segunda-feira, 8 de junho de 2020

Opinião do dia – *Fernando Henrique Cardoso

São tempos incertos os que vivemos. Neles a liderança deve apelar à racionalidade, ao bom senso, ao sentimento de solidariedade e de unidade nacional, admitir que não há caminhos fáceis nem soluções mágicas, e o País deve buscá-los de braços dados. O Brasil tem vulnerabilidades, como os grandes aglomerados urbanos onde milhões vivem do trabalho informal em moradias precárias. Sem falar dos desempregados e dos que perderam condições de se empregar. Tem limitações fiscais, que podem e devem ser flexibilizadas num momento de emergência social e econômica, mas não podem ser desconsideradas. E tem ativos como o SUS, instituições de pesquisa científica como a Fiocruz, universidades como a USP e outras, epidemiologistas de categoria internacional, militares e funcionários devotados ao serviço público, uma sociedade civil ativa, governadores e prefeitos que arregaçaram as mangas para enfrentar o desafio, uma imprensa atenta e instituições públicas de controle a zelar pelo bem comum, etc.

O que nos tem faltado é quem inspire, em vez de ódio e rancor, confiança em nós mesmos. Esta requer serenidade de quem busca despertá-la nos compatriotas; exige compostura, capacidade de convencer pelas ideias, e não pela ameaça.

O Brasil já contou com políticas e políticos que despertavam confiança. Convivi com Tancredo Neves, homem de fala mansa, mas de valores firmes. Foi um político de diálogo, atento à necessidade de buscar denominadores comuns em momentos críticos. E com Ulysses Guimarães, que sabia aliar ao diálogo a firmeza, quando necessário. E assim outros.

Que sua lembrança nos inspire a fazer frente aos arreganhos autoritários com firmeza e serenidade. E novos líderes encarnem o espírito enérgico e conciliador que marcou boa parte de nossa liderança, para em 2022 não se repetir a escolha trágica de quatro anos atrás.

*Sociólogo, foi presidente da República. “Tempos incertos”, O Estado de S. Paulo/ O Globo, 7/6/2020.

Fernando Gabeira - O fascismo eterno e o fascismo tabajara

- O Globo

Há obsessão com a conspiração, sobretudo a internacional. Esse talvez seja dos traços mais decisivos na política externa

Fascismo tabajara é uma feliz expressão criada pelo cientista político Luiz Werneck Vianna. Fascismo eterno é um conceito do intelectual italiano Umberto Eco e foi tema de uma de suas conferências nos EUA.

Como muita gente nova tem me perguntado o que é o fascismo, resolvi trabalhar um pouco o tema, partindo das características eternas do fascismo para suas manifestações tropicais. A conferência de Umberto Eco acabou resultando num livro de 64 páginas. Ele entende como fascismo esse regime nacionalista, autoritário, que vigorou na Itália e foi derrubado no final da Segunda Guerra.

Quando garoto, Umberto Eco participava de concursos de composições com esse tema: “Devemos morrer pelo glória de Mussolini e o destino imortal da Itália?” Como um garoto esperto, respondia que sim. Eco viu os americanos ocuparem a Itália, Mussolini ser executado e refletiu tantos anos sobre o fascismo que acabou extraindo do regime as suas características que sobrevivem aos tempos.

São 14 traços essenciais e, segundo Eco, não precisam estar todos presentes para definir um regime fascista. É temerário condensá-los num curto artigo e apontar sua manifestação tabajara.

Alguns, no entanto, são tão evidentes que não demandam profundas análises comparativas.

Ricardo Noblat - Dias de cão para um presidente perdido no seu labirinto

- Blog do Noblat | Veja

O pior ainda está por vir

Por onde começar o relato sobre os últimos dias que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de esquecer, e sobre os próximos que gostaria de evitar? Pela lambança dos números do coronavírus que destruiu o que restava de credibilidade ao Ministério da Saúde?

Pelas acanhadas manifestações contra o governo que ainda assim serviram para mostrar que os devotos do presidente perderam o monopólio das ruas? Ou por mais uma derrota que Bolsonaro colherá, esta semana, no Supremo Tribunal Federal?

Deixo para o texto seguinte a ameaça do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, de detonar o governo caso não o ajudem com dinheiro para pagar a conta de tantos processos que já perdeu na justiça. Olavo pede socorro.

Bolsonaro não tem a quem pedir socorro porque as dificuldades que enfrenta foram criadas por ele mesmo. Seu amigo de fé, camarada, o presidente Donald Trump, passou a citar o Brasil como um mau exemplo na guerra contra o Covid-19. E com razão.

A bancada do Partido Democrata em uma das comissões técnicas mais importantes do Congresso despachou uma carta a Trump se opondo a acordos comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil. Nada de moleza com um governo claramente antidemocrático.

O acordo Mercosul-Comunidade Econômica Europeia depende do consentimento unânime dos países europeus para entrar em vigor. O parlamento da Holanda votou contra o acordo. A política ambiental do Brasil (ou a falta dela) só inspira desconfiança.

*Marcus André Melo - Bolhas ideológicas?

- Folha de S. Paulo

É mais fácil deparar-se com informação contrária online que off-line

Entre fevereiro e março deste ano ocorreu um incremento gigantesco (24,4%) no tráfego do Twitter, equivalente a 1 bilhão de novos acessos. No Facebook, o incremento foi de 20,6% (4,3 bilhões de novas visitas).

São grandes as expectativas de que essa intensa digitalização afete a política, polarizando-a ainda mais. Elas assentam-se em processos de exposição seletiva à informação que levariam à formação de bolhas digitais. O viés de autosseleção impediria assim a exposição à informação contrária fazendo que as bolhas operem como câmaras de eco. As evidências sobre essas questões, contudo, são controversas.

O incremento citado, por exemplo, levou a uma explosão no acesso aos jornais mainstream nos EUA—o ao New York Times aumentou em mais de 50%— enquanto o dos blogs partidários não se alterou.

Em relação às bolhas, o gigantesco esforço de mapeamento por Joshua Tucker (Universidade de Nova York) e coautores tampouco corrobora o argumento padrão. Os autores investigam o tamanho das bolhas nos EUA em pesquisa com 1.500 usuários do Twitter que também forneceram acesso às 642 mil contas que seguem e aos 1,2 bilhão (sim, o número é estonteante) de tuítes que elas contêm. Os autores estimam a distribuição ideológica das contas com base em seus seguidores e tuítes que recebem e desagregaram as contas de políticos, veículos de mídia e público em geral.

*Celso Rocha de Barros - Bolsonaro quer privatizar o golpe

- Folha de S. Paulo

Os democratas da Ucrânia precisam tentar uma Lava Jato que não acabe em Bolsonaro

O primeiro projeto claro de privatização desse governo parece ser a privatização do golpe. Na última sexta-feira, em uma inauguração em Goiás, Bolsonaro defendeu zerar o imposto de importação de armamentos e disse por que vai fazer isso: “É uma boa medida que vai ajudar a todo o pessoal dos artigos 142 e 144 da nossa Constituição”.

