sábado, 9 de março de 2019

Opinião do dia: Heráclito de Éfeso*

“Tudo flui” e “Nada é permanente, exceto a mudança”.


*Heráclito de Éfeso, nasceu na cidade de Éfeso, por volta de 540 a.C., antiga colônia grega, região da Jônia na Ásia Menor, atual Turquia. Foi um pensador e filósofo pré-socrático considerado o “Pai da Dialética”.

João Domingos: Comunicação sem rumo

- O Estado de S.Paulo

O general Mourão não é um vice decorativo. Tornou-se um vice corretivo

Desde que Jair Bolsonaro reproduziu em sua conta no Twitter um vídeo obsceno, insistiu-se muito na tese de que o presidente o fez de caso pensado. Estaria, com tal iniciativa, tentando desviar a atenção a respeito de notícias ruins lá dos lados do governo, como o PIB de 1,1% em 2018 (resultado sobre o qual ele não tem responsabilidade), aumento da taxa de desemprego, violência que não para de crescer, incapacidade de formar uma base no Congresso que lhe dê sustentabilidade e garantia de aprovação de reformas na economia. Por fim, o vídeo seria também uma resposta às críticas que recebeu de blocos carnavalescos Brasil afora.

Se foi uma estratégia de comunicação do presidente, foi uma estratégia ruim. A despeito de alguns seguidores de seita, que acham tudo o que Bolsonaro faz lindo e maravilhoso, o presidente abriu o flanco para, na mesma rede social, apanhar como nunca. Sabe-se que houve reação do núcleo militar do governo. Logo, o Palácio do Planalto, ou seja, o próprio governo do qual Bolsonaro é o chefe, teve de divulgar uma nota para dizer que o presidente não criticara o carnaval como um todo, mas alguns blocos que se excederam em público.

Depois, o presidente fez um discurso de improviso numa cerimônia da Marinha e disse que democracia e liberdade só existem se as Forças Armadas assim o quiserem. Choveram críticas. 

Afinal, democracia e liberdade não são uma dádiva das Forças Armadas. São conquistas da sociedade, da qual Aeronáutica, Exército e Marinha fazem parte e pelas quais, pela Constituição, jurada por Bolsonaro, essas mesmas Forças têm o dever de zelar. De novo, mais explicações. 

Julianna Sofia: O laranjal floresce

- Folha de S. Paulo

Por que Bolsonaro não defende o ministro do Turismo? Não o demite? Não classifica acusações de fake news?

Não há hoje na Esplanada dos Ministérios quem defenda a permanência do ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo) no governo. Nem o próprio presidente Jair Bolsonaro se arrisca a escudar o subordinado e joga-o na arena com os leões. "Deixa as investigações continuarem", declarou nesta sexta (8).

Atitude timorata diante do viçoso laranjal que floresce dia após dia.

São pelo menos três as candidatas que denunciaram publicamente a existência de concorrências fajutas no PSL de Minas Gerais, sob domínio de Álvaro Antônio nas eleições do ano passado. Uma delas acusa diretamente o ministro. Outra relata que o esquema solicitou-lhe cheques em branco para a triangulação imprópria de recursos públicos.

Há ainda quatro inexpressivas e suspeitas peesselistas que postularam cargos eletivos no estado em 2018. Elas levaram R$ 279 mil em dinheiro do fundo eleitoral, obtiveram apenas 2.000 votos e parte da verba entrou no caixa de empresas de pessoas ligadas ao gabinete de Álvaro Antônio na Câmara.

Hélio Schwartsman: As voltas que o mundo dá

- Folha de S. Paulo

Com reforma sindical, Bolsonaro defende posição libertária, e CUT quer algum tipo de tutela estatal

Pareceu-me correta a medida provisória baixada pelo governo Bolsonaro que exige autorização expressa do trabalhador para que ele tenha descontada de seu contracheque a contribuição sindical ou negocial, como vem agora sendo chamada.

Tanto o espírito como a letra da lei da reforma trabalhista (lei nº 13.467/17) dão ao trabalhador a liberdade de decidir individualmente se vai ou não financiar o órgão de classe. Se sindicatos, com a conivência do viés conservador da Justiça, estavam encontrando meios de contornar esse princípio, é razoável que o legislador (MPs precisam ser referendadas pelo Congresso) tome medidas para restaurá-lo.

Isso dito, é importante lembrar que a reforma sindical, iniciada com a lei nº 13.467, ficou pela metade. Acabar com as contribuições compulsórias às entidades de classe foi um passo importante, mas é preciso avançar mais. O mais urgente é pôr um fim ao princípio da unicidade sindical.

Simon Schwartzman*: A fábrica de ilusões

- O Estado de S.Paulo

Ensino superior precisa de visão de futuro, regras claras, mais flexibilidade e mais transparência

No Brasil todos querem ganhar na loteria, e muita gente joga, mesmo que pouquíssimos ganhem. No ensino superior é parecido: cerca de 7 milhões se candidatam todo ano ao Enem, disputando cerca de 300 mil vagas em universidades federais. Muitos dos que não passam vão para escolas privadas, em alguns casos com bolsas ou créditos educativos. Em 2017, 2,5 milhões de pessoas entraram em cursos superiores, a grande maioria no setor privado, e 1,2 milhão se formaram. Dados do Inep mostram que depois de quatro anos 31% dos estudantes haviam abandonado o curso e só 11% se formaram. O abandono é muito maior nas instituições privadas (37%) e em áreas como ciências matemáticas e computação (40%), ciências sociais (35%) e cursos à distância (42%).

A peneira, na verdade, começa antes. Hoje existe escola fundamental para todos, mas a qualidade, sobretudo nas redes municipais e estaduais, é muito ruim, e a grande maioria chega ao ensino médio mal sabendo escrever e fazer contas. Em 2018, 3 milhões de jovens entraram no ensino médio, mas só 2,3 milhões chegaram ao terceiro ano. Outro 1,4 milhão, de mais velhos, se matriculou em cursos de educação de jovens e adultos, em que a grande maioria não se forma – e a qualidade é pior ainda. É pior do que loteria, porque é um jogo de cartas marcadas: filhos de famílias mais ricas e educadas, que estudam em escolas particulares ou passam nos “vestibulinhos” das escolas federais, têm mais chances de conseguir boa nota no Enem, passar na Fuvest, escolher os melhores cursos ou ir para uma escola superior privada de elite. Já a grande maioria fica pelo caminho.

Ter educação superior hoje no Brasil significa ter uma renda média do trabalho de R$ 4.600 mensais, comparada com R$ 1.600 dos que têm nível médio e R$ 1.350 de quem só tem o fundamental. Mas depende muito do curso e da faculdade que a pessoa seguiu: cerca de metade das pessoas de nível superior trabalha em profissões de nível médio, com renda próxima de R$ 2.400. Para ter maiores benefícios é preciso entrar numa carreira disputada, como medicina ou engenharia, ou passar na prova da OAB ou num difícil concurso para cargo público: é para poucos.

Ricardo Noblat: Governo quer digital da esquerda na faca

- Blog do Noblat / Veja

À procura de outra conclusão para o atentado a Bolsonaro

Sem essa de que Adélio Bispo, o pedreiro desempregado que esfaqueou Jair Bolsonaro em Juiz de Fora, agiu sozinho, por vontade própria e que sofra de doença mental como atestaram 7 peritos indicados pela Justiça Federal.

Busque-se para o caso uma solução plausível que não seja essa, recomendou o general Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência. O segundo inquérito feito pela Polícia Federal está perto do fim e o governo se recusa a aceitar seus resultados.

