sábado, 16 de janeiro de 2021

Merval Pereira - De quem é a culpa?

- O Globo

O Brasil está quebrado. Não posso fazer nada”. Sobre Manaus: “Fizemos o que foi possível”. “O que está acontecendo lá não tem nada a ver com o governo Federal”. São palavras de um homem que foi eleito presidente da República num país chamado Brasil e que, diante da maior tragédia humanitária já ocorrida no país, com pessoas morrendo asfixiadas, dentro da maior pandemia em um século, diz que nada pode ser feito, e lava as mãos.

Um governo tão anarquizado que pretendia mandar um avião à Índia buscar dois milhões de doses de uma vacina que não está disponível. Todo esquema oficial de vacinação foi por água abaixo, o Dia D, a Hora H do General Eduardo Pazuello foram atropelados pela incapacidade de organização do governo. Estivesse ele à frente das tropas aliadas que desembarcaram na Normandia, os alemães ganhariam a guerra.

O governo quer fazer crer que a culpa é do governo indiano, que atrasou a remessa. O fato é que a remessa de doses excedentes não existe ainda, depende da vacinação nacional na Índia. Essa tática de jogar nas costas de outros a culpa de seus erros fez com que o vice-presidente General Hamilton Mourão mais uma vezes atribuísse à “indisciplina” do povo brasileiro a impossibilidade de decretar um lockdown, como estão fazendo países em diversas partes do mundo.

A falta de disciplina, se é uma característica do brasileiro, tem razões históricas de que o atual governo é exemplar. O antropólogo Roberto DaMatta, autor do clássico “Sabe com quem está falando?”, que está sendo relançado, diz que isso se deve a “cinco séculos de escravidão”, em que a elite brasileira impõe suas regras sobre a maioria do povo, que em resposta vê a obediência como uma atitude subserviente. “Vivemos numa República em que ninguém é republicano”, analisa DaMatta, que lembra que respeitar as leis é considerado pela média nacional como “uma babaquice”.

Ricardo Noblat - Bolsonaro colhe uma derrota que poderá abreviar o seu mandato

- Blog do Noblat / Veja

O Brasil só teria a ganhar com isso

Políticos de faro aguçado e olhar de águia, alguns com mandato e outros sem, detectaram nos últimos dias o crescimento do número de deputados federais e de senadores favoráveis à abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.

Isso poderá se dar enquanto Rodrigo Maia (DEM-RJ) ainda for presidente da Câmara – e faltam apenas 16 dias para que deixe de ser. Ou então se o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Maia e da oposição ao governo, sucedê-lo no cargo.

Bolsonaro, como qualquer presidente da República até mesmo na época da ditadura militar, coleciona derrotas. O Presidente pode muito, não tudo. Mas ele só faz perder desde que decidiu tratar a Covid-19 como se não passasse de uma reles gripezinha.

Não procedeu assim somente por ignorância, embora no seu caso a ignorância seja abissal, também por cálculo. Acreditou que o vírus seria detido matematicamente depois de infectar 70% dos brasileiros. Acima de tudo, o importante era salvar a economia.

Que morressem, portanto, os que tivessem de morrer – e Bolsonaro jamais imaginou que morreria tanta gente que não fosse apenas velha e sofresse de outras doenças. O kit de drogas ineficazes recomendado por ele era para dar tempo ao tempo.

Sergio Fausto* - Na defesa da democracia, quem cala consente

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro bate na mesma tecla de Trump, a mais golpista e antidemocrática

Enquanto assistia, horrorizado, ao ataque das tropas de choque de Donald Trump ao Congresso americano, a expressão “this is a cautionary tale” me vinha e voltava à cabeça. Não encontrei forma sintética para traduzi-la, mas não é difícil explicar o seu significado. Simplificadamente, cautionary tale é uma história (no passado grafaríamos estória) que alerta o leitor ou ouvinte sobre o risco de incorrer em grave perigo se tomar ou mantiver irrefletidamente certas iniciativas.

As imagens das milícias da extrema direita americana assaltando o Capitólio valem mais do que mil palavras: as forças tradicionais de direita que se aventuram a pular na garupa de líderes populistas autoritários, imaginando que cedo ou tarde lhes arrebatarão as rédeas, terminam pisoteadas pelo fanatismo de seus seguidores. É o que experimentaram os sabujos de Trump, que à última hora constaram o que já era obvio há muito tempo: o presidente dos Estados Unidos não hesitaria em jogar o país no abismo da violência e da tirania para reter o poder e/ou salvar a própria pele.

Uma coisa é ler sobre como as forças tradicionais de direita na Itália e na Alemanha dos anos 20 e 30 do século passado se aliaram ao nazi-fascismo para depois se tornarem, também elas, vítimas dos horrores do totalitarismo. Outra bem diferente é ver a história sendo de algum modo reeditada – ela nunca se repete – em cores e ao vivo, numa profusão de imagens aterradoras. Os milicianos que vandalizaram o Congresso não queriam apenas a cabeça de Nancy Pelosi, a presidente democrata da Câmara, mas também a do vice-presidente Mike Pence, que alguns ameaçavam enforcar, como mostram vídeos e mensagens de Twitter.