Como se sabe, o submundo do crime bolsonarista mente que o artigo 142 da Constituição autoriza uma intervenção militar.

Armar golpistas é parte do plano de “ucranizar” o Brasil, termo que os bolsonaristas usam para defender conflitos de rua como os que se seguiram às manifestações de 2013-2014 na Ucrânia.

Uma matéria do Washington Post de 30 de outubro de 2019 indicava a preocupação das autoridades americanas com o fluxo de extremistas de direita que iam lutar na do leste da Ucrânia para adquirir experiência de combate.

Golpe estatístico- Editorial | Folha de S. Paulo

Como se pudesse praticar a censura, Bolsonaro tenta abafar dados da Covid-19

Ao mandar sonegar ao público dados completos sobre mortes e casos do coronavírus, Jair Bolsonaro deu fim ao pouco que restava de seriedade na forma com que seu arremedo de governo trata a epidemia hoje fora de controle.

O painel diário do Ministério da Saúde sobre Covid-19 sofreu vários golpes nos últimos dias. Primeiro determinou-se que sua atualização ocorresse apenas após as 22h, convenientemente após o horário nobre dos telejornais.

Não funcionou. Ganharam mais destaque, em informes extraordinários, as lúgubres cifras que põem o Brasil em segunda posição mundial no número de infectados e ainda em terceiro lugar no de óbitos —apenas por subnotificação, pois é certo que a mortandade nacional já ultrapassou a do Reino Unido.

A página do ministério na rede foi então retirada do ar. Quando voltou, exibia unicamente os casos e mortes registrados no dia anterior. Omitiram-se totais que atestam a incompetência do governo em liderar o combate local à pandemia. Pior: sumiram vias de acesso à base de dados detalhados.

Vinicius Mota - O povo contra o populismo

- Folha de S. Paulo

Aqui e nos EUA, ruas pedem respeito, democracia e responsabilização de poderosos

A batata do presidente Jair Bolsonaro vai assando lentamente. Neste fim de semana, com menos de 18 meses no cargo, conseguiu a proeza de reunir contra si um movimento de rua que tem tudo para engrossar nos próximos meses. De quebra, jogou mais lenha na fogueira dos crimes de responsabilidade ao interferir, com a sutileza de um Borat, nas estatísticas da pandemia.

Não é para qualquer um. Quando chega uma ameaça ao conjunto da sociedade, sob a forma de guerra ou de infecção mortal, o normal é a maioria da população sublimar divisões internas e cerrar fileiras com seu governante. Basta ter fosfato em volumes mínimos circulando no sangue para o mandatário surfar essa onda.

Na falta do mineral, outra opção seria o clássico “siga o líder”. Durante a crise, Donald Trump tem mesclado a sua volúpia bravateira com acenos ao consenso médico. Não pensou duas vezes na hora de propagandear que a política adotada nos EUA para combater o coronavírus se diferencia da catástrofe brasileira.

Leandro Colon - Eficiência, gestão e respeito

- Folha de S. Paulo

Os três pontos foram elencados no plano de governo de Bolsonaro para Saúde e Educação

No plano de governo entregue à Justiça Eleitoral em 2018, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro elencou três prioridades: segurança, saúde e educação.

Na Segurança, adotou uma retórica armamentista e entrou numa crise política grave ao perder o ministro que escolheu para comandar a área. Com a saída de Sergio Moro, Bolsonaro agora retoma a ideia de separar a Segurança da Justiça para agradar os amigos da bancada da bala como se essa fosse a solução.

Diz o plano de governo da campanha em sua primeira frase ao citar saúde e educação: “eficiência, gestão e respeito com a vida das pessoas”.

*Ruy Castro - O mensageiro da morte

- Folha de S. Paulo

Para Bolsonaro, de que importa se até seus eleitores estão morrendo? Eles já votaram em 2018

O confinamento nos tornou melhores. As pessoas se telefonam. Os mais novos ligam para os mais velhos. Os mais velhos ligam para os ainda mais velhos. Queremos saber como vão. Querem saber como vamos. Quem recebe o telefonema sente-se querido e reconfortado —alguém gosta de nós e quer se certificar de que estamos bem. Trocam-se ideias sobre como tornar o dia a dia menos vazio. E fala-se de amigos que se foram ou que estamos a ponto de perder.

Enquanto trocamos mensagens de vida, Bolsonaro exala o bafio da morte. Seu desprezo pela dor de seus governados é acachapante —morram quantos morrerem, isso não é com ele, é com “o destino”. Nenhum filho, pai ou esposo dos já atingidos mereceu uma palavra sua, exceto “E daí? Não sou coveiro”. Nenhum médico ou enfermeiro, que a cada minuto corre risco de contágio, recebeu um gesto de solidariedade de sua parte.

Sinais positivos, mas ainda com grandes incertezas – Editorial | Valor Econômico

Se voltarmos à situação de abril, o “fundo do poço” ainda estaria por vir

Na semana passada, a Receita Federal apresentou um dado alentador, em meio a essa enxurrada de notícias ruins ligadas à pandemia do coronavírus. Com base nas notas fiscais eletrônicas, o fisco informou que as vendas apresentaram, em maio, um aumento de 11,1%, na comparação com abril, em decorrência das medidas de estímulo econômico, adotadas pelo governo. O crescimento ocorreu em todas as regiões do país.

Há uma queda significativa, explica a Receita, quando os resultados de abril e maio são comparados com os mesmos meses de 2019. Ou seja, as medidas de isolamento para reduzir o contágio da população pelo novo coronavírus derrubaram as vendas, como era esperado.

Mas, o que os dados divulgados parecem sugerir é que o mês de abril deste ano pode ter sido “o fundo do poço”. O secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, disse ao Valor que os dados do início de junho indicam que a trajetória ascendente das vendas continua.

Ainda é cedo para afirmar que existe uma tendência de alta e em que intensidade ela está ocorrendo, pois é necessário esperar os resultados finais de junho e julho. Mas os dados da Receita parecem em linha com outros indicadores, que mostram uma certa reação da economia no mês passado, na comparação com abril.

*Bruno Carazza - De João 8:32 ao art. 211 do Código Penal

- Valor Econômico

Bolsonaro se parece cada vez mais com aqueles que criticava

Todo-poderoso da economia cubana desde a revolução socialista, Ernesto Che Guevara foi escolhido por Fidel Castro para comandar o Banco Central (1959-1961) e depois o recém-criado Ministério das Indústrias (1962-1967). No final de 1963, a diretoria executiva do Fundo Monetário Internacional enviou a Cuba uma carta denunciando o descumprimento de uma série de obrigações, entre elas o não fornecimento de dados sobre balanço de pagamentos e estatísticas financeiras e monetárias desde julho de 1961. Incomodada com as cobranças por maior transparência sobre a evolução da economia do país, a ditadura caribenha retirou-se do FMI em 2 de abril de 1964.

