sábado, 15 de agosto de 2020

Opinião do dia – Hannah Arendt* (A propaganda totalitária)

Somente a ralé e a elite podem ser atraídas pelo ímpeto do totalitarismo, as massas têm que ser conquistadas por meio da propaganda. Sob um governo constitucional e havendo liberdade de opinião os movimentos totalitários que lutam pelo poder podem usar o terror somente até certo ponto, como qualquer outo partido, necessitam granjear aderentes e parecer plausíveis aos olhos de um público que ainda não está rigorosamente isolado de todas as outras fontes de informação.

*Hannah Arendt (1906-1975), “Origens do totalitarismo”, p. 474, Companhia de Bolso, São Paulo, 2020,

Merval Pereira - Do bolso ao cérebro

- O Globo

Ao mesmo tempo em que é surpreendente para quem o rejeita, e esses são menos do que já foram, passando de 44% para 34%, a melhora de Bolsonaro na pesquisa Datafolha é explicável. Vale lembrar que essa recuperação de popularidade é em relação à própria performance, mas ele continua sendo mal avaliado em relação aos outros presidentes no mesmo período de governo, só superado por Collor, o que não quer dizer nada se levarmos em conta o confisco da poupança.

O presidente Bolsonaro confiscou nossa auto-estima como povo, transformando o país num pária internacional, mas está recuperando eleitorado em várias frentes, até nas classes mais educadas e mais ricas, porque parou de fazer confusões diárias, reduzindo o grau de incerteza em que acordávamos todos os dias.

Esse apoio tem se mostrado resiliente tanto quanto o ministro da Economia Paulo Guedes, que foi a razão de boa parte do eleitorado, especialmente no Sul e Sudeste, apostar nesse azarão que se mostrou o único viável para derrotar o PT e, ao mesmo tempo, retomar uma política econômica liberal que havia sido perdida desde a saída do PSDB do poder em 2002.

Mas esse apoio provavelmente será revertido caso o ministro Paulo Guedes saia do governo, ou se ficar sem forças para barrar as manobras para furar o teto de gastos, e outras ações que abalam a credibilidade financeira do país.

O impressionante é que esse eleitorado, a suposta elite nacional, não tenha reagido às mais de 100 mil mortes pela Covid-19, preferindo a tese bolsonarista de que a economia tinha que ser reaberta mesmo sem segurança. Mais inexplicável do que a aceitação da volta ao trabalho dos precarizados e desempregados, de menor renda, que dependeram do auxílio emergencial e do funcionamento da economia para sobreviver. A conversa de Bolsonaro de que estava mais preocupado com a vida dos cidadãos, e por isso queria abrir tudo, bateu forte nesse eleitorado.

Ascânio Seleme - Bolsonaro tem razão

- O Globo

Ele foi muito claro ao dizer esta semana que “a ideia de furar o teto existe, o pessoal debate, qual o problema?”. Problema nenhum

O presidente está certo. Não dá para impedir e não há nada de mau que as pessoas debatam questões. Ele foi muito claro ao dizer esta semana que “a ideia de furar o teto existe, o pessoal debate, qual o problema?”. Problema nenhum. É verdade também que a ideia de que a família Bolsonaro é corrupta também existe. O pessoal debate. Afinal, a casa usou dinheiro vivo e mal explicado para se dar bem. Ao que tudo indica, o dinheiro empregado na compra de imóveis e para pagar contas da família é público. Ou alguém acha que o dinheiro desviado em rachadinhas pertencia aos funcionários que tiveram parte dos salários surrupiada? Claro que não, eram quase todos fantasmas contratados apenas para viabilizar os desvio. Trata-se de dinheiro do contribuinte. Então o pessoal debate, qual o problema?

Foi um festival de gastos com dinheiro vivo que beneficiou Jair, seus filhos, sua mulher, suas ex-mulheres e seus netos. A turma toda tirou lasquinhas do Erário em benefício próprio. Michelle recebeu depósitos de Fabrício Queiroz. As “ex” Rogéria e Ana Cristina também se locupletaram. Ana comprou cinco imóveis com dinheiro vivo. Rogéria, mais modesta, comprou um apartamento em cash. Dois dos três zeros praticaram rachadinha, assim como o pai. Um deles, o zero mais velho, pagou mensalidades escolares dos netos do presidente com dinheiro arrecadado por Queiroz. Ele mesmo comprou uma loja de chocolates para lavar dinheiro. As pessoas estão discutindo isso por aqui. Qual o problema?

Ainda em 2018, soube-se que o então deputado Bolsonaro recebia auxílio moradia da Câmara mesmo tendo imóvel em Brasília. Questionado por um jornalista sobre a irregularidade, respondeu que usava o dinheiro “para comer gente”. O pessoal acha que Bolsonaro usou dinheiro público ilegalmente e de sobra mostrou como é muito mal-educado. Em junho do ano passado, o presidente foi obrigado judicialmente a pedir desculpas públicas à deputada Maria do Rosário, a quem ofendera em 2014 dizendo que não a estupraria por ela ser “muito feia”. E daí surge um outro debate, este sobre a grossura do presidente. Nenhum problema.

Míriam Leitão - Bolsa Família e Bolsonaro

- O Globo

“O voto do idiota é comprado pelo Bolsa Família”, disse Jair Bolsonaro, certa vez. Ele já definiu esse programa como a forma de “tirar dinheiro de quem produz para dar para quem se acomoda”, e pediu que fosse extinto. Em 2017, em Barretos, afirmou que “para ser candidato a presidente tem que falar que vai ampliar o Bolsa Família”. No mundo inteiro, o Bolsa Família sempre foi elogiado por ter foco, baixo custo, e porque através dele foi criada uma rede de proteção social aos mais vulneráveis no Brasil. Esse presidente, que tem tal desprezo por essa política social, fará agora o Renda Brasil. Seu objetivo é um só: o de se reeleger.

Todas as ações anteriores de Bolsonaro negam qualquer compreensão da importância de políticas de transferência de renda. Em março, foram cortados 158 mil beneficiários do Bolsa Família, 61% eram no Nordeste. Os governadores, então, foram ao Supremo, que na semana passada confirmou a decisão do ministro Marco Aurélio de proibir novos cortes enquanto durar a pandemia. Em junho, o governo tentou tirar dinheiro do Bolsa Família para gastos com publicidade do Planalto. Na quinta-feira passada, o ministro Paulo Guedes, em entrevista a um instituto espanhol, revelou que haverá um acréscimo de seis ou sete milhões de beneficiários. No dia da reunião sobre o teto, Guedes gastou um bom tempo falando no Alvorada que o Renda Brasil será criado. Era uma forma de dizer para o presidente que cortaria gastos, mas daria para ele o Bolsa Família com outro nome.

Julianna Sofia – Autoengano

- Folha de S. Paulo

Teto de gastos não será óbice a seus planos de reeleição

Não acreditem em Jair Bolsonaro. Nas 72 horas que sucederam a revoada do ninho liberal de Paulo Guedes (Economia), o presidente fez, por duas vezes, juras de amor ao teto de gastos —regra que limita o aumento das despesas públicas. Entre uma e outra declarações, deu uma fraquejada: "A ideia de furar o teto existe, o pessoal debate, qual o problema?".

