quinta-feira, 12 de maio de 2016

Queda inevitável - Míriam Leitão

- O Globo

O estranho seria se nada acontecesse com o governo da presidente Dilma. Na economia, a recessão bate um recorde histórico, a inflação subiu, o desemprego está devastando ganhos passados e ameaçando o futuro das famílias. A maior estatal do Brasil está quebrada por erro de gestão e roubo. As fraudes fiscais desorganizaram as contas públicas, e o maior escândalo de corrupção atinge em cheio o governo.

No presidencialismo, o mandato tem mais proteção e o chefe do governo é mais estável, mas não é inamovível. O sistema político tende a retirar aquele que traz para o país uma soma excessiva de infelicidades. As empresas que fizeram os maiores projetos do governo estão enfrentando a Justiça, grandes empresários ligados às obras oficiais estão presos, o marqueteiro da presidente também está na prisão. Há fortes indícios de dinheiro desviado na campanha da presidente e dos políticos que a apoiavam. Manter tudo inalterado seria uma impossibilidade política.

A primeira das fraudes fiscais ocorreu no final do governo Lula, quando a equipe de Guido Mantega transformou dívida em receita com a capitalização da Petrobras. Foi uma triangulação mágica que envolveu Tesouro, BNDES e a Petrobras, e melhorou de forma artificial o resultado primário do ano. Daí para diante, brincar com os números passou a ser a regra da equipe econômica.

A lista de indicadores ruins no governo Dilma é enorme. O PIB saiu de uma alta de 7,5% para uma queda de 4%. A inflação superou 10% e hoje está em 9,2%. O endividamento bruto deu um salto de 51% para 67% do PIB; o déficit nominal saltou de 2% para 10% do PIB; e o resultado primário que era positivo em 2% foi para o vermelho em 2%.

A cadeia de óleo e gás está desestruturada não só pela corrupção na Petrobras desvendada pela Operação Lava-Jato, mas também porque o governo suspendeu as rodadas de petróleo quando o mercado estava crescendo e mudou o marco regulatório para aumentar a estatização. Diziam que era para fortalecer a Petrobras, e enquanto isso, nas sombras, ela estava sendo minada.

Na área de energia, o autoritarismo de Dilma quebrou as empresas, afundou a Eletrobras e provocou o tarifaço. A indústria automobilística, contemplada com mimos e regalos que custaram caro aos cofres públicos, teve anos de crescimento até que derrapou. Se em 2010 o ano terminou com alta de 18% nas vendas, este ano o que se vê é uma retração de 25%.

Dilma foi apresentada ao país, por Lula, seu tutor, como sendo boa gerente. Seu marketing fabricou a imagem de “mãe do PAC”. Os investimentos nunca decolaram e hoje o setor público está sem capacidade de investir. No setor privado, as empresas também não investem, por falta de capital ou de confiança.

A intervenção feita na política externa enfraqueceu o Itamaraty e seguiu uma linha ideológica que aproximou o Brasil de países que se afundaram em crises, como a Venezuela, e nos afastou dos principais mercados, como o dos Estados Unidos. Nos últimos meses, a presidente Dilma cometeu novos erros ao tentar defender seu governo. As manifestações abusivas no Palácio do Planalto provaram que o PT não sabe a diferença entre o público e o partidário. E esse defeito está na raiz de outros crimes.

No processo de impeachment, Dilma cai pelas fraudes que cometeu no Orçamento e na relação incestuosa com os bancos públicos, que é proibida expressamente por lei. Ela de fato cometeu esses erros. Não foram poucos, não foram banais. A defesa da presidente foi uma confissão de culpa. Ao menosprezar insistentemente o crime de ficar devendo bilhões a bancos públicos, provou que o governo jamais entendeu o espírito e a história da Lei de Responsabilidade Fiscal. Achou que podia desrespeitá-la. Foi com esse tipo de limite ao governante que se garantiu a estabilidade econômica no Brasil.

Para o cidadão comum, sua queda tem um pouco de tudo. Mesmo quem não entende o que é uma pedalada, ou por que motivo um governo não pode pegar empréstimo com os seus bancos, viu a inflação subir, tem medo do desemprego, sente o desconforto econômico de um país que encolhe. Essa soma de dores econômicas dissiparam o apoio que ela teve na reeleição. Até porque milhões de eleitores estão convencidos hoje que foram enganados. E foram.

Retorno à irrelevância – Editorial / O Estado de S. Paulo

Dilma Vana Rousseff não apareceu por um acaso na Presidência da República. Sem nenhuma qualidade que a credenciasse para tão relevante função pública, ela não teria subido a rampa do Palácio do Planalto, há cinco anos, se não fosse pela vontade do capo petista Luiz Inácio Lula da Silva. Julgando-se um semideus da política, Lula criou Dilma do nada e empenhou seu capital político para conduzi-la ao cargo mais alto da administração do País, apenas para provar que podia.

Portanto, é na descomunal vaidade de Lula que se deve procurar a origem da profunda crise que o País ora enfrenta – e foi em reação a essa irresponsabilidade que o País se levantou, em apoio ao impeachment de Dilma e em repúdio a Lula.

O impeachment de Dilma tornou-se imperativo. Tratava-se de colocar um ponto final em uma trajetória que arruinava o Brasil e os brasileiros e ameaçava a democracia. E essa trajetória não pode ser compreendida sem que se recapitulem os momentos mais significativos da farsa conduzida por Lula há 14 anos e que, felizmente, caminha para seu desfecho.

O chefão do PT elegeu-se em 2002 e, forçado pela crise causada pelo receio de que ele fosse adotar a perniciosa agenda petista, governou em princípio conforme a cartilha do bom senso. Infenso, porém, à divisão do poder inerente ao presidencialismo de coalizão, construiu sua maioria parlamentar comprando deputados. Reelegeu-se em 2006 já em meio a grossos escândalos de corrupção – o mensalão – e aderiu de vez à irresponsabilidade, franqueando os cofres públicos a abutres variados e alimentando seus empresários de estimação com generosos subsídios. Em troca, o PT e os demais partidos da base cobraram pedágio sobre a roubalheira e com isso sustentaram seu projeto de poder.

Inebriado pelo sucesso dessa fórmula, Lula permitiu que os aloprados de seu partido alimentassem a ideia de que ele poderia pleitear um terceiro mandato. Era conveniente, pois o PT, em consequência do mensalão, não tinha nomes competitivos para disputar a sucessão.

A ideia da re-reeleição acabou abandonada, pois era excessiva até para os padrões do lulopetismo, mas eis que Lula encontrou a solução perfeita: inventaria um candidato, desconhecido o bastante para que pudesse controlá-lo, e, uma vez eleito, esse dublê se limitaria a guardar lugar para a volta triunfal de Lula em 2014.

Foi assim que Lula tirou Dilma Rousseff da cartola. A máquina de propaganda petista criou para a candidata a imagem de competente administradora. Nada tinha correspondência com a realidade – por onde havia passado, seja no Conselho de Administração da Petrobrás, seja no Ministério de Minas e Energia, seja na Casa Civil, Dilma havia deixado um rastro de negligência, omissão e decisões voluntariosas e equivocadas.

A tarefa de Dilma seria apenas não fazer bobagens e cumprir rigorosamente as ordens de Lula. Na campanha de 2010, ele avisou aos eleitores que Dilma seria apenas um nome na cédula. “Eu mudei de nome e vou colocar a Dilma lá”, disse Lula, humilhando publicamente sua criatura.

Mas eis que, como acontece em todo conto de terror, a criatura resolveu pensar por conta própria. Passou a acreditar que era presidente de verdade, com direito até a governar e a reivindicar a reeleição. A desconjuntada mandatária começou assim a assombrar o País, tomando decisões baseadas em suas convicções pré-históricas, de linhagem stalinista enxertada com brizolismo, que arruinaram os frágeis avanços das classes mais baixas e atrasaram em ao menos uma década o desenvolvimento brasileiro. Como isso não bastasse, Dilma, que nunca suportou a política, alienou sua base de apoio e afastou de si até o PT.

E foi em seu governo – na verdade, desde que ocupou cargos ministeriais – que prosperou e eclodiu o maior caso de corrupção da história do Brasil. Não inventou o petrolão – apenas nada fez para interromper a festa com dinheiro público.

Nesse cenário, a queda de Dilma era questão de tempo. Mas Dilma só se tornou importante por ter arruinado o País. Começa a voltar, agora, para sua irrelevância. O mesmo ainda acontece com Lula, o todo-poderoso que concebeu Dilma e foi o grande responsável por tão infausto momento na história brasileira – e nutre esperanças de voltar a morar no Palácio da Alvorada a partir de 2018. Isso, definitivamente, o País não merece.

Erros na economia foram fatais para o governo Dilma – Editorial / Valor Econômico

Apenas 13 anos separam a ascensão ao poder e a queda do Partido dos Trabalhadores. A presidente Dilma Rousseff encerra o atual ciclo petista atingida por um processo de impeachment que, visto do passado, pareceria inacreditável. Ao acumular uma série desastrosa de erros políticos e econômicos, e provocar a maior recessão da história recente do país, o governo do partido que prometeu uma revolução ética na política foi apeado por participar ativamente de um dos maiores escândalos de corrupção da República.

O PT tornou-se diferente do que foi e, ainda que se mantenha um partido popular, perdeu o predomínio das ruas. Os últimos melancólicos dias da gestão da presidente Dilma Rousseff mostraram a perda de apelo da legenda. As manifestações finais contra o "golpe" foram inexpressivas. O ex-presidente Lula passou a maior parte dos últimos meses às voltas com explicações à Justiça e foi impedido de assumir a Casa Civil. O líder do governo no Senado, o petista Delcídio do Amaral, foi cassado por unanimidade. A manobra para anular o impeachment por meio do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, deu errado e foi constrangedora.