Quem assistiu à premiada série “Chernobyl” se lembra das imensas dificuldades enfrentadas pelo cientista Valery Legasov (interpretado por Jarred Harris) na sua tentativa de implementar um plano de mitigação das consequências do acidente nuclear. Temendo a repercussão negativa, tanto em termos internacionais quanto no apoio popular ao regime comunista, o governo soviético demorou não só a admitir a ocorrência do desastre, mas também em reconhecer sua gravidade. Até hoje não há um consenso sobre o número de mortes decorrentes do “acidente” - as estimativas variam de dezenas a milhares.

As denúncias sobre interferências no Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) - o IBGE da Argentina - remontam ao falecido presidente Néstor Kirchner. As acusações, que iam da falta de transparência à descarada manipulação de dados, tiveram continuidade nos mandatos subsequentes de sua esposa Cristina Kirchner. Chegou-se até mesmo a interromper o cálculo do índice de pobreza da população, sob a justificativa de que isso “estigmatizaria” as pessoas.

Atos frustram aposta de radicalização

Protestos contra Bolsonaro e pró-democracia ocorrem de forma pacífica pelo país

Por Marcelo Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO - A expectativa de que as manifestações nas ruas contra o governo Jair Bolsonaro, pró-democracia e antirracismo, realizadas ontem, pudessem acirrar os ânimos da crise política não se confirmaram. Os atos, em várias capitais do país, correram de forma pacífica, sem registro de problemas entre grupos opositores, retirando o trunfo da radicalização, que tem sido uma aposta do presidente para mobilizar seus apoiadores. Em São Paulo, porém, um grupo que durante a tarde havia participado da manifestação, foi dispersado pela Polícia Militar durante a noite para evitar que seguisse para a avenida Paulista, onde ocorreria um ato a favor do presidente Bolsonaro.

Além dos atos de rua, houve panelaços e buzinaços contra o presidente promovidos em diversas localidades, num fim de semana em que o governo federal foi muito criticado, dentro e fora do país, por causa da retirada do número de mortos de covid-19 do site do Ministério da Saúde.

No Rio, o ato em defesa da democracia e contra o racismo teve início a partir das 14h. Os manifestantes também lembraram a morte da vereadora Marielle Franco (Psol), em março de 2018. A manifestação foi acompanhada de perto pela Polícia Militar, mas não houve incidentes. Pela manhã, um ato em apoio a Bolsonaro foi realizado na Avenida Atlântica, na praia de Copacabana.

Milhares protestam contra Bolsonaro em meio à pandemia

Atos anti-Bolsonaro no país expõem rachas, provocam aglomerações e têm gritos contra racismo

Manifestações ocorreram em ao menos sete capitais; PM usou bombas para dispersar grupo de manifestantes em SP

Bruno B. Soraggi, Fábio Zanini, Daniel Carvalho | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - Atos anti-Bolsonaro em diferentes pontos do país neste domingo (7) ganharam o reforço de gritos contra o racismo, causaram aglomerações e expuseram a cisão entre movimentos e partidos de oposição ao governo.

Em São Paulo, em Brasília e no Rio, por exemplo, cartazes e faixas fizeram referência ao “vida negras importam” —o black lives matter, movimento que ganhou corpo nos EUA após a morte de George Floyd por um policial branco.

Houve atos contra o governo também em Belo Horizonte, Belém, Goiânia e Salvador, entre outras. Muitos deles marcados por aglomerações, em meio a uma média recente de cerca de mil mortos por dia na pandemia.

Os movimentos mantiveram o chamado para os atos mesmo após o questionamento sobre promover aglomeração em meio à pandemia —a estratégia do distanciamento social é a única forma efetiva de prevenção do contágio, segundo orientações médicas.

Os protestos, em geral, ocorreram de forma pacífica. Em São Paulo, um pequeno grupo de manifestantes foi dispersado pela tropa de choque da PM na região de Pinheiros cerca de três horas após o término do ato contra o presidente. Policiais lançaram bombas de efeito moral, enquanto moradores do bairro gritavam fascista e jogavam ovos e pedras contra os policiais.

No último domingo (31), em São Paulo, um ato contra Bolsonaro convocado por torcidas organizadas acabou sendo dispersado por bombas lançadas pela PM. O conflito ocorreu na avenida Paulista, onde naquele dia também havia uma manifestação a favor de Bolsonaro.

O Palácio do Planalto e o Governo do Distrito Federal, por exemplo, trabalhavam com a possibilidade de violência neste final de semana.

Desde o início da semana passada, Bolsonaro orientou sua militância a não comparecer à Esplanada dos Ministérios, como costuma fazer todos os domingos. Ao mesmo tempo, procurou elevar a temperatura chamando os manifestantes contrários ao governo de terroristas, maconheiros, marginais e black blocs.

Rio e São Paulo têm maiores atos antirracismo e contra governo Bolsonaro

Protestos a favor do presidente também foram registrados nas duas cidades e em Brasília, mas reuniram menor número de manifestantes

Bruno Marinho, Guilherme Caetano, Bruno Góes, Leonardo Sodré e Victor Farias | O Globo

RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA — As cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo concentram as maiores manifestações antirracismo e contra o governo do presidente Jair Bolsonaro registradas na tarde deste domingo. Também foram feitos protestos neste domingo com "panelaços" e "buzinaços" em diversas capitais contra o presidente. Na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, um protesto contra o racismo toma uma pista lateral da via. Organizado por coletivos e movimentos de comunidades do Rio, a manifestação gritou palavras de ordem contra a morte de pessoas negras no país em ações policiais. Em São Paulo, os manifestantes se concentraram no Largo da Batata, na região Oeste da capital paulista. O ato foi convocado por organizações de esquerda, como a Frente Povo Sem Medo, lideranças de torcidas organizadas e coletivos do movimento negro.

No ato do Rio, a polícia militar e o presidente Jair Bolsonaro foram os principais alvos dos manifestantes, que lembraram também a morte da vereadora Marielle Franco, em março de 2018. O assassinato do adolescente João Pedro, em São Gonçalo, durante operação policial na comunidade do Salgueiro, também foi muito reclamada pelos protestantes.

A concentração do protesto começou na altura do monumento à Zumbi dos Palmares, um dos maiores ícones do movimento negro no país, por volta das 14h. Cercada por um forte contingente de segurança, ela caminhou até a Igreja da Candelária sem incidentes. A polícia militar, formada por homens do Batalhão de Choque e do Batalhão Especial de Policiamento em Estádios, restringiu o grupo à faixa lateral da avenida e revistou manifestantes. Há relatos de pessoas que foram detidas ao chegarem ao protesto.

Em São Paulo, cartazes, bandeiras e cantos entoados na grande praça no bairro de Pinheiros tratavam de pautas diversas. Sobressaíram-se as críticas ao descaso do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus, a medidas consideradas autoritárias pelo presidente Jair Bolsonaro e a mortes de pessoas negras causadas pela polícia.

O protesto encheu o largo e frustrou a tentativa dos organizadores de manter o distanciamento de pelo menos um metro entre os manifestantes, para evitar a infecção pelo novo coronavírus. Ainda assim, os organizadores promoveram uma brigada de saúde, com dezenas de voluntários, que percorreram o local distribuindo álcool em gel e cartilhas ensinando a "lutar contra o fascismo em tempos de Covid", com orientações de higiene.

