa prévia: 11 a 0
Não cabe defesa prévia da presidente antes do presidente da Câmara acolher o pedido de impeachment
Avaliação: derrota para o governo

Eduardo Cunha: 11 a 0
Mesmo alvo de cassação, não há impedimento para que Cunha conduza o processo de impeachment porque é um ato formal
Avaliação: derrota para o governo

STF dá ao Senado poder de barrar impeachment

Dilma vence no STF e Senado terá palavra final sobre impeachment

• Ministros admitiram as três principais teses governistas sobre o rito para o afastamento da presidente; decisão da Corte também anula Comissão Especial da Câmara

Beatriz Bulla, Carla Araújo e Gustavo Aguiar - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff obteve nesta quinta-feira, 17, uma vitória importante no Supremo Tribunal Federal com o reconhecimento da autonomia do Senado para barrar o impeachment contra a petista, mesmo após eventual aprovação do processo na Câmara.

Oito dos onze ministros da Corte admitiram a tese governista de que os deputados apenas autorizam o andamento do processo, mas a decisão não vincula a instauração do impeachment no Senado. Pela decisão, somente aprovação por maioria simples dos senadores instaura o procedimento o que geraria afastamento de Dilma do cargo por 180 dias.

Antes mesmo do final do julgamento, com o indicativo favorável, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, já comemorava o resultado: "O trem entrou nos trilhos. E os trilhos são retos e não tortos", afirmou o ministro. O advogado do PT, Flávio Caetano, disse que o STF definiu as regras do jogo e invalidou "atos arbitrários" do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Para o governo, deixar nas mãos do Senado a definição sobre o impeachment traz um alívio inicial no processo porque joga para o futuro o eventual afastamento de Dilma - decisão mais drástica e considerada praticamente irreversível - e ainda deixa espaço para discussões políticas na Casa.

Até o momento, o Senado tem base aliada mais fiel do que a da Câmara dos Deputados, conduzida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rompido com o governo.

O julgamento de hoje dividiu o Tribunal em duas linhas. A maioria seguiu proposta do ministro Luís Roberto Barroso, que abriu a divergência com a decisão do relator, ministro Luiz Edson Fachin. O voto de Fachin, apresentado em plenário na quarta-feira, foi desfavorável ao governo.

Ao discutir o papel do Senado, Barroso afirmou que a Casa não é um "carimbador de papeis da Câmara". "Não tem sentido, numa matéria de tamanha relevância, estabelecer relação de subordinação institucional do Senado à Câmara", concordou o decano do Tribunal, Celso de Mello.

Ficaram vencidos na discussão os ministros Fachin, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Os três entendiam que a decisão dos deputados vinculava a instauração do processo de impeachment pelo Senado.

Comissão . Também por maioria, os ministros derrubaram a eleição da Comissão Especial do impeachment formada na Câmara na semana passada. Em votação secreta, os deputados elegeram 39 integrantes para o grupo oriundos de chapa formada por oposicionistas e dissidentes da base.

Os ministros da Corte entenderam, no entanto, que não são admitidas candidaturas avulsas e que a eleição deveria ter sido realizada de forma aberta, e não secreta. Pelo voto de Barroso, a Comissão Especial fica anulada.

"Mistério, segredo e democracia não combinam", disse o ministro Luiz Fux em voto, ao seguir Barroso. Sem a candidatura avulsa, cada deputado que quiser se eleger deverá ser indicado pelo líder partidário o que inviabiliza o voto em dissidentes. A eleição para homologar a escolha dos líderes, pela definição do Supremo, deve ser secreta.

No julgamento, os ministros ratificaram o rito que já foi seguido no impeachment do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor (PTB-AL) e rejeitaram, por exemplo, a exigência de defesa prévia da presidente Dilma antes da abertura do processo de impeachment.

O argumento era usado pela base governista para alegar que o ato do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de receber a denúncia de impedimento de Dilma deveria ser anulado. O próprio governo já admitia que este seria um dos pontos mais difíceis de obter indicação favorável no Supremo.

O ministro Gilmar Mendes, um dos vencidos na discussão, adotou posicionamento duro na Corte ao sugerir que o Tribunal estava interferindo no processo do impeachment. Ele usou seu pronunciamento para fazer críticas à situação atual do País. "Estamos de ladeira abaixo, sem governo, sem condições de governar", disse Mendes.

Nesta sexta-feira, 18, na sessão de encerramento do Judiciário, os ministros ainda devem revisar os votos.