quinta-feira, 10 de março de 2016

Entre o ruim e o pior – Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

O avanço da Lava Jato e a volta do fantasma do impeachment fizeram o PT ressuscitar um antigo plano. O partido quer transformar o ex-presidente Lula em ministro do governo Dilma Rousseff.

A ideia ganhou até porta-voz no Planalto. "Qual time não gostaria de colocar o Pelé em campo?", perguntou ontem o ministro Ricardo Berzoini, que despacha um andar acima do gabinete da presidente.

Não é bem disso que se trata. Lula não seria nomeado para brilhar nos gramados de Brasília, e sim para se livrar do juiz de Curitiba. Como ministro, ele recuperaria o foro privilegiado e só poderia ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Em princípio, a ideia não seria boa para o ex-presidente. Lula passaria a imagem de que está com medo de ser preso a qualquer momento por Sergio Moro. Sua nomeação soaria como manobra para driblar a Justiça.

O ex-presidente teria outros problemas. Depois de ensaiar um afastamento de Dilma, ele se ligaria de vez ao futuro político da presidente. Como ela não dá sinais de recuperação, isso poderia significar um adeus ao plano Lula-2018.

Nomear o antecessor também é mau negócio para Dilma. A presidente já foi forçada a fazer todo tipo de concessão para se manter no poder. Abaixou a cabeça para o mercado, aguentou as humilhações do correntista suíço e teve que entregar até o orçamento da Saúde ao PMDB.

Se transformar Lula em ministro, Dilma assumirá de vez o papel de rainha da Inglaterra -ou de presidente decorativa, para usar uma expressão cara ao vice Michel Temer. O esvaziamento da autoridade dela será imediato e definitivo.

Se a ideia é ruim para ambas as partes, por que ainda não foi descartada? Simples: porque a alternativa parece ainda pior.

Uma eventual prisão de Lula é o cenário mais temido por ele próprio, por motivos óbvios, e por Dilma, que perderia seu único general na batalha contra o impeachment.

Nomeação só pode ser ideia de inimigo - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

A fim de não incorrer em imperdoável grosseria, evitemos qualificar como “de jerico” a ideia de levar a presidente Dilma Rousseff a nomear Luiz Inácio da Silva para um ministério a fim de dar a ele o foro especial de Justiça reservado a autoridades de primeiro escalão dos Poderes Executivos e detentores de mandatos eletivos. Melhor dizer que mais parece ideia de inimigo.

Lula demonstra tirocínio ao resistir à sugestão e a presidente da República demonstraria bom senso ao recusar esse tipo de colaboração. Ruim para os dois em todos os aspectos. Para ele, seria o equivalente a assinar um recibo de culpabilidade e uma confirmação de que tenta mesmo fugir da alçada do juiz Sérgio Moro. Manobra óbvia.

Para ela, a inclusão no governo de um ministro que já chega ao cargo na condição de investigado. Além disso, alguém que a presidente não poderia demitir. Nem falemos em insuficiência de desempenho porque tal critério não faz parte do cardápio do Planalto. Se desse a Lula um cargo a título de proteção, não poderia tirá-lo em caso de condenação ou mesmo na eventualidade de vir a se tornar réu no Supremo Tribunal Federal.

Na concepção do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, um entusiasta da nomeação, “qualquer um gostaria de ter um Pelé no time”. Depende.

Um jogador machucado renderia mais malefícios que benefícios. E hoje é essa a condição de Lula da Silva: um craque de pé quebrado.

Com Dilma, sem Dilma - Carlos Alberto Sardenberg

• Não há como recuperar a confiança de consumidores e de empresários, o que impede a retomada de consumo e investimentos

- O Globo

Dado o jeitão da economia e supondo que a política segue como está — com a LavaJato avançando sobre o núcleo do governo e do PT, o Congresso paralisado, o Fora Dilma avançando nas ruas e no Congresso, mas sem desfechos fatais, tipo renúncia ou impeachment, o panorama fica assim:

— por falta dos investimentos, que desabaram, e por falta de renda para consumo, a recessão deste ano vai a mais de 4%, ou seja, uma queda mais forte em cima dos desastrosos 3,8% de 2015;

— o desemprego vai aumentar; medido pela PNAD contínua pode chegar a 13% ( contra os 9% da última medida); uma catástrofe;

— a inflação já começou a desacelerar ( no IPCA de ontem), basicamente por um mau motivo; pessoas e empresas, com menos renda e menos faturamento, estão comprando menos; e por motivos mais justos, como a queda esperada na tarifa de energia e a moderação em outros reajustes; tudo considerado, uma desaceleração que deixará a inflação abaixo do nível de 2015, mas ainda bem acima do teto da meta;

— as contas externas vão caminhar para o azul, com todo o serviço sendo feito pelo dólar aR$ 4; as pessoas viajam menos, compram menos lá fora, as empresas cortam importações, substituem o que for possível por produto nacional, mais barato em dólar. E os exportadores vendem mais lá fora. Também fica bom para o investidor estrangeiro trocar seus ricos dólares por reais desvalorizados e aqui comprar qualquer coisa, de títulos a fábricas.

Resultado: aumenta a entrada de dólares e reduz a saída, e isso vai eliminando o déficit nas contas externas. Isso tira da frente a possibilidade de uma crise cambial — que é quando um país quebra por falta de dólares para pagar os compromisso externos.

Esse é o cenário com Dilma na Presidência e o governo funcionando do jeito que está: empurrando com a barriga, incapaz de tocar qualquer medida relevante, especialmente ali onde são mais necessárias, no ajuste das contas públicas. Estas caminham fortemente para o pior, com alta do déficit e da dívida pública. É o ponto central da crise econômica e política.

Como o governo Dilma pode piorar ou apenas não ajudar?

Podem piorar as contas públicas, processo que está em marcha. O governo está se preparando para fazer um novo déficit orçamentário, com aumento de gastos diretos, aliás exigência do PT, com os conhecidos truques para legalizar o ilegal.
Também está empurrando os bancos públicos para oferecerem mais crédito barato.

Considerando a situação de queda de produção e consumo, é mais provável que os candidatos ao crédito sejam as pessoas e empresas mais atrapalhadas com suas finanças, ou seja, devedores mais ou menos duvidosos. Grande o risco de aumentar a inadimplência e piorar o balanço dos bancos públicos. Lembrem- se: Banco do Brasil e Caixa já quebraram antes.

Com sua paralisia, em cima de viés ideológico, o governo Dilma não ajuda ali onde só ele poderia fazer algo. Por exemplo: avançar nos acordos internacionais de comércio, inclusive e muito especialmente com os grupos em que se encontram Estados Unidos e União Europeia. Com esse dólar, se o país tivesse mais mercados abertos, a indústria exportadora poderia ser a locomotiva da recuperação. Não será, limitada a esse moribundo Mercosul.

O governo também perde tempo na exploração do pré- sal porque não consegue retirar o modelo de partilha com monopólio da Petrobras — o que fica agora mais difícil à medida que Dilma se atira no colo do PT e se abraça com o investigado Lula. O último leilão de poços foi em 2003; o governo diz que pode, quem sabe, fazer outro em 2017.

Nem vamos falar dos diabos de que o PT nem quer ouvir falar: da reforma da Previdência, muito menos da legislação trabalhista e da indexação do salário mínimo. O modelo atual impõe ganhos reais de salários e de aposentadorias, num momento de depressão econômica. O resultado é mais desemprego.

Sim, porque com custos em alta, por causa da inflação ainda elevada, e vendas em queda, por causa da recessão, as empresas precisam cortar custos, especialmente da folha salarial. Nos países normais, o sistema permite que se faça o ajuste preservando os empregos e perdendo nos salários e outros benefícios trabalhistas. Aqui, a pretexto de defender o trabalhador, se faz exatamente o contrário, o ajuste via desemprego. Entre os que mantêm seu emprego, até podem aumentos nominais, mas que a inflação acaba comendo. Ficamos assim com perda de emprego e de renda.

Nessas circunstâncias, não há como recuperar a confiança de consumidores e de empresários, o que impede a retomada de consumo e investimentos.

Também sabemos que as medidas que poderiam ajudar dependem, e muito, do Congresso, ali onde há 99 parlamentares investigados, incluindo os presidentes da Câmara e do Senado.

Daí muitos economistas estarem dizendo que, desse jeito, a melhor coisa que pode acontecer é parar de cair e ficar estacionado no fundo do poço, esperando o quê?

Uma mudança política. A consultoria MB Associados fez a conta: com Dilma, a recessão vai a 4,9% neste ano, sem recuperação em 2017. Sem Dilma e com um governo comprometido com os ajustes, a recessão deste ano cai para 3%, com perspectiva de recuperação em 2017.

Cenários, claro. Mas quando começam a ser assim desenhados, já viu.