Empunhar a bandeira do liberalismo, do Estado mínimo, das privatizações e da austeridade fiscal sempre foi ato mimetizante de Bolsonaro frente a Guedes para seduzir os donos do PIB. Nunca convenceu, quanto mais agora, que começa a colher os frutos da popularidade depois de R$ 500 bilhões despejados em ações contra a nefasta pandemia. Não há de ser o teto o óbice a seus planos de reeleição, por certo.

Não acreditem em Paulo Guedes. O ministro anuncia a debandada de auxiliares e a investida de colegas fura-teto como forma de pressionar o Palácio do Planalto a renovar os votos pela responsabilidade fiscal e evitar a "zona sombria" do impeachment. Ora, o mesmo Paulo Guedes tentou, em vão, recente operação Mandrake para destinar recursos do Fundeb para o Renda Brasil (novo Bolsa Família) e, assim, burlar o teto.

Hélio Schwartsman - A vacina

- Folha de S. Paulo

Esperar o fármaco parece ser o melhor roteiro, mas será que sua chegada representará o fim de nossos problemas?

Nossa esperança de controle da pandemia de Covid-19 agora recai sobre a vacina. O novo mantra é que devemos aguentar por mais alguns meses sob a versão degenerada de normalidade que conseguimos criar até que o imunizante esteja disponível e todos possamos regressar à normalidade normal.

Esse parece ser mesmo o melhor roteiro. Mas será que a chegada da vacina representará o fim de nossos problemas? Infelizmente, não é tão simples. E nem estou falando da dificuldade logística de produzir bilhões de doses de um imunizante, distribuí-las e aplicá-las em populações que talvez resistam à ideia.

Muito do efeito que a vacinação terá sobre a pandemia depende das características do produto. O fator mais sensível é a eficácia. Não será nenhuma surpresa se uma vacina desenvolvida às pressas não se revelar muito boa. Suponhamos que ela tenha uma eficácia de 40%.

Demétrio Magnoli* - Lukachenko, tirano e vassalo

- Folha de S. Paulo

Presidente bielorrusso tem os traços de um fantoche ideal

No rastro de uma eleição farsesca, enquanto manifestantes sofriam brutal repressão, o presidente da Belarus, Aleksandr Lukachenko, recebia duas mensagens de congratulações.

Uma, do chinês Xi Jinping, desejando-lhe “muitas felicidades”, e a outra, mais específica, do russo Vladimir Putin, dizendo que o resultado “atende aos interesses fundamentais dos povos fraternos da Rússia e da Belarus” e assegura “relações de mútuo benefício em todas as áreas”. Ditadores ajudam uns aos outros —mas há algo mais neste caso.

Xi e Putin temem, acima de tudo, protestos nas ruas. As balas de borracha e a munição real empregadas pelas forças de segurança de Lukachenko, as 6.000 prisões, os espancamentos de detidos —tudo isso serve como alerta disciplinário para chineses e russos. O que aflige Putin, em particular, é o espectro de uma “Maidan bielorrussa”, isto é, a reprodução da revolução ucraniana de 2014 no Estado-vassalo vizinho.

Putin orienta-se pelo manual clássico da geopolítica russa, que enxerga o corredor de planícies entre a Alemanha e a Rússia europeia como estrada de trânsito de exércitos invasores. Há uma história longa, dramática, pontuada por Napoleão e Hitler, que sustenta o raciocínio.

Depois da implosão da URSS, a Otan avançou suas forças até a fronteira oriental polonesa. Moscou não classifica Belarus como nação soberana, mas como ativo territorial de profundidade estratégica russa.

Oscar Vilhena Vieira* - Perverso pacto racial

- Folha de S. Paulo

Sem derrotar o racismo, jamais nos humanizaremos como nação

O racismo é uma invenção branca voltada a naturalizar a exclusão, a subordinação e a exploração da população negra, assim como a legitimar a violência contra pretos e pardos, sem a qual a dominação branca não subsistiria.

O racismo está presente em todas as esferas da vida brasileira. Ele reforça e aprofunda a persistente desigualdade política, econômica e social. O racismo basicamente exclui os negros da esfera política e conspira para sua subordinação e exploração no âmbito econômico, assim como estabelece hierarquias e discriminação na vida privada, nas relações pessoais e mesmo afetivas. Nada escapa a essa ideologia difusa, intricada, mas sempre cruel do racismo.

As últimas semanas foram pródigas em expor a violência e a discriminação impostas contidamente a pessoas pelo simples fato de serem negras ou professarem uma religião de origem africana. Como salienta Flávia Oliveira, “o racismo não dá trégua”.

A resistência heroica de Dandara e Zumbi de Palmares, passando por Tereza de Benguela, Luís Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, Laudelina de Campos Mello, Carolina de Jesus e Abdias do Nascimento, chegando a Marielle Franco, são a demonstração de que o povo negro jamais abdicou de denunciar as injustiças e lutar pela igualdade.

Essas lutas do povo negro levaram ao fim da escravidão e promoveram inúmeros avanços, alguns deles expressos na Constituição de 1988 e em políticas afirmativas e antidiscriminatórias colocadas em prática nas últimas décadas.

Ricardo Noblat - Metade dos brasileiros decidiu passar o pano em Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

Se todos são culpados, ninguém é

A julgar pelos resultados da nova pesquisa do Datafolha, a maioria dos brasileiros decidiu absolver Jair Bolsonaro dos seus pecados. Quase metade dos entrevistados nos últimos dias 11 e 12 disse acreditar que o presidente não tem culpa alguma pelo fato de o coronavírus ter matado mais de 100 mil pessoas no país.

Dos 52% que responderam que ele tem, sim, apenas 11% o veem como principal culpado, e 41% como um dos culpados, mas não o principal. Naturalmente, o maior percentual dos que passam o pano em Bolsonaro está os que consideram seu governo ótimo ou bom e que votaram nele no segundo turno da eleição de 2018.

A turma do andar de cima, que ganha mais de 10 salários mínimos por mês, aponta Bolsonaro como o principal ou um dos culpados pelas mortes. A do andar de baixo, que ganha até dois salários mínimos e que se beneficiou com o auxílio emergencial para combater a doença, acha justamente o contrário.

E não dá importância ao fato de que ele minimizou a pandemia chamando-a de gripezinha, boicotou as medidas de isolamento social decretadas por governadores e prefeitos, defendeu a volta ao trabalho para salvar a economia, e recomendou o uso de uma droga que se revelou ineficaz para deter o vírus.

Mais de 3 milhões de brasileiros já foram infectados pelo Covid-19, segundo os registros oficiais, mas o número provavelmente é muito maior por causa da subnotificação. E daí? Exatos 49% dos entrevistados concordam com a afirmação genérica de que o Brasil não fez o suficiente para livrar-se do flagelo.

João Gabriel de Lima - Precisamos de prefeitos padrão Colômbia

- O Estado de S.Paulo

Com sorte, ouviremos muito sobre urbanismo social nas campanhas municipais

Em sua conta no Instagram, a prefeita de Bogotá, Claudia López, percorre bairros assolados pela pandemia – nunca sem máscara. Nas horas de folga, flana pela cidade em sua bicicleta – nunca sem capacete. Numa live na semana passada, a “alcaldesa” lamentou a tragédia do coronavírus, mas disse que a situação poderia levar a uma modernização na mobilidade urbana. Para compensar a restrição de passageiros nos ônibus do TransMilenio – o BRT que interliga Bogotá –, ela criou 84 novos quilômetros de ciclovias. Claudia López pretende aumentar as faixas para bicicletas em 50% até o fim do mandato.

