sábado, 13 de julho de 2019

Almir Pazzianotto Pinto: Os militares na política

- O Estado de S.Paulo

A campanha de 2022 está nas ruas. Bolsonaro lutará para não entregar o poder ao adversário

“Em política o absurdo não é obstáculo”
Napoleão Bonaparte

O meu primeiro contato com a história militar do Brasil foi aos 15 anos, quando meu pai, Ulysses, me comprou A Retirada da Laguna – Episódio da Guerra do Paraguai, de Alfredo D’Escragnolle Taunay, visconde de Taunay, oficial superior do Exército Brasileiro, senador do Império, membro da Academia Brasileira de Letras (1843-1889).

O exemplar pertence à 12.ª edição, sem data, publicada pela Cia. Melhoramentos. É mais completo do que a edição da Companhia das Letras comercializada em 1997 – faltam-lhe a fotografia do coronel Carlos de Morais Camisão e dos subcomandantes, o mapa do trajeto da expedição, desenhos de marchas e combates, documentos do Exército sobre a campanha, a reprodução do retrato a óleo do visconde de Taunay, do pintor Luiz Augusto Moreaux.

A epopeia da Laguna ocupa lugar destacado entre os grandes feitos militares brasileiros. O livro, como escreveu Taunay no prólogo da primeira edição, narra “a série de provações que a expedição brasileira, em operação ao sul da província do Mato Grosso, suportou a partir da fazenda Laguna, a três léguas e meia do rio Apa, fronteira do Paraguai até o rio Aquidauana, em território brasileiro, percorrendo ao todo 39 léguas em 35 dias de dolorosa memória”. Légua é antiga medida de distância, correspondente, no Brasil, a 6.600 metros.

Na 2.ª Guerra Mundial (1939-1945), revidando as agressões alemãs, o Brasil enviou uma divisão da Infantaria à Itália, sob o comando do general Mascarenhas de Moraes, para lutar ao lado das forças norte-americanas. Extensa literatura relata como durante um ano, sob condições adversas, oficiais e soldados do Exército e integrantes da Força Aérea Brasileira superaram os limites extremos da coragem e do sacrifício, na defesa da liberdade e contra a opressão nazi-fascista.

Encerrada a guerra, o regime democrático foi restabelecido com a deposição de Getúlio Vargas e a promulgação da Constituição de 18/9/1946. Vigorou por 18 anos. Foi abatido com a derrubada de João Goulart, em 31/3/1964, seguida pela edição do Ato Institucional de 10/4/1964, baixado pelo Comando Supremo da Revolução, representado pelos comandantes-chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Tinha início, como previra João Goulart ao ministro do Trabalho, João Pinheiro Neto, sombrio período autoritário de 20 anos, entremeados por breves momentos de abertura. O regime caracterizava-se pela ausência de segurança provocada pela edição de atos institucionais, atos complementares e decretos-leis, alguns ainda em vigor, acolhidos pela Constituição de 1988.

João Domingos: O senhor embaixador

- O Estado de S.Paulo

Um presidente poderia ser apenas um presidente. Ele tem uma Nação inteira para cuidar

O título acima tomei emprestado a Érico Veríssimo. Na obra O senhor embaixador, o escritor gaúcho foca sua história no ambiente diplomático durante a Guerra Fria. A ação se passa em Washington e em Sacramento, uma República fictícia localizada na América Central.

Ao longo da obra fala-se de ditadura, corrupção, desigualdade social, instabilidade política, pressão do mais forte sobre o mais fraco, revolução messiânica, luta ideológica, amizade, até onde vai esse sentimento tão humano e tão universal.

Amizade com os filhos de Donald Trump foi uma das justificativas de Jair Bolsonaro para defender a indicação de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro(PSL-SP), para a embaixada do Brasil em Washington, durante transmissão anteontem, pelo Facebook, nas já tradicionais lives do presidente. Outros atributos do filho que justificariam sua ida para Washington foram, nas palavras do próprio presidente, o fato de Eduardo falar inglês e espanhol e há muito tempo rodar o mundo todo.

Eduardo Bolsonaro está em seu segundo mandato de deputado federal. Em 2018, foi eleito com a maior votação da história. Acabou de fazer 35 anos. É possível que tenha uma carreira política promissora pela frente. Se vier a entrar para o mundo da diplomacia, para o qual já demonstrou gosto, nada impede que chegue a ser um novo Barão do Rio Branco. Mas a forma como está sendo empurrado pelo pai para se tornar embaixador não pode ser festejada. É polêmica e inoportuna.

Adriana Fernandes: A ‘vacina’ da reforma garante mais R$ 220 bi

- O Estado de S.Paulo

Projeção indica que há muito ralo para se fechar nos gastos previdenciários

A equipe do secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, tem em mãos dados que projetam uma redução de despesas de R$ 220 bilhões em dez anos nos pagamentos de benefícios com a MP 871 de combate a fraudes previdenciárias, que virou lei no mês passado.

O cálculo – ainda não divulgado oficialmente – é surpreendente e se soma à economia nas despesas esperada com a PEC da reforma da Previdência, que foi desidratada pelos deputados na votação do plenário.

Até agora, o governo projetava uma economia de R$ 9,8 bilhões no primeiro ano de funcionamento do pente-fino nos benefícios previdenciários. Mas a chamada “curva de aprendizado” apontada pelos técnicos indica que, já no segundo ano de implementação das medidas, a queda dos gastos tem potencial para subir para R$ 20 bilhões.

É evidente que o governo não fez alarde com os dados para não dar espaço na votação da PEC – que só termina depois do recesso parlamentar com a votação em segundo turno no Senado – a uma desidratação maior da economia.

Se a economia cair para um patamar de R$ 800 bilhões, o que não está nas contas do governo até o momento, ainda assim o número mágico de R$ 1 trilhão do ministro Paulo Guedes seria atingido com o resultado da MP Antifraude.

*Demétrio Magnoli: Derrota no terceiro turno

- Folha de S. Paulo

A pesada âncora do lulismo prende a esquerda às areias do passado

O terceiro turno das eleições presidenciais foi disputado na Câmara, na votação da reforma previdenciária. O placar avassalador, 379 a 131, não assinalou um triunfo de Bolsonaro, mas da articulação parlamentar liderada por Rodrigo Maia (DEM-RJ), pelo relator, Samuel Moreira(PSDB-SP), e pelo presidente da comissão especial, Marcelo Ramos (PL-AM). A esquerda —PT, PDT, PSB e PSOL— sofreu, mais que um insucesso parlamentar, uma derrota política de proporções históricas. Essencialmente, ela colocou-se fora do jogo político, encarcerando-se voluntariamente na cela de Lula.

As ruas vazias, o plácido entorno do Congresso, a transição da opinião popular rumo ao apoio à reforma —a catástrofe da esquerda pode ser sintetizada num caleidoscópio de imagens icônicas. É a conclusão de uma trajetória pautada pela incompreensão da democracia. O passo inicial foi a denúncia do “golpe do impeachment”; o seguinte, a campanha do “Lula livre!”; o derradeiro, a recusa do debate sobre a Previdência, que é parte de uma rejeição mais geral a revisitar as políticas populistas conduzidas por Lula e Dilma desde 2007.

O fracasso tem donos. Haddad nunca chegou nem perto do lugar de reformador do PT, atribuído a ele por tantos intelectuais esperançosos, preferindo o posto de gestor público da massa falida do lulismo. Boulos e Freixo reconduziram o PSOL à irrelevante condição de linha auxiliar do PT. Ciro Gomes e os dirigentes do PDT e do PSB perderam a oportunidade de fundar um polo oposicionista pragmático, capaz de aperfeiçoar o projeto da nova Previdência. A cela de Lula está repleta de prisioneiros virtuais de um Brasil corporativo que faliu anos atrás.