Incensada como gerente eficiente, a presidente Dilma Rousseff, desmentiu por todos os meios essa fama. Sem jamais ter sido eleita antes, mostrou uma espantosa inapetência política na Presidência, pontuada por rompantes autoritários, manias centralizadoras inamovíveis e baixa disposição ao diálogo. Isso não a impediria de concluir seu segundo mandato se, a uma gestão política capenga, houvesse o contraponto de uma economia em crescimento com razoável estabilidade. Ao esposar a nova matriz econômica, a ex-brizolista Dilma, com seu modelo estatista da década de 70, deixou as contas públicas em ruínas e a economia em sua mais duradoura recessão desde os anos 1930.

A derrocada econômica foi a causa principal da deterioração de sua base política, à qual se somaram o amadorismo político, a baixa qualidade da cúpula palaciana e o estilo agressivo de tratar partidos aliados - uma base gigante, construída por Lula quando presidente, para dar-lhe sustentação. Dilma passou o primeiro ano de seu governo nomeando e demitindo ministros, fazendo "faxina" diante dos escândalos que vinham à luz, a herança lulista de alianças sem princípios com o que de pior existe na política brasileira.

A política austera, seguida até o início do segundo governo Lula, cedeu lugar ao impulso às despesas públicas e à expansão do crédito, em doses tão poderosas que destruiu em pouco tempo o equilíbrio fiscal mantido por mais de uma década. A inflação primeiro se entrincheirou, depois mudou de nível e, diante da carência de recursos para tantos estímulos à economia, surgiram as "pedaladas fiscais", que dizimaram a credibilidade do governo e abriram um flanco vulnerável pelo qual passou o pedido de impedimento.

A impopularidade de Dilma atingiu seu auge após a dura campanha eleitoral de 2014, onde ganhou apertado para tomar em seguida medidas pelas quais havia duramente criticado seus opositores. A presidente sofreu o desgaste da guinada, mas continuou sem a convicção íntima de que havia algo errado em sua receita econômica - e continua assim até hoje. Joaquim Levy foi para o ministério da Fazenda, houve alguma chance de inverter a rota do abismo, mas Dilma e seus auxiliares boicotaram o trabalho de Levy e em uma série de manobras erradas provocaram a perda do grau de investimento do país pelas três empresas de classificação de risco.

Mal na economia, foi pior ainda na política, nas vezes em que resolveu agir. Tentou afastar a ala de Lula no início de seu segundo mandato e, ao mesmo tempo, livrar-se da dependência do PMDB, buscando atrair partidos invertebrados como o de Gilberto Kassab. Colheu o arquirrival Eduardo Cunha como presidente da Câmara e, depois, a debandada da base governista.

Dilma fez um governo medíocre e terminou isolada, sem contar sequer com apoio do próprio partido. Tornou-se frágil a ponto de ser afastada por um Congresso com dezenas de suspeitos de corrupção. Foi uma das mais impopulares presidentes que o país teve. Os enormes estragos que provocou na economia colocaram em risco a herança social deixada pelos governos petistas e exigirão anos de conserto.

O fim e o princípio – Editorial / Folha de S. Paulo

Configurada a expressiva maioria de senadores favoráveis ao processo de impeachment, o governo Dilma Rousseff (PT) começa, a partir desta quinta-feira (12), a fazer parte do passado. Com a presidente, afasta-se do proscênio um sistema político, ideológico e administrativo que, nos últimos anos, se afundou no próprio fracasso.

Cercado de questionamentos técnicos, e sem incidir sobre a honorabilidade pessoal de Rousseff, o embasamento do impeachment contou menos do que a situação econômica e política do país.

A presente derrocada não atinge apenas a figura da presidente; abate-se sobre todo o conglomerado petista. Suas raízes vêm de longe. Após um período de bonança, o partido reagiu com velhos vícios à conjuntura desfavorável iniciada com a crise de 2008.

Num paradoxo, ao mesmo tempo em que recorria a mofados preconceitos doutrinários, o petismo abandonava de vez sua resistência ética, mergulhando sem escrúpulos na lama pragmática.

A passagem de Dilma pelo Palácio do Planalto caracterizou-se por um complexo insustentável de erros. Aliou-se ao fisiologismo, mas sem obter com isso base parlamentar. Apostou no populismo, embora sem se comunicar com o eleitorado. Adotou ares de competência, incorrendo em falhas técnicas descomunais, e seguiu estratégias erráticas com férrea teimosia.

Foi, ao que tudo indica, pessoalmente honesta e refratária ao toma lá dá cá, mas navegou sem remorsos num oceano de corrupção.

Não se trata, em todo caso, de um simples julgamento de sua conduta. O modelo que Dilma representou com singular inabilidade provou-se contraditório: regressivo e cínico, enquanto se fazia de progressista e imaculado; imobilista e acomodatício, enquanto se fazia de reformador e fiel a princípios.

O retrato não corresponde apenas a Dilma Rousseff. É também o de Lula, é o do PT, é o de tantos que, desde o mensalão, adiaram seu encontro com a verdade.

Se deixaram um preocupante quadro de terra arrasada para Michel Temer (PMDB), a conjuntura favorece, ironicamente, um clima de expectativas que, em outras circunstâncias, o peemedebista teria dificuldades em inspirar.

É logo nestes primeiros meses que se abre a oportunidade para tomar medidas de amplo fôlego e indiscutível necessidade, tanto na área econômica quanto no campo da reforma política.

Por outro lado, Temer chegará ao cargo sem respaldo popular. Dispõe de expressiva maioria no Congresso, mas esta se marca por notórias tendências ao fisiologismo; vários de seus aliados, além disso, expõem-se às suspeitas e aos escândalos da Operação Lava Jato.

O afastamento de Dilma Rousseff não suspende o risco de novas crises. Só o tempo responderá às incertezas que se colocam —e esse tempo nunca pareceu tão curto.

Novo marco de defesa da responsabilidade fiscal – Editorial / O Globo

A aprovação pelo plenário do Senado da abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff pode ser vista de vários ângulos relevantes. Um deles, o fato de o Brasil, no mais longo período ininterrupto de estabilidade institucional da sua história republicana, enfrentar, dentro da lei, dois afastamentos de presidentes eleitos pelo voto direto; de Collor, em 92, e este, de Dilma, ainda a ser confirmado em julgamento final. A norma no continente é outra, de golpes com a participação de militares, como aconteceu no Brasil desde a própria proclamação da República, em 1889.

Dos dois, o teste mais duro para as instituições tem sido o impeachment de Dilma, relacionado de alguma forma ao desmonte da “organização criminosa” criada pelo lulopetismo para desviar dinheiro público de estatais, a fim de financiar o projeto de poder do PT e de aliados. Soube-se depois que o mensalão (Banco do Brasil) e o petrolão (Petrobras e subsidiárias, com ramificações no setor elétrico, pelo que se sabe até agora) transcorreram de forma simultânea, sob o controle da cúpula do partido que subiu a rampa do Planalto com Lula, em 2003. Há pouco, o Ministério Público Federal, ao denunciar Lula ao Supremo, no caso do sítio de Atibaia e do tríplex de Guarujá, registrou que, pela lógica, o ex-presidente deve ter participado da organização.

O pedido de impeachment de Dilma não se relaciona, formalmente, às descobertas da Operação Lava-Jato, mas, por ser o julgamento do impedimento também político, é certo que o conjunto da obra de malfeitorias que a força-tarefa de policiais federais, procuradores e fiscais da Receita que atuam junto ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba, descobriu ajudou a tramitação do processo até aqui, na fase final.

Um aspecto do impeachment de Dilma, inexistente na defenestração de Collor, esta devido à corrupção, é ele estar lastreado em crimes contra o Orçamento, relacionados à afronta ao princípio, usualmente seguido em sociedades mais avançadas, do equilíbrio das contas públicas. A corrupção, casos bilionários e disseminados em estatais importantes, supera de longe as falcatruas de PC Farias, tesoureiro e sócio de Collor. Os casos ajudam a compor o conjunto da obra que depõe contra Dilma, Lula, PT e companheiros, mas, tecnicamente, as provas que levaram o Congresso a ter afastado Dilma por até 180 dias se referem ao desrespeito flagrante à Lei de Responsabilidade Fiscal e a normas orçamentárias.

Na visão ideológica tosca de mundo das frações de esquerda que compõem o PT, equilíbrio fiscal é conceito conservador, “neoliberal”. Compartilham uma visão primária do keynesianismo, pela qual o Estado sempre precisará ter déficits para debelar recessões. Chamam de políticas “anticíclicas”. Não admitem que desequilíbrios orçamentários estruturais, como os que ajudaram a criar na economia brasileira — pela vinculação de mais de 90% do Orçamento e indexação da maior parte das despesas sociais pelo salário mínimo e inflação —, destruíram a capacidade de o Estado investir e sinalizaram para a insolvência da dívida pública, pois criaram uma dinâmica de crescimento exponencial dela em relação ao PIB. Assim, também afastaram os investidores privados. E tornaram a depressão uma possibilidade real.