A opção pelas duas rodas não é capricho de prefeita que anda de bike. Trata-se de uma tradição da cidade. Em 1974, por demanda de moradores, Bogotá foi pioneira em fechar ruas para ciclistas. Hoje, 7% dos deslocamentos da cidade são em bicicletas, maior índice da América Latina. Andar de carro em Bogotá é um tormento. Em média, seus motoristas perdem 191 horas por ano em congestionamentos. “Temos que atacar esse problema e também evitar que o planeta acabe por causa das emissões de carbono”, disse Claudia López na live. “A bicicleta pode ser uma solução para as duas coisas.”

São Paulo dá café, Minas dá leite, Vila Isabel dá samba – e a Colômbia é celeiro de prefeitos instagramáveis e premiados internacionalmente. Em Bogotá, Claudia López segue a trilha de Antanas Mockus e Enrique Peñalosa. Em seus mandatos, eles transformaram a cidade em referência no urbanismo, apesar do trânsito. Por causa deles – e de prefeitos que, com a ajuda da sociedade civil, estancaram a criminalidade na Medellín de Pablo Escobar –, a Colômbia se tornou a Meca do urbanismo social, a vertente mais vibrante do debate atual sobre cidades. Com sorte, ouviremos muito a expressão nas campanhas municipais.

Adriana Fernandes - É o dinheiro das eleições!

- O Estado de S.Paulo

O comando do Ministério da Economia não ofereceu resistências à MP e não viu problemas no uso de créditos extras

É a pressa do calendário político que move o acordo do presidente Jair Bolsonaro com lideranças partidárias do bloco do Centrão para enviar ao Congresso uma Medida Provisória (MP) que abre um crédito extraordinário de cerca de R$ 5 bilhões para custear investimentos em infraestrutura e ações indicadas por parlamentares.

Esse tipo de crédito é uma das poucas exceções possíveis para que despesas fiquem livres de qualquer limitação imposta pelo teto de gastos e pode ser feito por meio de MP. É com esses créditos que o governo tem liberado recursos para o enfrentamento da covid-19 no chamado orçamento de guerra.

Em ano eleitoral, os parlamentares querem mesmo é ver recursos na mão e bem rápido. Simples assim. A pandemia do coronavírus é só o pano de fundo. Não há uma política coordenada, bem desenhada e planejada de investimentos públicos para estimular a retomada econômica, como defendem muito economistas de dentro e fora do governo.

Como o Palácio do Planalto argumenta que a quantia de R$ 5 bilhões não é tanto dinheiro assim e que há espaço fiscal, Bolsonaro bem que podia tentar um remanejamento de recursos do Orçamento via crédito suplementar.

O problema técnico e político do crédito suplementar é que ele tem que ficar dentro do teto e só pode ser aberto se cancelar outra dotação orçamentária. Pelo valor proposto, o mais provável é que a liberação dos recursos exigisse, ao final, projeto de lei e não a edição de um decreto. Levaria, portanto, mais tempo, o que os políticos não têm.

Sergio Fausto* - Trump e Bolsonaro, semelhanças inquietantes

- O Estado de S.Paulo

Ao olhar os Estados Unidos, vemos também o Brasil. Há diferenças, claro, mas...

No início de maio um grupo de manifestantes ostensiva e fortemente armados irrompeu na Assembleia Legislativa de Michigan para protestar contra a quarentena decretada pela governadora democrata para deter o crescimento da pandemia. Donald Trump não demorou a disparar um tuíte em apoio aos manifestantes. O fato de o grupo de brutamontes (todos homens, todos brancos) estar portando rifles não pareceu digno de nota ao presidente americano. Jair Bolsonaro teria vibrado, a julgar pelo que disse na famigerada reunião ministerial de 22 de abril, em que defendeu armar o povo para enfrentar prefeitos e governadores.

Em julho, a retórica incendiária do presidente americano inflamou-se ainda mais. Prefeitos democratas de cidades onde eram realizadas manifestações, em geral pacíficas, do movimento Black Lives Matter foram acusados de nada fazerem para evitar a “anarquia social”. Da retórica Trump passou à ação, enviando agentes policiais da União para reprimir os protestos, em decisão que pode configurar abuso do poder presidencial. Os agentes federais, camuflados como militares em guerra, têm agido com violência injustificável, enquanto Trump chama os manifestantes de “marginais”. Bolsonaro os teria chamado de “terroristas e maconheiros”. Ao menos foi o que disse a respeito de quem saiu às ruas no começo de junho para protestar contra o seu governo.

Atrás em todas as pesquisas de opinião, sem controle sobre a pandemia, Trump está na busca desesperada por uma narrativa que o mantenha no páreo para as eleições de novembro. Quer ser o candidato da lei e da ordem.

Marco Aurélio Nogueira* - Os democratas norte-americanos e seus demônios

-Revista Será? (PE)

Como toda boa organização política, o Partido Democrata norte-americano é um compósito de correntes. Tem sua direita, seu centro e sua esquerda, que se batem entre si especialmente durante as convenções partidárias, quando as eleições presidenciais chegam à fase das definições e as campanhas ganham cara, força e ritmo.

As alas à esquerda costumam ser mais combativas, como é de esperar. Vocalizam grupos enraizados no mundo cultural e acadêmico. São expressivas nos movimentos por direitos e reconhecimento. Fazem política de um modo particular, no qual a ideologia e o simbolismo têm papel de destaque. Renegam o pragmatismo e gostam de promover o desgaste das candidaturas partidárias, sobretudo as presidenciais. Alegam que a pressão interna é decisiva para que o Partido Democrata não esmoreça e combata o sistema.

Em 2016, fuzilaram Hillary Clinton e contribuíram, indiretamente, para afastar eleitores progressistas ou predispostos a apoiar a candidata do partido. Os demônios partidários terminaram por tirar parte dos votos de Hillary.

Estão ensaiando fazer o mesmo hoje, mediante a interposição de vetos (discretos ou ostensivos) a Joe Biden e à escolha da senadora Kamala Harris como sua companheira de chapa. As ressalvas se apoiam em críticas à “elite democrática”, que só olharia para os próprios interesses, não ouviria as vozes mais jovens nem daria a devida ênfase às questões identitárias e às reformas sociais. Em certos setores, dá-se maior importância ao passado de Kamala Harris – que foi procuradora do estado da Califórnia – que a seu significado político na disputa eleitoral de 2020. Chega-se mesmo a dizer que a senadora é uma “policial” travestida de democrata e indiferente aos eleitores negros mais jovens.

Marcus Pestana* - As mudanças recentes na conjuntura política

Como estávamos em 2019? A radicalização ideológica atingiu grau máximo. Manifestações pela volta do AI-5 e pelo fechamento do Congresso Nacional e do STF reafirmaram a divisão do país, na reprodução modificada do nefasto nós contra eles, que já vigia na era petista. O Presidente se pronunciava diariamente em temas polêmicos estimulando o bolsão mais radical do bolsonarismo. A recuperação econômica após a grande recessão do Governo Dilma era tímida e lenta. O desemprego permanecia em níveis elevados.