Julianna Sofia: Movimento silencioso

- Folha de S. Paulo

Por que o Congresso não altera as regras trabalhistas às claras?

O governo de Jair Bolsonaro prometeu abrir o caixa do Tesouro aos congressistas a favor da reforma da Previdência. Uma bolada de R$ 5 bilhões em emendas parlamentares assegurada pelo Palácio do Planalto para programas e obras no curral eleitoral do agrupamento de partidos conhecido como centrão. Um dinheiro que não há.

Para honrar as juras, será preciso cortar outros gastos. Embora as emendas dos deputados sejam impositivas, com a penúria das contas públicas, é no manejo orçamentário mensal que vai se acomodando receitas e despesas. E agora faltará mais do que se imaginava.

O Ministério da Economia será obrigado a anunciar nos próximos dias um novo corte no Orçamento do ano, pois a economia gira muito abaixo do esperado —a previsão de incremento da atividade foi revista de 1,6% para 0,81%. Isso representa menos arrecadação. Em 2019, já foram bloqueados R$ 30 bilhões, e a máquina administrativa pode parar.

Aos probos que trocam votos por emendas, pouco importa. Também reivindicam cargos. Para votar a Previdência na Câmara, lograram destravar mais de 300 indicações para prepostos em repartições federais. Emprego fácil e bem remunerado para afilhados do clientelismo.

Em meio à farra na corte, movimentos tectônicos silenciosos. A medida provisória do liberalismo econômico foi aprovada em comissão, que alterou de supetão 36 artigos da desgastada CLT. Uma minirreforma trabalhista, que carece de debate.

Marcus Pestana: O fim do ciclo político da Nova República e do presidencialismo de coalizão

- O Tempo (MG)

Antes de recolher os votos na aprovação do corpo principal da Reforma da Previdência, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em discurso denso e emocionado, fez uma enfática defesa da democracia e das instituições brasileiras. Disse ele: “Não haverá investimento privado sem democracia forte. Investidor de longo prazo não investe em país que ataca as instituições”. Era uma clara referência aos violentos ataques ao Congresso Nacional e ao poder judiciário, particularmente ao STF, nas manifestações dos setores mais radicais do bolsonarismo-olavismo, que advogam um populismo autoritário.

Diante do vácuo gerado pela indefinição do novo modelo de relacionamento entre os poderes republicanos e das fragilidades da articulação política do Palácio do Planalto, o Congresso Nacional optou por desenvolver uma agenda própria, liderando as transformações necessárias para a superação da presente crise. No mesmo discurso, o deputado Rodrigo Maia reafirmou o protagonismo do Congresso e sinalizou os próximos passos: Reforma Tributária e reorganização do serviço público.

Há trinta anos, o cientista político Sergio Abranches cunhou o termo “presidencialismo de coalizão” que ficou famoso para descrever a conjugação do nosso sistema eleitoral proporcional de lista aberta, o multipartidarismo e a escolha de mandatários do poder executivo sem vinculação às eleições legislativas. Foi o que vigorou no país de 1985 a 2018. 

O ciclo político da Nova República, inaugurada sob a liderança e Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, teve seu fim decretado com a eleição disruptiva de 2018. O sistema político tradicional que sustentou o presidencialismo de coalizão foi derrotado em função da deterioração de seu funcionamento pela exacerbação do patrimonialismo, do clientelismo, da corrupção e de sua disfuncionalidade. Isto não apaga as expressivas vitórias econômicas, sociais e políticas. Mas já há consenso que o presidencialismo de coalizão morreu junto com a “velha política”, embora ninguém se arrisque a dizer o que o substituirá. É uma obra em construção.

Será um “parlamentarismo” disfarçado? Será um caminho permanente de conflitos e impasses entre os poderes? Como enfrentar as mudanças necessárias sem uma maioria parlamentar sólida? Ninguém ousa ainda arriscar. Algo novo nascerá.

*Monica de Bolle: Dilema moral

- Revista Época

Como se separa a reforma da Previdência das gravíssimas investidas deste governo contra a imprensa, contra o Congresso, contra as instituições de nossa democracia?

O que fazer quando um governo parece estar conduzindo bem a economia ou tratando de fazer algumas reformas importantes ou mantendo o crescimento econômico em ritmo saudável enquanto ataca instituições democráticas, ou direitos humanos fundamentais, ou ambos? Tenta-se separar a política econômica do resto, implicitamente indicando que o resto é menos importante do que a economia? Tenta-se manter o silêncio sobre a política econômica enquanto se apontam os perigos de atacar a democracia, os direitos humanos? Tenta-se reconhecer os esforços na área econômica e apontar os demais perigos ao mesmo tempo, correndo-se o risco de colocar economia e defesa de valores fundamentais no mesmo patamar? Não sei ao certo responder a nenhuma dessas perguntas. Ou melhor, sei que separar a economia do resto é não apenas impossível, mas intelectualmente desonesto, já que a economia opera dentro das fronteiras políticas e geográficas do país cujo governo pode estar violando valores fundamentais.

Na Hungria, o governo autoritário de Viktor Orbán tem tido estrondoso sucesso econômico. Desde sua ascensão ao poder, ficaram para trás os problemas fiscais que ameaçavam o país, retomaram-se os investimentos e o crescimento econômico. A Hungria foi, por muito tempo, uma das maiores decepções entre os países que transitaram dos regimes centralizados para as economias de mercado ao longo dos anos 90. Desde a chegada de Orbán, o quadro se inverteu e o país passou a ter um dos melhores desempenhos da região. Enquanto colocava a economia para funcionar, Orbán censurava a imprensa, perseguia inimigos políticos e transformava a democracia de seu país em caricatura.

Aqui nos Estados Unidos, a economia continua a crescer com desemprego em baixa a despeito das guerras comerciais de Trump e de suas investidas contra o Fed, o Banco Central americano. É bastante provável que a economia forte seja um de seus grandes trunfos nas eleições do ano que vem. Contudo, sua política migratória está há tempos enjaulando crianças na fronteira com o México, em condições absolutamente desumanas. Há bebês presos sem receber os cuidados de adultos, mas sim de crianças um pouco mais velhas, elas próprias desnutridas e sem qualquer acesso a higiene básica. Segundo relatos de membros do Congresso, de pediatras e de jornalistas que visitaram centros de detenção de Trump, há crianças doentes sem tratamento, crianças com problemas psicológicos devido ao encarceramento e à separação de seus pais, crianças amontoadas em celas em que não há leitos suficientes, em que as luzes ficam acesas a noite toda. Como se separa a economia disso?

Merval Pereira: Os escombros da oposição

- O Globo

Ideia de desidratar a reforma da Previdência com destaques foi alardeada por lideranças da oposição

Quando, no início do debate sobre a reforma da Previdência, o deputado Paulinho da Força, líder do Solidariedade, disse que os deputados aprovariam uma reforma que não ajudasse o presidente Bolsonaro a se reeleger, estava fazendo um sincericídio ao mesmo tempo revelador e incoerente.

Revelador da velha política de raiz, que só pensa nos seus interesses pessoais. Incoerente porque, se aprovar a reforma daria a Bolsonaro condições de se reeleger, é que ele a considerava boa para seus representados, os trabalhadores.

Líder sindical que disputa com a CUT o campo do trabalhismo, Paulinho da Força se caracteriza por uma atuação oportunista, e parece ter perdido o freio, não distingue mais o que só deve pensar, e não dizer.