Felizmente, as instituições americanas resistiram ao mais duro teste a que já foram submetidas, embora não se saiba ainda quais serão as consequências de longo prazo da trágica passagem de Trump pela Casa Branca.

Oscar Vilhena Vieira* - Vandalismo constitucional

- Folha de S. Paulo

Proteger a integridade das eleições será o maior desafio dos que prezam pela democracia

Eleições livres e justas e a alternância no poder são elementos fundamentais à vida democrática. A maioria dos governantes populistas, no entanto, resiste a deixar o poder após uma derrota eleitoral ou mesmo ao término de seus mandatos, como nos alerta Yascha Mounk, autor de “O Povo contra a Democracia”.

Na medida em que o líder populista se define como único e autêntico representante da vontade popular, um eventual resultado desfavorável nas urnas sempre poderá ser atribuindo a falhas no processo eleitoral. Trata-se, portanto, de uma estratégia preventiva de populistas autoritários para buscar se manter indefinidamente no poder.

Ao longo de quatro anos na Casa Branca, Trump fez o que pôde para fragilizar e capturar as instituições da democracia constitucional. Empregou as mídias sociais para promover a mentira e a polarização política. Combateu a imprensa livre, fomentou o nacionalismo, as milícias armadas e as mais diversas
formas de discriminação contra grupos vulneráveis.

Como outros populistas, desprezou as ameaças da pandemia, promoveu aglomerações, combateu a ciência e o uso da máscara, contribuindo, assim, para a morte de quase 400 mil compatriotas. Tudo isso sob olhar cúmplice de grande parte dos republicanos, de empresas de tecnologia e de outros setores potentes da economia que agora, constrangidos, dele buscam se afastar.

Adriana Fernandes - Por que se calam?

- O Estado de S. Paulo

Na elite do nosso empresariado, não tem dia D nem hora H. É S, de silêncio

Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores, sempre quando confrontados sobre a negação da realidade da covid-19, saem com o discurso de que “economia é vida” e que o Brasil precisa voltar à normalidade mesmo diante de um cenário de contaminação e mortes.

Em maio, no pico inicial da doença, Bolsonaro atravessou a Praça dos Três Poderes na direção do Supremo Tribunal Federal acompanhado de um grupo de empresários para fazer pressão para que as medidas restritivas nos Estados fossem amenizadas.

Os empresários que estavam junto com o presidente naquele dia pregavam a volta dos negócios o mais rápido possível e a flexibilização do lockdown nas cidades porque, na visão deles, comprometia a recuperação econômica. A pandemia continuou e estímulos bilionários do governo federal garantiram os negócios (não houve, porém, a contrapartida de um planejamento sério para a boa prática de distanciamento social). A atividade econômica começou a se recuperar.

João Gabriel de Lima - Um quebra-cabeça chamado Brasil


- O Estado de S. Paulo

Cabe ao próximo presidente triunfar onde os últimos fracassaram: apontar um rumo

Uma lista de “pequenas alegrias da vida adulta” – tomo de empréstimo o título da música de Emicida – circula nas redes sociais. Ela traz coisas boas que só existem no Brasil: sorvete de tapioca, mergulho vespertino em Ipanema, bateria de escola de samba, frango com batata frita. Se ser carioca é um estilo de vida, e não uma designação de origem, poucos cariocas são mais cariocas que o jornalista escocês Andrew Downie, o autor da lista. Fã de carnaval e futebol, ele é biógrafo do doutor Sócrates e torce fervorosamente pelo Hibernian – time que sempre chega perto do título escocês, mas não vence o campeonato desde 1952.

Saindo do terreno da memória afetiva, e indo para o universo da economia e das políticas públicas, temos várias razões para sentir orgulho do Brasil. Muitos Estados têm programas de excelência em Educação, como Espírito SantoPernambuco e o sempre citado Ceará. O Congresso criou um auxílio emergencial a toque de caixa durante a pandemia – programa que temos a obrigação ética de substituir urgentemente – e reduziu a pobreza em 2020. Domamos a inflação, somos referência em agricultura e a movida de startups em São Paulo é a mais vibrante da América Latina. Essa lista de façanhas surgiu, com facilidade, numa conversa com um dos maiores especialistas em Brasil, o economista José Roberto Mendonça de Barros, colunista do Estadão e personagem do minipodcast da semana.

Demétrio Magnoli* - Aliança faustiana


- Folha de S. Paulo

Progressistas que celebram cancelamento da conta de Trump buscam pacto com plutocratas da internet

 “Não me diga que ele foi banido por violar as regras do Twitter”, tuitou o opositor russo Alexey Navalny sobre Trump, “eu recebo aqui ameaças de morte todos os dias, há anos, e o Twitter não bane ninguém (não que eu peça isso)”. Twitter, Facebook e congêneres são veículos de crimes contra a humanidade. Em Mianmar, serviram à campanha de limpeza étnica dos militares contra a minoria rohingya e, na Índia, à operação oficial de anulação da cidadania dos muçulmanos de Assam. Os progressistas que celebram o cancelamento da conta de Trump buscam uma aliança faustiana com os plutocratas da internet.