Brasil manchado também nos EUA – Editorial | O Estado de S. Paulo

Mais uma vitória sinistra foi alcançada pelo presidente Jair Bolsonaro, em seu esforço para transformar o Brasil em pária internacional. Ele poderá continuar aplaudindo, seguindo e imitando seu grande guru, o presidente Donald Trump, mas terá de abandonar a ambição de um acordo comercial com os Estados Unidos, pelo menos enquanto houver maioria democrata na Câmara dos Representantes. A busca de qualquer parceria econômica mais estreita com “o Brasil do presidente Jair Bolsonaro” será rejeitada, informaram 24 deputados democratas da Comissão de Orçamento e Tributos da Câmara. A declaração foi expressa em carta dirigida ao chefe do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), embaixador Robert Lighthizer. O embaixador havia anunciado em maio, depois de uma conversa com o chanceler brasileiro Ernesto Araújo, a intenção de intensificar a cooperação econômica entre os dois países.

Na mesma data da carta, 3 de junho, o Parlamento holandês aprovou moção contrária ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, assinado em 2019 e ainda pendente de ratificação pelos países participantes. A devastação da Amazônia foi o principal argumento a favor da moção. Mas também houve referência a riscos para os povos indígenas. Políticos citados pela imprensa europeia, nas discussões sobre o acordo entre os dois blocos, têm apontado o governo Bolsonaro como inimigo do meio ambiente e dos direitos humanos.

*Denis Lerrer Rosenfield - O caminho do arbítrio

- O Estado de S.Paulo

Estamos vivendo um processo semelhante ao da Venezuela chavista, só que de sinal trocado

Urge que o presidente Bolsonaro pare sua escalada rumo ao autoritarismo, mediante o uso indiscriminado do arbítrio. Decisões presidenciais num Estado democrático passam por uma série de mediações, sendo as mais importantes o Legislativo e o Judiciário, e no que concerne a este último, o STF. Arrogar a si a verdade e a decisão arbitrária só é fonte de confrontos incessantes.

Acontece que o presidente e sua família operam segundo a concepção schmittiana da distinção entre amigo e inimigo, fazendo que qualquer crítica ou divergência seja vista sob o prisma do inimigo a ser atacado. O mesmo vale para amigos em definições mutáveis, pois, ao passarem a ser considerados uma ameaça, tornam-se inimigos a ser abatidos – os casos mais eloquentes, Bebianno, Moro e Santos Cruz.

A distinção amigo-inimigo não é, todavia, exclusiva da extrema direita, vale também para a esquerda. O próprio Carl Schmitt, após ter sido apoiador entusiasta de Hitler, escreveu, no pós-guerra, que Mao e Lenin se encaixavam na mesma concepção, tecendo-lhes elogios. Chávez e agora Maduro são seus discípulos. A distinção lulopetista entre “nós” e “eles” é dessa mesma estirpe.

No caso da experiência venezuelana, considerada por Lula um exemplo de democracia, processou-se a subversão da democracia por meios democráticos. As instituições democráticas foram inicialmente preservadas, enquanto o seu interior foi progressivamente minado. A imprensa e os meios de comunicação em geral foram, passo a passo, calados, o Legislativo perdeu suas funções, com o presidente passando a legislar por decretos, e o Supremo Tribunal, após ser atacado, foi cooptado. Milícias foram criadas e passaram a violentar e controlar os cidadãos.

É grave a decisão de ocultar dados sobre a Covid-19 – Editorial | O Globo

Governo Bolsonaro retarda divulgação de números, tenta omitir total de mortos, mas recua após pressão

Uma das atitudes elogiáveis do Ministério da Saúde, antes mesmo de o Brasil registrar o primeiro caso de Covid-19, era a transparência. Em entrevistas coletivas, o então ministro Luiz Henrique Mandetta orientava a população sobre como se prevenir de um vírus que já se anunciava devastador. Com a chegada da pandemia, em fins de fevereiro, os informes diários do ministério serviam para divulgar números, traçar um panorama da evolução da doença, fazer projeções sobre o fim da epidemia e desmistificar fake news que contaminavam as redes.

Porém, desde a saída de Mandetta e de seu sucessor, Nelson Teich, ambos por divergências com o presidente Jair Bolsonaro, a transparência se tornou artigo tão escasso quanto respiradores. As coletivas foram esvaziadas, o ministério passou a divulgar os números cada vez mais tarde, e a metodologia das estatísticas foi alterada. Desde sexta, omitiu-se o total de mortos e infectados. No domingo, diante da repercussão negativa do fato, a pasta recuou.

Ana Maria Machado - Tentando respirar

- O Globo

Contra quem quer nos asfixiar, crescem movimentos suprapartidários

Sei que opinião individual não interessa. Não importa que, ao contrário do presidente, eu jamais tenha tido o impulso de ouvir filho atrás da porta e sinta engulhos diante de quem acha isso recomendável. Mas confesso uma posição pessoal: sou contra prorrogar mandatos. Por isso, não gostei nada quando se falou em adiar para outro ano as eleições municipais, a pretexto da pandemia. 

Ainda bem que Rodrigo Maia também pensa assim. E o ministro Barroso, agora presidente do TSE, está firme na busca de alternativas que garantam a continuidade democrática no pleito, sem irresponsabilidade sanitária. Acaba de autorizar convenções virtuais para escolha dos candidatos. E como os testes das urnas eletrônicas devem ser presenciais, que haja condições seguras de trabalho para os funcionários da Justiça Eleitoral neles envolvidos.

Pode-se fazer a votação em horário dilatado ou em mais de um dia. Talvez postergar um pouco a data, mas permitindo que a posse dos novos eleitos fique dentro do previsto na legislação. Talvez até valha considerar a hipótese de suspender a obrigatoriedade do voto neste pleito. Claro, a palavra final é do Congresso. Vejo que outros se preocupam com isso, não estou sozinha.

Cacá Diegues - Delicadeza e doçura

- O Globo

No Brasil, tratamos de espalhar a lorota da mestiçagem, a mentira das boas relações igualitárias

Seja de que natureza for, o racismo será sempre um horror. Da morte de um negro sufocado por um policial branco, às piadas contra chineses de um ministro da Educação, tudo que for negação agressiva da diferença natural entre seres humanos deve ser condenado. Mas o racismo não se manifesta do mesmo modo, entre os diferentes grupos humanos. É preciso consultar essas diferenças, cada vez que devemos reagir a essa depravação moral. Como agora, com o assassinato brutal de George Floyd.

No Brasil, onde o racismo se instalou desde que nossos “descobridores” chegaram às nossas praias em 1500, ele foi da violência selvagem da escravidão secular à malemolência de descendentes de senhores de escravos, que elegeram aspectos da cultura afro-brasileira como capazes de representar a nação. Hoje, os grandes clássicos de futebol são assistidos por uma torcida bastante especial, criada pela reforma que diminuiu e gentrificou o Maracanã, evitando miseráveis gerais. Assim como o samba acabou virando um ritmo de marcha militar, desfilando no Sambódromo de ingresso proibitivo. Entre uma coisa e outra, adotamos a “política do embranquecimento”, inventada por intelectuais na virada do século XIX para o XX, que, sejamos justos, não prescrevia a eliminação de uma raça, mas a sua transformação em outra, uma miscigenação que só existiria no Brasil.