Para o governo, só existe um resultado plausível: ex-filiado ao PSOL, Adélio tentou matar Bolsonaro a mando da esquerda, e ponto final. Do contrário, como justificar a narrativa sustentada até hoje por Bolsonaro e seus devotos de que por pouco a esquerda não o matou?

A narrativa serviu para que o candidato se elegesse, e serve agora para que o presidente governe em oposição à esquerda. Sem a facada, Bolsonaro teria dificuldades para se eleger. Sem a impressão digital da esquerda na faca, terá dificuldades para governar.

Falou-se muito do PT como dependente de Lula, e isso está certo. Os devotos de Bolsonaro resistem a ideia de que ele seja dependente do PT. É o que ele é. Boa parte dos 58 milhões de votos que obteve foi de eleitores que queriam derrotar o PT e não necessariamente elegê-lo.

É de se ver como desatará esse nó o ministro Sérgio Moro, ao qual se subordina a Polícia Federal. Até aqui, ele tem se comportado como um fiel vassalo do presidente.

Calma, dará errado

E viva a Mangueira!

Prognóstico cada vez mais compartilhado pelos cariocas sempre que se fala sobre o futuro do governo de Wilson Witzel, o juiz federal que surfou na onda bolsonarista para se eleger: “Fique tranquilo, não dará certo”.

Merval Pereira: Redução de partidos

- O Globo

Base do governo deve ser desidratada pelo agrupamento de partidos que hoje fazem parte dela sem grandes convicções

As negociações sobre a reforma constitucional da Previdência, que exige um quorum qualificado de 308 votos na Câmara para ser aprovada, embute uma reformulação partidária que deve acontecer no final do ano, com os partidos preparando-se para a eleição municipal de 2020, quando pela primeira vez serão proibidas as coligações proporcionais.

Haverá um enxugamento do número de partidos políticos, exatamente a intenção da reforma constitucional que impôs também cláusulas de desempenho. A não ser que o Tribunal Superior Eleitoral continue sendo complacente com a criação de novas siglas.

Exatamente 14 dos 35 partidos existentes não cumpriram a cláusula de desempenho exigida pela nova legislação, na eleição de 2018. Patriota, PHS, PC do B, PRP, Rede, PRTB, PMN, PTC, PPL, DC, PMB, PCB, PSTU e PCO entrarão na eleição municipal em desvantagem, com mais dificuldade para continuar existindo. Podem continuar atuando no Congresso, mas sem grandes perspectivas.

Inclusive porque perderam o acesso ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e televisão. A cláusula de desempenho tem mais rigidez à medida que as eleições vão acontecendo, até 2030. Os partidos punidos com a perda do fundo partidário e propaganda eleitoral gratuita não tiveram ao menos 1,5% dos votos válidos nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos 1/3 das unidades da federação (9 unidades), com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas.

Lena Lavinas: A quem a reforma da Previdência privilegia?

- O Globo

Retornamos a um nível de desigualdade dos tempos de milagre econômico

A proposta de reforma da Seguridade Social ora em pauta bate sistematicamente na tecla de que vem para pôr fim a uma velha e persistente dimensão das nossas desigualdades: iniquidades de renda na inatividade.

Já se sabe que algo que se repete a marteladas acaba por virar verdade, qualquer que seja seu conteúdo, ainda mais em tempos em que crenças ganham ares de integridade moral.

O fato é que, ao contrário do que reza a cartilha dos agora arautos da luta contra a desigualdade, é justamente entre aposentados e pensionistas que o índice de Gini — que mede a desigualdade, novamente em alta vertiginosa no Brasil nos anos recentes — é o menor. E, claro, isso não é por acaso, mas resultado da elevada efetividade de um regime de repartição como o nosso em redistribuir entre gerações.

Recente estudo de Daniel Duque, do Ibre-FGV, sobre a evolução do índice de Gini medido pela renda familiar per capita, revelou que ele alcançou 0,62 ao final de 2018, seu maior patamar desde o primeiro trimestre de 2012, quando começa a série da PNAD Contínua.

Ou seja, retornamos a um nível de desigualdade que prevalecia em tempos de milagre econômico sob um regime autoritário, quando o crescimento se dava fortalecendo a concentração de renda. A prosperidade de então, quando o PIB atingia taxas de crescimento invejáveis, era apropriada por poucos em razão da compressão dos salários e da ausência de políticas sociais redistributivas. Esse cenário muda a partir da promulgação da nova Constituição e da redemocratização do país.

O quadro hoje é outro. A desigualdade se agrava, porém num contexto de crise aguda e renitente, em que a completa flexibilização das regras de contratação no mercado de trabalho já vigente, além de não redimir as altas taxas de desemprego, ainda precariza o emprego e inibe, assim, a recuperação dos salários.

Adriana Fernandes*: O ativismo pró-reforma

- O Estado de S.Paulo

Um presidente convicto é essencial para que haja chance de a proposta prosperar

A publicação do vídeo com conteúdo obsceno gravado durante o carnaval acabou tirando o presidente Jair Bolsonaro da inércia em que estava na defesa da reforma da Previdência.

A falta de ativismo do presidente na busca de apoio para aprovar a reforma estava incomodando muito os defensores aguerridos da proposta. Afinal, das 515 mensagens publicadas por Bolsonaro desde 1.º de janeiro até terça-feira passada, dia em que publicou o vídeo, apenas cinco delas traziam a Previdência como assunto, o equivalente a menos de 1% de suas postagens em redes sociais.

A esperança era de que, depois do envio do projeto de lei da reforma dos militares, o problema seria resolvido.

Mas há, de fato, uma preocupação de que Bolsonaro não se engaje para explicar e defender os pontos mais polêmicos da PEC, enviada no mês passado ao Congresso. Essas propostas já estão sendo rifadas por deputados aliados antes mesmo do início formal de tramitação – posição que ganhou força depois que o próprio presidente acenou com flexibilizações no texto, como a redução de 62 anos para 60 anos na idade mínima das mulheres.

Míriam Leitão:Recuperação em mundo adverso

- O Globo

Economia mundial está desacelerando e este não é o melhor momento para o Brasil atrasar as reformas e perder tempo com bizarrices

O crescimento mundial está perdendo fôlego, e isso fica mais claro a cada nova rodada de projeções por organismos internacionais. Esta semana, a OCDE cortou novamente os números, e no dia seguinte o Banco Central Europeu (BCE) alertou sobre o crescimento da zona do euro. Itália, Turquia e Argentina devem fechar 2019 com retração. Alemanha e Canadá vão desacelerar fortemente. O Brasil será afetado pelo comércio mundial mais fraco, pela pressão no dólar e o impacto nos vizinhos argentinos, que são os principais compradores da nossa indústria.

O dólar esta semana voltou a R$ 3,88 a maior cotação desde dezembro. Ontem, fechou em queda, apesar do susto com as exportações chinesas, que despencaram 20% e fizeram o índice de Xangai recuar 4%. A moeda brasileira já devolveu praticamente toda a valorização que teve este ano. De forma geral, os países emergentes estão sentindo os efeitos da incerteza mundial, e as economias com problemas na conta-corrente têm sofrido ainda mais. O peso argentino chegou a cair 6,8% em um único dia, atingindo a mínima histórica na última quinta-feira. O Brasil tem um déficit externo pequeno e elevadas reservas cambiais, por isso, o real cai menos. Ainda assim, a nossa crise fiscal é um ponto de vulnerabilidade e o país não está livre de desconfiança.

— O cenário mundial mudou, e no Brasil vai ficando mais claro que a reforma da Previdência não será aprovada com a velocidade que muita gente apostava. A bolsa teve uma alta que não corresponde às projeções de crescimento do PIB e à rentabilidade das empresas. Se a reforma atrasar demais ou for muito diluída, os mercados poderão estressar — alertou a economista Monica de Bolle, diretora do Programa de Estudos Latino-Americanos da Johns Hopkins University.