Navalny erra apenas ao definir como censura o gesto do Twitter. Censura é, sempre, um ato estatal contra a liberdade de expressão. O princípio da liberdade de expressão abrange também o direito de empresas privadas de se dissociar de discursos que consideram intoleráveis. Mas que ninguém se engane: no caso das plataformas globais de mídias sociais, os banimentos seletivos não derivam de padrões éticos mas de cálculos de negócio.

Marcus Pestana* - As repercussões globais dos acontecimentos nos EUA

A democracia americana é uma grande referência mundial. Daí a repercussão global dos acontecimentos do último 6 de janeiro. O que lá acontece, respinga para além de suas fronteiras.

Como citou, certa vez, o senador americano Daniel Patrick Moynihan, “Todo mundo tem direito às suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. Donald Trump, seus “engenheiros do caos” e suas verdades alternativas creem que é possível impor uma narrativa descolada da realidade a partir da repetição exaustiva da mentira e da manipulação dos algoritmos nas redes sociais, e assim, mudar as regras do jogo político e a face da sociedade.

A insistência exaustiva sobre fraudes nas eleições foi disseminada bem antes. Diante dos resultados, sucessivos recursos judiciais alimentaram o clima golpista desejado. Paralelo a isso, se deu a pressão sobre as eleições dos delegados ao Colégio Eleitoral. Já na reta final, Donald Trump pressionou o secretário de estado da Geórgia, o republicano Brad Raffensperger, a “encontrar votos” que lhe dessem a vitória. Não satisfeito, Trump infernizou a vida de seu vice e presidente do Senado, o republicano Mike Pence, para que não sancionasse a vitória de Biden.

Dora Kramer - Atentos e fortes

- Revista Veja

Olho vivo e faro fino do mundo institucional impedirão Bolsonaro de atear fogo à eleição

Dois fantasmas assombram a eleição presidencial de 2022: a reedição por mais quatro anos de um governo ruim com tentações autoritárias e a derrota desse mesmo governo com as consequências arquitetadas e anunciadas pelo candidato presidente de atear fogo às vestes da legitimidade do pleito, alegando fraude no sistema eletrônico de votação.

Um moinho de vento, mero pretexto para armar confusão, mas contra o qual é preciso o país estar atento, forte, de olho vivo e com todos os botões de faro fino acionados. Aqueles mesmos atributos que boa parte dos analistas da cena política deixamos de lado em nome de uma suposta complexidade de um jogo que não deveria nem poderia ser vencido pela simplificação da realidade brasileira, mas foi.

Está feito, mas pode ser desfeito. A boa notícia é que o presidente Jair Bolsonaro não é tão esperto quanto pensa. Fosse, não teria mostrado as armas com tanta antecedência nem exposto sua estratégia com clareza tal a ponto de dar tempo e criar espaço para reação.

Alon Feuerwerker - E o interesse nacional?

- Revista Veja

O banimento de Trump exige um debate sobre princípios e convicções

O debate público sofre quando é inteiramente capturado pela fratura política, e daí a independência do pensamento entra em bloqueio. Uma consequência é o efeito manada, as pessoas são arrastadas pela turba e frequentemente acabam indo contra o próprio interesse. Acontece agora, no episódio do cartão vermelho das big techs para o presidente americano Donald Trump.

Alguns até pararam para pensar “o que eu ganho se as big techs, sob a batuta — ou com medo — da Casa Branca e do Capitólio, tiverem o poder de eliminar qualquer um do espaço de formação da opinião pública?”. Entretanto são poucos os sinceramente preocupados. A esmagadora maioria do campo antitrumpista, lá e aqui, vibrou.

Mas e nós? Se o Brasil fosse um jogador potente na corrida global da alta tecnologia, ainda vá lá. Poderíamos ser sócios minoritários da inédita concentração de poder pelos monopólios tecnológicos sediados nos Estados Unidos. Nesse jogo, porém, nós temos força apenas relativa. Interessa ao Brasil que decisões de tamanha gravidade sejam tomadas nos Estados Unidos sem que ninguém mais no mundo, além da Casa Branca e do Capitólio, possa influir?

Trump não foi apenas banido das redes. Sites e aplicativos ligados ao campo político que ele representa passaram a ser excluídos do acesso ao hardware indispensável às operações. E a gravidade da coisa foi tanta que levou líderes como Angela Merkel, insuspeita de simpatia ao trumpismo, a demonstrar insatisfação.

Murillo de Aragão - Política e redes sociais

- Revista Veja

Banir Trump pareceu sensato, mas essa não é uma questão trivial

Ao incitar os protestos no Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos, em Washington, na quarta-feira 6, contra a confirmação de sua derrota nas urnas, o presidente Donald Trump se tornou uma espécie de líder de seita radical e se afastou do mundo político que o elegeu em 2016. Entre outras consequências, a sua conduta causou uma ruptura dentro do seu partido — o Republicano —, bem como reforçou a rejeição a si próprio em boa parte do establishment americano, onde ele já teve importantes aliados. E, ainda, impulsionou um pedido de impeachment, que pode afastá-lo da vida política.