A base parlamentar do governo era frágil para sustentar as inadiáveis reformas. O desgaste na imagem do país foi enorme nos campos ambiental, educacional, dos direitos humanos e diplomático. De bom houve a reforma da previdência, graças à lucidez das lideranças congressuais. Mas municípios e estados ficaram de fora. Resultado: inflação baixa, PIB crescendo insuficientes 1,1%, desemprego alto, queda na aprovação do governo federal e tensão institucional inédita.

Veio a pandemia. Já são mais de 105 mil vidas brasileiras perdidas. O foco da sociedade e dos governos se voltou inteiramente para a saúde. O SUS e a saúde suplementar foram submetidos a um teste radical. Com o isolamento social, período para acúmulo de informações sobre o vírus e a preparação da retaguarda hospitalar, responderam satisfatoriamente. Infelizmente, o governo federal renunciou a seu papel coordenador. Ao contrário, patrocinou o confronto com governadores e prefeitos. As desigualdades profundas foram escancaradas. Os invisíveis tornaram-se visíveis. O Congresso Nacional assumiu o protagonismo aprovando o estado de calamidade pública, o auxílio emergencial, o “orçamento de guerra”, o apoio de crédito às empresas e o programa de manutenção dos empregos.

Wade Davis*- O Fim da Era Americana: O desmoronamento da América

- Revista Rolling Stones, edição 06/08/2020

Nunca em nossas vidas experimentamos um fenômeno tão global. Pela primeira vez na história do mundo, toda a humanidade, informada pelo alcance sem precedentes da tecnologia digital, se uniu, focada na mesma ameaça existencial, consumida pelos mesmos medos e incertezas, antecipando ansiosamente os mesmos, por enquanto promessas não realizadas da ciência médica.

Em uma única estação, a civilização foi derrubada por um parasita microscópico 10.000 vezes menor que um grão de sal. COVID-19 ataca nossos corpos físicos, mas também os alicerces culturais de nossas vidas, a caixa de ferramentas da comunidade e conectividade que é para o humano o que garras e dentes representam para o tigre.

Nossas intervenções, até o momento, têm se concentrado principalmente em mitigar a taxa de disseminação, achatando a curva de morbidade. Não há tratamento disponível e nenhuma certeza de uma vacina no horizonte próximo. A vacina mais rápida já desenvolvida foi para caxumba. Demorou quatro anos. COVID-19 matou 100 mil americanos, em quatro meses. Há algumas evidências de que a infecção natural pode não implicar imunidade, deixando alguns questionando a eficácia de uma vacina, mesmo supondo que uma possa ser encontrada. E deve ser seguro. Se a população global for imunizada, complicações letais em apenas uma pessoa em mil implicariam na morte de milhões.

Pandemias e pragas costumam mudar o curso da história, e nem sempre de uma maneira imediatamente evidente para os sobreviventes. No século 14, a Peste Negra matou quase metade da população da Europa. A escassez de mão de obra levou ao aumento dos salários. As expectativas crescentes culminaram na Revolta dos Camponeses de 1381, um ponto de inflexão que marcou o início do fim da ordem feudal que dominou a Europa medieval por mil anos.

A pandemia COVID será lembrada como um desses momentos da história, um evento seminal cujo significado só se revelará na esteira da crise. Isso marcará esta era tanto quanto o assassinato do arquiduque Ferdinand em 1914, a quebra do mercado de ações em 1929 e a ascensão de Adolf Hitler em 1933 se tornaram referências fundamentais do século passado, todos os arautos de resultados maiores e mais consequentes.

Torpor moral – Editorial | O Estado de S. Paulo

Grande parte da opinião pública considera as múltiplas barbaridades cometidas por Bolsonaro não só aceitáveis, como irrelevantes

A aprovação popular do presidente Jair Bolsonaro melhorou consideravelmente, segundo pesquisa recente do Datafolha. Passou de 32% em junho para 37% agora a parcela de brasileiros que consideram Bolsonaro “ótimo” ou “bom” mesmo com mais de 100 mil compatriotas mortos numa pandemia que poderia ter sido mitigada se o presidente não tivesse desdenhado da doença nem das vítimas; mesmo com a economia em ruínas e com perspectivas sombrias graças à falta de rumo do governo; mesmo com a destruição do Ministério da Educação, com efeitos avassaladores para o futuro do País; mesmo com a devastação da Amazônia a olhos vistos, estimulada pela leniência oficial; mesmo com a transformação do Brasil em pária internacional graças a uma política externa ideologicamente sustentável; mesmo com o sistemático descumprimento de todas as promessas de campanha, inclusive aquela que garantia que Bolsonaro não recorreria ao toma lá dá cá no Congresso; e mesmo com o aparecimento inexplicável de cheques suspeitos na conta da primeira-dama, algo que, em outros tempos e com outros personagens, causaria furor nacional.

Que a popularidade do presidente tenha aumentado entre os mais vulneráveis da população, justamente aqueles que dependem da ajuda do governo federal para atravessar as terríveis provações causadas pela pandemia, é compreensível, mas não deixa de ser amargo: trata-se da comprovação de que uma parcela significativa dos brasileiros se dá por satisfeita e fica feliz com o governo quando tem o que comer.

O espectro – Editorial | Folha de S. Paulo

Caso Queiroz deve ser esclarecido para definir grau de envolvimento de Bolsonaro

Um espectro ronda o bolsonarismo. Não se trata, como suporiam seguidores do presidente, do comunismo da abertura do manifesto de Karl Marx e Friedrich Engels, mas de uma pessoa: Fabrício Queiroz.

Amigo e auxiliar de Bolsonaro desde 1984 e por último empregado no gabinete de deputado estadual de seu primogênito, o hoje senador Flávio (Republicanos-RJ), Queiroz está no centro das investigações e suposições acerca de práticas ancestrais da família.

Ele foi mandado de volta à prisão, assim como sua antes foragida mulher, Márcia. Livre, ele adulterava provas comprometedoras para a apuração, segundo despacho do Superior Tribunal de Justiça. O casal estava em prisão domiciliar.

Nos últimos dias, apurações do Ministério Público do Rio adensaram a suspeita de que Queiroz, Flávio e o presidente formavam um núcleo de atuação coeso.

A filha do ex-assessor, Nathalia, teria abastecido o esquema das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio com 77% do que ganhou no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro de janeiro de 2017 a setembro de 2018.

Popularidade de Bolsonaro cria risco fiscal – Editorial | O Globo

Descartar o teto de gastos para favorecer o projeto político do presidente seria um disparate

Nenhuma pesquisa equivale à realidade, mesmo assim os últimos números do Datafolha bastam para comprovar a inflexão na queda de popularidade sofrida pelo presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia. Apesar da responsabilidade inequívoca dele na tragédia das 106 mil mortes, nunca tantos brasileiros aprovaram seu governo. Aqueles que o consideram ótimo ou bom somaram 37% — eram 32% no final de junho. Os que o julgam ruim ou péssimo foram 34% — eram 44%. Desde a posse, é a primeira vez que mais gente aprova do que reprova a gestão Bolsonaro.