Demétrio Magnoli*: Um carnaval em Aalst

- Folha de S. Paulo

O levante contra o 'globalismo' reativa o paradigma antissemita

O grupo "não tinha intenções ofensivas", assegurou o prefeito de Aalst, Cristoph D'Haese, do partido nacionalista N-VA, que busca a independência da região belga de Flandres. "Carnaval é apenas um festival de caricaturas", disse um integrante do grupo. O carro alegórico que detonou a polêmica exibia bonecos representando judeus hassídicos, narizes aduncos, as mãos estendidas pedindo doações, um rato sobre suas malas de dinheiro. Num artigo para a The Atlantic, Eliot A. Cohen traçou paralelos com alegorias similares que apareceram no carnaval de Marburg (Alemanha), em 1936. Hitler não nos espreita na esquina, mas o antissemitismo retorna como discurso socialmente admitido.

De carro, menos de uma hora separa Aalst do Parlamento Europeu. A nova onda de aversão aos judeus faz seu caminho pelo Velho Mundo, escorrendo por veredas de direita e de esquerda. Os bonecos carnavalescos são sintoma do "espírito do tempo". Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orbán pinta o financista George Soros como o lendário "judeu sem pátria" que dirige um complô destinado a afogar a "Europa cristã" num mar de imigrantes muçulmanos. No Reino Unido, o líder trabalhista Jeremy Corbyn atribui um atentado jihadista no Egito à "mão de Israel", autorizando tacitamente os discursos antissemitas que engolfaram seu partido numa crise moral. Os foliões pertencem às elites políticas e seus gestos cumprem funções estratégicas.

O antissemitismo clássico deita raízes na direita, especificamente no catolicismo tradicional e no nacionalismo autoritário. Nos EUA, como no Brasil, a direita nacionalista represou seus impulsos antijudaicos para atender à base evangélica, que enxerga em Israel o sinal das profecias do Livro do Apocalipse. Na Europa, de modo geral, a gramática do discurso ultranacionalista substitui os judeus pelos muçulmanos no papel de quinta-coluna infiltrada nas sociedades nacionais. Aí, a islamofobia explícita funciona como veículo de um antissemitismo implícito. Mas o ovo está lá, como evidenciam Orbán e inúmeras correntes extremistas que adquirem crescente peso eleitoral.

Gilles Lapouge: Trump é o problema na falta de acordo nuclear

- O Estado de S. Paulo

Sul-coreanos atribuem ao presidente americano a culpa pelo fracasso do diálogo com Kim Jong-um

Em junho, Trump e Kim Jong-un reuniram-se em Cingapura e demonstraram que terminara o longo período de insultos e provocações entre a enorme América e o pequeno país comunista da Ásia. Em vez de nos odiarmos, vamos nos amar. Logo, os americanos descobriram que Pyongyang estava desmantelando seu local de lançamento de foguetes em Tongchang-ri. Então, se falou que a rústica diplomacia de Trump, de homem a homem, contando com a simpatia, funcionou.


Neste mês, Trump e Kim encontraram-se em Hanói. Sempre o sorriso e sempre o entusiasmo. Infelizmente, algumas horas depois, a reunião foi abruptamente encerrada. Os dois retornam aos seus países, rapidamente. A cabeça de Trump está em uma tempestade. A de Kim, impassível... Nenhuma explicação. Mas, menos de 48 horas depois, os americanos observam que os norte-coreanos estão prestes a reinstalar o local do lançador de foguetes que haviam desmantelado oito meses antes.

Essa é a diplomacia de Trump. Ele multiplica os golpes, abre os braços e o coração, fecha de novo o coração e os braços, passa do amor ao ódio num piscar de olhos. Saber exatamente o que aconteceu é quase impossível. Os dois são um mais mentiroso que o outro. Vamos tentar de qualquer maneira folhear os jornais dos EUA e da Coreia do Sul (uma vez que os jornais da Coreia do Norte não são acessíveis).

Vamos abrir o New York Times, jornal de alto conceito e livre. Para ele, Trump errou ao acreditar “que seu relacionamento pessoal com Kim seria suficiente para superar as diferenças”. Apesar disso, o NYT continua convencido de que um acordo é possível. Trump escreveu ao jornal americano, dizendo que estava certo em abandonar o encontro com Kim em vez de aceitar um acordo nuclear ruim. Mas isso mostra o quanto Trump se deixou manipular na sua primeira cúpula com Kim. O líder americano pode até ver um gênio quando se olha no espelho, mas “a arte da negociação” não é seu forte.

Bolsonaro evita comentar acusações contra ministro

‘Deixa as investigações continuarem, tá ok?!’, disse o presidente, sobre suspeitas de envolvimento do titular do Turismo em esquema de candidatas laranjas

Karla Gamba / O Globo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro evitou ontem comentar as acusações de envolvimento do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em um suposto esquema de candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais. Perguntado sobre a situação do ministro, na saída de um evento no Palácio do Planalto, Bolsonaro não quis responder e disse que as investigações deveriam continuar.

—Deixa as investigações continuarem, tá ok?! —disse o presidente. Em entrevista ao GLOBO, anteontem, Adriana Moreira Borges, candidata a deputada federal pelo PSL de Minas Gerais, disse que um ex-assessor de Álvaro Antônio condicionou repasse de R$ 100 mil do fundo partidário à devolução de R$ 90 mil . A garantia, segundo ela, deveria ser dada por meio de nove cheques com valores em branco. Adriana não aceitou e recebeu apenas R$ 4 mil. Em depoimento ao Ministério Público, a ex-candidata reafirmou o que disse na entrevista.

TRÊS CASOS EM MINAS
Adriana é a terceira integrante do PSL, em Minas, a denunciar a existência de um esquema para desvio de verbas públicas do fundo de campanha do partido de Bolsonaro. Ela afirmou que não levou o assunto ao presidente e que se sentiu traída pelo partido:

— Não quis levar (o assunto a Bolsonaro), fiquei tão frustrada, quis retirar a candidatura. Nós que entramos no PSL achávamos que este era um partido do bem. Queríamos mudar este país. Foi um choque tão grande, que, quando fui embora, entrei no carro e fiquei cinco minutos respirando. Como pode? Que nojeira. Assim como Bolsonaro, o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), disse que é preciso aguardar as investigações que envolvem o ministro do Turismo:

Evangélicos expõem críticas ao governo Bolsonaro

Descontente com a falta de cargos na Esplanada, bancada unifica discurso e promete votar com Planalto apenas temas relativos a costumes

Naira Trindade e Lígia Formenti, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Descontente com a falta de interlocução com o Palácio do Planalto e sem espaço na Esplanada, a bancada evangélica afinou o discurso e decidiu votar fechada com o governo apenas nas pautas relativas a temas de costumes. Deputados eleitos com apoio das igrejas evangélicas já não poupam, inclusive, o presidente Jair Bolsonaro, que ajudaram a eleger, de críticas públicas nas redes sociais.

O deputado federal Marco Feliciano (Podemos-SP) usou o Twitter para mandar um recado. “Vocês não pediram minha opinião, mas deixo aqui humildemente a mesma. A comunicação está péssima”, escreveu. Emendando um apelo: “Quando o governo resolve governar sozinho, se torna um gigante com pés de barros. O que adianta ter a estrutura que tem se o alicerce é frágil? O presidente tem que cimentar os pés. E isso se faz chamando as bancadas para conversar”.