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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

À espera do ajuste fiscal de longo prazo - Ribamar Oliveira

• Ajuste crível está cada vez mais difícil com a crise política

- Valor Econômico

Nas próximas semanas, o governo terá a árdua tarefa de definir uma trajetória de médio e longo prazos para a política fiscal. Até o dia 15 de abril, ele encaminhará ao Congresso Nacional o projeto de lei de diretrizes orçamentárias para o próximo ano, no qual irá explicitar as metas fiscais para 2017, 2018 e 2019.

Diante da crise política que engolfou o governo Dilma, é pouco provável que a equipe econômica consiga apresentar uma proposta para três anos que seja razoavelmente crível e que garanta apoio político para ser aprovada.

Antes de a temperatura da crise atingir o grau de ebulição em que está atualmente, o governo apresentou uma estratégia de ajuste gradual das contas públicas, que passava, necessariamente, pela aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e de reformas estruturais para reduzir o crescimento do gasto obrigatório, entre as quais algumas mudanças nas regras da Previdência Social.

Para reforçar o seu compromisso com o equilíbrio das contas públicas e a estabilização da dívida pública, o governo iria propor a fixação de limites plurianuais para o gasto da União, em proporção do PIB. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) seria alterada para definir regras de ajuste ao limite do gasto, que seriam usadas quando ele fosse ultrapassado.

Os tetos para o gasto, em proporção do PIB, seriam fixados no Plano Plurianual (PPA) para quatro anos. Posteriormente, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) fixaria o teto para o gasto de cada ano, transformando o limite em percentual do PIB fixado no PPA em valor nominal.

De acordo com a proposta, apresentada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, a política fiscal do governo teria duas condicionantes: a meta anual de superávit primário e o limite anual para o gasto total da União. As duas variáveis seriam definidas de forma coordenada, na perspectiva de uma trajetória para a dívida pública como proporção do PIB.

A ideia inicial da equipe econômica, segundo fonte credenciada do governo, era estabilizar a dívida pública em proporção do PIB já em 2018. A dívida ainda subiria neste e no próximo ano, mas se manteria estável no último ano do mandato da presidente Dilma Rousseff. Para atingir esse objetivo, o governo proporia metas de superávits primários crescentes para os próximos três anos. Haveria necessidade também de fixar limites para o gasto total da União abaixo do nível previsto para 2016, que é de 19,1% do PIB - o patamar mais elevado da história do Brasil.

Essa estratégia parece ter naufragado, antes mesmo de ser formalizada. A proposta formulada pelo ministro Nelson Barbosa foi bombardeada pelo PT, que já se manifestou contrário à reforma da Previdência Social neste momento e contra algumas regras a serem usadas pelo governo, em caso de superação do limite para o gasto, como o cancelamento do aumento real para o salário mínimo.

Para piorar as coisas, o PT apresentou proposta econômica diametralmente oposta à de Barbosa e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal líder do partido, fez críticas nos bastidores à atuação do ministro da Fazenda.

Outra dificuldade para a definição do superávit primário do próximo ano e dos dois anos seguintes está relacionada à nova renegociação das dívidas de Estados e municípios pela União. Na terça-feira, o governo teve que ceder às pressões dos governadores e aceitou conceder um desconto de 20% no valor das prestações mensais pagas pelos Estados à União, além de alongar em 20 anos o prazo para o pagamento das dívidas renegociadas no âmbito da Lei 9.496 e também dar prazo maior para o pagamento dos débitos estaduais com o BNDES.

O acordo, no entanto, não está formalizado. Não se sabe ainda qual será o impacto fiscal da nova renegociação de débitos neste ano e nos próximos. A União perderá receita com o acordo e os Estados e municípios terão uma margem maior para realizar gastos, o que reduzirá o resultado fiscal desses entes da Federação.

No dia 22, o governo terá que encaminhar ao Congresso o relatório de avaliação de receitas e despesas relativo ao primeiro bimestre. Junto com o relatório, é provável que o governo envie também um projeto de alteração da LDO válida para este ano. O governo já anunciou que proporá uma mudança na meta fiscal de 2016 para que ela possa ser reduzida se houver frustração de receitas.

A LDO estabelece que o superávit primário para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) neste ano será de R$ 24 bilhões. Com a mudança que será proposta, essa meta poderá ser reduzida em até R$ 84,2 bilhões. Assim, a meta fiscal do governo central poderá variar entre superávit de R$ 24 bilhões e déficit de R$ 60,2 bilhões.

O valor do desconto da meta poderá ser aumentado, pois o que foi divulgado anteriormente pelo Ministério da Fazenda não incorporou o impacto fiscal da nova renegociação das dívidas com Estados e municípios. Antes de aceitar conceder um desconto de 20% no valor mensal das prestações, o governo estimou o impacto anual da renegociação dos débitos em R$ 12 bilhões.

Se o acordo com os Estados começar a valer apenas a partir de julho, em virtude do prazo necessário para a aprovação das mudanças da LRF e nos contratos, o impacto corresponderá à metade. Nesse caso, o desconto da meta poderá ultrapassar R$ 90 bilhões.

Para tornar crível a trajetória fiscal de médio e longo prazos, uma das dificuldades do governo será mostrar como irá obter as receitas necessárias para alcançar a meta de superávit primário. As contas deste ano somente serão fechadas com a ajuda maciça de receitas patrimoniais, representadas pela venda de ativos da União, e de receitas tributárias extraordinárias, no montante de R$ 47,5 bilhões, resultantes da CPMF, que ainda não foi aprovada pelo Congresso, e da regularização de ativos mantidos no exterior, entre outras. Portanto, o resultado fiscal deste ano não será garantido por receitas recorrentes, que se repetirão em 2017 e nos anos seguintes.

A responsabilidade de Lula – Editorial / O Estado de S. Paulo

Luiz Inácio Lula da Silva chegou à conclusão de que precisa virar vítima dos malvados inimigos do povo e apelar ao que lhe resta de apoio nas ruas para evitar que a Lava Jato o ponha na cadeia. Deixou isso claro na semana passada, quando saiu direto do depoimento à Polícia Federal para a sede do PT, onde armou uma encenação: entre o heroico e o melodramático, expôs a “mágoa” que sentia, em arenga de quase uma hora na qual exortou os petistas a “levantarem a cabeça” e saírem às ruas em “defesa da democracia”. Cumprindo essa determinação à risca, petistas irresponsáveis apressaram-se a convocar a militância para disputar espaço na Avenida Paulista com os manifestantes pró-impeachment de Dilma Rousseff que lá estarão no próximo domingo, dia 13, em mais uma manifestação de protesto contra o governo convocada há vários meses.

Tal confronto não deve e não pode ocorrer. Fez bem, portanto, o governador Geraldo Alckmin, ao anunciar que não autorizou – e, consequentemente, a polícia impedirá – que manifestantes favoráveis ao governo disputem espaço na Avenida Paulista com grupos antigovernistas. Deixou claro o governador paulista que os governistas têm todo o direito de levar suas posições às ruas no próximo domingo, desde que o façam em outros pontos da cidade que não representem ameaça à segurança pública. É uma questão de bom senso da qual só discordará quem estiver interessado em tirar proveito político da desordem.

O governo federal também se mostra preocupado diante da provocação irresponsável que seria mandar para a Avenida Paulista grupos dispostos ao confronto físico com os manifestantes contra o governo – que, de acordo com todas as previsões, ali estarão às centenas de milhares. A direção do PT, no entanto, tenta se livrar de qualquer responsabilidade alegando que os atos que estão sendo organizados por petistas para o domingo são “autônomos”, “espontâneos”, fora do controle da direção do partido. E, a julgar pelas manifestações de petistas nas redes sociais, os seguidores de Lula permanecem fiéis à ideia insensata de que não podem recusar-se ao ato heroico de combater os inimigos da democracia. Oficialmente, portanto, o PT não teria nada a ver com as manifestações pró-governo que vierem a se realizar no domingo. Apenas recomenda a seus militantes que “evitem conflitos”.

Diante desse quadro, é o caso de cobrar de Lula a responsabilidade óbvia que ele tem pelo curso desses acontecimentos e exigir dele uma manifestação pública, categórica, no sentido de evitar esse atentado à ordem pública, retirando dos baderneiros profissionais – pois a militância do PT é paga – imperdível oportunidade de voltar a agir. Agora certamente com o apoio de um punhado de inocentes úteis iludidos com a ideia de que estarão a serviço da democracia e da liberdade.

Se não se dispuser a serenar o ânimo de seus seguidores que se dispõem a ir para a rua com a faca nos dentes, o ex-presidente terá que ser responsabilizado pelas consequências do desatino de incitar a disputa de espaço com os antigovernistas na Avenida Paulista. Afinal, por que os petistas precisam se reunir exatamente na Paulista, exatamente no mesmo dia e hora em que lá estarão se manifestando centenas de milhares de antigovernistas?