São dois os motivos para isso. Primeiro, o auxílio emergencial de R$ 600, distribuído a 65,3 milhões de brasileiros em virtude da pandemia. Entre os que solicitaram o benefício, a aprovação de Bolsonaro é 6 pontos maior. Três quintos da alta na popularidade vêm, diz o Datafolha, da população com renda familiar de até três salários mínimos. A reprovação a Bolsonaro caiu 13 pontos nessa faixa desde junho, e também 13 pontos entre os que têm instrução fundamental. No Nordeste, região a que Bolsonaro tem se dedicado com afinco, a reprovação caiu 17 pontos, enquanto a aprovação subiu 6. O auxílio serviu para que ele atraísse o eleitorado tradicionalmente associado ao lulismo.

Música | Gloria Estefan - Samba

Poesia | Vinicius de Moraes - Copacabana

Esta é Copacabana, ampla laguna
Curva e horizonte, arco de amor vibrando
Suas flechas de luz contra o infinito.
Aqui meus olhos desnudaram estrelas
Aqui meus braços discursaram à lua
Desabrochavam feras dos meus passos
Nas florestas de dor que percorriam.
Copacabana, praia de memórias!
Quantos êxtases, quantas madrugadas
Em teu colo marítimo!

- Esta é a areia

Que eu tanto enlameei com minhas lágrimas
- Aquele é o bar maldito. Podes ver
Naquele escuro ali? É um obelisco
De treva - cone erguido pela noite
Para marcar por toda a eternidade
O lugar onde o poeta foi perjuro.
Ali tombei, ali beijei-te ansiado
Como se a vida fosse terminar
Naquele louco embate. Ali cantei
À lua branca, cheio de bebida
Ali menti, ali me ciliciei
Para gozo da aurora pervertida.

Sobre o banco de pedra que ali tens
Nasceu uma canção. Ali fui mártir
Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo
Aqui encontrarás minhas pegadas
E pedaços de mim por cada canto.
Numa gota de sangue numa pedra
Ali estou eu. Num grito de socorro
Entreouvido na noite, ali estou eu.
No eco longínquo e áspero do morro
Ali estou eu. Vês tu essa estrutura
De apartamento como uma colmeia
Gigantesca? em muitos penetrei
Tendo a guiar-me apenas o perfume
De um sexo de mulher a palpitar
Como uma flor carnívora na treva.
Copacabana! ah, cidadela forte
Desta minha paixão! a velha lua
Ficava de seu nicho me assistindo
Beber, e eu muita vez a vi luzindo
No meu copo de uísque, branca e pura
A destilar tristeza e poesia.
Copacabana! réstia de edifícios
Cujos nomes dão nome ao sentimento!
Foi no Leme que vi nascer o vento
Certa manhã, na praia. Uma mulher
Toda de negro no horizonte extremo
Entre muitos fantasmas me esperava:
A moça dos antúrios, deslembrada
A senhora dos círios, cuja alcova
O piscar do farol iluminava
Como a marcar o pulso da paixão
Morrendo intermitentemente. E ainda
Existe em algum lugar um gesto alto,
Um brilhar de punhal, um riso acústico
Que não morreu. Ou certa porta aberta
Para a infelicidade: inesquecível
Frincha de luz a separar-me apenas
Do irremediável. Ou o abismo aberto
Embaixo, elástico, e o meu ser disperso
No espaço em torno, e o vento me chamando
Me convidando a voar... (Ah, muitas mortes
Morri entre essas máquinas erguidas
Contra o Tempo!) Ou também o desespero
De andar como um metrônomo para cá
E para lá, marcando o passo do impossível
À espera do segredo, do milagre
Da poesia.

Tu, Copacabana,

Mais que nenhuma outra foste a arena
Onde o poeta lutou contra o invisível
E onde encontrou enfim sua poesia
Talvez pequena, mas suficiente
Para justificar uma existência
Que sem ela seria incompreensível.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Opinião do dia – Cármen Lúcia*

Inteligência é atividade sensível do Estado, mas está posta na legislação como sendo necessária. Arapongagem é crime. Praticado pelo Estado, é ilícito gravíssimo. O agente que obtém dados sobre quem quer que seja fora da legalidade comete crime.

*Cármen Lúcia, ministra do STF, em julgamento, 13/8/2020

Merval Pereira - Abin sob controle

- O Globo

O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a assumir o papel de defensor das liberdades civis ao exigir que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), reformulada para atender ao desejo do presidente Bolsonaro de obter informações, muitas vezes além dos limites legais, precisará de autorização judicial sempre que quiser dados específicos de uma pessoa ou entidade.

A tônica dos votos foi a desconfiança de que o novo órgão seja usado para obter dados de todos os setores de inteligência do governo sem que o “interesse público” esteja em jogo. O futuro presidente do Supremo, ministro Luis Fux, foi direto: “Há justo receio” porque “recentemente se disse que a Abin deveria saber mais do que sabe”, referindo-se à famosa reunião ministerial onde Bolsonaro queixou-se dos órgãos de informação do governo.

A ministra Carmem Lucia, relatora da ação que deu o tom do julgamento, frisou inicialmente que “arapongagem, pra usar uma expressão vulgar, mas no dicionário, essa atividade não é direito, é crime. Praticado pelo estado, é ilícito gravíssimo”. Para ela, “qualquer fornecimento de informação, mesmo entre órgãos públicos, que não cumpra rigores formais do direito e nem atenda ao interesse público configura abuso de direito e contraria a finalidade legítima posta na lei da Abin. (...) Não é possível ter como automática a requisição sem que se saiba por que e para quê”.

Míriam Leitão - A renovação da economia

- O Globo

Cinquenta milhões de hectares de pastagens produzem menos da metade do que poderiam produzir porque o solo perdeu qualidade. Isso é território equivalente a dois terços do Reino Unido. Imagine que o país invista em tecnologias simples, como curva de nível? Isso elevaria em R$ 20 bilhões a capacidade de geração de renda da mesma área. A pecuária tem 28% de ineficiência, se ela fosse combatida, o país poderia produzir 10% a mais no mesmo espaço, isso seriam 20 milhões de cabeças de gado. Além disso, deixariam de ser derrubados 15 milhões de hectares de floresta.

Se a gente fizer contas assim chegará a bilhões ou trilhões de reais acrescidos ao PIB brasileiro. Foi isso que o WRI Brasil fez para calcular o quanto o país tem a ganhar se escolher uma nova forma de produzir na retomada da economia. O mundo inteiro está discutindo isso — é o chamado green new deal — e a conclusão mais inteligente é que adotando medidas para converter a economia para novos padrões de baixa emissão o país cresce mais e melhor. E gera mais empregos. O número final impressiona. O PIB pode crescer 38% a mais até 2030, no melhor cenário, o que significa R$ 2,8 trilhões.

— O Brasil tem 200 milhões de hectares de pastagem, 70% das pastagens brasileiras tem algum nível de degradação. Sem proteção básica do solo, a chuva leva todo o fertilizante e é preciso colocar mais. Em vez de recuperar esse solo já ocupado, o país avança sobre a floresta e desmata. De cada 10 hectares de pasto na Amazônia, sete foram de desmatamento dos últimos 35 anos — diz Rafael Barbieri, economista sênior do WRI.