Por esta visão sectária, sob a clara inspiração de Dilma, ministra-chefe da Casa Civil durante todo o Lula 2, o governo aproveitou a crise mundial, a partir do final de 2008, para começar a construir o tal “novo marco macroeconômico”, com as velhas teses dessas esquerdas, já defendidas no antigo PT: o Estado como principal agente na sociedade, indutor do desenvolvimento, distribuidor de incentivos fiscais e creditícios, e sôfrego coletor de impostos etc.

Precisavam, porém, burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000 contra o voto do PT, e a legislação orçamentária. Por conveniência, dentro da velha norma dos “fins que justificam os meios” — a mesma que avalizou desfalques e assaltos a companhias públicas; o “meio”, para se atingir o “fim”, a perpetuação no poder —, Lula e companheiros assinaram a Carta ao Povo Brasileiro, na campanha de 2002, e mantiveram pilares da política de estabilização econômica herdada do Plano Real. Deu certo, e, ajudado pelo ciclo histórico de alta das cotações de commodities, Lula livrou-se do risco de impeachment no mensalão, foi reeleito e sua popularidade não parou de subir.

Mas os cacoetes ideológicos foram mais fortes. Arrogantes, começam a adotar velhas políticas que já não haviam dado certo no próprio Brasil — aplicadas pelos militares da direita nacionalista — e, nisso, cometeram ilegalidades fiscais.

Principalmente Dilma, em cuja parte final de mandato aprofundou o “novo marco”, maquiou contas públicas, com o uso abundante de técnicas de “contabilidade criativa” do seu secretário do Tesouro, Arno Augustin, com a no mínimo complacência do superior hierárquico, o ministro da Fazenda Guido Mantega. O parque de ruínas fiscais de Dilma, Lula e PT é extenso. Mas a debacle veio com operações malandras de maquiagem de gastos e escamoteamento de dívida pública, forçando o BB, a Caixa, o BNDES, entre outros, a financiar o Tesouro, pagando, no lugar dele, despesas com o Bolsa Família, subsídios variados como no Minha Casa Minha Vida, no financiamento agrícola, no crédito a empresas etc.

A defesa de Dilma, pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e a bancada do PT minimizam, alegam que governos anteriores fizeram o mesmo. Mas não na enorme proporção de Dilma, em que fica configurada uma política deliberada de forçar estes empréstimos para esconder déficits do Tesouro. Dados do Banco Central mostram que, nos governos FH e na primeira gestão de Lula, estes saldos eram residuais. Com Dilma, mas já a partir do segundo mandato de Lula, chegaram a passar dos R$ 50 bilhões ou 1% do PIB. Ela quebrou o Tesouro na campanha de 2014 e continuou a aprofundar o rombo em 2015, legalizado contabilmente porque transformaram a meta de superávit em déficit em dezembro, outra mágica contábil, ajudada pelo amplo apoio que ainda contavam no Congresso.

Atropelada a LRF, o governo Dilma, também já em 2015, editou decretos, sem aprovação do Congresso, com autorização de novas despesas. Um ato monárquico, ou stalinista, de desprezo pela República. Alterar posteriormente metas orçamentárias para encobrir o delito cometido não faz desaparecer o crime.

A cassação de Collor, o primeiro presidente eleito pelo povo depois de uma ditadura militar de 21 anos, foi uma afirmação do estado democrático de direito. A abertura do processo contra Dilma é uma consolidação do princípio civilizatório da responsabilidade fiscal.

Depois de 26 anos de aprovada a LRF, tantas vezes desrespeitada pelo lulopetismo, a República brasileira, por meio de suas instituições, reage e alerta que contas equilibradas, inflação baixa e sob controle se tornaram um patrimônio da sociedade, defendido pela Constituição e por leis específicas. Afrontá-lo pode custar até mesmo mandato presidencial.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Opinião do dia – Roberto Freire

Se o governo Temer repetisse as práticas dos anteriores ( cedendo a pressões dos partidos por ministérios), não sinalizaria mudança alguma em relação a Dilma

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Roberto Freire, deputado federal e presidente do PPS, após reunião com o futuro presidente Michel Temer. O Globo, 11/05/2016

Temer prepara mensagem de ‘esperança’

• Se a presidente Dilma Rousseff for afastada em votação, vice fará discurso à imprensa na tarde de quinta já no Planalto

Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Confiante de que o plenário do Senado aprovará nesta quarta, 11, o afastamento da presidente Dilma Rousseff, o vice Michel Temer (PMDB) intensificou na terça, 10, os preparativos para assumir interinamente o comando do País com o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL). A expectativa da cúpula do PMDB é de que por volta das 22h desta quinta o resultado sobre a admissibilidade do processo de impeachment já seja alcançado, o que acarretará no afastamento de Dilma do cargo por até 180 dias.

Diante de um quadro considerado como irreversível até pelos governistas, Temer se reuniu na terça com integrantes do grupo mais próximo do partido para definir a linha do pronunciamento que pretende fazer, no fim da tarde de de quinta, 12, horas depois de Dilma ser notificada oficialmente da decisão.

Segundo o Estado apurou, Temer deve atender a imprensa no Palácio do Planalto. A ideia inicial é o vice falar sem abrir espaços para perguntas dos jornalistas. Essa sistemática, no entanto, ainda não foi fechada e o martelo deve ser batido em novas reuniões previstas para ocorrer na manhã de hoje, no Palácio do Jaburu. Segundo interlocutores do vice, a ideia central do discurso será a de que “não é momento para comemorar, não é um momento de vitória, mas, por outro lado, a esperança está no ar”.

Temer também deve abrir espaços na declaração para tratar da importância do prosseguimento das investigações da Operação Lava Jato. Atualmente, alguns dos principais quadros do partido – como o presidente em exercício do PMDB, senador Romero Jucá (RR), o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastado do comando da Câmara, e Renan Calheiros – estão no centro das investigações. Diante de possíveis desgastes com a opinião pública, Temer deve tratar a Lava Jato como um “patrimônio” a ser mantido. Após o pronunciamento, integrantes do grupo mais próximo defendem que o vice faça uma rodada de entrevistas começando pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, e em seguida com os principais jornais e revistas nacionais.

Trâmites. Com a iminência do afastamento de Dilma, Temer se reuniu na tarde de ontem com Renan, na residência oficial do presidente do Senado, para tirar as últimas dúvidas sobre os procedimentos que serão adotados para ele assumir a Presidência da República. O encontro, feito a pedido do vice, ocorreu um dia após Temer ser pego de surpresa com a tentativa de manobra do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), de anular o processo de impeachment. O deputado foi orientado pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B). Após ser enquadrado pela cúpula de seu partido, Maranhão recuou e revogou a decisão no início da madrugada de ontem.

“O presidente Michel se inteirou de como o Senado vai tratar a questão amanhã (hoje) e também na quinta-feira (amanhã)”, afirmou Jucá, após a reunião. “Na quinta-feira (amanhã), em havendo a interinidade do presidente Michel, ele provavelmente já definirá a nomeação dos novos ministros” emendou. Na reta final da montagem do novo governo, Temer decidiu reduzir dos atuais 32 para 22 ministérios.

Segundo Jucá, que deverá assumir o do Planejamento na nova gestão, as mudanças na área econômica não serão anunciadas no mesmo dia em que Temer assumir a Presidência. “As medidas econômicas virão no devido momento, depois da discussão do ministro da Fazenda, que for nomeado, com o presidente da República”, ressaltou o peemedebista. Para o comando da Fazenda deve assumir o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. O senador ressaltou ainda que um dos primeiros desafios da gestão Temer será o de definir e aprovar a meta de superávit fiscal do ano.

Senado vota o futuro do Brasil

• Decisão interromperá 13 anos de PT no poder

• Dilma recorre ao STF e diz que seguirá lutando

• Ex- líder do governo, Delcídio é cassado

Treze anos após a chegada do PT à Presidência, o Senado deve interromper hoje o maior ciclo de um partido no poder pós- redemocratização ao acolher o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, o que a afastará do cargo por até 180 dias. Se confirmado, será o primeiro presidente a ter o mandato abreviado desde Fernando Collor, em 1992. Em enquete feita pelo GLOBO, 50 senadores já declararam voto favorável à saída da petista, nove a mais do que o necessário para a abertura do processo. Dilma tentou impedir a sessão de hoje, marcada para as 9h, ao recorrer novamente ao STF. O ministro Teori Zavascki julgará o recurso, que alega vício de origem no processo por ter sido aberto por vingança pelo presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha. O ministro José Eduardo Cardozo ( AGU) afirmou que vai “judicializar até o fim”. E Dilma anunciou que, mesmo afastada, continuará protestando contra o impeachment. Ontem, movimentos sociais e sindicatos fizeram manifestações em 17 estados e no Distrito Federal contra a saída dela, bloqueando estradas. Na véspera da votação decisiva para Dilma e o PT, o Senado cassou o mandato de Delcídio Amaral, ex-petista e ex-líder do governo, acusado de tentar obstruir as investigações da Lava-Jato. Foram 74 votos pela cassação de Delcídio e uma abstenção, sem um voto sequer favorável ao agora delator do esquema de corrupção na Petrobras e no governo. O vice-presidente Michel Temer, que deverá assumir a Presidência tão logo Dilma seja notificada da decisão do Senado, amanhã, continua tentando fechar a montagem de seu governo. Com uma equipe política, distante do Ministério de “notáveis” que cogitara inicialmente, o vice escolheu 14 dos 22 ministros que pretende nomear. Entre as novidades, o secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Moraes, para a Justiça, Blairo Maggi na Agricultura e Bruno Araújo em Cidades.