Lula, porém, não parece minimamente preocupado com isso. Na verdade, parece é muito feliz com o que acredita ser o efeito positivo do teatrinho de vitimização que vem encenando desde sexta-feira. Acredita que conseguiu estimular o espírito de luta da militância petista. Do deputado Carlos Zarattini já obteve uma interessante colaboração retórica: “Durante 13 anos tivemos paz social. Se prenderem o Lula e tirarem a Dilma, quem vai garantir a paz social? Isso não é uma ameaça, é uma análise”. Se fosse ameaça, que termos usaria?

Na segunda-feira Lula foi a Brasília para manter contatos políticos em defesa própria e do governo. Mostrou a seus interlocutores a nova frase de efeito que certamente levará para os palanques: “Se me prenderem, viro herói. Se me matarem, viro mártir. Se me deixarem livre, viro presidente de novo”. Se fosse um teste de múltipla escolha, a resposta certa seria nda – nenhuma das anteriores.

Um momento especial na luta contra a impunidade – Editorial / O Globo

• É difícil o combate à corrupção, mas ocorrem avanços, como a decisão do STF de que pena mantida em segunda instância pode começar a ser cumprida

Quando o então poderoso Delúbio Soares, tesoureiro do PT, apostou que o mensalão viraria uma “piada de salão”, foi difícil discordar dele. Não era mesmo norma, numa República que preservava da monarquia castas de fidalgos, punir abastados e gente com poder político. Mas já transcorria um fortalecimento das instituições, e assim Delúbio, além de companheiros de mensalão até mais graduados, como José Dirceu, terminaram na cadeia, condenados no Supremo.

Percebe- se hoje que uma renovação de quadros no Estado, protegidos do aparelhamento empreendido pelo PT, e a mobilização social têm levado a decisivos aperfeiçoamentos legais e jurídicos. Dessa forma, surgiu a Ficha Limpa, em 2010, apelido da lei complementar derivada de um projeto de origem popular, sustentado por aproximadamente 1,6 milhão de assinaturas. Por ela ficou instituído que político condenado em segunda instância fica inelegível.

Neste momento, uma quantidade semelhante de assinaturas sustenta um projeto de dez pontos para melhorar a eficácia da Justiça no combate à corrupção. Ele veio do grupo de procuradores que atuam na Lava- Jato, e portanto são propostas inspiradas nas dificuldades que a força-tarefa da operação tem encontrado numa investigação histórica.

Uma das reivindicações procura acelerar a aplicação das penas, para coibir uma das mais graves distorções da Justiça brasileira, o número excessivo de recursos, razão direta da lentidão do sistema. Neste sentido, há pouco, o Supremo promoveu uma revolução: contra as chicanas protelatórias, estabeleceu que penas confirmadas na segunda instância, ou seja, por colegiado, podem começar a ser executadas logo.

O primeiro efeito, até simbólico, do bem-vindo veredicto, foi, afinal, mandar- se para a penitenciária o empresário Luiz Estevão, ex- senador, condenado em 2006, no caso de corrupção na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, e até agora mantendo- se longe das grades à força de dezenas de recursos.

Nos últimos dias, houve novos sinais alvissareiros: a condução coercitiva do ex- presidente Lula, para depor na Lava- Jato, reafirmando que não há quem esteja acima da lei no Brasil, e a condenação a 19 anos de prisão, em primeira instância, pelo juiz Sérgio Moro, do maior empreiteiro do país, já preso, Marcelo Odebrecht.

Não há guerra vencida neste terreno. Sempre existem chances de interferência de poderosos. Apesar de tudo, ocorrem vitórias importantes contra a corrupção nas “elites” às quais o lulopetismo se aliou: empreiteiros, operadores financeiros, políticos sem ética etc.

A degradação do padrão moral da vida pública cria uma reação em contrário que já produz ganhos visíveis. Parece surgir uma base com alguma solidez, no Estado, para se limpar de fato a política e sanear seus vínculos com o mundo dos altos negócios. Seja à esquerda ou à direita.

Sem golpe de cúpulas – Editorial / Folha de S. Paulo

É uma autêntica tradição da política brasileira que, em meio a crises lancinantes, apareça alguém com uma proposta parlamentarista.

Cogita-se disso (ou de um "semipresidencialismo") na cúpula do Senado, que instalou comissão especial para estudar o tema. Em artigo recente na imprensa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) relançou a ideia de uma "Presidência forte e equilibradora, mas não gerencial".

Para além das ambições pessoais deste ou daquele senador a que possa convir, compreende-se o atrativo da propositura.

Sistemas parlamentaristas tornam a maioria no Legislativo responsável, porque interessada no êxito do governo, ao mesmo tempo em que permitem abreviar sem trauma uma administração que tenha fracassado. Por valorizar essas vantagens, do prisma doutrinário esta Folha apoia há décadas o parlamentarismo.

Mas adotá-lo de improviso, num passe de mágica congressual, não parece indicado. Seria um remendo comparável ao de 1961, logo revogado pelo plebiscito de 1963, que restaurou os poderes da Presidência. Uma segunda consulta popular, feita em 1993 a mando da nova Constituição, confirmou a anterior por larga maioria (55,6% X 24,9%).

A fim de não configurar intolerável golpe de cúpulas, qualquer solução do tipo demandaria aprovação num terceiro referendo. Sobretudo no caso de se pretender implantar a medida durante o atual mandato, seja com a atual presidente reduzida a figura decorativa, seja com o vice em seu lugar.

Difícil crer, ainda assim, que a maioria do eleitorado se disponha a conferir mais poderes a um Congresso que é desprezado em escala quase universal.

Mesmo que terminasse aceito, tal arranjo não estaria assentado em persistente campanha de persuasão pública que houvesse formado lastro na sociedade. Decerto seria a primeira coisa que o presidente eleito com imensa legitimidade em 2018 trataria de desfazer.

Somadas as dificuldades, a sugestão resulta inviável. Parte de seu espírito, no entanto, poderá se materializar na prática, uma vez que um eventual governo Michel Temer (PMDB) necessitaria de ampla base parlamentar e concederia o que fosse necessário para conquistá-la, na tentativa de confinar na oposição apenas o que restasse do PT e sua franja ideológica.

O futuro parece mais volátil do que nunca, exceto pela sólida convicção de que a solução da crise acontecerá dentro da lei. Em meio ao cenário desolador, as instituições têm dado provas de bom funcionamento. Não é hora de mexer na única parte do sistema que vai bem.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Opinião do dia – Dora Kramer

Os atuais inquilinos do poder só demonstram preocupação com o País quando isso pode lhes render algum benefício. Do contrário, lixam-se.

Arrebentaram a economia para ganhar eleições, enterraram o exercício da política em fosso profundo para conquistar aliados, mentiram com inédita jactância para tornar verossímeis toda sorte de manipulações, passaram por cima da lei, aniquilaram a ética como valor essencial de sociedades civilizadas e ainda se perguntam como, quando e por que a receita desandou.

As respostas não dependem de caras pesquisas. Estão à disposição por iniciativa dos fatos. Quando?

No momento em que o Brasil cansou de ilusões e parou de se comportar como um dócil refém da miragem que o PT escolheu como modo de governar.

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Dora Kramer é jornalista. ‘Imoral, ilegal, e daí?’, O Estado de S. Paulo, 9.3.2016

Dilma faz apelo por 'compreensão, diálogo e unidade' do País

• Sem citar especificamente o temor do governo com o acirramento da violência nas manifestações marcadas para o próximo domingo, Dilma afirmou ainda que o País precisa manter sua reputação de ser um país tolerante

Ana Fernandes, Carla Araújo, Elizabeth Lopes, Felipe Resk, Ricardo Galhardo e Tânia Monteiro – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff pediu nesta terça-feira, 8, “compreensão, diálogo e unidade” no País, em solenidade no Palácio do Planalto na qual assinou uma portaria para beneficiar com cirurgias reparadoras mulheres vítimas de violência. O apelo foi feito na mesma semana em que militantes começaram a articular atos de apoio ao PT e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo da Operação Lava Jato, para o mesmo domingo em que haverá centenas de protestos pelo impeachment de Dilma em todo o País.

“No momento em que nós vivemos, mais uma vez é necessário que a gente repita a importância da tolerância”, afirmou Dilma, sem citar diretamente o temor do governo de eventuais confrontos entre aliados e opositores do governo no fim de semana. “A tolerância e a pacificação da sociedade é algo muito importante.”

A solenidade foi realizada ontem à tarde. Horas antes, Dilma já havia feito apelo semelhante a ministros do governo, durante reunião de coordenação política. A presidente pediu aos aliados que seus respectivos partidos, em especial o PT, desmarcassem qualquer evento previsto para o domingo, a fim de evitar confrontos com manifestantes contrários ao governo. O acirramento de ânimos de partidários e opositores da gestão Dilma, após o depoimento forçado de Lula à Lava Jato, preocupa o Planalto.

Seguindo essa orientação, o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, reuniu-se com líderes da base e pediu a todos que convençam suas bases a cancelarem manifestações no domingo, não aceitem provocações e evitem o enfrentamento.