Hélio Schwartsman - O Brasil merece Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Sinais de que as bandeiras do capitão reformado não podiam ser levadas a sério sempre estiveram presentes

Fatalismo é o nome genérico dado às várias doutrinas filosóficas segundo as quais o futuro, por necessidade lógica, determinismo causal ou mais simploriamente pela vontade de Deus, está traçado desde o início dos tempos, de modo que resistir é inútil.

O fatalismo anda de mãos dadas com a ideia, tão cara a algumas vertentes do protestantismo, de predestinação, que, no fundo, diz que cada um recebe o que merece. Meu ponto, e agora eu vou ser cruel, é que o Brasil merece Bolsonaro.

Ele, afinal, foi eleito democraticamente pela pluralidade dos cidadãos que se manifestaram nas urnas. É verdade que o capitão reformado nunca prometeu cometer estelionato eleitoral, mas os sinais de que suas bandeiras não podiam ser levadas a sério sempre estiveram presentes para quem quisesse ver.

Bruno Boghossian – O PT caça suas próprias bruxas

- Folha de S. Paulo

Partido finge não ver problema em candidatura e ainda pode perder tempo com caça às bruxas

O PT preferiu fazer pouco caso diante da adesão de eleitores identificados com o partido à candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo. Afinal, o ex-ministro Celso Amorim não vota no município, e Chico Buarque nem é filiado à legenda, argumentaram dirigentes.

Os petistas fingiram não ver o problema. O partido comandou a Prefeitura por 12 anos em três décadas, mas penou para definir um nome na disputa deste ano. A vaga ficou com Jilmar Tatto, ex-deputado, ex-secretário e integrante de um clã que domina redutos políticos da zona sul.

De saída, a escolha não empolgou. Petistas notórios declararam apoio a Boulos, como o cientista político André Singer, o ex-presidente do PT Tarso Genro e a ex-deputada Bete Mendes, fundadora da legenda.

Ruy Castro* - Criminoso, mentiroso, e daí?

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro reage com indiferença às acusações que lhe fazem. Sabe que não levarão a nada

Jair Bolsonaro é chamado de criminoso todos os dias por uma infinidade de veículos, analistas e motivos. Destes, o principal é a acusação de genocídio por sua atuação diante da Covid-19, trabalhando pela disseminação da pandemia para que, quanto mais gente morra, mais depressa venham a imunização e a retomada da economia, essenciais para sua reeleição. Bolsonaro reage ao estigma com “E daí?” e, quando se digna a se defender, diz, sem ruborizar: “Fiz o possível e o impossível para evitar mortes”. Sem esquecer seu desprezo pelos povos indígenas, sujeitos à dizimação pela doença e pela expulsão de suas terras.

A destruição do meio ambiente e o desmonte dos serviços de proteção igualmente se enquadram na categoria crime. Bolsonaro é acusado de praticá-los desde que assumiu, sob olímpica tolerância de uma força que, no tempo do marechal Rondon, era comprometida com sua defesa —o Exército.

Reinaldo Azevedo – Lamento, O governo Bolsonaro funciona

- Folha de S. Paulo

A Amazônia arde e, na Saúde, um general tenta esconder montanha de mortos

Salim Mattar e Paulo Uebel, membros até esta terça-feira (11) da ala dita liberal daquele ajuntamento que toma Brasília, resolveram deixar suas respectivas secretarias. E, então, se falou em crise do governo Bolsonaro. Será mesmo? De qual governo?

Uma ilustração. Nesta quinta, já em campanha eleitoral, o presidente foi ao Pará. Discursou: “[Mandei] a esse estado maravilhoso aqui, mesmo sem comprovação científica, mais de 400 mil unidades de cloroquina para o tratamento precoce da população. Eu sou a prova viva de que deu certo. Muitos médicos defendem esse tratamento. E sabemos que mais de 100 mil pessoas morreram no Brasil. Caso tivesse sido tratado (sic), lá atrás, com esse medicamento, poderiam essas vidas terem (sic) sido evitadas (sic). E mais ainda: aqueles que criticaram a hidroxicloroquina não apresentaram alternativas”.

Emprega-se o advérbio latino “sic”, que significa, em tradução adaptada, “assim mesmo, com exclamação!”, quando uma transcrição traz erros, absurdos, disparates. Reparem que, em seu gramaticocídio homicida, Bolsonaro tentou dizer “vidas poupadas”, mas saiu “vidas evitadas”. Na sua fala, a diferença entre viver e morrer é um lapso.

A primeira tentação é recorrer à metáfora do hospício para definir o que vai em Brasília. Seria um erro. Um ajuntamento de malucos não deve ser coisa bonita de se ver, mas a fealdade, suponho, é algo compensada pela inocência culposa. Fala-se aqui de atos dolosos.

Oportunismos distintos resolveram se combinar na certeza de que dispunham de esperteza o suficiente para instrumentalizar o adversário interno e impor a sua, vá lá, agenda. Amalgamaram-se, assim, o reacionarismo delirante, o liberal-passadismo e o nacional-estatismo de uniforme.

Vinicius Torres Freire - Chororô liberal e o desgoverno Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Fracassos do reformismo se devem à desordem política e administrativa do Planalto

O episódio da “debandada” provocou um chororô dos liberais, além de escancarar intrigas no Ministério da Economia.

Paulo Guedes forçou um recuo dos “fura-teto”, mas tem dificuldade de avançar porque ele mesmo não tem plano organizado, porque o governo não tem iniciativa, programa, competência e está dividido quanto ao que fazer da economia. Se não fosse por um general “fura-teto” e pelo Congresso, Jair Bolsonaro e seus “liberais” estariam com uma corda no pescoço.

Guedes depende de conveniências menores de Bolsonaro e do programa passivo do comando da Câmara. Do pouco que sai do Planalto, Rodrigo Maia e seu grupo vetam ou autorizam o que pode tramitar —não há plano organizado em acordo com uma coalizão no Congresso.

Tais decisões talvez mudem um pouco de figura, pois todos os líderes do governo e da maioria são agora deputados e senadores do MDB e do PP; todos menos um foram ministros de Dilma Rousseff e de Michel Temer, aliás.

Os liberais reclamam que são minoritários, preteridos e tratados como corpos estranhos no malévolo paquiderme estatal. Queixam-se do “deep state”, burocratas que andariam por porões brasilienses a sabotar privatizações etc. Talvez devessem mandar um telegrama de protesto para Guedes, pois em tese o ministro nomeou sua equipe e toma decisões.

Talvez se lembrem também de que os governos “social-democratas” privatizaram mais do que eles, os liberais. Os “comunistas” do primeiro governo FHC, como diz Bolsonaro, quebraram o monopólio estatal do petróleo, venderam a Vale, as teles, ferrovias e uma estatal elétrica, pelo menos. Os de Itamar Franco abriram a economia e venderam a CSN, a Açominas, a Cosipa e a Embraer.