No decorrer do processo de negociação da reforma da Previdência, descobriu-se que o pensamento de Paulinho refletia talvez o pensamento médio do plenário da Câmara, e se não fosse o trabalho de Rodrigo Maia, inclusive junto ao próprio Paulinho, a votação teria sido mais difícil.

Mas outro fator ajudou a desvanecer esse sentimento, o avanço da compreensão da população de que a reforma é urgente, diante do descalabro de nossas contas públicas. O que parecia apenas uma ameaça retórica transformou-se em uma realidade próxima. A continuar assim, não haverá dinheiro para pagar as aposentadorias.

Míriam Leitão: A desigualdade e as mulheres

- O Globo

Se a ideia é a de que a Previdência compense as mulheres pela dupla jornada, o que se fez é legitimar a dupla jornada

Num país com enormes desigualdades, os benefícios para todos sempre criam mais desigualdades. Se o país decide que todas as mulheres terão idade mais baixa do que os homens para se aposentar, isso beneficia mais as mulheres que têm mais renda. Quando são usados argumentos paternalistas para defender as mulheres, o que está acontecendo é o mesmo machismo de sempre. Se a ideia é a de que a Previdência compense as mulheres pela dupla jornada, o que estamos fazendo é legitimando a dupla jornada.

Só pode haver um objetivo em relação às mulheres: combater desigualdades e isso não se faz compensando-as com dinheiro público como se todas as mulheres fossem iguais entre si. Políticas compensatórias só são aceitáveis quando são para reduzir desigualdades de renda ou de classe social. Elas são boas quando focadas nos mais pobres.

Uma empregada doméstica trabalhará até os 62 anos para se aposentar. Uma policial federal até os 52. Uma empregada que trabalhe na casa de uma policial vai trabalhar dez anos mais do que a patroa. Se for um casal de policiais, ela vai trabalhar nove anos a mais do que o patrão. Houve na reforma a introdução desse tipo de injustiças e incluídas por pressão do presidente, com o apoio da esquerda.

As mulheres não são iguais, porque o país é muito desigual. Elas enfrentam problemas comuns na discriminação, mas de intensidade bem diferente. O desemprego é maior entre as mulheres, como também entre os negros. A mulher negra tem a maior taxa de desemprego. O que se deve é combater a discriminação e o preconceito no mercado de trabalho, a misoginia na sociedade, a violência contra a mulher. E não determinar que a Previdência vai compensar a mulher dando alguns anos a menos de trabalho.

Daniel Aarão Reis: A terceira margem da Europa

- O Globo

Aparecem forças da esquerda moderada. Havia a respeito delas previsões catastróficas que, afinal, não se concretizaram

As recentes eleições europeias representaram um notável acontecimento democrático: em 28 estados nacionais, dezenas de milhões de cidadãos escolheram 751 representantes, na base do voto universal e secreto e em condições singulares de liberdade. Além disso, contrariando tendência de mais de duas décadas, inverteu-se a curva declinante de votantes. Na Alemanha, principal Estado europeu, quase 60% dos eleitores compareceram. No conjunto do continente, um pouco mais de 50% foi às urnas, destacando-se uma presença ativa e inédita de jovens.

Para além das particularidades nacionais e da infinidade de siglas partidárias, emergiram três grandes tendências políticas.

O centro conservador liberal, perdendo três cadeiras, permaneceu a maior força, com 282 deputados. Agrupam-se aí centristas e uma direita moderada, em defesa de uma Europa unida e democrática, comprometida com os valores liberais e com as atuais opções da Comissão Europeia. Apoiam as políticas que jogaram nas costas dos trabalhadores e dos assalariados os custos de superação da crise de 2008, o que se traduziu em deterioração dos serviços públicos, precarização do trabalho, desemprego, concentração de renda e aumento significativo das desigualdades sociais e econômicas. Seus eleitores advêm das camadas sociais menos alcançadas pela crise e das faixas de idade mais velhas, com votações expressivas na Alemanha, França, Polônia e Inglaterra.

‘O bolsonarismo é uma ideologia do porão da ditadura’, afirma Celso Rocha de Barros

Gabriel Trigueiro / Revista Época

Cientista político identificado com a esquerda, ele defende o diálogo com economistas liberais, critica a postura do PT em relação às contas públicas e vê a questão ambiental como a “maior tragédia” do início de governo

18 perguntas para Barros

1. Como o senhor vê as relações entre o bolsonarismo e o lavajatismo antes e depois dos vazamentos dos diálogos entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores?

Sempre houve alguma intercessão entre lavajatismo e bolsonarismo, e essa confusão certamente ajudou Bolsonaro, um deputado medíocre do baixo clero, sem qualquer histórico de combate à corrupção, a se eleger. Mas sempre houve diferenças importantes. O lavajatismo tem origens em aspirações inteiramente legítimas de combate à corrupção, e o apoio popular à operação reflete os resultados obtidos no desvendamento dos escândalos. Sempre houve algo de messiânico e alguns abusos eram conhecidos, mas isso não quer dizer que os lavajatistas apoiassem Ustra, ou a ditadura militar, ou a tortura. O partido mais claramente identificado com a Lava Jato era a Rede Sustentabilidade, que não tinha nada de extremista, muito pelo contrário.

Moro sempre foi maior que Bolsonaro diante da opinião pública, o que claramente incomoda o presidente da República. Depois da Vaza Jato, Moro é que passou a precisar do apoio de Bolsonaro. Bolsonaro apoia Moro, mas faz questão de que esse apoio se dê em termos bolsonaristas: com ofensas à sexualidade de ( Glenn ) Greenwald, fake news etc. A ideia é queimar Moro com os moderados e trancá-lo no campo bolsonarista, levando a Lava Jato junto.

2. Como o senhor define o bolsonarismo ? “Populismo” dá conta desse fenômeno político e cultural?

A impressão é que talvez Bolsonaro seja um autoritário old school demais para ser um populista eficiente. Não me parece claro que o público tenha noção de quanto Jair Bolsonaro é radical: ele é muito mais parecido com o fascista francês Jean-Marie Le Pen do que com sua filha, a populista de direita Marine.

3. O senhor já se referiu ao governo Bolsonaro como um “regime de mobilização permanente”. Por quê?

Bolsonaro continua buscando a mobilização de sua base contra as instituições. É importante diferenciar o tipo de mobilização do bolsonarismo do ativismo social saudável. Uma sociedade civil forte impõe limites ao poder. A mobilização em favor do Poder Executivo contra o Legislativo e o Judiciário tenta retirar esses limites.

4. Quais os antecedentes históricos brasileiros do bolsonarismo?

Bolsonaro pertence à linhagem dos militares que não aceitaram a abertura democrática iniciada por Geisel. Por isso o culto a Brilhante Ustra: o bolsonarismo é uma ideologia do porão da ditadura, não é do general, não é do presidente militar. É a visão de mundo do sujeito que torturava comunistas e depois entrou para o esquadrão da morte, para garimpo ilegal, para jogo do bicho. Daí, também, o elogio às milícias. É sempre bom lembrar que Bolsonaro tentou colocar bomba no quartel por aumento salarial já nos anos 80, e que Geisel teve tempo de referir-se a ele como “mau militar”. Acho que a maior parte do público brasileiro não tem coragem de admitir quão radical é o presidente que elegemos.

5. Como o senhor analisa a tensão entre a base mais orgânica do bolsonarismo e a estrutura partidária do PSL?

Acho que é a luta entre quem quer fazer um partido de direita populista “normal” — que vence eleições, disputa cargos etc. — e quem quer construir um movimento autoritário. Boa parte dos deputados do PSL quer seguir uma carreira política normal, mas a ala olavista comandada por Eduardo Bolsonaro quer um movimento contra as instituições, contra a democracia.