Por causa dos acontecimentos, o presidente dos Estados Unidos foi banido das redes sociais. Considerando o histórico de seu comportamento e sobretudo a sua incrível habilidade para criar polêmicas, bani-lo das redes pareceu sensato e adequado. Afinal, se Trump as utiliza para pregar a desordem institucional, ele estaria cometendo um crime, e as redes sociais poderiam ser acusadas de cumplicidade se ficassem omissas. Mas esta não é uma questão trivial.

Entrevista | Octavio Amorim Neto: “Militarização distorce processo político”

Retomada do poder de militares na América Latina, em especial no Brasil, traz sérias consequências para democracias, alerta cientista político

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - Quais são as consequências, para a democracia, quando as Forças Armadas estão no centro da arena política, como no caso brasileiro? A pergunta mobiliza há dois anos o cientista político Octavio Amorim Neto, professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Em novembro passado, ele publicou um artigo intitulado De volta ao centro da Arena: causas e consequências do papel político dos militares sob Bolsonaro, no “Journal of Democracy”, publicação que é referência mundial sobre o tema. Em parceria com Igor Acácio, Amorim Neto reflete sobre as dificuldades atuais. E não é só o Brasil. Também a América Latina vivencia esse fenômeno, enfatiza.

Em entrevista ao Valor, por videoconferência, Amorim Neto ressalta o problema de termos em órgãos de comando os militares, “organização opaca e radicalmente verticalizada, baseada na hierarquia e na obediência”. Ao formar um ministério com quase 40% de militares e espalhar profissionais das Forças Armadas em mais de seis mil postos do governo, Jair Bolsonaro revela que sabe exatamente o que faz, pois consegue dissuadir o Congresso e a oposição de qualquer tentativa de impedimento. A incerteza sobre o grau de adesão da cúpula militar a um eventual golpe de Bolsonaro numa eventual tentativa de reeleição em 2022 é um ativo que o presidente explora para se manter forte no poder. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: A América Latina já é vista por acadêmicos como a “terra das democracias militarizadas”. Quais indícios temos sobre isso?

Octavio Amorim Neto: A pandemia de covid-19 reforçou essa tendência, mas os problemas já estavam ficando patentes antes de 2020. O melhor exemplo é o México, que teve longo período de regime autoritário, com o PRI. O país se democratizou na década de 90, e militares tinham papel muito pequeno no governo. No começo do século 21, por conta do narcotráfico, vem uma reversão de um processo histórico de quase meio século, com a entrada de militares na arena política. Veio a eleição de [Andrés Manuel] López Obrador e a presença de militares aumentou mais ainda. O caso mexicano, junto com o brasileiro, são os dois mais chocantes de militarização recente. Houve, também, o golpe na Bolívia, por conta da última tentativa de reeleição do Evo Morales. Equador Peru e Colômbia sempre tiveram presença muito forte das Forças Armadas, seja para combater o crime ou para lidar com desastres naturais, ou reprimir protestos, como o que vimos no Chile, um país que era tido como democracia exemplar. Mas no Chile os militares viram as péssimas consequências e saíram. Esses são grandes casos que trouxeram a atenção da academia latino-americana e internacional.

Valor: O senhor aponta o governo Bolsonaro como sui generis, com 39% do ministério ocupado por militares, e 6 mil deles no governo. Quais as consequências disso?

Amorim Neto: Em primeiro lugar, Bolsonaro conseguiu criar um fator de dissuasão de tentativas de destituição. A entrada dos militares ajuda a evitar a repetição de um cenário como [Fernando] Collor e Dilma [Rousseff]. A experiência recente do Brasil com o regime militar ainda está viva na memória da classe política. O Brasil tem memória curta, mas de vez em quando esses fantasmas do passado renascem abruptamente. Os militares, desde 1989, são um dos principais atores políticos domésticos do país. Houve a ilusão, na comunidade acadêmica, de que o assunto foi resolvido no começo do século 21. Olha a surpresa que tivemos, a partir de 2018, e não apenas com a eleição de Bolsonaro. Em fevereiro de 2018 que tivemos o primeiro ministro da Defesa, militar, em quase 20 anos, o general [Joaquim Silva e] Luna, nomeado por Michel Temer. Em segundo lugar, Bolsonaro, apesar de estar nas política há três décadas, não tinha quadros. E onde presidentes buscam quadros? Em organizações e instituições em que confiam. Desde janeiro de 2019 eu denuncio as possíveis consequências negativas dessa militarização do governo. O melhor exemplo agora é o general [Eduardo] Pazuello. No regime democrático, a lealdade ao presidente da República tem que ser limitada. Um ministro de Estado não pode ser absolutamente leal ao presidente, tem que falar o que pensa. Se o presidente discorda, ele pede demissão e não acontece nada. No governo Bolsonaro, é totalmente diferente. Discordou, imediatamente vem o ataque da militância digital, e, em seguida, a demissão. Ou se subordina, como o Pazuello.