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) disse que, “ideologicamente, jamais” a bancada irá “sabotar o governo”, mas alertou que “política se faz com diálogo ou cada um vai cuidar do seu mandato”. “A bancada nunca teve espaço, mas agora está pior. Ele (o presidente) só dialoga com os militares e com os filhos.” Sóstenes diz que a falta de interlocução terá reflexo nas votações. “Matérias como a da Previdência, sem diálogo, ninguém coloca o dedo”, avisou.

A mais recente baixa dentro do governo foi a exoneração de Pablo Tatim, ex-subchefe de Ações Governamentais, cuja indicação foi referendada pela frente evangélica. A exoneração saiu nesta sexta-feira, 8, no Diário Oficial da União. Ele foi coordenador jurídico do gabinete de transição de Bolsonaro e, no governo, trabalhava com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

Saída de pupilos do MEC escancara queda de braço entre Olavo de Carvalho e militares

Painel / Folha de S. Paulo

Pane no sistema A saída de quadros ligados a Olavo de Carvalho do Ministério da Educação marca novo patamar na queda de braço travada entre o guru do bolsonarismo e militares que compõem o governo. Dois parlamentares ligados ao escritor definem o episódio como a maior crise já exposta no núcleo ideológico que dá suporte ao presidente. Em disputa está a tutela do discurso de Jair Bolsonaro. Aliados do Planalto não veem o MEC como o único front. Apostam em tensões também no Itamaraty.

Até tu, Brutus? Olavistas atribuíram a decisão de Vélez de demitir ou deslocar aliados do escritor como fruto da pressão de diversos grupos, mas especialmente de pessoas ligadas ao Exército e ao Ministério da Economia. Ações de empresas como a Kroton fecharam em alta nesta sexta (8).

Torniquete Assim que a crise começou a explodir nas redes sociais, Bolsonaro escalou aliados para tentar conter o desconforto. No fim, nem todas as exonerações previstas foram publicadas.

Questão de estilo Olavistas não negam incômodo com o que chamam de impasse entre o “conservadorismo que Carvalho representa e que mobiliza apoiadores de Bolsonaro” e o “positivismo dos militares”, vistos como pouco afeitos a pautas de costumes e religião, além de muito pragmáticos nas relações exteriores.

PSDB se reúne para debater reforma da Previdência

Coluna do Estadão / O Estado de S. Paulo

O PSDB fará quarta-feira em Brasília sua primeira rodada de estudo e discussão sobre a reforma da Previdência. O presidente do partido, Geraldo Alckmin, lembra que os tucanos, historicamente favoráveis às mudanças nas regras da aposentadoria, apoiam em tese o projeto de Jair Bolsonaro, mas vão debater a fundo o texto para ver se existem pontos a ser “aperfeiçoados”. “É uma questão fiscal e também de justiça social, portanto, ninguém pode ficar fora e não deve haver benefício menor do que o salário mínimo”, diz o ex-governador.

Aula. Participarão dos debates as bancadas tucanas da Câmara e do Senado. Governadores e prefeitos de capitais estão convidados. Paulo Tafner, Roberto Brant e Felipe Salto, todos especialistas no tema, serão os palestrantes.

Modelo. Uma das ideias que os tucanos podem apresentar ao governo federal é a da Prevcom (a fundação de previdência complementar criada em São Paulo em 2011), que vem sendo adotada por outros Estados.

Serra pede a Guedes detalhamento sobre economia de R$ 1,1 tri com reforma da Previdência

Senador disse que a medida tem por objetivo dar maior transparência ao debate da reforma

Reuters / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador José Serra (PSDB-SP) apresentou na quinta-feira (8) um requerimento para que o ministro da Economia, Paulo Guedes, em que pede o detalhamento dos cálculos feitos pelo governo naPEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma da Previdênciapara se chegar a uma potencial economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos, na hipótese de a matéria ser aprovada sem alterações.

Serra quer ter acesso à "memória de cálculo das estimativas de impacto fiscal líquido apresentadas pela tabela da Exposição de Motivos que acompanhou a mencionada PEC". Na justificativa, o senador –que foi ministro do Planejamento do governo Fernando Henrique Cardoso– disse que a medida tem por objetivo dar maior transparência ao debate da reforma.

No requerimento, o senador afirmou que a resposta às informações devem explicitar separadamente as hipóteses e as premissas adotadas referentes a cada um dos cinco itens relacionados a seguir: a RGPS (Reforma do Regime Geral da Previdência Social); a RPPS (Reforma do Regime Própria de Previdência Social); mudanças das alíquotas no RPPS da União; mudanças das alíquotas no RGPS; e assistência fásica e focalização do abono salarial.

Quando apresentou a PEC da Previdência, o governo calculou que a maior economia viria com a reforma do RGPS, dos trabalhadores da iniciativa privada. Com as alterações de regras nessa frente, serão poupadas R$ 715 bilhões em dez anos. Como estruturada, a PEC também prevê economia maior de recursos com corte de benefícios assistenciais (R$ 182,2 bilhões) do que com mudanças nas regras para servidores públicos (R$ 173,5 bilhões).

Na prática, Serra quer saber como o governo chegou a esses números de economia.

Após ser encaminhado pelo Senado ao ministério, o pedido de informações de Serra a Guedes terá 30 dias para ser respondido. Em caso de negativa nesse período de resposta, o ministro poderá ficar sujeito a responder por crime de responsabilidade, conforme a Constituição.

Carnaval indecoroso

Bolsonaro responde a protestos com a publicação de um vídeo obsceno — uma reação despropositada que fere a compostura do cargo e joga o governo no ridículo

Por Edoardo Ghirotto, Eduardo Gonçalves e Nonato Viegas / Veja

Aprovar a reforma da Previdência em um país com a economia ainda claudicante e mais de 12 milhões de desempregados é um processo político custoso. O governo tem de formar uma base de apoio coesa no Congresso e, ainda por cima, convencer a população da necessidade de certas medidas amargas. E a reforma é só um dos temas que deveriam ser prioritários na comunicação do presidente com a população brasileira. No entanto, em seu canal de preferência, o Twitter, Jair Bolsonaro fez só seis publicações sobre a Previdência. Suas obsessões ideológicas há muito ganham relevo desproporcional, acima dos temas cruciais da economia, da saúde, da educação e até da segurança. Na Terça-Feira de Carnaval, essa fixação na irrelevância militante chegou ao escândalo. No esforço de denunciar os excessos da maior festa popular brasileira, o presidente postou, no Twitter, um vídeo escatológico e obsceno: em um bloco de rua de São Paulo, um folião mexe no próprio ânus e depois outro urina na cabeça dele.

Ainda que, no dia seguinte, uma nota da Secretaria de Comunicação afirmasse que a postagem na “conta pessoal” de Bolsonaro não era um ataque genérico ao Carnaval, mas apenas a distorções do “espírito momesco”, a intenção clara era apresentar aquele episódio particular como representativo fiel da festa — uma evidente retaliação contra as críticas ao governo que tomaram as ruas em mais um Carnaval politizado. O saldo da ressaca veio na Quarta-Feira de Cinzas: no Brasil e no mundo, repercutiu mal o episódio do chefe do Executivo que enxovalhou a dignidade do cargo ao divulgar um vídeo pornô na conta que, na verdade, não é pessoal — é do presidente da República Federativa do Brasil.