O Planalto teme que o governo e o próprio PT possam ser responsabilizados por eventuais conflitos, provocando mais desgaste a ambos. Na sexta-feira, após prestar depoimento à Polícia Federal, Lula fez um discurso cheio de críticas à elite e à mídia, afirmou que era a hora de o PT “levantar a cabeça” e que, “se tentaram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo”.

Diante do apelo do governo e da presidente, lideranças de movimentos sociais e sindicais próximos do PT passaram a dizer que não iriam às ruas no domingo, e sim em outras datas previamente definidas para atos contra o impeachment: 18 e 31 de março.

A direção nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) decidiu orientar as lideranças estaduais a não fazerem manifestações no domingo. A Frente Brasil Popular, formada por partidos, movimentos sociais e sindicais contrários ao impeachment, disse em nota que nenhum eventual ato no domingo faz parte do calendário da entidade, mas o grupo afirmou “apoiar todas as manifestações coletivas”.

Paulista. Em São Paulo, militantes do PT articulam desde domingo um ato em defesa de Lula na Avenida Paulista, no mesmo dia em que está previsto o maior protesto pelo impeachment – a Secretaria de Segurança Pública prevê 1 milhão de pessoas no ato.

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que a Polícia Militar não permitirá manifestações de grupos políticos adversários no mesmo local. “No domingo, dia 13, nós devemos fazer um grande trabalho para evitar que haja manifestações contrárias no mesmo local e horário”, disse. “Quem quiser fazer manifestação a favor do governo, contra o impeachment, a favor de quem quiser, tem total liberdade. O que vamos trabalhar é para que não ocorra no mesmo horário e local para garantir a segurança.”

Governo teme perder apoio e apressa rito do impeachment

• 'Já que o processo do impeachment foi recebido indevidamente, não dá para ficar com esse cadáver insepulto', diz o ministro Ricardo Berzoini

Vera Rosa, Daniel Carvalho e Carla Araújo - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O agravamento da crise política aumentou a instabilidade da base aliada e levou o Palácio do Planalto a rever sua estratégia, pedindo pressa na votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, disse que o caso virou um “cadáver insepulto” e fez um apelo para que o Congresso vote logo o assunto.

Sob o argumento de que o País não pode ficar paralisado por causa de uma ação política sem desfecho, Berzoini disse que o governo não fará qualquer manobra para impedir a votação. “ Já que o processo de impeachment foi recebido indevidamente pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não dá para ficar com esse cadáver insepulto”, disse Berzoini ao Estado. “Há uma tentativa da oposição de obstruir a pauta da Câmara e do Senado só para discutir impeachment. Não é lícito fazer isso. O Brasil não pode parar.”

Em reunião com deputados que lideram partidos da base na Câmara, o ministro afirmou ontem que, enquanto a crise política não se resolver, o País não vai superar a instabilidade econômica. “Nós não temos medo do impeachment. O governo não tem interesse em procrastinar essa votação no Congresso.”

A mesma avaliação foi feita, pela manhã, no encontro de Dilma com ministros que compõem a coordenação de governo. O diagnóstico do Planalto é que a oposição quer arrastar o impeachment o máximo possível para fazer o governo “sangrar” e, nesse período, angariar o apoio das ruas ao processo de deposição de Dilma. Na domingo, haverá manifestações em todo o País pelo afastamento da presidente.

A nova ofensiva da oposição depende da resposta do Supremo Tribunal Federal ao recurso apresentado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sobre o rito do impeachment. O julgamento foi marcado para o dia 16. “O governo, desde o ano passado, tem dito que está pronto para discutir impeachment. Já existe uma decisão mais que clara. Cabe ao presidente (Eduardo Cunha) colocar a comissão para funcionar. Estamos prontos para discutir esta matéria”, afirmou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

Na base, porém, há líderes que entendem o encaminhamento como um erro. Temem a interpretação de que o governo jogou a toalha ou que a própria base defenda a saída de Dilma.

Desgaste. Nesta terça, no Congresso, até governistas obstruíram votações e os sinais de desgaste da base começaram a ser emitidos logo cedo. Minutos antes de seguir para o Planalto para a reunião de líderes com Berzoini, o líder do PSD, Rogério Rosso (DF), defendeu novas eleições gerais. “Outro dia escutei: ‘Rosso, e se fizéssemos eleições gerais, não só para presidente, mas para todos os cargos?’. Eu topo. A gente tem que topar tudo que for para consertar e unir o País”, disse o líder do partido de Gilberto Kassab, um dos ministros mais fiéis a Dilma.

No Senado, também há sinais de racha na base. O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) disse que o partido não deve acompanhar o governo em todas as votações. Para um interlocutor do vice Michel Temer, a tendência de desembarque do PMDB do governo é “crescente” e, na convenção do partido, no sábado, há chances de ser aprovada moção de independência em relação ao Planalto. Para evitar que o maior aliado lidere a debandada, foram escalados Berzoini e Jaques Wagner (Casa Civil). / Colaboraram Tânia Monteiro e Julia Lindner

PT pressiona Lula a aceitar ministério e 'escapar' de Moro

• Ex-presidente precisa da prerrogativa de só ser processado no STF para evitar eventual prisão, dizem aliados; ele resiste

Vera Rosa e Adriano Ceolin - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo pressionado a assumir um ministério no governo Dilma Rousseff. Mas, até agora, ele resiste. Com o avanço da Lava Jato, aliados de Lula dizem que ele precisa de foro privilegiado porque, segundo eles, do jeito que a operação caminha, o petista pode ter a prisão decretada. O assunto foi tratado nesta terça-feira, 8, à noite em reunião de Lula, Dilma e ministros, no Palácio da Alvorada.

Se Lula ocupar um ministério, eventual pedido de prisão precisa ser autorizado pelo Supremo Tribunal Federal e o ex-presidente não ficará nas mãos do juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na 1.ª instância. Para petistas, é claro o objetivo da operação de atingir Lula e o PT, além de jogar combustível no impeachment de Dilma.

“Aumentou no PT a pressão para que Lula assuma um ministério, para tentar também esboçar uma reação do governo às arbitrariedades que estão ocorrendo”, afirmou um amigo do ex-presidente. Lula não quer aceitar nenhum cargo no governo sob o argumento de que isso passaria a impressão de confissão de culpa. Em agosto do ano passado, o PT já o havia sondado para ocupar um ministério.

Diagnóstico. Apesar da pressão, Lula tem feito um diagnóstico positivo sobre a ação da Lava Jato que o levou a prestar depoimento de forma coercitiva na sexta-feira. “A partir de agora, se me prenderem, eu viro herói. Se me matarem, viro mártir. E, se me deixarem solto, viro presidente de novo”, disse Lula a mais de um interlocutor. O petista chegou ontem à tarde a Brasília onde se reuniu com Dilma pela segunda vez em quatro dias.
/ Colaboraram Erich Decat, Gustavo Aguiar e Isadora Peron

Em meio à crise, Lula tem dia de articulador

Investigado na Lava- Jato, o expresidente Lula tem hoje encontro com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL), e o ex- senador José Sarney para tentar evitar o rompimento entre o PMDB e o governo Dilma. Cresce no Planalto a preocupação com o impeachment.

Investigado, Lula reage e assume articulação contra impeachment

• Ex- presidente chega a Brasília, chama Sarney e atua junto ao PMDB

Simone Iglesias, Isabel Braga Leticia Fernandes - O Globo

BRASÍLIA- Com o aumento da pressão no PMDB pelo rompimento com a presidente Dilma Rousseff, cresceu no Palácio do Planalto a preocupação com o processo de impeachment. Ontem pela manhã, em reunião da coordenação política, Dilma avaliou que a situação do governo é “difícil”, porque os partidos aliados poderão acabar se afastando, assim como os peemedebistas, levados pelas manifestações de domingo e pelo desgaste contínuo de sua gestão.

No quadro de tensão e incertezas, o ex-presidente Lula desembarcou em Brasília para assumir a articulação junto ao PMDB e discutir com a presidente mudanças na agenda econômica que tenham impacto imediato. Investigado na Operação Lava- jato, Lula se reuniu ontem à noite com Dilma e alguns ministros, e hoje toma café da manhã na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL), com o ex- presidente José Sarney e o comando do PMDB do Senado, mais alinhado com o governo.

— A semana está afetada pelas manifestações de domingo. Preocupação ( com o impeachment) tem e há uma agenda de conversas com a base. É preciso agir no campo institucional — disse um auxiliar da presidente.

“Faca no pescoço”
Lula assumiu a articulação política junto ao PMDB do Senado, que passou a ter papel decisivo no rito do impeachment determinado pelo Supremo Tribunal Federal ( STF), dias depois de ser levado a depor pela Polícia Federal, que investiga se ele foi ou não beneficiado pelo esquema de corrupção na Petrobras. Ontem, os advogados do ex- presidente apresentaram recurso ao STF, contra decisão da ministra Rosa Weber que validou a 24 ª fase da Lava- Jato.