Impeachment

• Confirmadas as previsões de que será afastada hoje pelo Senado, Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita presidente, será o símbolo do ocaso de um projeto de poder. Quase 14 anos após ascender ao comando do Brasil, o PT partirá, com Dilma, para uma amarga

Júnia Gama - O Globo

- BRASÍLIA-. Mais de duas décadas após o primeiro impeachment vivido no Brasil, o Senado votará pela segunda vez, no período democrático, um processo de afastamento de um presidente da República. Salvo surpresas de última hora, políticos de diversas vertentes, inclusive do próprio governo, acreditam que a votação nesta quarta-feira afastará a primeira presidente mulher eleita no país e selará a interrupção do ciclo de quase 14 anos de poder do PT na esfera federal.

Na véspera da votação, 50 dos 81 senadores já haviam declarado serem favoráveis ao impeachment. Para aprovar a abertura do processo, são necessários 50% dos votos mais um dos senadores que estiverem presentes. Ainda assim, até o último momento, o governo faz tentativas para anular o procedimento, ou ao menos retardar sua tramitação.

Ontem, a Advocacia- Geral da União (AGU) ingressou no Supremo Tribunal Federal ( STF) com um pedido de anulação e uma liminar para que o processo seja suspenso. A relatoria do mandado de segurança ficou nas mãos do ministro Teori Zavascki, que também é relator da Operação Lava-Jato, a mesma que contribuiu de forma decisiva para a formação de um clima desfavorável em relação ao governo e ao PT. A qualquer momento, Teori pode emitir uma decisão.

Nos bastidores, petistas admitem que a derrota do governo se tornou inevitável desde que a Câmara aprovou, com os votos de 367 deputados, a abertura do processo. Mas explicam que toda a resistência ensaiada pelo Palácio do Planalto servirá para construir e fortalecer a narrativa futura de que o impeachment da presidente teria sido um “golpe”. Se não adiantar para salvar a cabeça de Dilma Rousseff do julgamento final, que ocorre em até 180 dias a partir de amanhã, pode cumprir a função de permitir que o PT sobreviva para disputar eleições em 2018 como um “player” relevante. Isto, após vários de seus principais nomes, como o ex-presidente Lula, terem sido alvejados pelas descobertas da Lava- Jato.

Diferentemente do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que em 1992 foi retirado do poder pelo envolvimento em denúncias de corrupção, o afastamento da presidente Dilma, se consolidado hoje, terá ocorrido, formalmente, graças a manobras orçamentárias que serviram para desequilibrar e maquiar as contas públicas. Segundo seus acusadores, as ações foram responsáveis, em parte, por mergulhar o país em uma das piores crises econômicas da história recente. A economia brasileira no ano passado teve o pior resultado desde 1990, início do ciclo recessivo que antecedeu o impeachment de Collor.

Apesar de haver, na denúncia original do impeachment, acusações de corrupção e omissão, entre outros, a análise do processo acabou restrita apenas à edição de decretos de crédito suplementar e às “pedaladas fiscais” de 2015 — o uso de bancos públicos para pagar despesas sem repassar a eles o montante equivalente. Consta da denúncia do impeachment o crescimento do débito do Tesouro junto ao Banco do Brasil relativo a despesas do Plano Safra, que saltou de R$ 10,9 bilhões, em dezembro de 2014, para R$ 12,5 bilhões, em novembro de 2015. A restrição ao tema derivou de uma decisão do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), para que nada que houvesse ocorrido no mandato anterior afetasse o atual. Uma escolha vista como forma de evitar a criação de uma jurisprudência que poderia afetar o próprio peemedebista, alvo de diversas denúncias de corrupção relativas a períodos anteriores ao seu atual mandato.

Mas, além das pedaladas, a tempestade perfeita que envolveu o governo da petista se formou a partir de uma série de passos que deixaram, sobretudo, a sensação de desgoverno no país. Após uma reeleição apertada, que explicitou a divisão do país, a presidente Dilma viu sua base de apoio minguar no Congresso Nacional, apesar dos bolsos abertos e da abundância em ofertas de cargos para os partidos aliados.

De lá para cá, muitos foram os golpes sofridos pelo Palácio do Planalto. Enquanto a economia afundava e crescia o número de desempregados na mesma proporção da insatisfação do setor produtivo, a presidente viu seu entorno ser atingido por denúncias de envolvimento em corrupção na Lava- Jato. O episódio mais emblemático foi a nomeação, barrada pelo Supremo, do ex-presidente Lula como ministro, um mês antes da votação do impeachment na Câmara. Entre seus auxiliares e principais conselheiros, não houve quem escapasse: sob pedidos de investigação, estão seu assessor especial, Giles Azevedo, os ministros Edinho Silva (Comunicação Social), Jaques Wagner ( Gabinete da Presidência), Aloizio Mercadante ( Educação) e Ricardo Berzoini ( Secretaria de Governo). A própria presidente também se tornou objeto de pedido de investigação.

Olhando ainda mais para trás, as manifestações de 2013 serviram como ponto de inflexão sobre o tratamento que a sociedade pretendia dar à classe política a partir de então. A insatisfação generalizada com a falta de representatividade no Executivo e no Congresso foi o combustível que incendiou a fagulha da revolta contra o aumento das tarifas de transporte público, um aviso de que já não se aceitariam as coisas como elas eram. Para analistas do cenário político, a falta de reação do governo sobre este alerta foi o começo do fim para a gestão de Dilma.

Desde então, o que se viu foi o aprofundamento do fisiologismo na forma de governar, com alianças cada vez menos programáticas e mais pragmáticas, desembocando em um presidencialismo de coalizão desconexo, que terminou implodindo. Não é uma casualidade o fato de o impeachment somente ter sido viabilizado no Congresso depois que o PMDB, principal partido da base aliada, que entre outros incontáveis cargos, ocupa a vice-presidência da República, embarcou no processo.

Os meses que duraram a tramitação do impeachment tiveram ingredientes novelescos. Para acrescentar emoções até o último minuto, o deputado Eduardo Cunha, réu na Lava- Jato e considerado figura fundamental na aprovação do processo, foi afastado do cargo na semana passada, dando ao governo argumentos para, mais uma vez, contestar sua condução. O argumento principal é de que houve irregularidades na forma como Cunha presidiu o processo, sempre movido por um desejo de vingança contra o governo.

Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL), até há pouco considerado um fiador da governabilidade do PT, nos últimos dias, passou a trabalhar afinado com o eventual novo governo do PMDB. Na segunda-feira, Renan rejeitou o anedótico pedido de anulação da sessão da Câmara que aprovou o processo, feito pelo presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão — possivelmente o que por menor tempo terá ocupado o cargo. Ontem, após sair de um encontro com Michel Temer, Renan aplaudiu publicamente a configuração ministerial desenhada pelo vice, com dez ministérios a menos que Dilma. Diligente com o hipotético novo presidente, informou que a “posse” do novo governo já poderá ocorrer nesta sexta-feira.

Presidente Dilma Rousseff deverá ser afastada em votação hoje no Senado

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O Senado deverá abrir o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, afastando-a do cargo, em sessão que começa na manhã desta quarta (11). A decisão precisa do voto da maioria simples dos presentes, e tanto o placar da Folha quanto as contas de governo e oposição apontam para o resultado.

O afastamento tem prazo máximo de 180 dias, mas a previsão é que o Senado julgue-a pelas pedaladas fiscais e créditos orçamentários sem autorização antes disso.

O vice Michel Temer (PMDB) assume assim que for notificado da decisão. Seus aliados pressionam pela saída do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), visto como não confiável para o encaminhamento de sua agenda congressual e que tentou sem sucesso anular a votação do impeachment pelo plenário, em uma canetada apoiada pelo Planalto.

O governo tentava até a noite desta terça impedir a sessão, com a apresentação de um recurso ao Supremo.

Dilma deve ser a segunda presidente afastada para ser julgada politicamente pela acusação de crime de responsabilidade desde a redemocratização, repetindo Fernando Collor em 1992 –o hoje senador pelo PTC-AL, até aqui seu aliado, vota nesta quarta.

Apoiadores do governo fizeram atos em algumas capitais e prometem mais protestos.

Votos contra Dilma devem passar de 50

Por Vandson Lima, Fábio Pupo e Cristiane Agostine – Valor Econômico

BRASÍLIA - Deve ultrapassar a marca de dois terços dos senadores, ou 54 parlamentares, aqueles que apoiarão a admissibilidade do processo de impeachment e consequente afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo por até 180 dias.

Esta marca é a necessária para que Dilma seja definitivamente condenada no fim da tramitação do seu impedimento. Na sessão que se inicia hoje às 9h e pode adentrar a madrugada de quinta-feira, cada senador terá 15 minutos para fazer considerações. Mais de 67 já estão inscritos. A senadora Ana Amélia (PP-RS) abrirá os trabalhos. A votação será aberta, mas apurada no painel eletrônico.

Participarão da votação pelo menos 78 dos 81 senadores. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), irá conduzir os trabalhos e não deve votar. Eduardo Braga (PMDB-AM) está licenciado. Há dúvidas se o empresário Pedro Chaves (PSC-MS), suplente do ex-senador Delcidio Amaral (sem partido-MS), cassado ontem, assumirá a vaga a tempo de participar.

Na conta dos governistas, 22 senadores podem votar em favor de Dilma. Mas o cálculo está inchado: estão computados e garantidos 10 votos do PT; o ex-ministro Armando Monteiro (PTB-PE) e Kátia Abreu (PMDB-TO), ministra da Agricultura que deixará o posto para votar pelo arquivamento do processo; os senadores Telmário Mota (PDT-RR), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Lídice da Mata (PSB-BA), João Capiberibe (PSB-AP), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), João Alberto Souza (PMDB-MA) e Roberto Requião (PMDB-PR), somando 19 votos.