A intolerável quebra do decoro resultou da longa fermentação dos rancores do presidente ao longo do fim de semana carnavalesco. Bolsonaro passou o feriado no Palácio da Alvorada, onde recebeu, de assessores, informes sobre as manifestações críticas — e xingamentos — que vários blocos país afora vinham fazendo contra seu governo. Decidiu revidar. Na terça-feira 5, depois de falar com auxiliares — e, por telefone, com o filho Carlos, desde sempre seu orientador nas redes sociais —, tuitou, às 9h19, o vídeo de uma marchinha defendendo restrições na Lei Rouanet, entre as quais o fim da renúncia fiscal para financiar o Carnaval. O cantor do vídeo, ao dedicar sua singela composição a Caetano Veloso e Daniela Mercury, diz aos artistas baianos: “chupa”. Em face do que viria adiante, o insulto aos dois músicos parece trivial. Pouco mais de duas horas depois, o presidente escreveu que “tão importante quanto a economia é o resgate de nossa cultura, que foi destruída após décadas de governos com viés socialista”. Àquela altura, Bolsonaro já recebera de amigos imagens que demonstrariam, segundo sua visão, a imoralidade que predomina no Carnaval. Na tarde do mesmo dia, chegou a seu WhatsApp o vídeo com a performance escatológica de São Paulo. O presidente hesitou em postá-¬lo. Mas um auxiliar em seguida repassou a Bolsonaro outro vídeo desaforado, embora sem atividades excretórias explícitas: em coro, foliões do bloco carioca Boi Tolo entoavam “Ei, Bolsonaro, vai tomar no …!”. Foi a gota d’água: Bolsonaro decidiu denunciar a indecência do Carnaval.

O filho não sabia de nada: Editorial / O Estado de S. Paulo

Após não atender a quatro convites para prestar depoimento – o que é um direito do investigado –, Fabrício Queiroz apresentou defesa técnica ao Ministério Público Estadual (MPE). O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentações financeiras “atípicas” nas contas do ex-funcionário do gabinete de Flávio Bolsonaro (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Para explicar o dinheiro movimentado em seu nome em 2016 e 2017, Queiroz alegou que recolhia os salários dos colegas e os distribuía a um número maior de assessores, para ampliar a rede de colaboradores do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.

O MPE suspeita que Queiroz recolheu o salário de outros funcionários do gabinete para si próprio ou para entregar a Flávio Bolsonaro, hoje senador pelo Estado do Rio de Janeiro. O ex-assessor negou peremptoriamente essa prática. “Fabrício Queiroz não praticou qualquer ilícito penal, uma vez que não houve desvio de finalidade dos recursos do gabinete do deputado”, disse a defesa. Ele fazia tão somente o “gerenciamento externo dos assessores” do gabinete.

A defesa de Fabrício Queiroz admitiu, portanto, um esquema informal que contraria a própria natureza do salário, que é remuneração personalíssima. Não é da competência de assessor remanejar destino de salário dos outros funcionários do gabinete.

Em nota, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro informou que, para atingir a finalidade alegada – ampliar a rede de colaboradores de um parlamentar –, existe desde 2011 um procedimento específico. Até janeiro, era possível destinar a verba referente a funcionários de gabinete a até 63 servidores, com a devida nomeação no Diário Oficial e o recebimento de benefícios trabalhistas. Atualmente, o desmembramento da verba pode ser feito a até 40 pessoas.

É grave o que a defesa de Queiroz afirmou: no gabinete de Flávio Bolsonaro, não se seguia o procedimento previsto pela Assembleia. Parte dos salários dos funcionários era distribuída a uma rede informal de colaboradores.

Linha de defesa: Editorial / Folha de S. Paulo

Generais atuam na tentativa de minimizar fala desastrada de Bolsonaro

Não se pode negar que, como candidato, Jair Bolsonaro (PSL) soube explorar com grande êxito o estilo informal e espontâneo, não raro grosseiro ou simplório, de sua retórica formatada no ambiente conflagrado das redes sociais.

Na Presidência da República, contudo, declarações infelizes ou disparatadas têm repercussões que vão muito além da complacência dos militantes virtuais. Demonstram, para um público mais amplo, o despreparo do mandatário —que por vezes aparenta preferir não ser levado tão a sério.

Bolsonaro iniciou uma sequência de manifestações desastradas ao divulgar um vídeo escatológico, na terça-feira (5), com o intuito de demonstrar que os blocos de Carnaval estariam se prestando a promover obscenidades. "Comentem e tirem suas conclusões", convidou, depois de publicar o famigerado registro de imagens.

A iniciativa, que, a esta altura, deve ser encarada como parte de uma estratégia de comunicação, provocou perplexidade e uma avalanche de críticas, inclusive de apoiadores.

Na manhã de quinta-feira (7), Bolsonaro teve a oportunidade de deixar os eflúvios carnavalescos para trás e discursar sobre temática cívica em evento com fuzileiros navais, no Rio de Janeiro. Não se saiu melhor, entretanto.

Após reforçar a ideia de que vai governar ao lado "daqueles que respeitam a família", disse que a democracia só existe se as Forças Armadas assim desejam.

Ainda que a declaração possa ser tomada como um tropeço de linguagem, não se evitaram interpretações menos benignas —caso de um apelo implícito à autoridade militar contra o dissenso político.

Ministro atingido pelo laranjal é um problema: Editorial / O Globo

Governo e PSL são afetados por denúncias de que titular do Turismo fez desvios

A descoberta, feita pela “Folha de S.Paulo”, de duas candidatas laranjas do PSL em Pernambuco, expôs mais um esquema de corrupção desenvolvido nos porões da política, para, a partir de uma lei com intenção meritória, surrupiar do Tesouro dinheiro do contribuinte. Pois foi com base na cota de 30% dos candidatos reservada a mulheres, para aumentar a diversidade de gênero na representatividade política, que se teve a ideia de lançar candidatas fajutas apenas para desviar dinheiro do Fundo Eleitoral. Criado, ironicamente, com a intenção de combater a corrupção eleitoral, enquanto se proibia, no Supremo, o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas, como se o caixa 2 não fosse uma das especialidades brasileiras.

O que parecia uma prática apenas do PSL foi revelado por sucessivas reportagens da imprensa profissional de que se tratava de um golpe multipartidário — assim como demonstrou a Lava-Jato. Mas o partido do presidente Jair Bolsonaro contribui para o escândalo com pelo menos um caso emblemático. Ele envolve o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, deputado reeleito pelo PSL mineiro, e presidente do diretório regional da legenda.

Marcelo Álvaro é denunciado pela candidata não eleita a deputada federal por Minas, pelo PSL, Adriana Moreira Borges, de ter proposto a ela, por meio do assessor Roberto Silva Soares, receber do fundo eleitoral do partido R$ 100 mil, desde que ficasse com apenas R$ 10 mil e devolvesse os R$ 90 mil restantes. Este estorno por baixo da mesa de dinheiro público é a falcatrua. Na versão mais cândida, seriam recursos a serem investidos em outras candidaturas mais promissoras, ou poderosas, dentro da legenda.

Fernando Pessoa: Não, não é cansaço...

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como... Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

Teresa Cristina - As Rosas não Falam (Cartola)

sexta-feira, 8 de março de 2019

Fernando Abrucio*: O Brasil precisa de um estadista

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O momento grave do país exige uma liderança presidencial muito especial, com qualidades maiores do que a de líderes populares ou partidários. No período mais recente, nunca a palavra estadista foi tão perfeita para uma situação histórica em que o presidente terá de orientar suas ações pelos interesses maiores do Estado brasileiro. Mas se Bolsonaro preferir se guiar por uma visão mais sectária, atuando apenas segundo a opinião de seus próximos e incentivando o clima de guerra contra os que não pensam exatamente como ele, o Brasil não sairá da crise.

Antes de entender que qualidades um estadista deveria ter agora, é preciso mostrar por quais razões um líder com tais predicados seria mais urgente neste momento. A resposta mais ampla é a confluência de várias crises no mesmo ponto da história, numa intensidade e combinação raras, uma verdadeira tempestade perfeita.