A convenção do PMDB, marcada para a véspera das manifestações de domingo, reforça o sentimento no governo de que será difícil recompor com o principal aliado. Até ontem, apesar da ação de Lula, não havia no horizonte de Dilma a possibilidade de uma conversa com o vice-presidente, Michel Temer.

Ontem pela manhã, depois da reunião com Dilma, o ministro Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) reuniu os líderes da base. O ministro teria dito que é importante tirar essa “faca do pescoço” do governo e pediu equilíbrio aos líderes. Segundo relato de um participante, Berzoini afirmou que o governo costuma ter entre 280 e 300 votos, dependendo do tema das votações. A maioria dos líderes se posicionou a favor de enfrentar o quanto antes o processo de afastamento na Casa.

— Esse filme está no pause, bota o play e deixa tocar, a vida tem que continuar — afirmou o deputado Hugo Leal (PROS- RJ).

Na reunião, o líder do PP, Aguinaldo Ribeiro (PB), sugeriu que Dilma convoque o Conselho da República para tratar da crise enfrentada pelo país.

Para discutir o agravamento da crise política e econômica que o governo enfrenta, Lula e Dilma se reuniram, no Palácio da Alvorada, com os ministros Jaques Wagner ( Casa Civil) e Berzoini, além do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que participou de parte do encontro.

Já a cúpula do PSDB se reunirá amanhã com caciques do PMDB para discutir os possíveis cenários sobre o afastamento da presidente. O encontro será em um jantar na casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). (Colaborou Júnia Gama)

Relator de recurso pede pressa em definição de rito

• Julgamento foi marcado pelo Supremo para o próximo dia 16

- O Globo

- BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal ( STF) marcou para o próximo dia 16 o julgamento do recurso apresentado pelo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), contra o rito definido pela Corte para o processo de impeachment. A data foi agendada ontem, poucas horas depois de um grupo de deputados da oposição ter cobrado celeridade no julgamento do caso, em encontro com o presidente do tribunal, ministro Ricardo Lewandowski. À noite, Lewandowski conversou com o relator do recurso, ministro Luís Roberto Barroso, que não só prometeu liberar o voto para julgamento no início da semana que vem como também pediu pressa para a resolução do impasse.

Lewandowski lembrou aos deputados, que prometem manter a obstrução no plenário da Câmara enquanto o julgamento não terminar, que o STF já definiu o rito para o impeachment, em dezembro. Um rito que, em tese, tem efeito imediato, porém, ainda carece da análise de recurso.

O presidente do STF também afirmou aos parlamentares que questões políticas precisam ser resolvidas no Congresso Nacional, e não no Judiciário. Ontem, Barroso pediu pressa para a definição do rito do impeachment.

— O rito do processo do impeachment não é questão de governo ou de oposição. O país tem pressa em definir isso. Não sou eu, não é o governo, não é a oposição que tem pressa. É o país que tem pressa. Tem que ter regras claras — afirmou o ministro, que também foi o relator do acórdão do julgamento que fixou regras para a tramitação do processo de impeachment no Congresso Nacional. 

O documento, com todas as decisões tomadas na sessão de dezembro, foi publicado ontem. Agora, será aberto prazo de cinco dias para a apresentação de recursos.

Após ler o acórdão, o ministro Marco Aurélio Mello avaliou que as regras definidas para o processo ficaram claras. Para ele, não devem prosperar contestações apresentadas por Cunha.

— Precisamos aguardar. Mas não consigo conceber que, depois de tanta discussão, tenhamos lançado ao mundo jurídico um pronunciamento obscuro, contraditório e omisso — disse Marco Aurélio, em tom irônico.

Planalto teme confronto, e Alckmin veta ato do PT

• Ministros pedem a petistas que desmobilizem manifestações pró- Dilma

Governador de SP proíbe a militantes que apoiam Lula e o governo federal de protestarem no local já reservado por defensores do impeachment. Marco Aurélio disse temer ‘ um cadáver’

A preocupação com o risco de confrontos nas manifestações de domingo levou o governo a pedir a desmobilização da militância petista, que previa ir às ruas em defesa do ex-presidente Lula e do governo. O protesto fora inicialmente marcado por defensores do impeachment da presidente Dilma. “Ter um quadro de paz é fundamental”, disse a presidente ontem. O ministro Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) pediu a parlamentares que convencessem a militância a escolher outro dia para se manifestar. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin vetou protestos de petistas na Avenida Paulista, local escolhido pelos manifestantes anti-Dilma. O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, disse temer que surja “um cadáver” em confrontos no domingo.

Governo tenta esfriar ânimos

• Preocupado com violência, Planalto pede a apoiadores para não irem às ruas no dia 13

BRASÍLIA- A reação de petistas e da militância anti-impeachment aos protestos do próximo domingo preocupa o Palácio do Planalto e dirigentes do PT, que temem a ocorrência de confrontos violentos entre manifestantes pró e contra o governo Dilma Rousseff. Ontem, esse assunto dominou algumas reuniões, e ministros pediram a líderes do PT e da base aliada que parem de insuflar os militantes a irem às ruas no domingo, mesmo dia do ato contra o governo. Há um grande receio de que o próprio governo seja criminalizado pela eventual radicalização entre os manifestantes.

O ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, fez o pedido a líderes do governo, em reunião no Planalto. Na véspera do encontro, o presidente do PT, Rui Falcão, já tratara do tema com ministros, e Berzoini começara a telefonar a alguns parlamentares para que não estimulassem militantes a um enfrentamento direto com opositores na rua e escolhessem outro dia para manifestarem- se.

Segundo os líderes aliados, Berzoini disse achar um erro manifestações opostas no próximo dia 13. O ministro disse que o PT não está convocando militantes para atos a favor do governo, e a própria presidente Dilma está ligando para petistas nos estados, sugerindo que façam manifestação em outro dia.

— O ministro disse que está ligando para os estados, e que o governo não quer passar a ideia de que está dividindo o país — contou o deputado Domingos Neto (PROS-CE).

Temor de criminalização
No Planalto, a avaliação é que, se houver protestos em defesa de Lula também no domingo, o ato pró- impeachment pode ficar ainda mais atrativo para quem reprova o governo. Além disso, há o receio de que, com ânimos exaltados dos dois lados, os confrontos ideológicos transformem-se em violência física. Isso criminalizaria o protesto do PT e desgastaria o governo.

— Imagine se tiver confusão, se alguém sair ferido. É uma possibilidade muito real com tudo o que está aí — afirmou um auxiliar de Dilma.

O risco de algum manifestante, seja do lado que for, sofrer algo mais sério, e até mesmo morrer, é a principal preocupação. A expressão “cadáver para jogar no colo do PT” foi ouvida ontem entre auxiliares de Dilma. A frase faz menção à declaração do teólogo Leonardo Boff, que publicou uma mensagem em seu Twitter na segunda-feira, republicada por Rui Falcão. “Nas manifestações de apoio a Lula e Dilma deve se evitar o confronto violento. Os golpistas buscam um cadáver para chamar as Forças Armadas”, escreveu Boff.

— Quanto mais estabilidade, melhor para o governo. Estamos desmobilizando para que as manifestações aconteçam em outro dia. É assim em uma democracia — disse um assessor do palácio.

Dilma Rousseff, em solenidade do Dia Internacional da Mulher, afirmou que os governos precisam de “paz”, principalmente para enfrentar crises.

— Ter um quadro de paz é fundamental. Os governos precisam de paz para que nós tenhamos condições de enfrentar a crise e retomar o crescimento — afirmou a presidente, que fez um apelo pelo diálogo e unidade do Brasil.

O governo alerta ainda que há uma outra preocupação que pode acirrar mais os ânimos: as decisões que o juiz Sérgio Moro possa vir a tomar até a data da manifestação.

— Nesse ritmo, o Moro pode colocar mais gente nas ruas. Decidir por condenações, vai insuflar os que são contrários ao governo. Por outro lado, pode também estimular os que defendem o governo. Acho que o melhor seria o juiz Moro aguardar esse dia 13 passar e depois anunciar suas decisões — disse um parlamentar ligado ao governo, que pediu para não ser identificado.

Pela oposição, o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), solicitou ao Ministério da Justiça proteção policial aos manifestantes pró-impeachment.

Alckmin diz que só manifestação contra Dilma será na Avenida Paulista

• Ato pelo Dia Internacional da Mulher em São Paulo apoia presidente e provoca confusão

Luiza Souto, Stella Borges e Renan Xavier* - O Globo

SÃO PAULO e BRASÍLIA - No próximo domingo, a Avenida Paulista será palco, a partir das 15 horas, de um protesto pró- impeachment, organizado na internet por movimentos contra a presidente Dilma. Desde o início desta semana há especulações de que o local também receberia um ato de apoiadores da presidente. Ontem, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) descartou a realização de dois protestos no mesmo dia na Paulista. Ele afirmou que permitirá que no local seja realizado apenas o ato contra Dilma.