O ex-petista Walter Pinheiro (sem partido-BA), que é favorável à realização de novas eleições, deve votar contra o afastamento. Já Edison Lobão (PMDB-MA) e Acir Gurgacz (PDT-RO), que estão no cálculo governista, tendem a frustrar a base aliada: Lobão é ligado ao clã Sarney, que está fechado com o vice-presidente, Michel Temer. E Gurgacz disse aos pares que votará pela saída temporária de Dilma.

Outro caso é o do senador Otto Alencar (PSD-BA). Vice-governador da Bahia na gestão de Jaques Wagner (PT), ele angariou cinco votos pró-Dilma entre deputados do PSD na Câmara e é pessoalmente contra o impeachment. Mas seu partido já negocia postos no eventual governo Temer.

Partidos que eram da base, como o PR e PP, depositarão todos os seus votos contra Dilma.

O placar pela saída temporária pode, assim, alcançar até 57 votos. No julgamento final, serão necessários 54 votos para a cassação definitiva do mandato de Dilma.

Pelo planejamento feito por Renan para a sessão, o Advogado-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, e o relator da denúncia contra Dilma na comissão do impeachment, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), serão os últimos a falar. Não haverá orientação de voto dos líderes partidários.

Calheiros afirmou que pretendia falar com Dilma ainda antes da votação, entre ontem e hoje, tal como fez com Temer, com quem esteve ontem mais cedo. "Meu papel é conversar com todos os atores e encaminhar um desfecho para a situação de impasse que está apavorando o Brasil", alegou.

Temer define equipe e Ilan vai assumir Banco Central

Por Raymundo Costa e Claudia Safatle – Valor Econômico

BRASÍLIA- Na reta final da votação que deve afastar a presidente Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer está com sua equipe econômica praticamente montada, inclusive no Banco Central, que será comandado pelo economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfajn. Temer também já discute as primeiras medidas que serão adotadas por seu governo. Uma delas é a mudança da legislação das agências reguladoras. Ele quer recuperar o papel das agências, esvaziadas nos governos do PT, e também blindá-las de interferências políticas com as mudanças de governo a cada quatro anos. "Agência tem que ser do Estado e não do governo", disse um auxiliar próximo do virtual presidente.

O Senado vota hoje a admissibilidade do processo de impeachment da presidente. Dilma não deve apenas ser afastada, como pode ter contra si o voto de 54 senadores ou mais, um prenúncio de que não terá chance de voltar, no julgamento do mérito do processo. Para o afastamento, bastam os votos da maioria simples de 41 dos 81 senadores. Agonizante, o governo ainda ontem manobrava para adiar o desfecho inevitável: a Advocacia-Geral da União entrou com novo pedido de anulação do impeachment no Supremo Tribunal Federal.

Na tarde de ontem, o Senado tratava de limpar a pauta, de modo a se dedicar hoje ao impeachment. Em uma decisão contundente, o senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS) perdeu o mandato pelo voto de 74 de seus colegas.

O governo do Distrito Federal vai manter o mesmo esquema de segurança adotado na votação do impeachment pela Câmara dos Deputados, com a separação, por meio de um cerca, dos manifestantes a favor e contra o impeachment da presidente.

Enquanto isso, o vice-presidente Michel Temer tratava de dar os últimos retoques no ministério que deve assumir com ele, quando Dilma for afastada. O senador José Serra (PSDB-SP) está confirmado no Ministério das Relações Exteriores, com a missão de dar uma guinada e fazer o realinhamento da política externa brasileira. Serra também ficará encarregado do comércio exterior. Sob sua responsabilidade estará a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

Se assumir o governo, Michel Temer dirá que situação econômica é crítica

Gustavo Uribe, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em discurso que está sendo preparado caso assuma interinamente o governo, o vice Michel Temer (PMDB-SP) vai destacar que a situação econômica do país é crítica, que a solução diante do quadro atual não será imediata e fará um apelo pela pacificação para o país voltar a crescer.

O tom realista tem como objetivo passar a ideia de que o peemedebista assume uma máquina pública com dificuldades financeiras, reforçando o apelo por uma unidade em torno da aprovação de medidas no Congresso para recuperar a economia.

A estratégia é pontuar as dificuldades do país, que passa por um agravamento do quadro fiscal e pelo aumento da dívida pública. Um aliado definiu o tom do discurso como "franco" e "solene".

A proposta é que o vice-presidente faça um pronunciamento à nação em discurso a veículos de imprensa. Segundo aliados de Temer, como estará no cargo interinamente, ele quer evitar um gesto que seja interpretado como um desrespeito à posição da petista, que, embora afastada, ainda estará na condição de presidente até a análise final do processo.

A intenção do vice-presidente é estruturar o discurso sobre dois temas principais: medidas econômicas e política social. Em relação ao primeiro ponto, ele pretende ressaltar a proposta de sanear as contas públicas com o corte de ministérios e de cargos comissionados. Sobre o segundo tema, deve se comprometer a manter iniciativas da administração petista, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida.

O peemedebista ainda não definiu quando anunciará a nova equipe ministerial, mas a intenção é fazê-lo no dia em que ele assumir interinamente o cargo, possivelmente na quinta-feira (12).

A expectativa é que o Senado conclua nesta quarta o afastamento da petista e, na quinta, ela seja notificada e, assim, suspensa da função.

Diante do atual quadro, Temer acelerou as negociações para as últimas pastas de sua equipe. Com a definição para o Ministério da Justiça do secretário da Segurança de São Paulo, Alexandre de Moraes, o vice considera dois nomes para a AGU (Advocacia-Geral da União): José Levi Mello do Amaral Júnior e Luis Carlos Alves Martins.

Lula já articula oposição a governo Michel Temer

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Certo de que foram inócuas as últimas cartadas do governo para sustação do processo de impeachment de Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se dedica à costura da estratégia de oposição ao governo de Michel Temer (PMDB).

Segundo seus aliados, Lula só viajou a Brasília em solidariedade a Dilma. Na quinta-feira (12), ele pretende estar ao lado dela na saída do Planalto, caso o Senado autorize seu afastamento.

Petistas, partidos e movimentos de esquerda estão em busca de um mote. Não está descartada a reedição da campanha "Diretas Já". Mais provável, no entanto, é a defesa de um plebiscito para a convocação de novas eleições.

Lula tem incentivado a criação de uma frente inspirada no modelo uruguaio: uma grande coalização que reuniria sindicatos, associações, partidos, ONG e outros movimentos de esquerda. A defesa da frente não tem, porém, o mesmo apelo da convocação de eleições diretas.

PT e aliados discutem atualmente a intensidade de oposição a Temer. O partido teme ser responsabilizado por fracassos do futuro governo caso adote um tom muito pesado.

De acordo com interlocutores, Lula considerou desastrosa a articulação do governo para deter o prosseguimento do processo de impeachment pelas mãos do presidente da Câmara em exercício, Waldir Maranhão (PP-MA). Na segunda, Maranhão revogou a decisão da Câmara que deu andamento ao processo. Sob pressão, reviu sua posição em menos de 24 horas.

Moro
A cassação do mandato de Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) pelo Senado deve levar a denúncia contra o ex-senador e Lula pela tentativa de compra de silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró para as mãos do juiz Sergio Moro.

O caso está no STF porque Delcídio tinha o chamado foro privilegiado. Sem mandato, não haveria mais justificativa para manter o processo no STF.

Colaboraram Márcio Falcão e Aguirre Talento, de Brasília

Presidente tenta última cartada com novo recurso ao Supremo

• ‘Vamos judicializar até o fim, até a última questão, se necessário’, diz Cardozo

Carolina Brígido, Renata Mariz - O Globo

- BRASÍLIA- A Advocacia- Geral da União ( AGU) entrou ontem com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal ( STF) pedindo que seja anulado todo o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff que tramita no Congresso. O relator sorteado foi o ministro Teori Zavascki. O advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, afirmou que recorrerá “até o fim” se o Supremo negar o pedido de liminar.

— Vamos judicializar até o fim, até a última questão, se for necessário. Até onde você vai? Até que eu consiga fazer com que meu direito seja restaurado, que a Constituição seja respeitada, que uma lesão deixe de existir — disse Cardozo.

O pedido da AGU foi feito com base na decisão tomada pelo Supremo de afastar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ). Na ocasião, os ministros declararam que houve desvio de finalidade na conduta do parlamentar e, por isso, ele teria de deixar o cargo.

Para a AGU, como houve “desvio de poder”, é preciso anular todo o processo de impeachment conduzido por Cunha na Câmara. Cardozo, responsável pela defesa da presidente, disse que Cunha agiu por vingança, depois que o PT se posicionou contrário a ele no processo ao qual responde na Comissão de Ética.

Pouco antes, o Planalto tentou um acordo para salvar Cunha no Conselho de Ética em troca da não abertura do processo de impeachment.

Cardozo disse que ainda “há várias questões” a serem discutidas na Justiça. Uma delas é a alegação de que os atos pelos quais Dilma responde — as “pedaladas fiscais” e a assinatura de decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso — não configuram crime de responsabilidade.

“Céu, Papa e Diabo”
Pouco antes de a ação da AGU chegar ao STF, o ministro Gilmar Mendes menosprezou a tentativa do governo de anular o processo de impeachment por vias judiciais.

— Ah, eles podem ir para o céu, o papa ou o diabo! — disse Gilmar.