6. Como o senhor vê a correlação de forças dentro dos maiores partidos do Congresso, o PT e o PSL?

O PT sempre teve uma divisão interna entre moderados e radicais, mas acho que a principal cisão atual é entre governadores e parlamentares, entre quem precisa de voto de fora dos 30% de esquerda para se eleger e quem não precisa. Não acho que a ênfase no “Lula Livre” seja o problema. Acho que o pessoal foca no “Lula Livre” justamente porque não consegue fechar uma posição do partido sobre outras questões, e “Lula Livre” é algo com que toda a militância concorda.

O PSL se tornou tão disfuncional que é até difícil de analisar. Quando a legenda saiu das urnas com uma bancada daquele tamanho, todo mundo achou que atrairia adesões e se tornaria um partido muito grande. Mas pouca gente quis entrar em uma legenda tão cheia de fanáticos ideológicos, que o próprio Bolsonaro parece disposto a abandonar.

7. O senhor é um intelectual associado à esquerda política, mas sempre adotou um registro moderado em suas colunas na Folha. Há alguém, entre os liberais e os conservadores que estão se opondo ao atual governo, com quem o senhor acha possível construir pontes e coalizões, ainda que circunstanciais?

É muito possível, e é obrigatório. Acho que há amplo espaço para conversar com os liberais, e muitos dos grandes economistas liberais brasileiros têm evidente aversão a Bolsonaro. Mesmo que não se chegue a um acordo com eles sobre todas as reformas, e não custa nada conversar sobre isso também, é inteiramente viável estabelecer uma convivência razoável em que todos se unam quando a liberdade brasileira estiver sob ataque. E não, não tem problema se cada um apoiar seu próprio candidato em 2022. No campo conservador é mais difícil, embora seja possível pensar em alguns nomes — o Reinaldo ( Azevedo ), o ( Carlos ) Andreazza. Mas a verdade é que a crise mostrou que falta conservadorismo político no Brasil, no sentido preciso do termo: durante toda a crise, faltou a visão de que quebrar os partidos e o sistema político era fácil, difícil era construir outra coisa no lugar. O que sobra é conservadorismo moral e extremismo populista.

Ricardo Noblat: General censura Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

O caso do garoto embaixador
Pegou tão mal por toda parte, mas tão mal a possível indicação de Eduardo Bolsonaro, o Zero Dois, para embaixador do Brasil em Washington, que o general Luiz Eduardo Ramos, que mal esquentou a cadeira de ministro da Secretaria de Governo, censurou seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro.

Durante café da manhã com jornalistas, ontem, ele disse que Bolsonaro “se apressou” ao anunciar a indicação. O rompante do presidente foi classificado pelo general como “momentos”. Admitiu que a divulgação da notícia em meio à votação da reforma da Previdência não caiu bem e reforçou as críticas da oposição.

Palavras do general: “Deu polêmica, reconheço, saiu na imprensa. Agora vamos aguardar. Poderia ter anunciado na semana que vem? Talvez, durante o recesso parlamentar. Vários deputados citaram essa nomeação, podia ter evitado”. O general relativizou o anúncio, como se Bolsonaro estivesse sob pressão para recuar da ideia.

Eduardo não será necessariamente embaixador. O general citou outros recuos do presidente após uma enxurrada de críticas. Lembrou a proposta de transferir a embaixada do Brasil em Israel de Telavive para Jerusalém. Os países árabes ameaçaram suspender a compra de produtos brasileiros se isso acontecesse.

“Meu amigo Bolsonaro tem esses momentos”, concedeu o general que mais se empenhou dentro do Alto Comando do Exército para que seus colegas de farda apoiassem a candidatura do capitão. “Vou citar a famosa ‘vou levar embaixada pra Jerusalém’. Eu pergunto: hoje está onde? Em Telavive.”

Naturalmente, o general elogiou Eduardo. Chamou-o de “um jovem preparado”, sem dizer no quê. E afirmou que sua possível nomeação para embaixador “não contraria a lei”. Há controvérsia.

Amordaçaram Mourão

Ordem do presidente
E aí? Tem sentido falta das declarações quase sempre sensatas do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República? Declarações que às vezes foram na contramão dos rompantes do presidente Jair Bolsonaro?

‘Sem precedente em países civilizados’, diz Ricupero sobre possível nomeação de Eduardo

Ex-embaixador nos EUA, diplomata critica indicação do filho do presidente Jair Bolsonaro para o cargo em Washington

Paulo Beraldo/O Estado de S.Paulo

Ex-embaixador nos Estados Unidos, o diplomata Rubens Ricupero criticou a possível nomeação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para chefiar a embaixada do Brasil em Washington. “Trata-se de medida sem precedentes em nossa tradição diplomática e na história diplomática de países civilizados e democráticos”, afirmou Ricupero ao Estado.

Um dos diplomatas brasileiros mais respeitados, Ricupero foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 1991 e 1993 e atuou como secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Para ele, a nomeação de parentes próximos para funções diplomáticas é típica de “monarquias absolutas”. “Caracteriza também os governantes populistas como Donald Trump, que só confiam na própria família”, afirmou.

Ricupero, atualmente professor na Faap, disse ainda que Eduardo já atua, na prática, como “chanceler informal” e que, agora, poderia, de fato, assumir um cargo diplomático. No entanto, o fato de o deputado ser filho do presidente, preocupa, segundo o ex-embaixador.

“Funções como as de embaixador devem ser institucionalizadas, e não personalizadas. Pelo motivo óbvio de que, num caso como de um filho representando o próprio pai, haveria maior possibilidade de que as ações do embaixador visassem a interesses pessoais e de família, não os interesses do País.”

Autor do livro A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750 - 2016, que trata da história diplomática do País, Ricupero afirmou que o caso mais próximo dessa indicação remete a José de Paula Rodrigues Alves, filho mais velho do presidente Rodrigues Alves(1902-1906), ainda que de modo “longínquo e inadequado”, já que ele se tornou embaixador quando o pai não era mais presidente.

Como sair do buraco

Economistas dão receitas para o Brasil voltar a crescer após a reforma da Previdência

Por Denise Neumann | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

SÃO PAULO - O Brasil, que não conseguiu se recuperar da recessão, tem 13,3 milhões de desempregados, dos quais um em cada quatro está procurando emprego há mais de dois anos. Nas fábricas, 25% da capacidade instalada está ociosa, 210 mil empresas do comércio fecharam as portas em quatro anos e 6 mil companhias pediram recuperação judicial. Os efeitos negativos da depressão de 2014-2016 sobre a economia brasileira foram mais fortes e se prolongaram muito além do esperado.

Em março de 2018, as projeções medianas do mercado financeiro apontavam que o país encerraria o ano com um Produto Interno Bruto (PIB) 2,9% maior, crescimento que seria repetido em 2019. Naquele momento, já não se esperava que a reforma da Previdência fosse aprovada por um Congresso em busca de reeleição, mas, mesmo assim, a expectativa era de que a recuperação cíclica prevaleceria. Afinal, após as recessões dos inícios dos anos 80 e 90, o PIB brasileiro precisou de menos de dois anos para se recuperar das perdas causadas pela retração econômica. No atual ciclo, isso não ocorreu. No ano passado, a economia cresceu 1,1% e para este ano as apostas já estão abaixo de 0,9%.