Em debate, FH, Ciro e Marina defendem frente ampla contra Bolsonaro

Ex-presidente e os dois ex-ministros criticaram condução da crise do novo coronavírus pelo presidente

Dimitrius Dantas | O Globo

SÃO PAULO — O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e os ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) reforçaram a necessidade de união de lideranças políticas contra retrocessos democráticos em meio à crise política pela qual passa o país. Os três participaram de um debate mediado pela colunista do GLOBO, Miriam Leitão, na "GloboNews".

De acordo com o ex-presidente, o atual governo seria um símbolo do atraso. O presidente criticou a forma pela qual o presidente vem lidando com a crise do novo coronavírus, criando uma crise econômica e também institucional.

— O problema maior que temos no Brasil, e simbolizado pelos que estão no poder, é o atraso. Não é questão de ser de direita: eles são atrasados. Eles têm teia de aranha na cabeça, não conseguem ver a realidade, se agarram a fantasmas. Inventaram agora um tal de marxismo globalista. Não sei o que é isso, e olha que eu entendo dessas coisas — afirmou o ex-presidente.

O ex-ministro Ciro Gomes também afirmou que as forças políticas, mesmo que sejam adversárias, devem se unir para combater o que enxerga ser um risco para a continuidade da democracia no país. 

O pedetista aproveitou para criticar aqueles que "por mimimi" não participariam da luta pela proteção da democracia no Brasil. A declaração ocorre dias após o ex-presidente Lula ter declarado em reunião do PT de que não assinaria manifestos assinados por alguns dos adversários do partido, sobretudo aqueles que defenderam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Entrevista | Celso Lafer: “O Brasil é muito maior do que Bolsonaro’

- Vicente Vilardaga | IstoÉ - Edição 05/06/2020 - nº 2630

O jurista Celso Lafer, 78 anos, foi um personagem de destaque em vários momentos da história brasileira.

Coube a ele, por exemplo, organizar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92. Além disso, ocupou o cargo de ministro das Relações Exteriores por duas vezes, nos governos de Fernando Collor e de Fernando Henrique Cardoso. Escritor profícuo e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Lafer sempre esteve alinhado com a democracia e com os direitos humanos. Neste momento, portanto, ele tem muito com que se preocupar. Tanto que foi um dos signatários do manifesto Basta!, lançado no dia 31 de maio contra os persistentes ataques do presidente Jair Bolsonaro às instituições democráticas. Mais de 600 advogados assinaram o documento, que denuncia a ofensiva do presidente contra os outros poderes da República. Para Lafer, o governo Bolsonaro substituiu a lógica da cooperação pela do confronto, tanto no plano interno como nas relações internacionais, e está fazendo o País perder credibilidade. “Vivemos um momento de exacerbação dos ódios e o governo dá uma contribuição significativa para isso”, disse à ISTOÉ.

• O senhor é um dos signatários do manifesto Basta!, contra os ataques sucessivos de Bolsonaro à democracia. Qual é o objetivo desse manifesto?

Nós aqui no Brasil estamos vivendo um momento politicamente tenso e difícil, que está ligado à crise política, que se soma aos problemas econômicos e ao desafio da pandemia. Temos uma crise de saúde imensa, uma crise econômica muito respeitável e uma crise política que se soma às outras duas. É um problema triplo. E ela tem se colocado também em termos de debate e discussão muito acirrada por parte do Executivo sobre o papel dos demais poderes do Brasil, entre os quais o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso. Acho que para voltar ao tema básico da divisão dos poderes deve haver aí um respeito aos parâmetros que a Constituição estabelece. E a Constituição de 88, que é fruto da redemocratização, colocou como um de seus valores fundamentais a vida democrática e o pluralismo de ideias e opiniões, além do papel próprio das instituições nesta dinâmica.

• O senhor acha que a democracia está ameaçada?

Acho que as instituições são fortes e que você tem uma sociedade civil que está se manifestando com muita clareza, como se manifestou na semana passada em diversos documentos e declarações de múltipla abrangência, inclusive com o manifesto Basta!, e de pessoas de diversas linhas e de diversas orientações que sentiram importante manter esse terreno comum, onde pode haver concordância e discordância, mas onde é necessário que haja respeito e civilidade.

• O problema é que o ódio está dominando as relações políticas. Como evitar isso?

Nós estamos vivendo um momento de exacerbação dos ódios e para isso o governo dá uma contribuição muito significativa, pelo espírito que alimenta as facções que o apóiam e, inclusive, pela maneira de sustentá-lo por via das fake news. O filósofo espanhol Ortega y Gasset, em um dos seus primeiro livros, a Meditações do Quixote, diz que o ódio é um sentimento que conduz à aniquilação dos valores, promove a falta de conexão entre as pessoas e, ao fabricar essa falta de conexão, isola e desliga, pulveriza e corrói o papel dos indivíduos. O ódio tem um efeito deletério que corrompe e avilta o espaço público.

*César Mortari Barreira e Marcelo de Azevedo Granato - Partido ou pessoas?

- O Estado de S.Paulo

... quantos negariam que a derrota, em 2018, de Sarney, Jucá, etc., teve algo de libertador?

Uma das características do noticiário político do último ano é a fartura de nomes e a escassez de siglas. Noticia-se, frequentemente, sobre Bolsonaro, Lula, Witzel, Doria, Ciro, Moro, Huck, etc. Mas pouco aparecem PSL, PT, PSC, PSDB, PDT...

Isso decorre de fatores como a eleição de 2018, marcada pela rejeição à elite política, que rebaixou partidos estabelecidos, como DEM, PSDB, e alçou o PSL. Espera-se que o sistema partidário continue mudando nas próximas eleições, seja pelas restrições aos recursos do Fundo Partidário e ao acesso gratuito a rádio e televisão (artigo 17, parágrafo 3.º, da Constituição federal), seja pelo provável enraizamento da direita, hoje representada pela família Bolsonaro, ou pelo espaço ocupado por movimentos como MBL, Livres, etc. A ver.

Certo é que hoje o noticiário político segue a tendência manifestada nas eleições de 2018: primeiro vêm as pessoas e depois os partidos, o que nos remete ao fenômeno dos “partidos pessoais” de que falava Norberto Bobbio, isto é, ao “partido criado por uma pessoa em contraste com o partido em sentido próprio, que consiste, por definição, em uma associação de pessoas” (Contra os Novos Despotismos). Nesses partidos a lealdade ao chefe (tenha ele criado ou não o partido) é mais forte que ideias ou projetos que vão além dele; o partido, no fundo, serve para exprimir a personalidade do chefe.

Mas essa troca, de partidos por “pessoas-partidos”, é uma boa troca?

Música | Forró Pesado - Mariana Aydar/Chico César/Mestrinho

Poesia | Ascenso Ferreira - Minha escola

A escola que eu frequentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!

À sua porta eu estava sempre hesitante...
De um lado a vida... — A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
— O meu engenho de barro de fazer mel!

Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
— Quantas orações?
— Qual é o maior rio da China?
— A 2 + 2 A B = quanto?
— Que é curvilíneo, convexo?
— Menino, venha dar sua lição de retórica!
— "Eu começo, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olimpo
para os destinos da Grécia!"
— Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
— Agora, a de francês:
— "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
— Basta
— Hoje temos sabatina...
— O argumento é a bolo!
— Qual é a distância da Terra ao Sol?
— ?!!
— Não sabe? Passe a mão à palmatória!
— Bem, amanhã quero isso de cor...

Felizmente, à boca da noite,
eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d'Água...
E me ensinava a tomar a bênção à lua nova.

In: FERREIRA, Ascenso. Poemas: Catimbó, Cana Caiana, Xenhenhém. Il. por 20 artistas plásticos pernambucanos. Recife: Nordestal

domingo, 7 de junho de 2020

*Paulo Fábio Dantas Neto - Sobre coragem: esquerda e protestos de rua em hora de pandemia

O mito da coragem como parteira de soluções políticas tem prosperado muito nesses tempos de isolamento social e não apenas no ambiente sombrio da extrema-direita. Entre nós, democratas - em especial quem se auto localiza como democrata à esquerda - muitas pessoas sentem-se “culpadas” por estarem “fazendo nada” numa hora tão dramática. Essa culpa - que não nos deixa perceber, de modo profundo, o isolamento como também um gesto de cooperação social - torna as pessoas mais inclinadas a ver como benigna e superior a atitude de quem expõe sua própria pessoa e as de seus concidadãos, incluindo familiares e amigos, a um vírus de potência letal, em nome de uma causa. O impulso, então, é o de atender a um chamado mobilizador, para fazer, na rua, a sua parte e não se sentir alienado, ainda que seu móvel pessoal não coincida com a causa de quem faz o chamado.

Esse impulso heroico faz democratas sinceros duvidarem da eficácia da prudência política. A justificativa racional para o ato imprudente é de que não resta alternativa diante da ineficácia do método político “convencional” (eu diria democrático), em seu necessário tempo lento. Vamos, então, fazer aquilo que os políticos, que têm o dever de fazer, não fizeram. Aquilo o que? Tirar Bolsonaro. Estamos certos, ou ao menos esperançosos, de que indo à rua agora, faremos isso?

Não, não estamos, ao menos a maioria das pessoas não delira. O que se espera é ficar em paz com a consciência e/ou obter reconhecimento social de que fez alguma coisa que está ao seu alcance, como cidadão ou cidadã. Cada caso é um caso, é óbvio, mas penso ser comum dar-se o oposto do que diz a justificativa do gesto corajoso. O juízo negativo sobre o tempo e o método da política é veraz. Mas ele é resultado, não causa, da força interna, de caráter ético-político, que pode nos levar à rua.

Quero argumentar contra a ida às ruas nesse momento, sem com isso desconhecer a legitimidade desse impulso humano, que é precioso para que a política não se reduza a cálculos utilitários. E quero argumentar contra a ida às ruas propondo a democratas que se sentem tomados por esse impulso que não virem as costas a um juízo sobre sua eficácia. Quando a convicção desconsidera a eficácia, a política se dissolve na ideologia. Age-se só por convicção, sem medir as consequências do ato, para si e os outros. Para se ir à rua em momento de pandemia é preciso ter mais que convicções. A ação precisa ser, além de digna, útil. Numa palavra, é preciso ter, também, objetivos. Eles precisam estar além do desejo de quem os traça para serem traduzidos em público. Compartilháveis e negociáveis para que gerem ação realmente coletiva. Sem isso, consciências individuais podem até ser aplacadas pela coragem. Mas a democracia acabará cedendo espaço a algum tipo de mito.

*Fernando Henrique Cardoso - Tempos incertos

- O Estado de S.Paulo / O Globo

O que nos tem faltado é quem inspire confiança em nós mesmos, em lugar de ódio e rancor

Os tempos modernos caracterizam-se pela racionalização crescente, dizem os cientistas sociais. Se é verdade que nas culturas mais simples as crenças ditavam o que se devia fazer, com a complexidade do mundo contemporâneo, sobretudo pós-industrialização, a ciência substituiu as crenças. Se isso não vale para o transcendental, devia valer como baliza para as decisões, em especial as que implicam responsabilidade pública.

A ciência serve de guia para recomendar o provado, não elimina a necessidade de juízo político e moral sobre decisões a tomar. Dilemas difíceis chegam em situações de grande incerteza, como agora, pois não só o futuro parece indefinido, mas o presente se mostra volátil. Nestas horas é que mais se requerem lideranças para responder a desafios que exigem soluções complexas. É tarefa de todos ajudar nos resultados a partir do que se alcançou com o conhecimento. Mas os rumos são de responsabilidade moral dos que lideram. Cabe a eles decidir com base no conhecimento, pensando no que é bom ou mau para as pessoas.

Comentaristas repetem que enfrentamos uma “tempestade perfeita”. Chove e venta copiosamente: o coronavírus é pandêmico, a economia mundial está capenga, para não dizer paralisada ou regredindo, e em muitos países os donos do poder creem em mitos – que não são como os dos primitivos, aos quais não havia saber que se contrapusesse.

Assustados com a tempestade, os que, além de crer neles, pensam encarnar mitos, assumem ares de valentia. Na verdade, receiam que sua força se esvaia no confronto com a realidade, que não compreendem. Buscam culpados e inimigos, em vez de diálogo e convergência para atravessar o temporal com o menor dano possível para a economia e as pessoas, sobretudo as do andar de baixo.

Marco Aurélio Nogueira* - As ruas como recurso e dilema

- O Estado de S. Paulo

A democracia não vive sem protestos e gente nas ruas. Se um governo ameaça a sociedade, como pedir para os que se sentem afetados não se manifestarem? Há, porém, a pandemia e a correlação de forças

Como fazer manifestações presenciais – nas ruas – em plena pandemia? O vírus está vivo, em propagação ascendente, e todo contato é fonte de perigo. Manifestações aglomeram, mesmo quando feitas com organização.

Mas como pregar que as pessoas não se manifestem? É provável que muitas estejam cientes do contágio a que estarão expostas. Mesmo assim aceitam o risco, o que é meritório. Há um quê de paradoxal aqui: combate-se a crise sanitária com uma mobilização que, no limite, pode agravar a própria crise. Também ocorre que muitos manifestantes são pessoas já expostas diariamente ao vírus, para as quais ir ou não às ruas pode não fazer maior diferença em termos de segurança sanitária.

Talvez não haja outro modo de proclamar o mal-estar, a indignação, a revolta. Afinal, tem sido o próprio governo a promover tal estado de espírito coletivo. Martelando o conflito e o autoritarismo o tempo todo, Bolsonaro entrou em atrito com fatias crescentes da sociedade. Hoje, pesquisas indicam que seu apoio não passa de 30%, e é declinante. Inevitável que sempre mais gente queira ir às ruas, por a angústia para fora, sacudir o pó acumulado pelos longos meses de quarentena. É um estado de espírito que necessita de ponderação e análise circunstanciada da realidade concreta.