Míriam Leitão - Um joelho sobre o nosso pescoço

- O Globo

É mais do que Manaus, é o Amazonas inteiro. É mais do que o Amazonas, é o Brasil que não consegue respirar. A tragédia dos amazonenses é a de todos nós. No pescoço do país, retirando o oxigênio, há uma pandemia e o peso de um péssimo governo. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o submisso, na quinta-feira à noite, ao lado do presidente, disse que Manaus estava em colapso. Falou como se não fosse ele o ministro. Era o reconhecimento do seu próprio fracasso, mas ele responsabilizou a localização geográfica da cidade e a falta da cloroquina. “Outro fator é que Manaus não teve a efetiva ação no tratamento precoce”, disse, usando o novo nome do remédio ineficaz prescrito por Bolsonaro.

O promotor que entrou no hospital carregando o cilindro com ar, comprado por ele, e que chegou no momento exato em que seu filho iria parar de respirar. O choro dele dizendo que viu pessoas morrendo no caminho até salvar o filho. A cidadã que gravou um vídeo explicando o drama que a cidade vivia. A enfermeira que pediu “orem pelo Amazonas”. Estados se preparando para receber bebês prematuros. São pedaços de um filme de horror que pode se espalhar pelo país.

Cristina Serra - Bolsonaro merece um tribunal de Nuremberg

- Folha de S. Paulo

O Brasil governado por criminosos não é um perigo mortal apenas para os brasileiros

Depoimentos de médicos e enfermeiros em redes sociais, imagens de desespero nos hospitais, documentos, ordens para aplicar cloroquina ou "tratamento precoce" contra o vírus, testemunhos de parentes das vítimas. Tudo o que puder ser usado como prova de crime contra a saúde pública deve ser guardado pelos cidadãos.

Há de chegar o dia em que os responsáveis por essa tragédia brasileira irão sentar-se no banco dos réus. Se as nossas instituições parecem sedadas, quem sabe organismos multilaterais, como o Tribunal Penal Internacional (que já examina uma ação contra Bolsonaro anterior à pandemia) ou o Conselho de Direitos Humanos da ONU, atentem para a gravidade do que acontece aqui.

Hélio Schwartsman - O general Pazuello e a minha vó

- Folha de S. Paulo

No Brasil, a autoridade sanitária repete as crenças (erradas) de minha avó

Custou-me acreditar no que li. Pessoas estão morrendo asfixiadas em Manaus por falta de oxigênio nos hospitais, e o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, atribuiu o colapso do sistema de saúde manauara ao aumento da umidade e ao fato de médicos locais não prescreverem "tratamento precoce".

O general dificilmente poderia estar mais errado. Ecoando as recomendações de minha avó, ele acha que o problema é as pessoas saírem na chuva e não tomarem cloroquina. No mundo real, é o clima seco, e não o úmido, que favorece as infecções respiratórias, e, apesar de a cloroquina já ter sido esquadrinhada por cientistas, nenhum estudo de qualidade demonstrou que ela tenha efeito importante contra a Covid-19.

A explicação científica mais geral para o caos em Manaus está na curva exponencial. Epidemias se caracterizam justamente por concentrar muitos casos num intervalo curto de tempo. Sem medidas de contenção, um vírus pode entrar em propagação exponencial e saturar rapidamente até os mais robustos sistemas de saúde.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Daria para ter evitado a tragédia no Amazonas – Opinião | O Globo

Governos ignoraram alertas científicos e demoraram a tomar medidas para conter contágio

O pior aspecto da tragédia causada pelo novo coronavírus em Manaus é que ela era não apenas previsível, mas foi prevista. Desde novembro, os números de infectados e mortos por Covid-19 vêm subindo em todas as regiões, em especial no Norte do país. Os sinais de que o colapso se aproximava eram evidentes. Pacientes chegavam a todo momento a hospitais despreparados para o aumento da demanda. Alguém se preocupou com isso? Não. Todos os níveis de governo ignoraram os alertas emitidos por epidemiologistas, infectologistas e outros cientistas para o risco das aglomerações das festas de fim de ano.

O resultado não poderia ser outro que não o caos. A capital do Amazonas é hoje um microcosmo do Brasil, onde incúria, negligência, amadorismo e improviso se juntam para provocar um morticínio. Em vez de impor restrições mais duras no período de festas, o governo do estado relaxou a prevenção, aderindo à visão negacionista do bolsonarismo, que encheu as redes sociais de incentivos irresponsáveis à aglomeração. Tardiamente, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), decretou o fechamento dos serviços não essenciais, entre 26 de dezembro e 6 de janeiro. Depois de protestos da população, ele próprio permitiu a reabertura, transformando uma decisão técnica em política. Foi preciso que a Justiça, a pedido do Ministério Público, determinasse o fechamento.

Em paralelo, uma nova variante do vírus com maior facilidade de contágio se espalhou a partir do Amazonas e preocupa o mundo todo. Aqui, é ignorada pelas autoridades que deveriam proteger a saúde da população. O alerta sobre a mutação partiu do Japão, onde, em 10 de janeiro, a variante foi detectada em recém-chegados da Amazônia.

Como de praxe, a resposta do governo federal foi tíbia — e tardia. Somente no dia 11, quando o caos já estava instalado (o estado não dispõe nem sequer de oxigênio), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, desembarcou em Manaus para apresentar um plano de contingência. Atribuiu o agravamento da pandemia a toda sorte de espantalho: a infraestrutura hospitalar precária, as chuvas e uma estapafúrdia falta de “tratamento precoce”. Ora, que significa tratamento precoce, se isso inexiste? Faltava oxigênio, e uma representante do ministério queria obrigar médicos manauaras a receitar cloroquina, droga sem eficácia nenhuma.