Olhando para 2018 e 2019, os economistas conseguem elencar o que veio diferente do esperado. Entre outros eventos "que não estavam combinados", a economia mundial cresceu menos afetada pela guerra comercial que os Estados Unidos travam com o mundo, a crise argentina foi mais forte, a greve dos caminhoneiros parou o país e a inflação do início do ano tirou um pouco de renda disponível para o consumo. Tudo isso, porém, explica, mas não convence. E agora que a reforma da Previdência caminha para ser aprovada, o discurso de que ela tudo resolveria está se refazendo. A proposta que permitirá ao setor público economizar perto de R$ 1 trilhão em dez anos não é mais vendida como "a bala de prata" capaz de devolver, sozinha, o Brasil à rota do crescimento.

Pós-aprovação da reforma da Previdência, alguns economistas avaliam que a saída pró-crescimento está em medidas que estimulem a demanda, cujo instrumento principal é a queda da taxa básica de juros. Para outros, juros farão cócegas na economia e só resta ao país ter paciência para que mais medidas a favor da oferta (reforma tributária, reorganização das carreiras do setor público, privatização, concessões, redução da burocracia etc.) sejam adotadas e façam efeito.

Na prática, contudo, o debate oferta X demanda é quase um falso dilema, como a própria equipe econômica sinaliza no pacote que está discutindo e que mistura medidas estruturais, de estímulo à demanda e microeconômicas. Quem defende a necessidade de um corte expressivo da taxa básica de juros e medidas adicionais que deem impulso à demanda (como uma liberação adicional de recursos do FGTS ou mesmo algum compulsório) não é contrário a mais reformas, como a tributária, ou a privatizações e concessões, que reduzam o espaço do setor público na economia e abram espaço para o setor privado. Timing e ênfase diferenciam a dosagem de cada receita, que por sua vez está ancorada na leitura das causas do não crescimento.

Quatro economistas ouvidos pelo Valor dão diferentes respostas à pergunta sobre por que o Brasil não voltou a crescer após a brutal recessão dos anos 2014-2016, que tirou quase 8% do PIB do país. Para José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), a questão é estrutural e se arrasta há 40 anos.

Governo reduz previsão de crescimento do PIB de 1,6% para 0,81% em 2019

Pela primeira vez, o boletim elaborado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia trouxe projeções para os anos de 2021, 2022 e 2003, que são de alta de 2,5%

Fabrício de Castro e Lorenna Rodrigues / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Com a recuperação da economia mais devagar do que o inicialmente esperado pelo governo, a equipe econômica cortou pela metade a projeção oficial para o crescimento econômico neste ano, dos 1,6% esperados em maio para 0,81% agora. O dado, divulgado ontem, está próximo da estimativa do mercado financeiro. No último Boletim Focus, elaborado pelo Banco Central, analistas previam uma alta de 0,82% no Produto Interno Bruto (PIB) este ano.

O governo também espera um crescimento menor no ano que vem, de 2,2%, ante previsão anterior de 2,2%. A projeção oficial para a inflação medida pelo IPCA passou de 4,1% para 3,8%.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, reconheceu que a recuperação da economia brasileira “realmente está lenta” e culpou as decisões do Banco Central e do Ministério da Fazenda “equivocadas” adotadas nos últimos anos pelo baixo desempenho econômico.

“O problema fiscal está sendo endereçado pela reforma da Previdência. Precisamos também de reformas pró-mercado. Ou o Brasil adota reformas pró-mercado, que estimulem produção e emprego, ou continuaremos com crescimento em baixa”, acrescentou.
Sachsida negou que tenha havido erro nas projeções do atual governo, que tiveram que ser reduzidas tão dramaticamente em dois meses, e disse que as revisões ocorreram porque os erros econômicos cometidos antes de 2016 "estão ficando cada vez mais claros".

Ele lembrou que, de 2010 a 2017, a produtividade da economia brasileira piorou, recuando em média 1,85% ao ano no período. Para mudar este cenário, o governo atuará, conforme o secretário, nos campos de abertura comercial, programas de concessões, racionalização de recursos, reforma tributária, combate à corrupção e choque de energia barata. “Não existe mágica. O equilíbrio fiscal e as reformas são o caminho”, defendeu.

Desidratação reduz economia da reforma para menos de R$ 850 bilhões

Estimativa é do economista Paulo Tafner; Congresso e governo ainda projetam R$ 900 bi em dez anos

Alexa Salomão, Danielle Brant , Ranier Bragon , Thiago Resende e Thais Arbex / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - A proposta de reforma da Previdência foi aprovada, em primeiro turno, na Câmara dos Deputados. A votação foi concluída nesta sexta-feira (12), após a maioria do plenário confirmar mais mudanças no texto defendido pelo governo.

A conclusão da análise do tema, com a votação em segundo turno, deverá ficar para agosto, no dia 6, na volta do recesso parlamentar, segundo anunciou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

Inicialmente, o governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trabalhavam para concluir a tramitação na Casa ainda nesta semana.

Para abrir caminho à análise do texto no plenário, a equipe econômica teve de ceder em algumas medidas apresentadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O objetivo foi consolidar amplo apoio à restruturação das regras de aposentadoria e pensões.

Nesta sexta-feira, os deputados aprovaram regras mais brandas de aposentadoria para professores que já estão na ativa e decidiu que homens, mesmo após a reforma, podem se aposentar ao cumprir o tempo mínimo de contribuição de 15 anos —critério atual.

Segundo cálculos do governo, a economia nas contas públicas com a atual versão da reforma aprovada em primeiro turno deve ser ficar próxima de R$ 900 bilhões em dez anos.

Pelas estimativas do economista Paulo Tafner, os dois de dias de desidratação com a votação dos destaques tiraram cerca de R$ 70 bilhões da economia prevista a partir do que constava do texto-base.

Tafner tem sido conservador. Enquanto os congressistas e o governo previram que a proposta final do texto-base pouparia perto de R$ 1 trilhão em dez anos, ele projetou um valor entre R$ 900 bilhões e R$ 920 bilhões. Agora, estima que as regras aprovadas no primeiro turno vão levar a uma economia entre R$ 820 bilhões e R$ 850 bilhões.

O economista conhece de perto esses números. Acompanhou as tentativas de reformas da Previdência na história recente do país e coordenou a elaboração da proposta do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga. Apesar da cifra inferior, Tafner considera que o país já saiu ganhando.

"Apesar da redução, a gente precisa lembrar que há apenas dois anos todo mundo estava feliz com um ganho próximo a R$ 420 bilhões”, afirma Tafner.

À sombra do pai: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro atropela práticas republicanas ao lançar filho para embaixada nos EUA

Seriam suficientes as imagens do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) vestindo um boné da campanha à reeleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para lançar dúvidas sobre a conveniência de sua indicação ao cargo de embaixador naquele país.

O comprometimento do parlamentar com uma candidatura específica não se coaduna, afinal, com a moderação e sobriedade que se espera do ocupante do cargo.

Mas há, como se sabe, outros óbices à pretensão —a começar pelo fato óbvio de tratar-se de um filho do presidente da República.

Mesmo que por alguma tecnicalidade o caso não fira as restrições ao nepotismo, a escolha promove inevitável e indevida sobreposição entre relações familiares e institucionais, abrindo brecha para um entrelaçamento pouco republicano das esferas pública e privada.

Como observou o diplomata e ex-ministro Rubens Ricupero, que foi embaixador em Washington entre 1991 e 1993, a medida seria mais adequada a regimes monárquicos absolutistas ou —como de fato se verifica— a governantes populistas inclinados a imprimir seu personalismo às políticas de Estado.