O ministro também ironizou as decisões do presidente em exercício da Câmara, Waldir Maranhão ( PP- MA), que anulou o processo de impeachment e, horas depois, revogou a própria decisão.

— É interessante, né ( risos)? Hoje eu vi uma notícia dizendo que isso foi regado a muita pinga, vinho. Isso até explica um pouco, né? É, está muito engraçado isso. Muito estranho — comentou Gilmar.

Na ação, Cardozo defendeu que seja considerado nulo o ato de Cunha de recebimento parcial da denúncia, os atos decorrentes do recebimento e a decisão tomada pelo plenário da Câmara, “em decorrência de manifesto desvio de poder”. Caso o STF não anule todos os atos de Cunha, Cardozo pede que a Corte declare inválidas ao menos as medidas tomadas pelo parlamentar a partir do momento em que ele foi transformado em réu pelo Supremo, em março.

No julgamento da semana passada, o STF não anulou os atos de Cunha por conta dos “desvios de finalidade” que ele teria cometido no cargo. Não foi mencionada pelos ministros qualquer irregularidade no andamento do processo de impeachment contra Dilma na Câmara, apesar de a condução ter sido realizada por Cunha. Agora, Cardozo quer que o STF declare que o afastamento de Cunha interfere no andamento do processo de impeachment.

“Desvio de finalidade"
“Caso tais atos não sejam prontamente anulados como é devido, poderão acarretar consequências seríssimas que conduzirão ao impeachment de uma presidenta da República democraticamente eleita”, escreveu o advogado- geral.

Ainda segundo a Advocacia-Geral da União, “desde antes da deflagração do processo de impeachment, o presidente da Câmara agiu em marcante desvio de finalidade, buscando influir no procedimento de modo a atingir interesses pessoais espúrios”.

Na ação, Cardozo também argumenta que a decisão de condenar Dilma não pode ser tomada de forma supostamente irregular. “A magnitude do impacto político- econômicosocial que um processo de impeachment contra a senhora presidenta da República acarreta é enorme. O país precisará de meses, senão anos, para recompor- se, independentemente do desfecho do processo”.

Lula fala em governo paralelo para fiscalizar Temer

• Petistas já se preocupam com falta de combatividade de Dilma

Fernanda Krakovics - O Globo

- BRASÍLIA- O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva agora quer que o PT e a presidente Dilma Rousseff montem uma espécie de governo paralelo, com núcleos temáticos, para fiscalizar a gestão de Michel Temer, nos moldes dos que os ingleses chamam de “shadow cabinet”.

O plano é aproveitar o conhecimento da máquina pública obtido nestes 14 anos de governo do PT, e a permanência de quadros partidários na estrutura do Estado, para fazer uma “devassa” no governo Temer.

— Vamos responder tudo, tirar os esqueletos do armário, fazer uma devassa nos bancos públicos — disse um petista, após encontro com Lula.

O assunto foi discutido ontem em reunião do ex- presidente com o ministro Jaques Wagner, da Chefia de Gabinete, e com deputados e senadores do PT. Petistas estão preocupados, no entanto, com a falta de “combatividade” de Dilma. Embora ela venha repetindo em seus discursos que vai resistir até o fim, integrantes do PT afirmam que Dilma não tem demonstrado “entusiasmo em ação”. Lula quer fazer com que ela viaje o país defendendo seu governo, enquanto o Senado estiver julgando o mérito do processo de impeachment.

Ontem, Lula agiu para demover Dilma da ideia de descer a rampa do Palácio do Planalto, acompanhada de movimentos sociais, ao ser notificada pelo Senado do afastamento da Presidência da República até o julgamento do mérito, no prazo de 180 dias.

O assunto ainda voltaria a ser tratado em jantar com Dilma ontem. Lula tenta convencer a presidente a fazer um grande ato no Planalto, com a presença de movimentos sociais, mas sem descer a rampa. A preocupação é com a imagem “derrotista”, de que o governo acabou, contrariando a estratégia de manter a militância mobilizada.

Discurso do golpe mantido
Dirigentes do PT afirmam que o partido fará uma oposição dura, mas não “incendiária” ao governo Temer. Os petistas pretendem continuar questionando a legitimidade do peemedebista para presidir o país, insistindo no discurso do golpe. Eles apostam que haverá redução de direitos na nova gestão e pretendem centrar aí suas críticas.

— Não tem razão para apostarmos no “quanto pior melhor”, mas não vamos abrir mão da denúncia da ilegalidade (do mandato de Temer) — disse um petista próximo a Lula.

O PT articula a formação de uma frente com partidos de esquerda, como PSOL e PCdoB, além de movimentos sociais, para atuar em conjunto.

Lula também analisou ontem com senadores do PT a contabilidade da votação de hoje. Ciente de que a abertura do processo de impeachment é inevitável, Lula tenta reduzir a margem de votos contrários ao governo. Petistas afirmaram que ele ainda tenta convencer alguns senadores a se ausentar.

Na sessão de hoje são necessários 41 votos para aprovar a abertura do processo de impeachment. Na fase posterior, o julgamento de mérito, é preciso ter o apoio de pelo menos 54 dos 81 senadores para aprovar o afastamento definitivo de Dilma. O temor de Lula é que hoje já sejam apresentados 54 votos contra Dilma.

Embora alguns senadores afirmem que votarão a favor da abertura do processo, mas que ainda não têm posição formada sobre o mérito, Lula considera que será uma sinalização muito ruim, de acordo com petistas, já ter dois terços do Senado contra Dilma hoje.

Direção do PSB não indicará cargos em governo Temer, mas não proibirá indicações individuais

• Partido decidiu apoiar informalmente gestão do vice-presidente Michel Temer; líder da legenda na Câmara pode assumir Ministério da Integração Nacional

Igor Gadelha - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A direção nacional do PSB decidiu, em reunião nesta terça-feira, 10, que não vai fazer indicações nem chancelar nomes para cargos em um futuro governo Michel Temer. O comando da legenda, no entanto, não deverá proibir que integrantes da sigla assumam ministérios ou outros cargos por convite individual de Temer.

Com a decisão, o líder do PSB na Câmara, Fernando Filho (PE), principal cotado para o Ministério da Integração Nacional, só assumirá o cargo se Temer o convidar individualmente, e não por indicação do partido. O deputado, contudo, tem grandes chances de ter a nomeação confirmada, pois conta com apoio da maioria dos 31 deputados do PSB, o que dá a certeza a Temer de que terá apoio da sigla na Câmara.

Na reunião, o PSB decidiu que apoiará um eventual governo Temer apenas informalmente. Em resolução aprovada, o partido promete contribuir com Temer por meio de propostas. A resolução reitera os dez pontos de uma "agenda mínima" para o Brasil já entregue ao vice-presidente, entre eles "adequação das políticas fiscal, monetária e cambial.

Segundo apurou o Broadcast Político, serviço em tempo real da Agência Estado, a principal resistência à participação do PSB por meio de cargos veio do presidente do partido, Carlos Siqueira; do vice-presidente de relações governamentais da sigla, ex-deputado federal Beto Albuquerque; do prefeito do Recife, Geraldo Júlio; e dos três governadores da sigla, Ricardo Coutinho (PB), Rodrigo Rollemberg (DF) e principalmente Paulo Câmara (PE).

Embora a maioria dos deputados seja favorável à indicação de Fernando Filho para o Ministério da Integraçâo Nacional (dos 33, o líder prevê que pelo menos 26 são a favor), há alguns parlamentares que são contra. Segundo um deputado da legenda, Beto Albuquerque chegou a fazer, inclusive, corpo a corpo com alguns parlamentares para convencê-los a se posicionarem contra a participação.

A cúpula do PSB alega estar receosa que o governo Temer não dê certo, diante da crise econômica e da falta de apoio popular. Há integrantes da direção do partido que mencionam até a preocupação de o governo dele acabar antes do previsto, seja por meio de um impeachment, seja por cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Atualmente, já tramita na Câmara um pedido de impedimento contra o peemedebista.

Em uma ala do partido, há ainda uma resistência ao próprio nome de Fernando Filho. Ele é filho do senador Fernando Bezerra (PE), que foi ministro da Integração Nacional do primeiro governo Dilma Rousseff. No caso de Pernambuco, fala-se ainda que a resistência ao nome do líder do partido na Câmara está relacionada à disputa interna de poder dentro do PSB estadual.

Natureza do impeachment - Antonio Anastasia

• O atual processo de impeachment vem seguindo fielmente este rito, sem qualquer nódoa ou mácula. Todos os aspectos formais estão sendo atendidos

- O Globo

A origem do processo de impeachment encontra- se na tradição jurídica inglesa, mas foi nos Estados Unidos que o instituto se desenvolveu e se expandiu para outros países, tal como no caso brasileiro. O maior fundamento de processos dessa natureza está justamente na concepção de que o Chefe do Poder Executivo, no regime presidencialista, não é um monarca absoluto. Existem limites, constitucionalmente previstos, para sua atuação que devem ser observados. Entre estes temas, destaca- se a questão orçamentária. Aliás, a origem do controle sobre o poder absoluto do soberano surge, exatamente, na imposição de limites ao poder de tributar e na consequente alocação das despesas públicas em consonância com os limites impostos pelo Poder Legislativo. Não sem razão, portanto, a desobediência à Lei Orçamentária foi um dos tópicos constitucionais protegidos contra a ação desmedida do Poder Executivo (artigo 85, inciso VI, da Constituição Federal).