Música | Teresa Cristina - Vai amigo

 

Poesia | Fernando Pessoa - Ode marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É — sinto-o em mim como o meu sangue —
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui…

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Merval Pereira - Dia D +

- O Globo

O dia D da vacinação no Brasil, anunciado finalmente pelo governo, pode vir a ser D + 1, ou D + 2, vai-se saber, por um problema de logística, que é exatamente a especialidade que fez o  General Eduardo Pazuello ser nomeado ministro da Saúde depois que dois médicos foram sacrificados no altar do populismo bolsonariano.

Os adeptos do presidente consideraram sua decisão uma grande sacada, porque, diziam na época, o que era preciso era uma organização logística de apoio aos governos estaduais no combate à COVID-19. Pois o avião da Azul que iria ontem para a Índia para apanhar dois milhões de doses da vacina AstraZenica/ Oxford atrasou um dia porque esqueceram literalmente de combinar, não com os russos, mas com os indianos.

Eles estão começando por lá a vacinação nacional, e não têm tempo para atender os compradores brasileiros. Além do mais, para quem quer começar a vacinação ao mesmo tempo em todo o país, pelo menos sete estados não têm seringas nem agulhas neste momento, o que indica que em uma semana dificilmente estarão equipados.

Até o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski está exigindo que cada estado oficialize o estoque de seringas e agulhas que tem, pois no relatório do ministerio da Saúde, que era para garantir que está tudo sob controle, descobriu essa informação crucial, que pode atrasar a vacinação nacional. Por absoluta inépcia do governo federal, que não assumiu o papel de coordenação que lhe cabia na distribuição dos insumos necessários à vacinação em massa, e também, claro, de governadores que não atentaram para o fato de que sem agulhas e seringas não poderiam vacinar, mesmo que recebessem as doses do governo.

Eliane Cantanhêde - À Fiocruz e ao Butantã, tudo!

 

- O Estado de S. Paulo

Sobrevivente das perseguições, Fiocruz pode dar a primeira foto da vacina a Bolsonaro

Fiocruz foi salva da sanha bolsonarista pelo gongo, ou melhor, pela pandemia, e por essas ironias do destino passou a ser crucial para o presidente Jair Bolsonaro e sua obsessão em começar a vacinação contra a covid-19, mesmo que apenas simbolicamente, antes do governador de São Paulo, João Doria. De perseguida, a Fiocruz passou a ser a salvação da lavoura presidencial.

Useiro e vezeiro em perseguir instituições de excelência, em praticamente todas as áreas, Bolsonaro deu aval ao ataque do então ministro Osmar Terra à Fiocruz, logo no primeiro semestre do governo, em 2019. Médico e deputado federal em sexto mandato, Terra cismou com uma pesquisa da Fiocruz que custou R$ 7 milhões, envolveu três anos, 500 pesquisadores e 16 mil entrevistados e concluiu que não havia epidemia de drogas no Brasil.

“Não confio nessa pesquisa da Fiocruz”, disse ele sobre um dos orgulhos nacionais, reconhecido no mundo inteiro. Como não confirmava suas certezas pessoais, só podia ser coisa de esquerdistas. E, assim como crê em epidemias fantasiosas, ele nega a pandemia real – e faz a cabeça do presidente. O Ministério da Saúde alertava para 180 mil mortos em dezembro de 2020. Terra apostou em 4 mil e manteve o desdém mesmo depois de contaminado, com sete dias de UTI e 80% do pulmão comprometido.

César Felício - A ditadura dos fatos

- Valor Econômico

Presidente da Câmara pode muito, mas não tudo

Presidente da Câmara entre 2005 e 2007, o ex-deputado Aldo Rebelo jogou um papel importante na sobrevivência do governo Lula ao mensalão. Em dois meses de crise, a administração petista estava nas cordas, até que Severino Cavalcante, que comandava a casa legislativa dos deputados, foi denunciado por receber propina de um cantineiro. Ele renunciou e Aldo bateu o oposicionista José Thomaz Nonô em uma disputa apertadíssima. Não se falou mais em impeachment de Lula.

O impeachment de Dilma Rousseff tornou-se um assunto no país assim que Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara por 367 votos, derrotando Arlindo Chinaglia, em fevereiro de 2015. A correlação entre os fatos de 2005 e 2015 é irresistível. Muito mais que garantir avanço de agenda de governo, que na realidade não existe, o presidente da Câmara dá ou tira blindagem.

Distante hoje do calor dos fatos, Aldo é reverente a eles. O ex-deputado, por muitos anos integrante do Partido Comunista do Brasil, reconhece o protagonismo da presidência da Câmara como escudo ou espada, mas lembra dos limites nesta ação. “O presidente da Câmara pode muita coisa, mas muito mais podem os fatos. O avanço de um impeachment ou o seu bloqueio depende de circunstâncias políticas. Não acho que o presidente Jair Bolsonaro obterá proteção absoluta.”