As ruas e as instituições: Editorial / O Estado de S. Paulo

A pesquisa XP/Ipespe de julho mostra que a disposição da população em relação ao governo de Jair Bolsonaro segue em linha de continuidade. Para 35% da população, o governo é ruim ou péssimo, o mesmo porcentual do mês anterior. O governo é bom ou ótimo para 34% dos entrevistados e são 28% os que consideram regular a atual administração federal – esses porcentuais também ficaram estáveis em relação à pesquisa de junho.

Como se vê, a opinião pública está dividida em três partes numericamente semelhantes. Há um equilíbrio entre as avaliações positiva, negativa e neutra. Ou seja, já não existe mais aquela preponderância favorável ao governo de Jair Bolsonaro que se verificou no início do ano, quando 40% avaliavam como bom ou ótimo o governo.

Tal realidade inviabiliza o discurso populista de que o Executivo poderia impor sua agenda e suas posições com base no apoio que tem das ruas. Ele não conta mais com um apoio majoritário. Basta ver que, entre os três grupos, o mais numeroso (35%) é o que considera o governo ruim ou péssimo.

O presidente Jair Bolsonaro gosta de afirmar que o povo é o seu “patrão, a quem devo lealdade”. Se assim é, não lhe cabe ignorar parte relevante do povo – no caso, 35% – que considera seu governo ruim ou péssimo. O povo não é apenas quem aplaude o presidente da República, mas é também quem exige, quem cobra, quem critica. Também essas pessoas são, nas palavras de Jair Bolsonaro, o seu “patrão”.

Agenda da retomada do crescimento: Editorial / O Globo

MP da Liberdade Econômica, aprovada na Câmara, é uma ajuda para destravar o país

Enquanto transcorre a inevitavelmente longa votação do projeto da reforma da Previdência, aumentam as referências em artigos e entrevistas a “outras medidas” destinadas a reativar a economia, à margem da proposta de emenda constitucional necessária para a realização de mudanças de fundo no sistema de seguridade.

A ansiedade é compreensível. O país naufragou em grave recessão no biênio 2015/16 (mais de 7% de queda do PIB), tendo estagnado já em 2014. Foi quando começaram os déficits nas contas públicas que persistem até hoje —cinco anos depois —, e ainda devem subsistir. Um longo período de contas fechadas no vermelho, e portanto de dívida em alta, funciona como um foco irradiador de desconfiança em relação ao Brasil, algo capaz de derrubar investimentos, como tem acontecido.

A reforma da Previdência constitui de fato pedra fundamental na construção de um ciclo de crescimento sustentado, para que os 25 milhões de desempregados, subempregados e desalentados consigam superar a tragédia da falta de trabalho seguro e de renda minimamente garantida.

É disso que se trata quando se defende a reforma da seguridade. O que não significa deixar de lado uma agenda de medidas para a microeconomia, capazes de atenuar de alguma forma os efeitos do marasmo econômico e já preparar o terreno para a fase de expansão que virá com o retorno da confiança e, em consequência, dos investimentos.

Vinicius de Moraes: Poema dos olhos da amada

Ó minha amada
Que olhos os teus

São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus…

Ó minha amada
Que olhos os teus

Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus…

Ó minha amada
Que olhos os teus

Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus

Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Casuarina - Baile no Elite

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Opinião do dia: *Luiz Werneck Vianna

O ator em política pode muito, mas, aprendemos com Maquiavel, que ele não pode conformar o mundo dos fatos à sua vontade. Somos filhos do longo processo de modernização burguesa autoritária brasileira. Nada que ocorre hoje é estranho à nossa experiência, e nem sempre estivemos do lado dos perdedores, pois contamos com nossos momentos de vitória, embora, como se constata agora, não tenhamos sabido extrair proveito delas. Esta é uma hora de consultá-la. Em boa parte ela está narrada no baú de ossos da reflexão acumulada na rica produção da nossa sociologia, que, reaberto, deve nos indicar os bons remédios para os males atuais que nos afligem.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. ‘O Desencontro trágico entre a fortuna e o ator na experiência brasileira’. Texto apresentado ao 19º Congresso da SBS, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 10/7/2019.

Merval Pereira: O diabo nos destaques

- O Globo

Temas como pensão de um salário mínimo para viúvas, ou a transição reduzida para mulheres, podem desfazer maioria

O diabo está nos detalhes, ou melhor, nos destaques, e são eles que estão sendo negociados cuidadosamente pelas lideranças partidárias e trazem pânico à equipe econômica, cujos membros chegaram às lágrimas com a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência.

Menos o ministro Paulo Guedes, talvez por prever que os destaques, ou detalhes, podem reduzir a economia do governo. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, encerrou abruptamente a sessão de quarta-feira para não vencer perdendo.

É que a grande maioria favorável à reforma foi se dispersando depois da votação do texto-base, e havia risco de os destaques levarem por água abaixo o esforço despendido para aprová-lo.

A maioria relaxou, e um destaque da oposição quase foi aprovado naquela noite em que se comemorava a vitória. Convocada para a manhã de ontem, a reunião plenária só teve início no fim da tarde, depois que vários destaques foram negociados nos bastidores.

Temas delicados, como a garantia da pensão mínima de um salário mínimo para viúvas, ou a transição reduzida para as mulheres, são capazes de desfazer a maioria, e por isso a cautela de só colocar em votação quando houvesse um consenso da maioria.

Alguns anéis foram perdidos para manterem-se os dedos, a estrutura central da reforma. Depois da manutenção de uma maioria confortável, embora menor do que a da noite anterior, Rodrigo Maia colocou em votação os destaques no ritmo que permita a aprovação no segundo turno ainda esta semana, talvez sábado, ou mesmo domingo. De qualquer maneira, antes do início do recesso parlamentar, no dia 18.

Rogério Furquim Werneck: As próximas reformas


- O Globo

Guedes pretende avançar em duas novas frentes: reforma tributária e a instauração de novo pacto federativo

Paulo Guedes sabe perfeitamente que uma reforma previdenciária com potência fiscal de R$ 1 trilhão, em dez anos, está longe de ser suficiente para repor as contas públicas em trajetória sustentável. E que, comemorada a aprovação da reforma no Congresso, o país terá de continuar a encarar a pesada agenda de reconstrução fiscal que tem pela frente.

O ministro tem se empenhado em já deixar claro quais deverão ser as próximas etapas do programa de reformas que vem contemplando. Está disponível na internet uma exposição bem elucidativa sobre isso, proferida por Guedes, na semana passada, em evento organizado pela XP Investimentos, em São Paulo.

No vídeo, o ministro discorre, ao longo de mais de uma hora, sobre o diagnóstico que vem inspirando a sua atuação, o que pôde fazer ao longo do primeiro semestre e as mudanças que ainda pretende implementar. Trata-se de um depoimento valioso para quem quer que esteja empenhado em vislumbrar as possibilidades e limitações da política econômica em curso.

Guedes pretende avançar em duas novas frentes. Além de levar adiante um projeto de reforma tributária, contempla a instauração de novo pacto federativo, fundado em descentralização fiscal em favor de estados e municípios e ampla e radical flexibilização dos orçamentos das três esferas de governo, estimulada por farta distribuição de recursos do pré-sal aos governos subnacionais.

Não são reformas fáceis. Muito pelo contrário. Seria pouco sábio condicionar a recuperação da economia à consecução das duas reformas. Ainda mais agora, quando o ministro já não tem como se iludir sobre a real disposição do Planalto de mobilizar uma maioria governista que possa facilitar o avanço de reformas tão complexas no Congresso.