A democracia e a luta por ela não vivem sem protestos e gente nas ruas. Se um governo ameaça a sociedade com retrocessos autoritários, como pedir para os que se sentem afetados não se manifestarem? Além disso, precisamos admitir que a política institucional não está respondendo à sua própria crise, aos abusos do governo e ao sofrimento popular. Seus setores mais “saudáveis” estão carentes de pressão e apoio.

Entrevista | José Arthur Gianotti: 'País está derretendo como um sorvete', diz filósofo

Professor aposentado da USP vê tática de enfrentamento em Bolsonaro e acredita que presidente quer Estado aos moldes da Venezuela

Thiago Herdy | O Globo

SÃO PAULO - Aos 90 anos, o professor aposentado de filosofia da USP José Arthur Giannotti está certo de que a tática de enfrentamento de Jair Bolsonaro é essencial a seu projeto de poder. “Temos um procedimento sistemático de um presidente que força a legalidade até um ponto, ele dá um passo além, em seguida dá um passo recuando”, diz. Fundador do PT e por décadas referência intelectual do PSDB, Gianotti acredita que o presidente quer instalar um Estado aos moldes da Venezuela, de modo que “instituições que deveriam cuidar da democracia impeçam qualquer funcionamento dela”. “Olho pela janela de casa, fico vendo as árvores que tenho em frente, e não vejo país. O país está se derretendo como um sorvete”, lamenta.

• No dia seguinte à eleição de Bolsonaro, o sr. disse que o presidente precisaria se civilizar. O que aconteceu?

Bolsonaro já se apresentava como pessoa que correspondia em alto nível a essa onda mundial contra a democracia. Houve um enorme erro da política petista — de fato foi progressista em aumentar a renda das pessoas, mas desastrosa do ponto de vista da produtividade do capitalismo brasileiro. Temos até hoje uma onda antipetista, o Lula se transformando em um deus que se olha a si mesmo, e um procedimento sistemático de um presidente que força a legalidade até um ponto. Ele dá um passo além, em seguida dá um passo recuando. Aos poucos, vai instalando o Estado de modo em que ele possa se transformar em uma Venezuela.

• Por que Venezuela?

Trata-se de se apropriar da maquinaria do Estado brasileiro, de modo que as instituições que deveriam cuidar da democracia impedem qualquer funcionamento dela. O importante é ter um Supremo que vote as leis que o Bolsonaro queira. E isso ele pode tentar fazer na medida em que nomear um ou dois ministros. Ele pode também buscar ter força suficiente no Congresso, para poder nomear outros.

- Merval Pereira - Manipulação de dados

- O Globo

Seremos um dos únicos países do mundo em que a curva dos infectados será derrubada por uma canetada

Teremos em poucas dias mais confusão estatística provocada pela obsessão do governo Bolsonaro de manipular os números oficiais. O aumento das queimadas na Amazônia e na Mata Atlântica foi negado pelo ministério do Meio-Ambiente, a ponto de haver uma intervenção no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até que a realidade ficou patente.

Agora, teremos várias contagens dos mortos e infectados pela Covid-19, pois o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Congresso estão dispostos a colher os dados diretamente das fontes estaduais para obter um número mais próximo da verdade possível, enquanto o ministério da Saúde pretende esconde-los.

O governo é tão desorganizado que deixou evidente desde o inicio sua intenção de não revelar os dados da Covid-19 para grande parte da população, depois que os ministros técnicos - Luis Henrique Mandetta e Nelson Teich - saíram por absoluta impossibilidade de trabalhar.

Atrasou a divulgação dos dados para que eles não fossem anunciados pelo Jornal Nacional, mas quando a má-fé ficou evidenciada, o jornalismo da Rede Globo decidiu noticiar os números oficiais na hora em que fossem divulgados, o que fez com que a novela fosse interrompida para o anúncio, com uma audiência muito maior.

*Gustavo Binenbojm - As Forças Armadas e a Constituição

- O Globo

Juristas delirantes ressurgiram com teses heterodoxas sobre exercício de poder moderador pelas Forças Armadas

Jair Bolsonaro certamente não sabe quem foi Carl Schmitt. Então, para ficarmos na mesma página, vou apresentá-lo brevemente. Schmitt foi um jurista alemão que inspirou as concepções totalitárias do Estado hitlerista, contribuindo para jogar por terra os fundamentos liberais e democráticos da Constituição de Weimar. Para Schmitt, o estado de direito seria suspenso em momentos de crise, não havendo aí senão que o poder da força.

Neste estado de exceção, as decisões seriam livremente tomadas pelo soberano, sem qualquer limitação das leis. Às Forças Armadas cumpriria o papel de atuar como fiel da balança do jogo político, dando respaldo às decisões do ditador até que restabelecida a normalidade institucional. O resto da história é conhecido. Milhões de seres humanos inocentes foram assassinados pela fúria bestial do regime nazista.

Do segundo pós-guerra para cá, a democracia constitucional espalhou-se pelo mundo ocidental, retomando as noções de estado de direito e governo limitado. No Brasil, a Constituição de 1988 representou a vitória desses ideais, sem qualquer espaço para hiatos ditatoriais. A distribuição de funções entre distintos Poderes constituiu uma espécie de poliarquia na qual nenhum deles é soberano, mas todos devem igual reverência à Constituição. Para situações de grave abalo institucional, há regras excepcionais que preveem a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio, condicionados a controles exercidos pelo Legislativo ou pelo Judiciário.

Quando todos achávamos que o ideário totalitário havia sido jogado na lata de lixo da História, eis que alguns juristas delirantes ressurgiram com teses heterodoxas sobre o exercício de um poder moderador pelas Forças Armadas. Mais exótico ainda: sustentam que o art. 142 da Constituição daria guarida a esse suposto papel dos militares de árbitros dos conflitos entre Poderes. Alinho, a seguir, quatro razões pelas quais a tese não resiste a um sopro de bom senso.

Ricardo Noblat - Contra a tortura dos números e o assassinato da verdade

- Blog do Noblat | Veja

A hora de dar-se as mãos

Está nos dicionários:

Ignorância: estado de quem não tem conhecimento, cultura, por falta de estudo, ou de experiência, ou de prática.

Burrice: característica, particularidade ou condição de burro (sem inteligência).

Jair Bolsonaro, e muitos dos que o cercam, são burros na maioria das vezes. E, algumas vezes, apenas ignorantes.

Saúde é um dos temais mais sensíveis na hora dos eleitores decidirem em quem irão votar. É o que provam as pesquisas.

Não é de hoje. Foi sempre assim. E será com mais razão depois de uma pandemia como esta que não tem data para terminar.

Eles não esquecerão que Bolsonaro deu passe livre ao Covid-19 para matar, e, depois, tentou esconder o número de mortos.

Os cemitérios não mentem. Em 2022, a memória destes dias ainda não terá se apagado e pesará nas costas de quem foi relapso.