— Havia uma solicitação para uma outra manifestação no sentido contrário e nós dissemos que no mesmo local e horário não pode. Esse pleito a favor do impeachment e contra a corrupção já estava agendado há mais de um mês, nem tinha nada a ver com a operação que ocorreu na sexta-feira passada — disse Alckmin, em entrevista a rádio Jovem Pan, referindo- se a 24 ª fase da Operação Lava- Jato, que levou o ex- presidente Lula a depor coercitivamente.

À noite, em Brasília, Alckmin declarou que o esquema de segurança foi montado e que os manifestantes poderão circular em segurança.

— A polícia está preparada e nós vamos trabalhar para que as manifestações ocorram em horários ou locais diferentes.

Na internet, desde anteontem, um movimento intitulado “Sem medo de ser feliz” está convocando simpatizantes para se contrapor ao ato que defenderá o impeachment de Dilma na Paulista. Este evento, porém, está marcado para outro local e horário: 11 horas, na Praça Roosevelt. Outras manifestações estão previstas em mais seis capitais — Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Recife, Porto Alegre e São Luís.

O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão ( PMD), afirmou que não recebeu nenhuma recomendação por parte do governo federal em relação à segurança das manifestações: — Vai ser tranquilo, como sempre. Ontem, a UNE informou que o ato pró- Dilma se trata de um evento organizado por produtores culturais. O anúncio do evento em uma rede social diz: “No próximo domingo, dia 13 de março, vamos gritar contra a crescente onda de ódio e intolerância que tomou conta do país nos últimos tempos. Vamos celebrar juntas e juntos a Democracia, repudiando os movimentos conservadores que avançam no Brasil”.

O presidente do PT, Rui Falcão, tem dito que o partido não está organizando nenhum protesto para domingo. “Vamos participar, organizadamente, das manifestações do dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, e das datas convocadas pela Frente Brasil Popular: 18 e 31 de março”, escreveu ele anteontem.

Um ato realizado ontem em São Paulo por movimentos sociais pelo Dia Internacional da Mulher virou palco para uma defesa pública de Dilma. Além de pedir igualdade de direitos, legalização do aborto e equiparação de salários, o evento teve faixas e palavras de ordem em apoio à presidente. 

Uma faixa à frente da marcha dizia: “Somos todas Dilma”. Adesivos colados nas roupas de parte das manifestantes pregavam: “Não vai ter golpe”. O ex-presidente Lula, investigado pela Lava- Jato, também recebeu solidariedade. Uma grande bandeira vermelha tinha a imagem do ex-presidente e a frase “Lula, eu respeito; Lula, eu defendo”. A Polícia Militar estimou que cerca de 2 mil pessoas participaram do ato. Um trecho da Avenida Paulista foi fechado para a passagem do grupo no fim da tarde.

Gritos de “não vai ter golpe”
Apesar da maioria pró-Dilma, uma confusão foi registrada no início do ato entre manifestantes favoráveis e contra a presidente. De cima de um carro de som, uma mulher gritou: “Fora, Dilma”. 

Logo depois, uma das organizadoras do evento anunciou que a pauta da manifestação seria sobre questões ligadas à mulher e não à política. O discurso, porém, foi abafado com gritos de “não vai ter golpe” e vaias. Outra manifestante endureceu o discurso. — Viva às mulheres, mas viva também aos trabalhadores. Precisamos ficar em vigília e tomar cuidado com a direita golpista. Não vai ter golpe — bradou, em defesa à manutenção de Dilma no poder.

Um grupo pediu calma e respeito às diferentes opiniões. A farmacêutica Josefa Alves da Silva, de 63 anos, participava pela primeira vez do tradicional ato no Dia Internacional das Mulheres, mas se disse decepcionada com o governo Dilma.

(* Estagiário sob supervisão de Maria Lima).

Dilma teme retorno do impeachment caso partidos aliados abandonem base

Valdo Cruz, Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Com receio de possíveis desembarques na base aliada, a presidente Dilma Rousseff demonstrou nesta terça-feira (8) preocupação com o retorno da tramitação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados.

Em reunião de coordenação política, a petista criticou o que chamou de tentativa de "cerco pesado" ao governo e avaliou o momento atual como "grave" e "difícil".

Segundo relatos de presentes, ela ponderou que caso haja defecções no momento que o pedido volte a tramitar, há o risco dele ser aprovado na Câmara, apesar dela acreditar que ele será barrado no Senado.

Nos últimos dias, partidos como PP, PTB e PRB têm discutido internamente a possibilidade de deixar a base aliada. Na semana passada, o PSB, antes em posição de neutralidade, anunciou a migração para a oposição ao governo.

No encontro, a presidente escalou os ministros e parlamentares presentes a responderem de maneira enfática a qualquer acusação feita contra o Palácio do Planalto.

Ela voltou a responder ponto por ponto as denúncias feitas pelo senador Delcídio do Amaral (PT-MS) em delação premiada divulgada na semana passada, na qual ele acusou a presidente de tentar interferir na libertação de presos na Operação Lava Jato.

A petista avaliou ainda que a divisão do país e o clima de confronto prejudicam a governabilidade e defendeu o diálogo como forma de se chegar a consensos e a entendimentos.

Na avaliação dela, a discussão sobre o impeachment tem o risco também de paralisar a pauta do ajuste fiscal no Congresso.

O processo de impeachment também foi a discussão central em encontro nesta terça do ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, com líderes da base aliada.

Segundo relatos, o ministro pediu "cautela" e "equilíbrio" na discussão do processo de afastamento da petista.

Ao final da reunião, o combinado era que os líderes da base aliada acompanhassem o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), em entrevista à imprensa. Ele, no entanto, só teve a companhia do líder do PT, Afonso Florence (BA).

Governista diz que Dilma pode não terminar mandato

Por Raymundo Costa e Claudia Safatle – Valor Econômico

BRASÍLIA - Em encontros recentes com representantes do mercado financeiro, o deputado Leonardo Picciani (RJ), líder do PMDB na Câmara, traçou um quadro político dramático para o governo da presidente Dilma Rousseff, caso as manifestações pró-impeachment, marcadas para o domingo, sejam de grande dimensão.

Para ele o prazo de permanência da presidente no cargo pode se encurtar substancialmente se os protestos repetirem ou superarem o padrão das manifestações de março do ano passado.

Picciani é, ao lado do presidente do Senado, Renan Calheiros AL), o principal aliado de Dilma no Congresso e, como deixa claro, não pretende abandoná-la. Ele confirmou que teve um almoço na segunda-feira, no Rio, com um grupo do mercado, e participou há poucos dias de um encontro patrocinado pelo JPMorgan. E procurou amenizar o conteúdo da sua análise sob o argumento de que qualquer um, diante do quadro atual, poderia ter dito o mesmo.

O deputado avaliou como frágeis a situação do PT e, particularmente, a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma eventual candidatura de Lula à Presidência da República em 2018, como o ex-presidente anunciou em entrevista após condução coercitiva para depoimento na Polícia Federal sexta-feira, teria, assim, pouco fôlego.

Dos interlocutores, Picciani ouviu uma grande preocupação com a situação do sistema financeiro nacional caso a crise perdure por muito mais tempo. Sobretudo se a crise que assola o setor de petróleo e gás levar à deterioração financeira irremediável das maiores empreiteiras do país, implicadas nas investigações da Operação Lava-Jato.

Domingo, dia 13 de março, é uma referência para os partidos. Mas não é a única. O poder de articulação do governo Dilma no Congresso caiu a zero, conforme reconhecem líderes da própria base. Nessas condições, as conversas em torno do afastamento da presidente devem ocupar o Congresso mesmo que os protestos sejam um fracasso. Só ficará ainda mais difícil.

Ao Valor, Picciani ponderou que no caso de as manifestações serem modestas ficará "uma lacuna...."

Com nenhuma ou pouca oposição, o processo pode levar até quatro meses na Câmara dos Deputados, se forem seguidos todos os trâmites regimentais previstos. A solução via o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a cassação da chapa Dilma / Michel Temer pode se estender por todo o mandato da presidente.

O PT, no entanto, promete manter a defesa do mandato de Dilma, tanto no Congresso quando no Judiciário, apesar das divergências entre o partido e o governo, sobretudo no que diz respeito à política econômica. Um dos pressupostos das conversas que objetivam abreviar a saída da presidente Dilma é o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujo processo de cassação do mandato começou a andar no Conselho de Ética.

A margem de manobra de Dilma começou a se estreitar também no PMDB, partido cuja divisão permitiu à presidente resistir à primeira ofensiva sobre seu mandato, no ano passado. Muito embora os governistas continuem defendendo o mandato de Dilma, as diversas correntes do partido já se entenderam em torno da recondução do vice Michel Temer, em convenção nacional marcada para sábado.