A figura jurídica que leva ao processo de impedimento denomina- se crime de responsabilidade, mas, a despeito da denominação “crime”, não se insere no âmbito do Direito Penal, por se tratar de uma infração político- administrativa, constitucionalmente prevista. A sanção para sua ocorrência, após o devido processamento, é a perda do mandato e a inabilitação para exercício de função pública por oito anos.

O rito do impeachment está previsto na Lei 1079/ 50, mas foi todo recentemente detalhado por decisão do Supremo Tribunal Federal, que é o guardião dos aspectos formais deste processo. Todavia, quanto ao mérito, a decisão é exclusiva do Poder Legislativo, convertido em órgão julgador. Este, inclusive, foi o entendimento do ministro Lewandowski no Mandado de Segurança n º 30.672/ DF: “Questões referentes à conveniência ou ao mérito dessas denúncias, na esteira dos pronunciamentos deste Tribunal, não competem ao Poder Judiciário, sob pena de substituir- se ao Legislativo na análise eminentemente política que envolvem essas controvérsias”.

O atual processo de impeachment vem seguindo fielmente este r ito, sem qualquer nódoa ou mácula. Todos os aspectos formais estão sendo atendidos, e a defesa tem tido ampla oportunidade de manifestação. Pela análise constante do parecer da Comissão Especial, de minha relatoria, estão presentes todos os elementos necessários para a admissibilidade, que é a atual etapa, objeto da deliberação do plenário do Senado Federal desta tarde. Não há ainda julgamento ou condenação, tão somente o reconhecimento dos indícios suficientes para a abertura do processo, quando, aí sim, na devida fase probatória, todo o alegado, quer pela acusação, quer pela defesa, será comprovado ou não.

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Antonio Anastasia, senador (PSDB- MG) e relator do impeachment

Separação de Poderes, harmonia e independência - Ruy Martins Altendelder Silva*

- O Estado de S. Paulo

A teoria da separação de Poderes foi idealizada e construída por Charles-Louis de Seconda, conhecido como Montesquieu (1698-1755), como homenagem à liberdade. Sua principal obra política é O Espírito das Leis, em que expõe toda a sua teoria política.

Na primeira linha do livro I de O Espírito das Leis Montesquieu define o seu conceito de lei, ou seja, as leis são relações necessárias que derivam da natureza das coisas; portanto, o Estado não será o mesmo em todos os lugares. Pode ter semelhanças e será até possível elaborar uma tipologia, mas jamais os conceitos serão iguais.

Como lembra o respeitado professor Régis Fernandes de Oliveira em seu mais recente livro, Indagação sobre os Limites da Ação do Estado, “as leis relacionam-se com circunstâncias físicas (geografia, clima) e sociais (costumes, comércio, religião). Cada Estado é diferente do outro” (obra citada, página 52).

A liberdade, como pensava Montesquieu, não pode consistir senão em poder fazer o que se deve querer, e não ser constrangido a fazer o que não se deve desejar, sempre tendo em vista o que é independência e o que é liberdade, este é o direito de fazer tudo aquilo que as leis facultam.

No item IV do livro XI, Montesquieu leciona: “É uma experiência eterna que todo homem que deteve poder é sempre tentado a abusar dele; e assim irá seguindo até que encontre limites”.

A Constituição brasileira de 1988 inseriu como um dos seus princípios fundamentais a regra do artigo 2.º: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Independência e harmonia são palavras-chave acolhidas na Carta Magna com base na teoria da repartição dos Poderes, construída por Montesquieu.

As competências de cada um dos Poderes também estão minuciosamente descritos na Constituição de 1988.

O Brasil passa por uma grave crise político-institucional e econômica. Os problemas que dela advêm acabam desaguando nos Poderes constituídos. O ativismo judicial/político tem surgido com lamentável frequência, invadindo as competências constitucionais e abalando o Estado Democrático de Direito.

São recorrentes de momentos em que a ética volta ao outro centro do debate político-institucional, atraindo a atenção da opinião pública e da mídia. A ética é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, essa dura conquista que vem sendo consolidada desde a edição da Carta de 88 e está na base de avanços institucionais, econômicos e sociais obtidos nas últimas décadas. Afinal, ser ético, correto e honesto seria o mínimo que um cidadão (na acepção plena da palavra) deveria oferecer à sociedade em que vive, seja ele político ou não.

A ausência de ética, com todas as consequências, é mais danosa quando a vítima é um país com tantas carências como o Brasil, onde ainda há tanto por fazer. Ou alguém duvida de que o dinheiro drenado nos casos de corrupção já comprovados, se bem investido, teria possibilitado um avanço mais rápido rumo a um país mais moderno, menos desigual e mais bem equipado para assegurar a sustentabilidade de seu desenvolvimento?

Quando, nos Poderes constituídos e no tecido social, os interesses pessoais, corporativos ou de grupos prevalecem sobre as demandas da sociedade, macula-se a democracia, aprofundam-se as desigualdades e dissemina-se a descrença na Justiça e nas instituições.

Nas democracias plenas, o eleito deve exercer a sua função pautando-se por inabalável consciência ética. É fundamental resistir às tentações inerentes ao poder, repudiar, denunciar e punir os corruptos e corruptores para evitar a repetição de vícios seculares, que mancham a História brasileira. Essa é a parte dos políticos em cargos representativos. Já o dever dos eleitores é recorrer à consciência cívica para decidirem o seu voto e aplicarem a ética no seu dia a dia como cidadãos.

Há sinais animadores no horizonte de que a impunidade – talvez a mais poderosa raiz dos desmandos no poder público – tenha sofrido boas fraturas com as recentes leis e decisões judiciais que condenam réus com culpas comprovadas por criteriosas investigações. São exemplos como esses que fundamentam a crença de que a ética, ao menos no Brasil, está deixando de ser apenas um capítulo árido do curso de Filosofia.

Em vários artigos anteriores manifestei a esperança – que renovo – de que os movimentos pela ética consigam mandar para a lata do lixo a História (onde esperamos que permaneçam) conceitos e práticas que contribuem para denegrir a imagem do Brasil no mundo, para enfraquecer valores da cidadania e para deformar novas gerações, ao retirar-lhes a perspectiva de paz, justiça e igualdade social.

Surpreendeu-nos, por exemplo, recente despacho do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinando ao então presidente da Câmara dos Deputados a instauração de comissão para analisar pedido de impeachment do vice-presidente da República, Michel Temer. E o princípio da independência e harmonia dos Poderes? E onde estaria na Constituição de 1988 a possibilidade legal de medida dessa natureza contra o vice-presidente da República?

São questões que necessitam de reflexões de todos os brasileiros visando ao aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.

O saudoso amigo Joelmir Beting, no prefácio do seu livro Na Prática a Teoria é Outra, cita o pensamento do escritor James Baldwin, aplicável ao atual momento conjuntural: “Nem tudo o que se enfrenta pode ser modificado. Mas nada pode ser modificado até que se enfrente”.

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*Ruy Martins Altendelder Silva é advogado e presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e do Conselho Superior de Estudos Avançados da Fiesp

Revendo a coalizão - Merval Pereira

- O Globo

A decisão do provável futuro presidente da República Michel Temer de retomar o plano inicial de redução do tamanho do Estado, começando pelo corte simbólico de dez ministérios, e incluindo o anúncio de redução de cargos em comissão logo no seu primeiro pronunciamento, é uma boa novidade neste nosso presidencialismo de coalizão tão deturpado.

Temer andou flertando com um Ministério que seria mais do mesmo, e até com algumas extravagâncias adicionais, como entregar a pasta de Ciência e Tecnologia ao bispo Macedo, ou nomear para a Justiça um advogado que já se declarara contrário à Operação Lava- Jato.

Seria uma ducha de água fria nos que aguardam um recomeço em novas bases do governo, mesmo que o PMDB não inspire confiança no quesito combate à fisiologia, embora seja fundamental na garantia da democracia, que sempre foi seu compromisso histórico.

A reação da sociedade, refletida nos principais meios de comunicação do país e nas redes sociais, fez com que Temer e seu grupo se sentissem incentivados a enfrentar a mudança de hábitos exigida.

Compatibilizar reformas estruturais com a governabilidade no Congresso é tarefa complexa, que terá em Temer, presidente da Câmara 3 vezes, artífice ideal. Ontem na Academia Brasileira de Letras, no ciclo de palestras sobre os papéis dos Poderes, o cientista político Sérgio Abranches analisou as características do presidencialismo de coalizão, expressão que ele criou em artigo de 1988, após a Constituição promulgada estabelecer as condições de governo da redemocratização.

De lá para cá, o sistema foi sendo distorcido pelas peculiaridades político- partidárias em vigor, e acabamos tendo um Ministério hipertrofiado que, como explicou Abranches, em vez de auxiliar na governabilidade, coloca obstáculos a ela.

A base de comparação com os diversos governos europeus que são de coalizão mostra que quando são montados por poucos partidos, mas com substância programática, é mais fácil ao governante traçar as linhas de conduta. Quanto mais partidos fizerem parte da base governista, mais o governante ficará refém das diversas facções nela representadas.

A situação brasileira é exemplar disso, pois, a partir do episódio do mensalão, os governos petistas optaram por ampliar sua base, não com o objetivo de aprovar reformas, mas, como classifico, de montar uma coalizão defensiva, que evite CPIs ou processos de impeachment, o que, como estamos vendo, nem mesmo isso evita.

A coalizão montada para os governos Dilma, por receio de Lula de que ela não tivesse apoio, foi das maiores já montadas em governos brasileiros, o que, em vez de garantir a governabilidade, fez com que Dilma ficasse refém, e por fim fosse abandonada, pelos partidos da base assim que sentiram para que lado o vento estava soprando.