Luiz Carlos Azedo - Pra chamar de nossas

- Correio Braziliense

Há uma revolução na produção de vacinas. Essa é a notícia boa. A notícia ruim é o que está acontecendo em Manaus, onde o SUS entrou em colapso por falta de oxigênio

A guerra das vacinas entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria é como um copo pela metade: de um lado, gera muita desinformação sobre imunização da população; de outro, promove uma corrida para ver quem vai vacinar primeiro. Entretanto, vamos tratar das vacinas que estão sendo produzidas no Brasil, tanto pelo Instituto Butantan quanto pela Fiocruz, que são as que vão resolver o nosso problema. A Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) divulgou nota na qual esclareceu que os estudos realizados para testagem de diferentes imunizantes utilizaram critérios distintos.

Por exemplo, no estudo da americana Moderna, foram considerados dois sintomas de um grupo formado por febre, arrepios, dor no corpo, dor de cabeça, dor de garganta, perda de olfato ou paladar com diagnóstico viral confirmado ou um sintoma grave, como falta de ar, tosse, diagnóstico radiológico como casos de covid-19. Ou seja, dois sintomas leves ou um sintoma grave. No estudo da AstraZeneca (Oxford), um sintoma do grupo formado por febre, tosse, falta de ar, perda de olfato ou paladar; ou seja, a maioria sintomas leves, mais um grave (falta de ar), para fechar o diagnóstico.

Ricardo Noblat - O Dia D+1: a opção preferencial do governo pela morte

- Blog do Noblat / Veja

Negacionismo suicida

A Amazônia é nossa. Mas o oxigênio que falta nos hospitais de Manaus por incúria dos governos estadual e federal pode ser venezuelano ou brasileiro, a ser transportado por aviões da Força Aérea dos Estados Unidos. Em breve, chegará por lá a vacina da Universidade de Oxford importada da Índia. A conferir, porém.

Um Boeing da companhia Azul decolou, ontem à noite, de São Paulo para o Recife. Está previsto que na madrugada de amanhã decole com destino a Nova Deli para buscar 2 milhões de doses da vacina inglesa. Ocorre que o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia pôs em dúvida a entrega da encomenda.

Anurag Srivastava afirmou que “é muito cedo” para dar respostas sobre exportações das vacinas produzidas no país, já que a campanha nacional de imunização ainda está só começando. A declaração foi dada em resposta a perguntas de jornalistas sobre o que o governo brasileiro dava como certo.

Sem tirar nem pôr, o que disse Serivastava à imprensa internacional: “O processo de vacinação está apenas no começo na Índia. É muito cedo para dar uma resposta específica sobre o fornecimento a outros países, porque ainda estamos avaliando os prazos de produção e de entrega. Isso pode levar tempo”.

Bruno Boghossian – Rastro de delinquência

- Folha de S. Paulo

Asfixia da saúde em Manaus é fracasso grosseiro de governos na pandemia

A asfixia da rede de saúde de Manaus é o retrato mais grosseiro do fracasso do país no combate à pandemia. O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), soube há uma semana que teria problemas no fornecimento de oxigênio. O estado enfrenta uma disparada de internações por Covid-19, mas ele disse ao site O Antagonista que foi surpreendido pelo esgotamento do material.

A tragédia nacional é fruto da incompetência extraordinária, da falta de senso de emergência, do desprezo pela vida e da covardia de muitos governantes. No fim de 2020, Lima viu hospitais cheios e determinou o fechamento do comércio para conter o alastramento do vírus. Acuado por protestos fomentados por políticos bolsonaristas, o governador desistiu e mandou reabrir as lojas.

Hélio Schwartsman - Papelão

- Folha de S. Paulo

A patacoada do instituto é um desserviço à ciência

O que a onda populista que varre o mundo ensina é que é possível sabotar o sistema sem violar formalmente nenhuma de suas regras. Hugo Chávez não cometeu crime quando reduziu limites às reeleições; Viktor Orbán seguiu os trâmites legais quando redesenhou o Judiciário húngaro para servi-lo.

O corolário disso é que, se o cidadão pode ter seu campo de ação limitado só pelas leis, figuras que desempenham papel-chave no sistema precisam cumprir as regras na forma e no espírito.

A necessidade do "fair play" não está restrita à política. Ela é ainda mais vital na ciência. Se pesquisadores fraudam ou embelezam os dados de seus trabalhos, minam a confiança na própria comunicação da ciência, que é o que a viabiliza como atividade colaborativa e cumulativa.

Ruy Castro - Sugestões no vazio

- Folha de S. Paulo

É inútil sugerir ao homem mais poderoso do mundo que se mate; ele nem leva em consideração

No domingo último (10), este colunista sugeriu ao presidente Donald Trump que, por sua incapacidade de aceitar a derrota nas urnas de seu país —de aceitar ser um perdedor—, fizesse como Getulio Vargas, que, ao também se ver diante do fim, matou-se e passou à história como um mártir. Se Trump fizesse o mesmo, muitos americanos que o detestam começariam a vê-lo com simpatia. Até este momento, no entanto, Trump nem considerou minha sugestão.