A conversa de Picciani com o mercado financeiro mostra o realismo com que o líder do PMDB encara a situação do governo. Hoje a cúpula do partido está mais preocupada com a ala que quer romper com Dilma, na convenção de sábado, do que com os governistas. Até o início do ano o quadro no PMDB, o fiel da balança na hipótese de votação do impeachment, era exatamente o contrário.

Nos últimos dias cresceu o movimento pelo rompimento com o governo Dilma, principalmente nas seções do Sul do país. Se a resolução for votada, pode ser aprovada. Uma saída intermediária seria a declaração de voto de independência em relação ao governo, o que permitiria que os ministros do PMDB ancorassem em seus cargos.

Senado cria comissão para estudar modelo de 'semipresidencialismo'

Daniela Lima, Mariana Haubert – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Sem alarde, o Senado aprovou a criação de uma comissão especial para debater a implementação de um sistema semelhante ao parlamentarismo como alternativa para a crise que paralisa o país.

A iniciativa nasceu de conversas entre o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o senador José Serra (PSDB-SP), mas hoje já envolve os principais articuladores do Congresso.

Na prática, ela visa oferecer uma alternativa de governabilidade em caso de a crise política se agravar com a petista Dilma Rousseff no cargo ou, em caso de impeachment da presidente, com o vice peemedebista Michel Temer (SP) à frente do Palácio do Planalto.

O colegiado foi aprovado pelo plenário na última quarta-feira (3), em meio a uma série de votações de outros temas, com base em um requerimento apresentado por Antonio Carlos Valadares (PSB-PE). A proposta foi subscrita por 41 dos 81 senadores.

Os articuladores da proposta trabalham com a ideia de apresentar um projeto que traga para o Brasil um modelo similar ao praticado em países como Portugal e França, onde existe, na prática, um "semipresidencialismo" no qual o primeiro-ministro cuida da gestão com o gabinete e o presidente tem mais poderes do que num regime parlamentarista puro.

Alguns dos principais nomes da oposição foram consultados. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso apoiou de forma pública, mas discreta, a medida.

No domingo (6), publicou artigo em que pregou a mobilização de todos os atores políticos pela criação de uma saída para a crise.

No último parágrafo de seu texto, escreveu: "É tempo de se verificar a viabilidade (...) de instituir um regime semiparlamentarista, com uma Presidência forte e equilibradora, mas não gerencial", pregou FHC. "Só nas crises se fazem grandes mudanças. Estamos em uma. Mãos à obra."

O termo "semiparlamentarista" havia sido usado no ano passado por Temer, que defendeu que o Legislativo dividisse tarefas como programação orçamentária com o Executivo.

De saída, os articuladores contam com resistência do presidente do PSDB, Aécio Neves, cujo grupo torce pela cassação da chapa Dilma-Temer e novas eleições, na qual ele seria forte candidato.

A comissão foi criada sob discursos de que não representaria qualquer articulação de golpe, mas uma medida que deveria, depois, ser chancelada pela população, por meio de um referendo.

O Brasil foi parlamentarista, entre 1961 e 63, também em momento de crise aguda. O sistema de governo foi rejeitado em plebiscito em 1993.

Nos bastidores, no entanto, o projeto é tratado como algo que pode "dar uma saída honrosa" para a crise.

Semelhanças e diferenças – Merval Pereira

- O Globo

Continuando na análise sobre as semelhanças — e diferenças também — entre a Operação Lava- Jato, que acaba de produzir a condenação do ex- presidente da Odebrecht, a maior empreiteira brasileira, a 19 anos de prisão, e a Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália nos anos 1990, a economista Cristina Pinotti, estudiosa do assunto, destaca entre as semelhanças, “além do terremoto político provocado pelas investigações, do uso intensivo das delações premiadas e das prisões cautelares como forma de desbaratar o esquema criminoso de corrupção”, um forte apoio popular nos três primeiros anos da investigação na Itália.

Foram constantes, assim como acontece aqui, as críticas de que os promotores vazavam e investigavam seletivamente os políticos com o objetivo de favorecer esse ou aquele partido ( só os de extrema esquerda e extrema direita ficaram fora); acusações de que a dignidade dos investigados não estava sendo respeitada e que eles sofriam os efeitos da execração pública sem que pudessem se defender.

Cristina Pinotti ressalta que várias verificações foram feitas para comprovar a lisura das investigações ocorridas na Procura di Milano, e nada foi encontrado de errado até hoje. Outra semelhança interessante, diz ela, é a da investigação dos crimes de corrupção ocorridos na loja maçônica P2 com os nossos casos Banestado e mensalão.

A investigação da P2 ocorreu em 1981 e contou com a participação do Gherardo Colombo ( junto com Giuliano Turone), que depois seria peça- chave da força- tarefa da Mani Pulite. Descobriram- se provas de envolvimento em corrupção dos principais membros da loja, comandada por Licio Gelli, e composta por ministros de Estado, parlamentares, chefes de serviço secreto civil e militar, prefeitos, magistrados, oficiais do Exército, generais dos Carabinieri e da Guardia di Finanza, além de jornalistas, empresários, magistrados, editores etc.

As denúncias de corrupção tiveram enorme impacto, pois incluíam, entre outras, descobertas de contas secretas na Suíça da principal figura do Partido Socialista, Bettino Craxi, e de outros socialistas. A reação foi de tal ordem que o caso passou da Procura di Milano para a de Roma, interrompendo, “de fato”, o processo.

Mas a partir da P2 Colombo e outros, estudaram com afinco os métodos de lavagem de dinheiro e as intrincadas operações financeiras usadas pelos corruptos para esconder o dinheiro, o que foi muito útil para identificar mais tarde os caminhos do dinheiro sujo na Mani Pulite.

Da mesma forma aqui a maior parte dos procuradores do Ministério Público que atuam na Operação Lava- Jato, e até mesmo o Juiz Sérgio Moro, atuaram nos casos Banestado e mensalão, e acumularam conhecimentos que estão sendo úteis agora na Lava Jato.

“O fim da História nós sabemos: Berlusconi, grande amigo de Craxi, entrou em cena para reverter o quadro e melar o jogo. As leis hoje na Itália são mais lenientes com a corrupção do que no período anterior à Mani Pulite”, diz a economista. Ela salienta que, para evitar um final semelhante, é fundamental a iniciativa das “Dez Medidas contra a Corrupção”, coordenada pelo procurador Deltan Dallagnol do MPF, que já recebeu mais de 1,5 milhão de assinaturas e será apresentada ao Congresso como um projeto de lei de iniciativa popular.

As diferenças entre a Mani Pulite e Lava- Jato são favoráveis a nós, acredita Cristina Pinotti. O cenário internacional mudou, e há hoje, no mundo, uma grande união ao redor do combate à corrupção e lavagem de dinheiro. Os que atuaram na Mani Pulite tiveram enorme dificuldade em conseguir dados do exterior, o que hoje está sendo um pouco mais fácil para nós.

O clima de violência na Itália antes da Mani Pulite ( terrorismo, atentados, muitas mortes) marcou dramaticamente a sociedade. Os vários suicídios entre os acusados também contribuíram para assustar a população e minar o apoio às investigações. Não temos a máfia, que lá permeia a vida e a mente das pessoas, tornandoas subservientes e amedrontadas.

A presença do Estado é mais forte lá do que aqui, o que reduz comparativamente a amplitude dos desvios de conduta por aqui. Critérios meritocráticos ainda estão mais presentes aqui do que lá, acredita a economista, por mais incrível que pareça. Para fazer uma palestra sobre as lições que a Mani Pulite tem a nos ensinar, Piercamillo Davigo, atual juiz da Suprema Corte da Itália, e Gherardo Colombo, atualmente presidente da editora Garzanti, dos dois principais juízes que atuaram no caso, farão uma palestra em São Paulo no dia 29, com a presença do juiz Sérgio Moro.

Imoral, ilegal, e daí? - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Os atuais inquilinos do poder só demonstram preocupação com o País quando isso pode lhes render algum benefício. Do contrário, lixam-se.

Arrebentaram a economia para ganhar eleições, enterraram o exercício da política em fosso profundo para conquistar aliados, mentiram com inédita jactância para tornar verossímeis toda sorte de manipulações, passaram por cima da lei, aniquilaram a ética como valor essencial de sociedades civilizadas e ainda se perguntam como, quando e por que a receita desandou.

As respostas não dependem de caras pesquisas. Estão à disposição por iniciativa dos fatos. Quando?

No momento em que o Brasil cansou de ilusões e parou de se comportar como um dócil refém da miragem que o PT escolheu como modo de governar.

A lei do menor esforço. A adoção de soluções fáceis (e erradas) para problemas complexos. Neste aspecto, João Santana deu boa contribuição com sua estratégia eleitoral de arrasa-quarteirão. Reelegeu Dilma Rousseff, mas ao mesmo tempo deu ao País a oportunidade de enxergar a realidade em seus traços mais perversos.