A primeira crise é a econômica. Ela não pode ser representada apenas pelo baixo crescimento e enorme desemprego. Por trás de tudo isso, há a necessidade de reformar grande parte do modelo econômico, dando maior solvência fiscal ao Estado, melhorando a competitividade da economia, fortalecendo os pilares da produtividade (principalmente em termos educacionais) e garantindo um mercado de trabalho que gere mais e melhores empregos.

Não será nada fácil, pois transformação de tal envergadura exigirá mudanças legislativas difíceis, como as reformas da Previdência e do sistema tributário, além de um processo intrincado de implementação - por exemplo, quem vai formular e executar as melhorias na educação necessárias para qualificar o capital humano?

Mas a crise econômica não pode ser descolada da dinâmica social brasileira. A característica mais marcante do país é a desigualdade e reformar o Estado sem levar em conta isso é mais do que uma falta de sensibilidade. É um passo para o precipício. A tarefa é árdua porque teremos de, a um só tempo, garantir a solvência do Estado sem piorar a vida dos mais pobres do país. Olhar apenas para um lado levará a dois fins trágicos: ou será o caminho para inviabilizar as políticas públicas porque não teremos dinheiro para tal, ou será a trilha para deslegitimar o governo frente à maior parcela da população.

Sendo mais direto: o Brasil não pode gastar com a Previdência o volume de recursos em relação PIB que gasta hoje, mas não pode deixar para atrás os desvalidos urbanos e rurais que não tiveram igualdade de oportunidades no ponto de partida, sobretudo do ponto de vista da educação, ou que tenham problemas de saúde graves. Há muita coisa para mudar no modelo previdenciário do setor público, no ajuste mais parcimonioso do país à sua demografia e nos generosos subsídios às empresas ou mesmo à classe média.

César Felício: Bolsonaro se traduz

-Valor Econômico

Miscelânea presidencial forma um conjunto

Paletó bem ajustado, nó da gravata no lugar certo, ladeado pelo ministro do GSI e pelo porta-voz, ambos generais de reserva, o presidente Jair Bolsonaro está trabalhando. Não há espaço em sua 'live' no Facebook para chinelos Ryder, pão com leite condensado e outras informalidades. O presidente está contido. No vídeo de 20 minutos, Bolsonaro promete que toda quinta-feira, às 18h30, será assim.

Ainda administrando os efeitos da divulgação que fez de um ato obsceno no Carnaval, o presidente sugere que a sua estratégia de comunicação ganhou um outro formato. A conferir se a 'live' no Facebook, concentrada em um dia da semana, irá frear a sua atuação no Twitter, ambiente onde vigora a lei da selva na internet.

A conferir também se o Facebook servirá de antídoto para danos colaterais da palavra do próprio presidente. Bolsonaro discursou para militares no Rio de Janeiro, pela manhã, e de tarde estava na rede para dizer que foi mal compreendido, "para variar". A comunicação presidencial adotou uma linha: o presidente solta algo insólito, seja uma concessão na reforma da Previdência ou um elogio a um ditador paraguaio de má fama e em seguida busca ser seu próprio tradutor.

Na aparência, a moderna versão da "Conversa ao Pé do Rádio" é um minestrone, um siri catado, onde pode entrar de tudo. Bolsonaro acena para o mercado, em uma rara intervenção a favor da votação da reforma "que está aí, se bem que o Parlamento é soberano para fazer qualquer possível alteração, só esperamos que ela não seja muito desidratada".

Para o resto, a "boa notícia" é o fim da lombada eletrônica e o aumento da validade da carteira de motorista. O presidente aconselhou até a aprovados em um concurso do Banco do Brasil a entrarem na justiça contra duas exigências do edital, o de cursos de diversidade e de prevenção ao assédio moral e sexual.

Também sugeriu aos pais de menores de 9 a 16 anos que rasguem as últimas páginas das cadernetas de vacinação distribuídas durante a era Dilma. Ele não deixa claro, mas provavelmente se referia ao conteúdo que vai da página 31 até a 44 da cartilha, que trata de assuntos como desenvolvimento da genitália na puberdade e uso de preservativos.

A miscelânea, na aparência caótica, forma um conjunto. Eis aí um presidente atento a tudo, a cada detalhe do cotidiano, que propõe como contraponto ao remédio amargo da economia a diminuição da presença do Estado na mediação de relações sociais, seja no trânsito, no ambiente de trabalho ou na educação dos filhos.

José de Souza Martins*: Os movimentos corporais de nosso governo

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Para compreender sociologicamente a mentalidade dos que ocupam funções de poder, um meio é observar como caminham e o modo como lidam com o próprio corpo nas situações rituais do exercício do mando. Muitas pessoas poderosas revelam o que são e suas limitações nos eloquentes desencontros entre a função política que ocupam e o corpo que carregam para dentro do poder. Os desencontros ficam evidentes no modo de andar impróprio, no tom de voz elevado.

Não é raro que os fora de lugar ensaiem suas performances antes de saírem à boca da cena dos episódios de teatralidade a que a circunstância os obriga. Um ensaio fotográfico da época mostra que Hitler fazia isso para aparentar em público o oposto do homem abúlico e insípido que Goebbels descreve em seu diário.

Getúlio Vargas interagia com a multidão, calculando-lhe a reação provável e dando à voz a teatralidade do poder. Um documentário mostra Luiz Inácio, nos bastidores do palco da Vila Euclides, em São Bernardo, avaliando a multidão, calculando a postura para o discurso que faria.

A linguagem política não se resume à fala nem se expressa, necessariamente, nos discursos oficiais. É insuficiente que o analista se limite ao que o político diz. O documento dos fatos políticos está muito presente nos gestos, nas relutâncias, naquilo que não é dito, mas está sendo evidenciado. Está nos indícios da mentalidade do político que se expressa em seu corpo mudo.

Pequenos detalhes podem falar muito mais do que extensos e elaborados discursos. Além do que, toda a biografia da pessoa, desde o nascimento, deixa suas marcas profundas não só na personalidade, mas também em seus modos: de caminhar, de sentar, de mastigar, de falar, na competência ou não para representar apropriadamente a pessoa que personifica em cada circunstância.

Desde o dia da posse, a rigidez militar da postura do novo presidente em atos públicos e oficiais indica a socialização formal própria da vida de quartel, a sociabilidade limitada às regras da ordem unida, da voz de comando, da disciplina de comandado. Seu corpo não está à vontade na pessoa presidencial, seu corpo ainda não assumiu a Presidência.

Hélio Schwartsman: A escatologia da moral

- Folha de S. Paulo

Várias zaragatas serviriam para basear o impeachment, mas, se entregar crescimento, Bolsonaro provavelmente concluirá o mandato

A cada dia que passa, Jair Bolsonaro vai mostrando mais despudoradamente que não foi forjado para o cargo. Ele não tem noção de institucionalidade, de prioridades e falta-lhe até a inteligência necessária para exercer a Presidência da República sem sobressaltos desnecessários. Parecem-me precipitados, porém, os apelos por seu impeachment.

Nas últimas duas semanas, Bolsonaro criou, “ex nihilo”, duas situações em que não tinha absolutamente nada a ganhar e muito a perder. Falo da ideia, lançada gratuitamente pelo próprio presidente, de reduzir de 62 anos para 60 a idade mínima das mulheres na reforma da Previdência e do episódio envolvendo o já mundialmente famoso vídeo escatológico.

Este último exemplo é particularmente interessante porque viola a própria lógica conservadora que Bolsonaro diz defender. Se a turma da moral e dos bons costumes crê que o fato de um sujeito urinar sobre o outro ameaça a família brasileira porque dá ideias erradas a jovens inocentes, então a última coisa que um conservador deseja é divulgar de forma ampla esse tipo de interação. Mas foi exatamente isso que Bolsonaro fez ao pôr o vídeo em seu twitter.