Realmente, há um quê de patafísico em um colunista brasileiro, escrevendo em código --a língua portuguesa--, oferecer tal conselho ao homem mais poderoso do mundo. Como era natural, Trump me ignorou, e Jeff Rosen, seu ministro da Justiça, poupou-se do ridículo de vir em cima de mim. Os horrores que Rosen escuta sobre seu chefe por todas as mídias dos EUA são mil vezes piores, e mesmo contra esses ele nada pode fazer, porque a Constituição americana garante a liberdade de opinião.

Tirar poder de governadores sobre polícias é ‘retrocesso inaceitável’, diz Celso de Mello

- Rafael Moraes Moura | O Estado de S. Paulo

Para ministro aposentado, há conflito com princípio federativo; magistrados também encaram projetos de reorganização das forças policiais com preocupação

BRASÍLIA - O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello disse ao Estadão que os projetos de lei que tiram poder de governadores sobre polícias são um "retrocesso inaceitável". Uma das vozes mais contundentes do cenário nacional em defesa da Constituição e das liberdades individuais, o ex-decano do Supremo abriu mão do silêncio que marca sua postura desde a aposentadoria, em outubro do ano passado, para criticar a proposta que prevê mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais e impõe condições para que eles sejam exonerados antes do prazo.

"A padronização nacional dos organismos policiais estaduais, com expressiva redução do poder e competência dos Estados-membros, se implementada, traduzirá um ato de inaceitável transgressão ao princípio federativo", disse Celso de Mello à reportagem. "Não se pode ignorar que a autonomia dos Estados-membros representa, em nosso sistema constitucional, uma das pedras angulares do modelo institucional da Federação. Qualquer proposição legislativa que tenda à centralização em torno da União Federal, com a consequente minimização da autonomia estadual, significará um retrocesso inaceitável em termos de organização federativa."

Bolsonaro “gosta do cheiro da morte” e lidera “mar de incompetência”, diz Doria

Anvisa deveria deixar burocracia de lado ao analisar aprovação de vacinas, diz governador paulista

Por André Guilherme Vieira / Valor Econômico

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) subiu o tom e afirmou ontem, em live do Valor, que o presidente Jair Bolsonaro conduz um governo “que defende a morte, gosta do cheiro da morte” e que o Brasil por ele liderado é “um mar de incompetência”. Para Doria, o país se converteu em “um conjunto de fracassos” capitaneado por “um pária internacional” e o presidente “retardou de forma hostil e desumana” o início da vacinação em todo o território nacional.

Doria também criticou os empresários que se mostram constantemente alinhados a Bolsonaro.“O distanciamento do governo o afasta da atividade produtiva. Aliás, para não dizer que o afasta, apenas aqueles que gostam de ser solidários e puxa-sacos do governo é que ficam lá tomando café da manhã com o presidente Jair Bolsonaro”.

Na avaliação do governador, os “verdadeiros líderes da indústria brasileira e de outros setores” estão sozinhos. “Porque não têm diálogo com o governo federal, nem uma política pública adequada para atrair investimentos internacionais, promover o desenvolvimento do país”.

As declarações do governador de São Paulo, potencial candidato à Presidência da República em 2022 e um dos principais adversário político de Bolsonaro, foram feitas ao longo dos 43 minutos e 10 segundos de conversa, na qual elencou uma série de erros e falhas que atribuiu ao presidente.

Biden anuncia novo pacote de estímulo, de US$ 1,9 tri

O presidente eleito, Joe Biden, também anunciou uma segunda proposta focada na recuperação econômica, no qual mira empregos e infraestrutura como ferramenta para combater as mudanças climáticas. Ajuda às famílias americanas representa metade do valor do pacote

Por Richard Rubin e Eliza Collins — Dow Jones Newswires / Valor Econômico

O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, propôs ontem um plano de US$ 1,9 trilhão para ajudar os americanos a resistir ao choque econômico provocado pela pandemia de covid-19 e injetar mais dinheiro em testes e distribuição de vacinas.

Em discurso na noite de ontem, Biden anunciou as prioridades dos primeiros dias de seu governo relacionadas à pandemia. Ele pediu ao Congresso que endosse uma rodada de pagamentos diretos de US$ 1.400 por pessoa para a maioria das famílias do país, uma suplementação do seguro-desemprego de US$ 400 por semana até setembro, a extensão das licenças remuneradas e aumentos no valor de dedução por filhos menores no imposto de renda. O auxílio para famílias é cerca de metade do custo do plano, e grande parte do restante irá para a distribuição da vacina e em ajuda para governos estaduais e municipais.

A posse de Biden está marcada para a próxima quarta-feira, em um momento em que o número de mortes causadas pelo vírus chegou a 4.000 por dia e os americanos lidam com as consequências econômicas do fechamento persistente de empresas e escolas. O Senado também deve julgar o impeachment do presidente Donald Trump, que foi aprovado pela Câmara pela segunda vez.

Biden quer que o Congresso aja rapidamente para lidar com o que considera uma emergência nacional. O plano inclui algumas ideias que já tinham sido apresentadas pelos democratas no Congresso e pela campanha de Biden, mas foram rejeitadas pelos republicanos, e não está claro que partes podem ser aprovadas e quando os parlamentares tomarão uma decisão.