Como Abranches lembrou, um governo montado à base de programas partidários pode até mesmo ter forças antagônicas, como na Alemanha de Angela Merkel. A reforma da Previdência, prioritária para seu partido, acabou saindo da negociação da coalizão por pressão dos aliados, que ficaram com a Previdência justamente para garantir que ela não seria feita.

Aqui, no provável governo Temer, aconteceu o contrário. Como nenhum partido quis assumir a reforma que precisa ser feita, a Previdência ficará sob o comando da Fazenda, e caberá a Henrique Meirelles criar as condições favoráveis à sua aprovação no Congresso.

Abranches lembrou ainda que, para governar, não é preciso ter uma maioria que abranja 60% ou 70% do Congresso, como vem acontecendo. Quando chegar a hora de fazer uma reforma constitucional, é possível criar uma maioria qualificada eventual para resolver aquela reforma específica.

Outro exemplo interessante é a Saúde, que, embora tenha ficado com um deputado do PP que nada tem a ver com o assunto, ele foi obrigado a buscar apoio na área médica e assumiu compromissos com importantes especialistas do setor, que participarão da gestão.

Ontem, Temer garantiu a interlocutores que fará reforma administrativa no Estado, reduzindo cargos comissionados. Os partidos aliados estão inquietos com as novidades, mas pode ser que a pressão da sociedade, e os sustos que os políticos estão tomando com as ações policiais em diversos setores, comecem a fazer efeito na relação entre Legislativo e Executivo.

Governo parlamentar - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Na montagem do futuro e cada vez mais provável governo, Michel Temer adota o critério de Itamar Franco após o impeachment definitivo de Fernando Collor em dezembro de 1992. Na época, não se montou uma equipe de notáveis, pelo critério social, mas um governo de expressão parlamentar, como pretende a nomenclatura predileta do grupo de Temer.

Naquela ocasião, praticamente não havia ministros de fora do cenário político. Para lembrar alguns dos primeiros nomeados: Gustavo Krause, Élcio Álvares, Hugo Napoleão, Yeda Crusius, Beni Veras, Alberto Goldman, Jamil Haddad.
Indicados ao núcleo palaciano, assim como faz Temer, só os mais íntimos.

Destacavam-se Henrique Hargreaves e Mauro Durante. Hoje, eles se chamam Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Romero Jucá e Moreira Franco. Gente que, ao contrário dos antecessores que todo tempo mantiveram distância da equipe de Collor, formaram o ativo recolhido à última hora.

Até a explicitação do fracasso, compactuaram. Têm consciência de que pagam um preço e que precisam conquistar a confiança do arredio eleitorado.

Para isso, sabem os pemedebistas que terão de sair de sua zona de conforto. Já prenunciam redução “drástica” nos cargos em confiança e a nomeação de funcionários de carreira para a presidência e direções de bancos públicos. Na velocidade em que as coisas se processam em Brasília, tudo pode mudar. Mas, até a tarde de ontem, o desenho de governo Temer era o seguinte: PMDB com todas as cadeiras do Palácio do Planalto, mais duas do Senado (já incluído Romero Jucá, do Planejamento) e mais duas na Câmara.

PSDB com José Serra no Itamaraty, Bruno Araújo em Cidades e Alexandre de Moraes na Justiça. O PSB ficaria com Minas e Energia ou Integração Nacional. PSD, a Ciência e Tecnologia incorporado a pasta das Comunicações. O lugar ficou reservado a Gilberto Kassab, que tentou sem sucesso ficar com Cidades. Ao PTB caberia o Trabalho e ao DEM, a pasta de Educação, acrescida da Cultura sendo a este nomeado alguém da área.

O PP, dentro da negociação pré-votação do impeachment na Câmara, ficaria com Saúde (Ricardo Barros) e Agricultura (Blairo Maggi).

Uma inovação é prevista: à entrega da cabeça do ministério a um partido não corresponde a cessão do restante do corpo, que ficaria à disposição do Palácio do Planalto para compor com os menores partidos, cedendo a eles os anéis sem entregar-lhes necessariamente todos os dedos.

Mais ou menos. As conversas que mais têm desconfortado o PMDB são aquelas mantidas com o PSDB. Segundo um interlocutor, eles entram num encontro como “Charles De Gaulle” e saem como “Garotinho”, numa referência ao ex-governador do Rio de Janeiro.

Na avaliação dos pemedebistas, os tucanos entram nas conversas como estadistas e terminam fazendo exigências fisiologistas. Iniciam o encontro com várias exigências de natureza ideológica e terminam com diversas demandas de natureza, digamos, pragmática.

O PMDB não fica satisfeito em arcar com a fama de fisiológico, razão pela qual se revoltou com o governo Dilma. Em suma, o PSDB faz a fama e o PMDB deita da cama.

O começo do fim - Luiz Carlos Azedo

• Mesmo depois do fracasso da manobra para anular a sessão da Câmara que aprovou a abertura do impeachment, o governo não desistiu de obstruir o processo no Senado

- Correio Braziliense

Caso não surja nenhum imprevisto, o Senado Federal deverá aprovar hoje à noite a admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff e afastá-la do cargo. O vice-presidente Michel Temer assumirá a Presidência interinamente tão logo ambos sejam notificados. A oposição já conta com mais de 41 votos (maioria simples) para consumar o afastamento, porém, trabalha para alcançar os 54 votos que seriam necessários para aprovação definitiva do impeachment, embora isso só venha ocorrer após a próxima etapa do processo, o julgamento, no prazo máximo de 180 dias.

O esforço para dar um capote nos governistas tem por objetivo abreviar a resistência da presidente Dilma Rousseff, que se recusa a renunciar ao cargo e tenta mobilizar apoio popular e internacional contra o impeachment. Se a votação for inferior aos 54 votos, imagina-se que a presidente da República manterá a esperança de reverter a situação, e os governistas atuarão para desestabilizar o governo provisório de Temer e inviabilizar as medidas para restabelecer o equilíbrio fiscal e a estabilidade da moeda. A confusão na Câmara, sob comando atabalhoado do presidente em exercício, deputado Waldir Maranhão (PP-PB), aumenta a importância de limpar a área no Senado, que era um reduto governista até o ex-líder do governo, Delcídio do Amaral (MS), ser preso em flagrante por obstrução da Justiça pela Operação Lava Jato.

A propósito, Delcídio foi cassado ontem pelo Senado, num rito sumário, comandado pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que exigiu sua cabeça para pôr em votação a admissibilidade do pedido de impeachment de Dilma. O ex-senador não compareceu à sessão e anunciou que recorreria à Justiça, para anular a decisão. Delcídio virou um renegado depois que aceitou fazer delação premiada, na qual disparou em quase todas as direções. Na segunda-feira, durante a reunião da Comissão de Ética do Senado, fez um discurso no qual disse que atuou de mando da presidente Dilma e do ex-presidente Lula ao tentar evitar que o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró colaborasse com a Justiça. Senadores de oposição e governistas se somaram para aprovar a cassação do ex-líder do governo, por 74 votos a zero, de um total de 81 senadores.

Mesmo depois do fracasso da manobra para anular a sessão da Câmara que aprovou a abertura do impeachment — uma “Operação Tabajara” que envolveu o advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo, e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) —, o governo não desistiu de obstruir o processo no Senado. E aposta na judicialização do impeachment com os argumentos de que a sessão da Câmara que aprovou a abertura do processo deve ser anulada, porque houve cerceamento do direito de defesa, e de que não existe materialidade na imputação de crime de responsabilidade. Cardozo impetrou um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, cujo relator é o ministro Teori Zavascki.

O Palácio do Planalto ainda não desistiu de anular os atos praticados pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que foi afastado do cargo por decisão unânime do STF. No mandado de segurança, o governo aponta que Cunha aceitou o pedido de impeachment, em dezembro, em retaliação a Dilma e ao PT, por votarem a favor da abertura do processo de cassação do deputado no Conselho de Ética da Câmara. “Tal imoral proceder consistia em equilibrar-se entre governo e oposição a fim de barganhar apoio para o não recebimento da representação oferecida perante o Conselho de Ética. Ao primeiro, oferecia o arquivamento das denúncias contra a presidenta da República; à segunda, oferecia o contrário, o acolhimento de alguma delas”, afirma.

Esperneio
No Palácio do Jaburu, o vice Michel Temer se prepara para assumir o governo. Atua em três frentes: a blindagem do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e de sua política econômica; a escolha dos nomes da nova equipe ministerial, que pretende subordinar à reforma administrativa que reduzirá o número de ministérios e de cargos comissionados; e a articulação de sua base na Câmara e no Senado, para aprovar as medidas provisórias e emendas constitucionais que pretende encaminhar ao Congresso e para dar estabilidade ao governo. Não é uma equação fácil, mas dela dependerá o futuro do seu governo e do país.

Enquanto o mundo gira, a presidente Dilma esperneia. Ao participar da cerimônia de lançamento da 4ª Conferência Nacional de Política para as Mulheres ontem, em Brasília, disse que “jamais” passou pela sua cabeça renunciar e que honrará os 54 milhões de votos que recebeu. “Quero dizer a vocês que não estou cansada de lutar. Estou cansada dos desleais e dos traidores. Tenho certeza que o Brasil também está cansado dos desleais e traidores, e é esse cansaço que impulsiona a minha luta cada dia mais”, afirmou. Dilma garantiu que permanecerá no cargo até 31 de dezembro de 2018. Só ela acredita.