Seja como for, os que já se puseram a citar os dispositivos da lei nº 1.079 que Bolsonaro pode ter violado não entenderam bem a natureza híbrida do impeachment, que requer pretextos jurídicos, mas só ocorre em contextos de grave deterioração político-econômica. E ainda não chegamos lá, embora o presidente às vezes dê a impressão de que trabalha para isso.

Bruno Boghossian: Bolsonaro tocou a corneta

- Folha de S. Paulo

Presidente quis beber na fonte de poder dos militares, mas se afoga ao rebaixar democracia

Jair Bolsonaro enfileirou fuzileiros navais no centro do Rio, agradeceu a Deus por estar vivo e disse que assumiu a Presidência para cumprir uma missão. Apelou ao patriotismo e à ideologia conservadora, e terminou o discurso afirmando que “democracia e liberdade só existem quando as suas respectivas Forças Armadas assim o querem”.

O presidente quis beber na fonte de poder representada por seus laços com os militares, mas se afogou. A deferência exagerada aos homens de farda indicou uma submissão da democracia aos desejos da instituição.

Os generais do governo foram obrigados a sair a público para tentar amenizar o absurdo.

Bolsonaro tocou uma corneta para reorganizar sua tropa. O presidente fez um esforço para convencer as Forças Armadas de que —apesar dos tropeços políticos, laranjas e escatologias sem sentido— seus propósitos ainda são parecidos.

No evento desta quinta (7), Bolsonaro disse que a tal missão imposta a ele seria cumprida com aqueles que amam a pátria e respeitam a família, e alinhou os militares à tarefa.

A batalha de costumes contra a esquerda foi um fator de aglutinação entre Bolsonaro e as Forças Armadas em determinado momento da campanha eleitoral. Alguns generais que torciam o nariz para o então candidato enxergaram nele a única alternativa para derrotar o PT e defender valores conservadores.

Ricardo Balthazar: Bolsonaro reforça compromisso com militares em hora difícil

- Folha de S. Paulo

Alvo de críticas em início de governo tumultuado, presidente reacende controvérsia sobre Forças Armadas

Esta não foi a primeira vez que Jair Bolsonaro procurou valorizar as Forças Armadas como um dos pilares da democracia no Brasil, mas foi a primeira desde que se tornaram evidentes os sinais de desconforto entre os militares com o tumulto dos seus primeiros meses no poder.

As declarações do presidente, durante cerimônia do Corpo de Fuzileiros Navais, causaram controvérsia por causa das três palavras que ele escolheu para encerrar uma frase. "Isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer", afirmou Bolsonaro.

Dito assim, foi como se ele sugerisse que a continuidade do regime democrático no país dependesse da tutela dos militares, e não da vontade popular ou do funcionamento das instituições cujo papel é definido pela Constituição.

No fim do dia, numa tentativa de esclarecer o significado da declaração durante pronunciamento ao vivo nas redes sociais, o presidente disse que os brasileiros devem a democracia e a liberdade às Forças Armadas e acrescentou que elas "sempre estiveram ao lado" desses dois valores.

Bolsonaro apareceu na internet ladeado por dois militares, o general Otávio Santana do Rêgo Barros, seu porta-voz, e o ministro que chefia o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que é general da reserva.

Ambos tiveram a chance de falar durante o pronunciamento do chefe. Heleno afirmou que os críticos do governo distorceram as declarações do presidente, como se ele tivesse caracterizado a democracia como "um presente dos militares para os civis". Mas era exatamente o que Bolsonaro tinha feito segundos antes, à sua direita, ao dizer que o Brasil deve sua democracia e sua liberdade aos militares.

Heleno lembrou então que a Constituição inclui entre as atribuições das Forças Armadas a manutenção da lei e da ordem interna, disse que elas são um "fator fundamental" em qualquer regime político e citou Cuba e Venezuela como exemplos de países em que ditadores sobreviveram por contar com apoio militar.

Reinaldo Azevedo: Entre Bolsonaro e a democracia, creiam: militares escolheriam a democracia

- Blog Reinaldo Azevedo

"É isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer". brocado autoritário que vai acima é da lavra de Jair Bolsonaro, presidente da República, durante cerimônia no 211º aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais, na Fortaleza de São José da Ilha de Cobras, no centro do Rio.

Não adianta. Ele não entende a democracia. Ponto final. Imaginem o que teria acontecido se, na Presidência da República, Lula tivesse dito em algum momento: "Democracia e liberdade só existem quando os trabalhadores querem". Como sua origem era o meio sindical, a leitura óbvia e necessária teria sido uma só: se o PT decidir, põe fim à democracia. Mas Lula não disse isso, certo? Nem por isso, é verdade, o PT deixou de aparelhar o Estado. E foi combatido — inclusive por este escriba.

Não há como dourar a pílula. Bolsonaro quis dizer o que disse e disse o que quis dizer, o que implica uma agressão múltipla à Constituição Federal. Fere o Parágrafo Único do Artigo 1º:

"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Observem que não está escrito lá que todo o poder emana das "Forças Armadas".

Há um outro artigo que as implica diretamente com a questão democrática. É o 142:

"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

Como se nota, elas são garantias dos poderes constitucionais, não forças de tutela. Para que intervenham, inclusive, na garantia da lei e da ordem internas, é preciso que contem com a concordância dos demais Poderes. Que são civis.

O general Hamilton Mourão, vice-presidente também eleito, tentou dourar a pílula, assegurando que a fala foi mal interpretada. E empregou a Venezuela como exemplo. Como, naquele país, as Forças Armadas ainda garantem o apoio a Nicolás Maduro, então vige uma ditadura.

O general é inteligente o bastante para saber que sua frase pode ser desconstruída sem muito esforço. Então ficamos assim, senhor vice-presidente: a democracia existe por vontade do povo; as ditaduras, por vontade dos militares. O que lhes parece? Há uma diferença que distingue a civilização da barbárie entre estas duas frases de sentidos semelhantes apenas na aparência:

1: Nas democracias, as Forças Armadas garantem os Poderes Constituídos;
2: só existem democracia e Poderes Constituídos se as Forças Armadas quiserem.

Na primeira, elas se subordinam à ordem democrática; na segunda, elas a tutelam. Os países que vivem a circunstância nº 1 são democracias; os que experimentam a nº 2 são ditaduras.

Contexto
O contexto da fala de Bolsonaro também é elucidativo. Ele não fala como chefe de Estado, como chefe de uma milícia política. Ainda fazendo referência ao vídeo pornô que espalhou Brasil afora, afirmou:

"A missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia."

E aí veio o complemento:

"E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer".

Como se nota, Bolsonaro se dá o direito de determinar o que sejam amor à pátria, respeito à família e amor à democracia. Quanto aos países "que têm ideologia semelhante à nossa", devemos ficar no aguardo: assim que este gênio da raça definir a nossa "ideologia oficial", vamos ver de quais ele pretende se aproximar e se distanciar. Penso aqui em alguns compradores dos nossos produtos e que compõem mais da metade do nosso superávit comercial: China, países árabes e Irã. O Brasil deve repudiá-los, no cenário internacional, em razão das diferenças?

Eliane Cantanhêde: ‘Brazil first’

- O Estado de S.Paulo

No Itamaraty, ideia é ‘desligar o botão automático’ e rever tradição e multilateralismo

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro distrai o digníssimo público com uma barbaridade por dia, o mercado só quer saber da reforma da Previdência e o mundo, os investidores, os exportadores e os importadores perguntam qual é a política externa brasileira. Aliás, se há uma. Se há, pode ser resumida assim: “Brazil first”.