Devagar com o andor – Editorial | Folha de S. Paulo

Há risco de flexibilização da quarentena em SP realimentar avanço da epidemia

O plano de relaxamento da quarentena no estado de São Paulo não inspira confiança quanto a ser este o momento certo para afrouxar as restrições. Não faz muito o governador João Doria (PSDB) ameaçava com um trancamento (“lockdown”), e a marcha de uma epidemia não se altera tão rápido assim.

Reconheça-se que o governo paulista, até aqui, venha atribuindo a correta prioridade à saúde pública —acima de conveniências políticas e econômicas— na definição de medidas de enfrentamento dos impactos do novo coronavírus.

Também é elogiável que tenha explicitado parâmetros para classificar cada região em uma das cinco fases programadas de distanciamento social. Isso permite discutir mais objetivamente a oportunidade de flexibilizar a paralisação de diferentes setores.

Causou espécie, de pronto, a exclusão do município de São Paulo da fase de alerta máximo, que só admite serviços essenciais. Ela permanece em vigor nas outras 38 cidades da região metropolitana e na Baixada Santista, que têm fluxo diário de pessoas para a capital —o qual se intensificará com o atrativo de centros de compras e serviços abertos em tal proximidade.

Janio de Freitas – Salvar o que resta

- Folha de S. Paulo

Um teste para militares, milicianos e o que ainda existe de regime democrático

A repulsa a Bolsonaro e seus agentes precisou de um ano e cinco meses de antigoverno para, enfim, mostrar que não é apenas um sentimento coletivo. Tem corpo, tem vida, pode mover-se e move-se. Com passos iniciais mas decididos, nomes expostos sem temor e já os primeiros atos públicos bem sucedidos em Porto Alegre, São Paulo, Manaus, Rio e outros despertares.

Esses opositores da volta ao autoritarismo começam uma caminhada sem certeza de onde pisam, envoltos em nebulosidade institucional que nenhuma declaração, civil e muito menos se militar dissipa. É uma ação defensiva de algo que, em grande parte, não existe mais. A rigor, o regime vigente não é mais aquele nascido em 1985, com a exclusão da ditadura e modelado nas ambições democráticas da Constituição. Em que regime vivemos, não se sabe.

Bruno Boghossian – Aposta na insubordinação

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro tenta atropelar governadores e incentiva repressão a protestos

Jair Bolsonaro lançou as bases para um novo conflito com governadores. Depois de sabotar medidas de isolamento contra o coronavírus para satisfazer seu projeto de poder, o presidente agora mira as polícias estaduais e as ações desses agentes durante os protestos que acontecem em algumas capitais.

Nos últimos dias, Bolsonaro fez acenos às forças de segurança comandadas pelos governos locais. Estimulou a repressão a manifestantes e disse esperar que policiais militares “façam seu devido trabalho se porventura esses marginais extrapolarem os limites da lei”.

Com essa sinalização, o presidente atropela a autoridade de governadores e tenta reforçar ainda mais seus laços com essas corporações, onde a simpatia pelo nome de Bolsonaro vem de seus tempos como deputado. De quebra, ele aposta em potenciais confrontos nas ruas para alimentar sua propaganda contra os protestos organizados por seus opositores.

Hélio Schwartsman - Quão essencial é a religião?

- Folha de S. Paulo

Questionamento pode ser respondido sob diversas perspectivas

Um dos itens que sempre provocam polêmica quando se discute o cronograma de reabertura são as igrejas. Quão essencial é a religião?

A pergunta pode ser respondida sob diversas perspectivas. Num plano mais teológico, supondo que exista mesmo uma entidade onisciente, benevolente e que faça questão de ser adorada por humanos, ela certamente compreenderá o momento de excepcionalidade pandêmica que vivemos e aceitará preces e orações feitas em qualquer lugar. O fiel não perderá pontos por rezar fora da igreja.

Há quem sustente que templos devem ter prioridade na retomada porque a religião e seus cultos teriam o dom de tornar as pessoas mais éticas, o que seria socialmente relevante no momento. Não há, porém, nenhuma evidência empírica de que isso seja verdade. Pelo contrário, pesquisas sugerem que a religião não é um fator relevante quando se avaliam as atitudes morais e o nível de altruísmo das pessoas.

Há, por fim, a perspectiva do bem-estar. Aqui, a ciência está do lado dos religiosos. Dados de milhares de estudos mostram uma clara correlação positiva entre frequência a templos e indicadores subjetivos de felicidade, satisfação com a vida e até de saúde e longevidade. Ocorre que a maior parte desses efeitos pode ser atribuída à rede de interações sociais positivas e frequentes que a religião promove. Por essa lógica, igrejas deveriam reabrir quando reabrissem os clubes, centros de convivência e grêmios esportivos, que também proporcionam satisfação e saúde a seus usuários.

Vinicius Torres Freire - Três horror e uma saída pós-pandemia

- Folha de S. Paulo

Acemoglu pinta panoramas de opressão estatal e privada, mas aponta saída progressista

O mundo pode continuar no caminho da degradação até o ponto de surgir algo ainda pior do que desigualdade, descrença na democracia e nacionalismo populista. Pode sucumbir à tentação de adotar um despotismo eficaz como o da China. Talvez se renda à opressão privada das empresas gigantes de tecnologia.

Daron Acemoglu pinta esses cenários para um mundo depois da pandemia. Saída: retomar os avanços da social-democracia, prejudicada pela maré conservadora que subiu nos anos 1980.

Economista, historiador e professor do MIT, Acemoglu ficou mais conhecido pelo livro “Por que as Nações Fracassam”, que escreveu com James Robinson. Cedo ou tarde, deve ganhar um Nobel por algum dos seus trabalhos teóricos, um monte impressionante. Na idiotice do debate brasileiro, seria chamado de “ortodoxo”. Publicou no site Project Syndicate um artigo sobre o Estado no pós-Covid.

Varejo político não pode prejudicar apoio à democracia – Editorial | O Globo

Desavenças menores e questões pessoais têm de ser deixadas de lado neste momento

As ameaças à democracia que partem do bolsonarismo levam à união de forças políticas pontualmente adversárias, mas que compartilham a defesa das liberdades e dos demais direitos republicanos que constam da Constituição de 1988, resultado de uma longa travessia de 24 anos por uma ditadura militar.

Os manifestos em prol da democracia que começaram a circular no último fim de semana expressam este movimento de união de forças que divergem, mas entendem a importância da preservação das liberdades, da mesma forma como aconteceu na ditadura militar, quando manifestos passaram a circular a partir do momento em que os controles sobre a imprensa foram relaxados. Não eram simples textos de propaganda política, mas documentos que marcavam pontos de união entre grupos contrários ao arbítrio, da direita liberal à esquerda. Acontece o mesmo agora.

Mas alguns segmentos à esquerda ainda resistem a esta obviedade histórica, talvez muito condicionados pelos objetivos varejistas da luta ideológica, ou nem isso, que não deveriam impedir o entendimento amplo na defesa da democracia. Sem ela, a via eleitoral para a rotatividade das diversas forças políticas no poder fica obstruída. É lamentável que a miopia da luta político-partidária e vetos pessoais prejudiquem a construção de uma frente democrática.