Míriam Leitão: Presidente do BC avalia que país cresce em 2020

- O Globo

Presidente do BC admite que aprovação da reforma aproxima o corte de juros e acha que a economia cresce no ano que vem

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, define a aprovação do texto base da reforma da previdência como “uma vitória dos brasileiros”, admite que isso aproxima mais o tempo da queda dos juros e acredita que no segundo semestre o país inverte acurva para voltar acrescer. Ele está debruçado em questões microeconômica sequer a redução do custo do dinheiro também para os tomadores finais, principalmente os do crédito emergencial. “Por um estudo que fizemos, 50% das pessoas que usam o cheque especial ganham até dois salários mínimos, 67% têm educação básica, e o comprometimento da renda é muito alto para um taxa de juros de 325%”.

Roberto Campos Neto fica com um olho nas questões macro e outro nas mudanças micro que o Banco Central quer estimular para o mercado de crédito funcionar melhor. Ele é contra vender reservas para fazer investimento. Conta que apresentou para o ministro da Economia, Paulo Guedes, o plano de reduzir o recolhimento obrigatório dos bancos para liberar mais recursos para a economia. Guedes chegou afalar em R$ 100 bilhões.

No macro, ele disse que a reforma aprovada esta semana em primeiro turno na Câmara foi um grande passo:

—Foi uma vitória dos brasileiros, do Congresso, de todos os deputados que votaram. Não é todo dia que agente vê multidões nas ruas pedindo reforma da Previdência. É muito importante para a economia, é um problema fiscal nunca resolvido. É um primeiro passo, mas há outros como os juros da dívida, a reformado Estado para melhorara percepção do Brasil pelo investidor estrangeiro, que vai estimular o investimento local e privado. Estamos no caminho certo.

Eu o entrevistei ontem na Globonews. Ele vinha dizendo em seus comunicados que aqueda da Selic depende do clima externo, do hiato do produto e das reformas. O clima externo melhorou, o país não está crescendo, e as reformas avançam. As condições estão dadas para os juros caírem? Ele responde admitindo que recebeu uma boa herança da administração anterior. Depois, afirma que o cenário externo está mais “benigno” e houve uma “interrupção” do crescimento:

Bernardo Mello Franco: Sorria, você está na Arábia Saudita

- O Globo

Jair Bolsonaro quer presentear o filho Eduardo com a embaixada do Brasil em Washington. Até aqui, só a monarquia saudita tratava o cargo como capitania hereditária

Alguns pais celebram os 15 anos da filha com uma viagem ao exterior. Outros festejam os 18 anos do filho com a chave de um automóvel. O presidente Jair
Bolsonaro resolveu ser mais generoso. Quer presentear Eduardo, o herdeiro que fez aniversário na quarta-feira, com a embaixada do Brasil em Washington.

A lei estabelece que os chefes de missão diplomática devem ser escolhidos entre os ministros de primeira classe, que chegaram ao topo da carreira no Itamaraty.

“Excepcionalmente”, diz o texto, podem ser indicados outros brasileiros com mais de 35 anos, “de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao país”.

Eduardo Bolsonaro acaba de atingir a idade mínima. Seu mérito mais reconhecido é ser filho de Jair.

Fernando Gabeira*: Perigos de uma campanha precoce

- O Estado de S.Paulo

Ela leva para as profundezas o nível do debate. Sabemos como é a política no Brasil...

A reforma da Previdência e o acordo comercial com a União Europeia são dois temas que podem animar a economia. Mas não se pode superestimá-los. Um trabalho de reconstrução demanda um trabalho diuturno.

O clima de campanha política não é o melhor para desenvolver essas tarefas. Bolsonaro falou duas vezes em concorrer de novo em 2022. Espera entregar um País melhor em 2026, mas parece ignorar que passará pelo grande julgamento no final do primeiro mandato.

O vazamento entrou na campanha. Moro decidiu por uma saída política, contando com a ambiguidade: os diálogos podem ou não ser verdadeiros. Bolsonaro abraçou a Lava Jato com o mesmo entusiasmo com que levantou a taça da Copa América.

Duas estratégias podem ser desenhadas. A de Bolsonaro, manter o apoio, independentemente do que digam a Justiça e a opinião pública no fim do processo. Sabe que uma independe da outra e que a fidelidade popular à Lava Jato se tem mantido a ponto de ainda ser a melhor escolha eleitoral. Já a estratégia da esquerda, que recusou uma autocrítica, conta com o desgaste da Lava Jato para consagrar a sua tese de que a operação foi uma grande manobra para derrotá-la.

Mas o Brasil não se resume a esses dois grandes blocos. No caso específico da Lava Jato, nem todos os que a apoiam compartilham as teses ultrapassadas de Bolsonaro. Assim como nem todos os que questionam Moro necessariamente acreditam na inocência da esquerda.

Eliane Cantanhêde: Um novo Ulysses

- O Estado de S.Paulo

Ulysses Guimarães foi o maior líder parlamentar; Rodrigo Maia vai no mesmo caminho

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sai da votação da reforma da Previdência com três troféus: é o principal responsável pela vitória, o maior defensor das instituições e o dono da pauta econômica no Congresso que vai retomar o crescimento do País.

Outro tríplice coroado foi o grande político Ulysses Guimarães, que em 1988 foi, simultaneamente, presidente da Câmara, presidente da Constituinte e presidente do então PMDB – na época o partido da liberdade e da redemocratização. Morreu em 1992, num desastre de helicóptero em Angra dos Reis, e seu corpo jamais foi encontrado. Mas entrou para a história como exemplo de político decente, habilidoso, corajoso e patriótico. Um líder.

Ulysses era um intelectual humanista, autor de discursos memoráveis e com personalidade reservada. Maia é um economista pragmático, que não arroga a condição de intelectual, não se fez conhecido por discursos sofisticados e tem um temperamento bonachão, simples, informal.

Os dois, porém, têm em comum o talento para a política, a dedicação profunda ao Parlamento, a imensa capacidade de liderança e de fazer as coisas acontecerem. E mais: a defesa incondicional do Congresso, além de confrontar, cada um a seu modo e a seu tempo, os governos de plantão. Ulysses não dava sossego ao governo José Sarney. Maia é o maior defensor do Congresso diante dos ataques do governo Jair Bolsonaro. Aliás, do próprio Bolsonaro.

Até aqui – porque o céu é o limite para Rodrigo Maia – há um outro ponto em comum: apesar de todos os seus méritos e de seu invejável currículo, Ulysses jamais foi um político majoritário. Nunca disputou uma prefeitura, um governo, nem mesmo o Senado, e amargou um constrangedor sétimo lugar ao disputar a eleição presidencial de 1989, que foi no ano seguinte à Constituinte, com a vitória do jovem Fernando Collor de Mello, vendido ao eleitorado como “o caçador de marajás”.

Simon Schwartzman*: A OCDE e as universidades brasileiras

- O Estado de S.Paulo

Está mais do que na hora de começarmos a buscar novos caminhos

O objetivo do ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é fazer o País se comprometer com a adoção das melhores práticas internacionais de políticas públicas, que possam melhorar as condições vida da população, não só na economia, mas também no meio ambiente e nas questões sociais. Na educação, o Brasil já participa do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e em 2018 uma equipe da OCDE avaliou o sistema brasileiro de avaliação da educação superior, o Sinaes, recomendando alterações profundas, que ainda precisam ser implementadas.

Este é o momento também de avançar na modernização da educação superior brasileira, cuja última reforma data de 1968, quando havia não mais do que 100 mil estudantes nesse nível em todo o País.