Como? Pelo exame de um passivo de ações deletérias que demonstraram ao longo dos últimos 13 anos qual era a intenção do PT: criar um mercado cativo de eleitores.

Entre os pobres, resolvendo questões da miséria extrema, mas, ao mesmo tempo, cultivando a manutenção da pobreza e, sobretudo, da ignorância. Entre os ricos, franqueando os cofres mediante - como se vê agora - retribuição de favores ao partido e seus dirigentes.

Por que, senão o País inteiro certamente a grande maioria, resolveu dizer chega?

Aqui a resposta é mais sucinta, resumida no axioma de Abraham Lincoln: não se pode enganar a todos o tempo todo. Há outro, entre vários, também de autoria do 16.º presidente americano: “Se quiser pôr à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”.


Se estendido o conceito do individual para o coletivo, aí teremos a explicação que o PT tanto busca para a perda de sua boa reputação com a opinião pública. Revelou a natureza de seu caráter - ou a falta do quesito - quando recebeu delegação do povo para exercer o poder.

Do ponto de vista objetivo, capturou o Estado. Em todos os sentidos.

Administrativo, político e, segundo o Supremo Tribunal Federal e os investigadores da Operação Lava Jato, criminal. No campo subjetivo, sequestrou cabeças e corações suscetíveis ao manuseio de anseios e emoções.

A festa, no entanto, nesses moldes acabou. O mito Lula da Silva não resiste ao efeito detergente da transparência. Derrete sob a luz do sol. Aliás, não resiste à própria falta de sofisticação no raciocínio produtor de metáforas, ao se comparar a uma criatura peçonhenta quando a intenção era fazer referência a um animal de poderosa capacidade de recuperação, mas digno de admiração. As cobras jararacas não se incluem na espécie. São, por outra, objeto de repulsa.

Por 13 anos, o PT tocou seu baile no pressuposto de que tudo poderia. Inclusive o ilegal, o imoral, o antiético, dizendo ao País “e daí?”, pois tinham dado aos pobres a chance de comprar geladeira, fogão, passagens de avião, ter acesso a vagas de universidade, empregos com carteiras assinadas.

Pois agora que os empregos minguaram, a inflação comeu o poder de compra, a estagnação da economia subtraiu-lhes os empregos, o crédito anteriormente contratado os afundou em dívidas, os parceiros empresários estão na cadeia e a Lava Jato assentou que a lei é igual para todos. Cabe recordar o poema de Carlos Drummond de Andrade: “E agora, José?”.

“A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu.” E agora, Luiz, você marcha, Luiz, para onde?

Evitar o pior – Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

Sem tempo para assimilar os golpes da semana passada, o governo passou a conviver com um novo fantasma: o risco de confrontos nas manifestações pró-impeachment do próximo domingo. Era o que não faltava para o Planalto depois da delação do senador Delcídio e da batida policial na casa de Lula.

O pavio foi aceso enquanto o ex-presidente ainda prestava depoimento aos investigadores da Lava Jato. Primeiro veio a pancadaria em Congonhas e São Bernardo do Campo. Depois, parte da militância lulista decidiu planejar atos simultâneos às passeatas contra o governo.

"Não seremos derrotados com as mãos nos bolsos", disse o presidente da CUT, Vagner Freitas. Há sete meses, ele falou em "pegar em armas" e ninguém deu atenção. Agora o clima no país sugere que a nova bravata pode ter consequências funestas.

Ontem a presidente Dilma aproveitou uma solenidade para pregar "tolerância". "Não haver violência e ter um quadro de paz é fundamental", discursou. Na sexta, o senador Aécio Neves já havia dado um bom exemplo ao pedir "tranquilidade" aos eleitores da oposição.

A hipótese de confrontos no domingo seria ruim para a democracia e desastrosa para o Planalto. A presidente já não controla sua base parlamentar nem consegue fazer a economia reagir. A eventual conflagração das ruas representaria um sintoma ainda mais grave de desgoverno.

Em 2015, as passeatas da direita foram criticadas pela presença de nostálgicos da ditadura, que defendiam uma amalucada "intervenção militar", mas não descambaram para a violência. Em dezembro, após meses de apatia, a esquerda conseguiu levar 55 mil pessoas à avenida Paulista no mesmo clima pacífico.

É dever de todas as forças políticas responsáveis zelar para que o 13 de março siga a mesma linha. O PT ajudará se desistir de promover atos no domingo. Quem é contra o impeachment pode ir às ruas outro dia e será ouvido da mesma forma.

A marcha do impeachment - Luiz Carlos Azedo

• O impeachment da presidente Dilma Rousseff voltou à pauta com toda força

- Correio Braziliense

Por uma série de razões, entre elas a incapacidade de o Congresso construir saídas para a crise, os partidos sistematicamente recorrem ao Supremo Tribunal Federal (STF) para resolver suas divergências. Os resultados são decisões judiciais intempestivas e erráticas, que truncam ainda mais o processo político e complicam a situação. A mais recente foi a intervenção aberta do STF no rito de apreciação do impeachment, cujo acórdão foi publicado ontem.

Do ponto de vista político, o caso é o seguinte: o Palácio do Planalto, através de seus líderes, tentou controlar a comissão especial que apreciaria a admissibilidade do pedido de impeachment. Como a comissão formada pelos líderes foi derrotada por uma chapa alternativa no plenário da Câmara, os governistas recorreram ao STF, que virou o jogo. A partir de um voto polêmico do ministro Luiz Barroso, a maioria dos ministros derrotou o relator do caso, ministro Luiz Fachin, e anulou a eleição. Encampou a interpretação de que caberia aos líderes dos partidos, monocraticamente, indicar os membros da comissão, cabendo ao plenário da Câmara apenas homologar ou não a chapa formada. Nada de candidaturas avulsas, como ocorre nas eleições da Mesa e de todas comissões permanentes e temporárias da Casa.

Data vênia, a decisão foi política. Não se baseou na exegese do regimento interno da Câmara, mas numa leitura da situação política cujo maior objetivo foi dificultar a tramitação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Além de anular a eleição, o STF também atribuiu ao Senado o poder de anular a admissibilidade do pedido caso venha a ser aprovada pela Câmara, que perdeu a prerrogativa de afastar Dilma interinamente, até que o julgamento do impeachment fosse concluído pelo Senado.

Essa parecia ser uma sábia decisão, pois afastava do horizonte um cenário de radicalização política. Naquele momento, como agora, a presidente Dilma Rousseff acusava a oposição de impedi-la de governar e de dividir o país. Imaginava-se que o impeachment agravaria a crise econômica e social. A decisão do Supremo parecia sepultar o pedido da oposição, ainda mais porque a presença do deputado Eduardo Cunha no comando da Câmara desgastava a proposta perante a opinião pública.

Entretanto, depois da decisão do STF, a presidente da República continuou a tomar decisões erráticas e a crise econômica se agravou. A Operação Lava-Jato ganhou proporções ainda maiores e a radicalização política, protagonizada pelo PT, subiu alguns degraus. Para completar, Dilma tomou as dores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e passou a atacar a força-tarefa da Operação Lava-Jato e o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, numa tentativa de barrar a investigação criminal que apura o escândalo da Petrobras.

Caso o rito do impeachment tivesse seguido o regimento da Câmara, o assunto já estaria resolvido, com uma provável vitória do governo, pois a oposição não tinha votos suficientes para aprová-lo naquele momento. Esse resultado reduziria o nível de incertezas políticas, pois restaria à oposição afiar as espadas para as eleições municipais e a sucessão de Dilma em 2018. O imponderável seria apenas o julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por abuso de poder econômico durante a campanha de 2010.

Eis, porém, que o impeachment da presidente Dilma Rousseff voltou à pauta com toda força. Foi inflado pela prisão do marqueteiro João Santana, responsável pela campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff em 2014, e pela iminente delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), ex-líder do governo no Senado. A condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor como suspeito na Lava-Jato politizou de vez a Operação. Manifestações contra e a favor do governo estão sendo convocadas para o próximo domingo.

A Comissão do Impeachment na Câmara, porém, ainda aguarda julgamento dos embargos de declaração apresentados pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Com a publicação do acórdão, a tendência é que o julgamento aconteça nas próximas duas semanas. Sendo assim, a comissão especial da Câmara será instalada no final de abril.

Provavelmente, a Câmara votará o pedido em maio. Se for aprovado, seguirá para o Senado. Se os senadores optarem pelo arquivamento, o processo será encerrado até o final de maio, mas, diante da situação da economia e do ambiente político, o Senado pode aceitar o pedido. Nesse caso, a presidente Dilma teria que se licenciar por 180 dias. Michel Temer assumiria interinamente a Presidência. Entre julho e agosto, Dilma estaria afastada. Poderia apelar novamente ao Supremo para adiar a conclusão do julgamento no Senado para outubro ou novembro.
Ninguém sabe o que vai acontecer até lá.