Luiz Carlos Azedo - A fome do Centrão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A vida de Guedes não será fácil: remanejar R$ 5 bilhões do orçamento deste ano, cujo deficit deve chegar a R$ 800 bilhões, para investir em obras públicas nos estados e municípios”

O acordo com o Centrão custará R$ 5 bilhões ao Tesouro da União, em plena pandemia, por causa das eleições municipais deste ano. Esse foi o trato feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com o presidente Jair Bolsonaro, para manter o “teto de gastos” e, ao mesmo tempo, atender à demanda de investimentos em obras dos parlamentares do Centrão, que se articulam com os ministros da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e os militares do Palácio do Planalto, entre os quais o general Luiz Ramos, secretário de Governo. A pressão decorre das demandas de prefeitos e vereadores que apoiam os parlamentares que agora integram o esquema de sustentação política de Bolsonaro no Congresso.

O velho toma lá, dá cá renasce das cinzas a cada eleição municipal. O acordo foi sacramentado na reunião de Bolsonaro com Guedes, os ministros e os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além dos senadores Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, e Eduardo Braga (AM), líder do MDB; e os deputados Arthur Lira (AL), líder do Progressistas, e Ricardo Barros (Progressistas-PR), novo líder do governo na Câmara. Todas raposas felpudas do Congresso, profissionais da política que conhecem o caminho das pedras das verbas federais e as articulações parlamentares que miram as eleições municipais.

Dora Kramer - Gás paralisante

- Revista Veja

Bolsonaro troca de armas para neutralizar o inimigo eleitoral

Sergio Moro saiu e o mundo não se acabou. A pergunta da hora é se o mundo (vale dizer, o governo) acaba caso Paulo Guedes saia. Não só não acaba como pode até consolidar o recomeço em busca da conquista de novas paragens eleitorais que Jair Bolsonaro ensaia com a falta de cerimônia de quem joga fora no lixo os berloques que o ajudaram a chegar à Presidência contra todos os parâmetros de normalidade em vigor na política até então.

Eram os pilares, dizia-se, indemissíveis. Um já foi e o outro permanece, ao que parece, rebaixado a gerente, uma sombra da representação do Posto Ipiranga que já simbolizou. Se Guedes fica ou sai, depende de a quem o dono do estabelecimento dará a palavra final: aos defensores do controle de gastos ou aos arautos da gastança. No caso de vitória destes, a presença de Paulo Guedes no governo será inútil.

A tal da agenda liberal, da qual Bolsonaro se valeu da boca para fora, está indo para o espaço. Na equipe econômica se estabelece a debandada, para usar a franqueza típica dos exaustos manifestada pelo chefe da turma, e o presidente dá sinais de que prefere investir na reeleição do que fazer o certo. Dilma Rousseff optou pelo mesmo caminho, embora não o tenha feito por necessidade, mas por arrogante convicção.

Ricardo Noblat - Bolsonaro faz barba, cabelo e bigode na nova pesquisa Datafolha

- Blog do Noblat | Veja

Os efeitos do dinheiro no bolso

O que aconteceu entre a última semana de junho passado quando o Datafolha foi a campo para saber a opinião dos brasileiros sobre o governo de Jair Bolsonaro, e esta quando repetiu a dose?

Fabrício Queiroz foi preso na casa do advogado do presidente Bolsonaro e do seu filho Flávio, senador. E, no último sábado, o Brasil atingiu a triste marca dos 100 mil mortos pelo coronavírus.

A devastação da Amazônia seguiu em frente e até cresceu. O Ministério da Saúde completou 3 meses sob o comando de um general. E mal tomou posse, o 4º ministro da Educação adoeceu.

O que explica então que a aprovação de Bolsonaro tenha aumentado e a rejeição caído segundo a nova pesquisa Datafolha? Duas poderosas coisinhas, pela ordem de importância.

A primeira: o auxílio emergencial de 600 reais pago a pelo menos 42% da população para que ela enfrentasse os efeitos da pandemia. A segunda: a mudança de comportamento de Bolsonaro.

O índice dos que acham o governo ótimo ou bom subiu de 32% para 37%. Caiu de 44% para 34% o índice dos que o acham ruim ou péssimo. É a melhor avaliação desde que o governo começou.

Dos 5 pontos de crescimento da taxa de avaliação positiva, pelo menos três vêm dos trabalhadores informais ou desempregados que têm renda familiar de até três salários mínimos.

César Felício - Um novo tempo?

- Valor Econômico

Bolsonaro terá base, o que precisa é ter programa e cumprir acordos

O preço que Bolsonaro teve que pagar por ser um governo de minoria no Congresso já foi traduzido pelo cientista político Fernando Limongi em planilhas e exposto em artigos científicos e publicações jornalísticas. Bolsonaro converteu-se em um presidente provisório, que envia medidas provisórias para o Congresso e depois se desinteressa da aprovação delas, quando se prenuncia sua desfiguração em um projeto de conversão ou derrota em plenário.

No seu primeiro ano como presidente, Bolsonaro editou 39 MPs e enviou 21 projetos de lei ordinários. Caducaram 11 MPs e um único projeto de lei foi aprovado. De longe é o pior resultado desde 1995, incluindo o primeiro ano dos dois mandatos de Fernando Henrique, Lula e Dilma. O levantamento de Limongi não considerou o governo Temer, que apenas encerrou o período da antecessora. Para efeito de comparação, nenhuma MP perdeu a eficácia no governo Lula e apenas cinco na administração de Dilma, considerando o período do levantamento.

Isso sem contar outras luzes que não chegaram a ser lampejo, como a emblemática indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington, jamais concretizada.

Tudo será diferente agora, tempos em que o Bolsonaro da campanha parece esmaecido e o presidente está abraçado com o Centrão e recebendo conselhos de Michel Temer?

Para um dos principais artífices deste novo momento, o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), forte candidato à presidência da Casa, a resposta é sim, o jogo está sendo zerado.

Fernando Abrucio* - Como as 100 mil mortes serão vistas no futuro?

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Os fatos mostram a falta que faz uma liderança agregadora e com capacidade de diálogo. Não temos agora, e para deixarmos um legado mais positivo a nossos filhos e netos, teremos de encontrar uma que realize essa tarefa em futuro próximo

O número de 100 mil mortes pela covid-19 é uma tragédia sem paralelo. Basta dizer que é o dobro de óbitos do maior conflito armado em que o Brasil participou, a Guerra do Paraguai, que durou mais de cinco anos. O pior é que a pandemia ainda ceifará muitas vidas, porque a doença ainda não entrou em declínio. Mas a gravidade da situação não comove a todos da mesma maneira. Muitos se resignaram, outros reagem com desdém, como o presidente Bolsonaro e seus seguidores. Para quem compreendeu o tamanho da tragédia, a luta pela dignidade da vida humana não deve ocorrer só no presente. O que está em jogo é o que contaremos a nossos filhos e netos.

A disputa pela verdade sobre o combate à pandemia não se esgotará na análise das curvas de popularidade do presidente ou no impacto da covid-19 nas eleições municipais. Claro que são aspectos importantes para serem acompanhados. No presente, é preciso dizer todos os dias, em todos os campos da vida social e na opinião pública, que não podemos esquecer dos mortos e devemos ajudar seus entes queridos. Ademais, é preciso continuar divulgando informações científicas que ajudem a reduzir o impacto da doença. É uma luta cotidiana contra o obscurantismo, o negacionismo e o anti-humanismo.