É, obviamente, um plágio do slogan de Donald Trump nos Estados Unidos: “America first”. A questão, levantada por ex-presidentes, ex-chanceleres e diplomatas da ativa é se é “Brazil first” ou se vai acabar sendo “Brazil after America”.

Além de causar perplexidade de novo ontem, ao dizer que “liberdade e democracia só existem quando as Forças Armadas assim o querem”, Bolsonaro enumerou os seus aliados no governo e incluiu aí “aqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa (Brasil)”.

Mais do que uma manifestação de ojeriza a Cuba e Venezuela, foi uma referência à aliança com os EUA e com Trump, pedra fundamental da política externa da “nova era”. Há consenso quanto a aprofundar as relações com a maior potência mundial, tradicional parceira brasileira.

A dúvida é sobre a calibragem. Alinhamento automático? Brasil caudatário dos EUA?

Tudo isso vai ficar mais claro no encontro de Bolsonaro com Trump, dia 19. Além da gorda pauta bilateral de negócios, cooperação e facilitação de trânsito de pessoas e produtos, os dois terão muito a conversar sobre temas globais e regionais e interesses estratégicos de EUA e Brasil, como Venezuela e China.

Fernando Gabeira*: Venezuela inspira cuidados

- O Estado de S.Paulo

Articular a pressão interna e externa parece-me no momento a melhor saída

Fui quatro vezes à fronteira com a Venezuela. A última jornada, entrega de caminhões com comida e remédio, acompanhei de longe. A sensação que tenho é de que algumas pessoas superestimaram a possibilidade da queda imediata de Maduro. Esperam um nocaute numa luta que só poderia ser ganha por pontos. E de certa forma a luta foi ganha. A violência contra os manifestantes e o incêndio dos caminhões contribuíram para isolar um pouco mais o ditador bolivariano.

Numa luta ganha por pontos, o vencedor também sofre alguns golpes. O grupo de países que apoiou Juan Guaidó utilizou um grande símbolo, que é a ajuda humanitária, mas parece ter-se esquecido de que outras crises surgem constantemente no mundo. E um dos princípios da ajuda humanitária é exatamente não usá-la para proselitismo político.

Se entendi bem os informes acerca da reunião sobre a Venezuela na Colômbia, havia uma divergência latente entre a posição brasileira e a norte-americana. Creio que essa divergência pode ser encontrada numa frase que os americanos usam com frequência: todas as opções para derrubar Maduro estão sobre a mesa. A julgar pelo general Hamilton Mourão, que representou o Brasil, há pelo menos uma opção que não nos interessa: a intervenção militar.

Há muitas razões para o Brasil descartar essa hipótese. Uma delas é o fato de termos uma fronteira comum e uma série de questões que precisam ser resolvidas bilateralmente. Um clima de guerra poderia atrair milhares de novos refugiados. Apesar do indiscutível poderio militar dos EUA e das forças bem equipadas da Colômbia, a vitória rápida na Venezuela não é tão previsível.

Bernardo Mello Franco: Democracia não é favor dos militares

- O Globo

Bolsonaro disse que a democracia só existe quando as Forças Armadas querem. A frase revela que ele não compreendeu a Constituição e o papel que ela reserva aos militares

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que “democracia e liberdade só existem quando a sua respectiva Força Armada assim o quer”.

A frase revela uma incompreensão do papel dos militares e da Constituição, que ele prometeu cumprir ao tomar posse.

A democracia não é um favor que os militares prestam aos civis. A palavra vem do grego demokratia, a união de demos (povo) e kratia (poder).

Se tiver dúvidas, o presidente pode consultar o artigo 1º da Constituição. Diz o parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

Isso significa que o poder só é legítimo se tiver como origem a vontade popular, expressa pelo voto.

Os integrantes das três Forças participam do processo quando vão às urnas. O voto de um militar não vale mais nem menos do que o voto de um civil.

Míriam Leitão: A mulher alvo da violência

- O Globo

A mulher tem sido alvo de violência dentro das casas e nas ruas e para mudar isso é fundamental que as escolas façam o debate de gênero

Marielle foi vítima de um feminicídio político. Assim define sua ex-assessora, amiga, e hoje deputada estadual pelo Rio Renata Souza. Um ano depois, a polícia não trouxe a resposta esperada, e a Mangueira deu a resposta pública. Neste Dia Internacional da Mulher, é hora de falar delas, tantas, mortas ou agredidas. Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que por hora 536 mulheres foram vítimas de violência entre fevereiro do ano passado e fevereiro deste ano. Ao todo, 4,7 milhões de mulheres.

— A gente está falando de socos, batidas, tapas, chutes. E tem uma informação da pesquisa — feita pelo Fórum com o Datafolha — que mostra que quanto maior a escolaridade mais ela demonstra ter sido vítima de agressão. Não dá para acreditar que a mulher do ensino fundamental sofra menos violência do que a mulher escolarizada. Essa diferença tem a ver com o reconhecimento de que isso é um crime. As novas gerações, mulheres mais jovens e escolarizadas, estão mais empoderadas e denunciam — diz Samira Bueno.

Renata Souza preside a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Essa Comissão tem a característica, desde que era presidida por Marcelo Freixo, e coordenada pela própria Marielle, de dar também atendimento ao público. A deputada Renata vai manter essa prerrogativa.

— Vamos dar atendimento às mulheres, encaminhá-las à Defensoria Pública. Além disso, vamos instalar nas próximas semanas uma CPI da violência obstétrica. Tem havido muitas mortes de nascituros. Vamos investigar. Sou também da CPI do Feminicídio, presidida pela deputada Marta Rocha. Vamos trabalhar para superar esse nível de feminicídio que está acontecendo em nosso país —promete a deputada.

Flávia Oliveira: Na luta, a gente se encontra

- O Globo

Desfiles na Sapucaí ampliam visibilidade, escancaram polêmicas

Ao longo de pelo menos quatro décadas de olhar atento aos desfiles, aprendi com o carnaval muitas histórias — contadas ou não — nos livros escolares. Nenhuma delas se relacionou com o vídeo chulo compartilhado por um presidente da República que ainda não aprendeu a liturgia do cargo, e a quem é altamente recomendável a leitura de um código de conduta ou, melhor ainda, um detox das redes sociais. Jair Bolsonaro se elegeu com agenda tão ambiciosa quanto desafiadora. Prometeu dedicar os dias de folia a montar a estratégia de adesão de congressistas e da sociedade à reforma da Previdência elaborada pela equipe econômica. Em vez disso, tuitou conteúdo impróprio e depreciativo à pedagogia da mais importante festa nacional.

O que o carnaval ensina não é pouco nem recente. Décadas antes de Leandro Vieira, o artista catapultado a protagonista do espetáculo das escolas de samba, ter a ideia que levou à maiúscula vitória da Mangueira este ano, os desfiles já presenteavam o grande público com episódios soterrados pela História oficial. Em 1960, Fernando Pamplona, forjado na Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ), inaugurou com “Zumbi dos Palmares” no Salgueiro a série de enredos afro que transformariam para sempre a folia. Joãosinho Trinta, outro gênio, reverenciou personalidades negras — de Ganga Zumba a Grande Otelo e Pelé, de Clementina de Jesus a Pinah — em “A grande constelação das estrelas negras” (Beija-Flor, 1983). A Vila Isabel, que neste 2019 deu vivas à princesa de quem tomou emprestado o nome, 31 anos atrás foi campeã com “Kizomba”, enredo de valorização das origens africanas no centenário da Lei Áurea. No mesmo 1988, a Mangueira conseguiu o vice com desfile crítico à Abolição, que não livrou os negros da exclusão social.