Naquele ano o Brasil resolveu adotar o modelo universitário norte-americano, com seus cursos de pós-graduação, departamentos, institutos de pesquisa e professores de tempo integral, que foi sobreposto às antigas faculdades profissionais organizadas no velho modelo francês ou italiano. A origem da reforma de 1968 é geralmente atribuída ao famoso acordo MEC-Usaid, mas é curioso que os americanos só tenham recomendado que copiássemos a ponta da pirâmide da educação superior de seu país, as famosas universidades de pesquisa, e tivessem se esquecido da enorme base dos community colleges e universidades estaduais, originárias em sua maioria dos land-grant colleges, que desde o século 19 fizeram da educação superior americana uma das mais diversificadas, amplas e acessíveis do mundo. Outra hipótese, mais plausível, é que tenham sido os brasileiros a só se interessarem pela parte mais elitista do sistema.

Hoje já temos uma educação superior de massas, com 8 milhões de estudantes extremamente diversificados em instituições também muito distintas, mas continuamos aferrados a um modelo tradicional de universidade de elite. Ainda achamos que o ensino é sempre “indissociável” da pesquisa, que todos os professores devem ter doutorado, que a educação superior deve ser gratuita e que não é possível obter um título universitário em menos de quatro ou cinco anos. A realidade, no entanto, é bem diversa: a maioria dos professores não pesquisa, três quartos dos alunos pagam suas matrículas no setor privado, quase metade dos alunos abandona os estudos antes de terminar e as faculdades não podem contratar como professores profissionais experientes que não tenham títulos acadêmicos.

Luiz Carlos Azedo: Um pouco de Gramsci

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Congresso, que havia perdido o papel de mediador dos conflitos da sociedade, resgata esse protagonismo e se assenhora cada vez mais da grande política, como é o caso agora da reforma da Previdência”

Parafraseando o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, autor de A Grande Família e Rasga Coração, a propósito do pessedismo (a manha política das velhas raposas liberais do antigo PSD), um pouco de Gramsci também não faz mal a ninguém. Mesmo que desperte a ira da patrulha ideológica contrária ao chamado “marxismo cultural”. Na verdade, o republicanismo laico e o primado da política em relação à fé são fundamentos de Nicolau Maquiável, que escreveu O Príncipe em 1513. A obra seminal da política moderna, publicada postumamente em 1532, promoveu a ultrapassagem do Estado teológico medieval. Antecede Karl Marx e seus discípulos.

Entretanto, o filósofo marxista italiano pode nos ajudar a entender o que está acontecendo a partir do colapso do presidencialismo de coalizão. A expressão foi usada a primeira vez há mais de 30 anos, no título de um artigo acadêmico do cientista político Sérgio Abranches, para explicar o funcionamento do presidencialismo brasileiro num ambiente de fragmentação partidária. Para governar, o presidente da República precisa costurar uma ampla maioria, frequentemente contraditória em relação ao programa do partido no poder, com grande potencial de conflitos ideológicos e políticos. O maior dilema institucional seria o aprisionamento do presidente da República pelas forças hegemônicas do Congresso, no vácuo de uma Constituição de viés antiparlamentarista.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para justificar suas alianças, recomendava aos amigos lerem Um estadista no Império, de Joaquim Nabuco, um tratado sobre a política de conciliação do Marquês de Paraná, que garantiu estabilidade política a D. Pedro II durante seu reinado. Em 1853, para formar o gabinete do Conselho de Ministros, o mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão buscou conciliar as ações políticas dos dois partidos do Império, o Conservador e o Liberal, em torno de interesses comuns. Com isso, conseguiu conter as insatisfações liberais e isolar os republicanos. O ponto de encontro era a aproximação dos liberais que também defendiam os interesses latifundiários escravistas como os conservadores, todos embalados pelo avanço das lavouras de café. O maior crítico desse modelo foi Capistrano de Abreu, para quem política de conciliação era um “termo honesto e decente para qualificar a prostituição política de uma época.”

*José de Souza Martins: Levezas do trabalho infantil

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Ninguém perde a infância sem sofrer as consequências. Trabalhar no tempo de brincar mutila o entendimento da criança, rouba-lhe a imaginação e o tempo do afeto

No dia 4 de julho, no Facebook, o presidente da República defendeu a salubridade do trabalho infantil. Disse que começou a trabalhar com 9, 10 anos de idade: colhia milho na fazenda em que o pai trabalhava. E concluiu: "Não fui prejudicado em nada".

Foi, mas disso não tem consciência. Na alienação, própria do trabalho moderno, o acobertamento de suas reais condições é uma necessidade da produção, que cria a subjetividade cúmplice de quem trabalha.

Tenho, diante do nariz, enquanto ouço a manifestação presidencial, minha Carteira de Trabalho do Menor, de capa vermelha, emitida pelo Ministério do Trabalho, expedida em 12 de dezembro de 1952, logo depois de ter completado 14 anos de idade.

Com a carteira e o trabalho, o país me confiscou a adolescência, na jornada de 8 horas de trabalho, 6 dias por semana. Na verdade, eu já trabalhava desde os 11 anos de idade, trabalho ilegal. Tive carteira de trabalho só quando minha idade o permitiu. Aí era legal, ainda que não fosse moral.

Na carteira está anotado o número da placa de metal que eu levava no peito, que me identificava na portaria da fábrica: 978TC. Na página 8, consta que fora contratado como praticante por Cr$ 3,30 a hora. Na página 21, consta que paguei Cr$ 26,40 de imposto sindical, um dia de trabalho, relativo a 1953, para o sindicato que eu não sabia o que era nem onde era.

*Fernando Abrucio: Integração com o mundo vai além da economia

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O que bolsonarismo ainda não descobriu são os benefícios do diálogo e do intercâmbio de ideias, inclusive com aqueles que têm visões de mundo diferentes

É uma ótima notícia para o Brasil a possibilidade de acordo entre a União Europeia e o Mercosul. O país poderá ter uma série de ganhos econômicos caso consiga preparar bem sua economia - e aqui há muito trabalho. Mas esse casamento traz outro benefício: ele nos levará, de forma espontânea ou forçada, a dialogar mais com o mundo desenvolvido e com suas boas práticas de políticas públicas. A experiência internacional não trará respostas mágicas, mas é um antídoto contra velhos e novos provincianismos.

Antes de mais nada é preciso realçar que o acordo ainda não foi completamente fechado. Para isso, ele passará por várias etapas na União Europeia, inclusive a votação em cada Parlamento nacional. Ao longo desse périplo, muitas exigências serão feitas em relação às políticas públicas dos países do Mercosul. Temas como meio ambiente, direitos humanos, observância de regras trabalhistas, entre os principais, serão colocados em questão se o Brasil não cumprir uma agenda básica. E não adianta fazer discursos nacionalistas para a plateia: o governo terá que se adaptar às exigências europeias se quiser efetivamente um acordo comercial.

A alternativa ao dialogo é o confronto e a autoafirmação nacionalista. Por essa via não haverá nenhum acordo entre Mercosul e União Europeia. O plano da equipe econômica de abrir mais a economia fracassará se não tivermos contrapartidas dos outros, algo que virá sobretudo de pactos bilaterais ou multilaterais. Além disso, só teremos maiores benefícios desses acordos se o país fizer sua lição de casa, o que envolve modernizar a estrutura econômica, em campos como legislação de negócios, investimentos em infraestrutura, melhoria da educação etc. E para fazer tais aperfeiçoamentos, será de grande valia observar mais o que foi feito noutras nações, procurando boas práticas em políticas públicas e modelos de desenvolvimento.

Assim, aquilo que muitos no governo veem como limitação à soberania, particularmente o grupo que diz odiar o tal globalismo (incluindo o próprio presidente), pode se transformar num caminho de diálogo sobre as políticas públicas. Os benefícios de acordos comerciais podem ir além da economia.