É um desafio não esmorecer frente à parcela de brasileiros e de líderes políticos que já normalizaram a morte de cerca de mil brasileiros por dia. Mais desafiante ainda será marcar na história do país quais foram (ou têm sido) os principais erros que o Brasil cometeu e como eles podem afetar negativamente nosso futuro enquanto nação.

José de Souza Martins* - O outro lado da moeda

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A nota de R$ 200 é mais do que muitos brasileiros conseguem num mês. Já nasce como símbolo de injustiça social

O Banco Central anunciou uma nova cédula, no valor nominal de R$ 200,00, que se agregará ao elenco das cédulas existentes. Terá como efígie o lobo-guará, nova personagem do nosso zoológico monetário.

Num momento de crise das grandes compras e dos grandes estabelecimentos do varejo, os pequenos pagamentos em dinheiro pedem numerário miúdo nas compras cotidianas.

Os inventores de dinheiro têm razões para o lançamento agora da nova cédula. Uma funcionária da instituição explicou que não saiu ela do bolso do colete de ninguém, nem foi inventada em cima da hora.

Há regras de Estado para isso e até regras internacionais que o Brasil leva em conta antes de fazer um lançamento desses. A nota de R$ 200 vem sendo planejada e desenhada há muito, envolvendo um certo número de profissionais do dinheiro, como os artistas que vão cuidar da cara e da cor que terá. Tudo corre como segredo de Estado e cercado de mistério.

Claudia Safatle - “Governo precisa de um ‘Serjão’ do FHC”, diz Salim

- Valor Econômico

Há uma lista de 11 empresas que não serão privatizadas

Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercado, chegou ao Ministério da Economia às 7 horas. Era janeiro de 2019 e o seu primeiro dia de trabalho no setor público. No prédio, todas as portas estavam fechadas. Ele bateu na porta da entrada privativa, um guarda sonolento abriu e ele foi logo avisando: “Olha, eu chego todos os dias para trabalhar as 7 horas”. O guarda, no dia seguinte, já estava a postos para recebê-lo.

O tempo foi passando e todos os dias, cedo, formava-se uma rodinha de pessoas na entrada do ministério. Salim conta que ficou intrigado com a presença diária de pessoas na portaria e perguntou ao guarda quem era aquela gente. Para seu espanto, o guarda lhe disse que eram curiosos que estavam ali para ver um empresário que tinha largado a sua empresa (Localiza) para vir para o setor público ganhar mal. Para ele foi “como estar no filme ‘O Dia em que a Terra Parou’, quando a nave espacial estaciona no meio da cidade e dela desce um ET”, comparou. “Eu era um ser exótico”, concluiu. A curiosidade, porém, não se traduziu em receptividade.

Eliane Cantanhêde - Mais Brasília, menos Brasil

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro entre Guedes e gastança, liberalismo e grotões, ‘zona de impeachment’ e risco à reeleição

É falso o dilema sobre Jair Bolsonaro ser ou não ser liberal. Ele nunca foi, não é e nunca será liberal, aliás, em nenhum sentido. Ao contrário, é um típico populista, além de corporativista e estatizante como os filhos, a grande maioria dos ministros e os militares do governo. Quanto mais 2022 vai chegando, mais essa essência vai se evidenciando e menos o governo se preocupa em dissimular.

Na atribulada travessia entre 2018 e 2022, Bolsonaro joga ao mar Sérgio Moro e o combate à corrupção; o PSL, os aliados neófitos e o discurso contra a “velha política”; as manifestações golpistas contra Supremo e Congresso; as funções maçantes de presidente da República. Por que não jogar ao mar também Paulo Guedes, o teto de gastos e a promessa de enxugamento do Estado?

O candidato de 2018 foi um, o de 2022 é outro e vai saindo do armário em 2019, 2020, 2021, mas, às vezes, é preciso disfarçar. Foi o que ocorreu na quarta-feira, quando, reencarnando temporariamente a persona presidente, Bolsonaro reuniu presidentes da Câmara e do Senado, ministros, líderes e, tal qual Dom Pedro I, avisou: “Digam ao povo que fico, fico liberal”. Faltou acrescentar: “Por enquanto”.

Simon Schwartzman* - As guerras de hoje e de amanhã

- O Estado de S.Paulo

Precisamos de um setor militar mais próximo do mundo civil, não de sociedade militarizada

Dizem que a França desmoronou ante os alemães em 1940 porque se havia preparado para repetir a 1.ª Guerra, e não para enfrentar a 2.ª Guerra Mundial. A última guerra de que o Brasil participou foi a do Paraguai (não contando a Força Expedicionária nos anos 40). Desde então mantemos uma força militar que hoje custa R$ 113 bilhões ao ano e estamos sendo derrotados pela invasão do coronavírus. Claro que a pandemia não é um problema militar, mas o conceito de segurança nacional, pelo qual o País deveria estar preparado para enfrentar crises e ameaças internas e externas, deve ser muito mais amplo que o da preparação para uma eventual, e cada vez mais improvável, guerra convencional.

Isso coloca pelo menos três questões que precisarão ser aprofundadas na discussão sobre a política nacional de defesa que o Congresso deve considerar proximamente, que prevê a vinculação de 2% do PIB a gastos federais com a área militar, R$ 50 bilhões a mais.

Primeiro, pensar a estratégia militar como parte de uma política mais ampla de defesa nacional, que deve incluir também as áreas de saúde pública, educação, ciência e tecnologia, proteção ambiental, defesa civil e segurança interna. O setor público precisa se capacitar para enfrentar eventuais crises sanitárias, ambientais e sociais com propostas de estratégia e de políticas públicas equivalentes às que o Ministério da Defesa preparou para o setor militar. Os custos de equipar as Forças Armadas, assim como os custos de um sistema adequado de saúde pública e proteção ambiental, são potencialmente infinitos, é sempre possível querer mais. É preciso trabalhar dentro das restrições orçamentárias, que se tornarão extremamente fortes nos próximos anos, combinando os recursos federais com os estaduais, do setor privado e da cooperação internacional.

Elena Landau* - Falando sério

- O Estado de S.Paulo

Ao choro dos descontentes se junta Paulo Guedes, o chefe de Salim Mattar

Salim Mattar deixou a Secretaria de Desestatização com um saldo positivo: uma estatal a mais. Nestes 19 meses que esteve no comando do programa, descobriu que os tempos no setor público são diferentes do privado, que o establishment resiste à venda de estatais e Bolsonaro não gosta de privatização. E os Beatles são realmente os Reis do Iê-iê-iê.

Falando sério. Sair atirando no presidente é fácil. Ao choro dos descontentes se junta seu chefe, Paulo Guedes. Vou usar uma palavra forte. Hipocrisia. Guedes foi fiador do candidato Bolsonaro. Dizia que faria em um ano o que os outros não tinham conseguido em 30. Prometeu trilhões com venda de ativos. Mattar nunca contestou esses números, ainda que não tenha incluído nenhuma estatal relevante no programa de desestatização. Nem Valec!

Na eleição de 2018, havia muitas opções liberais entre candidatos e assessores. Nomes de primeira linha e com experiência comprovada na vida pública, como Henrique Meirelles, Persio Arida e Gustavo Franco. Guedes fugiu de todos os debates. Afinal, era o “liberal dos liberais”. Não precisava dar explicações. Dizia que bastava convicção, o que teria faltado a todos antes dele, para mudar o País.