*Fernando
Azevedo e Silva, general, ex-ministro da Defesa, demitido por Bolsonaro,
em nota pública, 29/3/2021.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
*Fernando
Azevedo e Silva, general, ex-ministro da Defesa, demitido por Bolsonaro,
em nota pública, 29/3/2021.
É
hora de a maioria moderada ajudar o País a evitar o vórtice para o qual tentam
arrastá-lo
O Estado publicou no
domingo 14/3 artigo oportuno de Pedro Malan sobre o desfecho dramático da
tríplice crise – econômica, política e sanitária. Convergindo com os alertas
sobre a necessidade de ação integrada dos moderados para encontrar soluções em
curtíssimo prazo, e com vista às próximas eleições presidenciais, Malan
acrescentou um ponto pouco ou nada abordado até agora.
Trata-se,
segundo entendemos, da necessidade de ir além da discussão de candidaturas e
dar lugar à construção de um consenso programático, uma coalizão de moderados
de diferentes orientações políticas, partidárias e intelectuais. Não será
exatamente isso o que se busca lançando candidatura?
Na
prática, não é o que acontece. Em eleições para o Executivo, sobretudo para a
Presidência da República, candidatos sempre dividem. Cada nova indicação de
candidato divide um pouco mais. A indicação de candidatos e a disputa
prematura, para negociar coalizões partidárias, dividem ainda mais e dificultam
a convergência necessária. Partidos e candidatos servem para competir, e é bom
que assim seja, porque só no despotismo o poder não se disputa. Devemos convir,
entretanto, que nosso país se encontra em situação excepcional, enfrentando,
como vimos, uma tríplice catástrofe – política, econômica e sanitária. Neste
caso, e somente neste caso, nem toda competição é saudável.
Uma
situação excepcional exige que soluções excepcionais, com objetivos positivos,
consensuais e eficazes, se anteponham à necessidade de competir. Existem,
também, “soluções excepcionais” radicais e violentas, sempre justificadas por
aqueles mesmos que provocam o surgimento da radicalização e da desordem,
evocadas para justificar a excepcionalidade.
É previsível que a desordem disseminada pelo governo contra o combate à pandemia e as decisões hesitantes tomadas para estabilizar e recuperar a economia sirvam de pretexto para soluções que transgridam o regime constitucional. O mesmo se pode dizer dos efeitos do conflito entre os impulsos presidenciais, de um lado, e, do outro, as prerrogativas dos demais Poderes, dos governadores e dos prefeitos.
Enfraquecido,
o presidente pede socorro à farda
O compromisso dos militares brasileiros com a democracia será testado novamente – desta vez, depois que o presidente Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e cobrou do seu substituto, general Braga Neto, a troca do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol.
Se
quiserem ficar nos seus postos, ficarão os atuais comandantes da Marinha,
almirante Ilques Barbosa, e da Aeronáutica, brigadeiro Antônio Carlos Bermudez.
Do contrário sairão, cabendo ao Estado Maior de cada Arma indicar seus
sucessores. Os nomes ainda terão de passar pelo crivo de Bolsonaro.
Azevedo e Silva perdeu o lugar porque resistiu nos últimos meses a várias tentativas do presidente da República de aparelhar politicamente as Forças Armadas. Fazia tempo que Bolsonaro pedia a cabeça de Pujol que sempre manteve o Exército a salvo dos seus delírios. Azevedo e Silva preservou Pujol.
Militares se unem ao Judiciário e ao Legislativo para dizer ‘não’ aos absurdos de Bolsonaro
O
cerco do Congresso,
dos tribunais superiores, de diplomatas, médicos, enfermeiros, ambientalistas,
economistas, advogados, banqueiros e grandes empresários gerou um grito
uníssono em Brasília: Basta! Basta de desgoverno, basta de delírios ideológicos
e ameaças golpistas, basta de afundar o Brasil no cenário internacional. Há uma
exaustão.
Nada,
porém, foi mais estridente do que a demissão do ministro
da Defesa, general de quatro-estrelas Fernando Azevedo e
Silva, da reserva, que confirmou a crescente insatisfação
das Forças Armadas com
o governo e com o próprio capitão insubordinado Jair Bolsonaro. Nem os militares
aguentam mais.
Ordem, progresso, disciplina e hierarquia, sim, sempre. Mas Azevedo e Silva não segue a cartilha da submissão, da humilhação, da continência incondicional do general Eduardo Pazuello: “um manda, outro obedece”. Para o agora ex-ministro, a lealdade das Forças Armadas não é com o governo de plantão, muito menos com um governo errático e de viés autoritário. É com o Brasil.
Vamos
tolerar uma deputada louvar um ato terrorista e pregar o motim policial?
Um
policial militar de Salvador, em surto psicótico, se rebela contra o pelotão e,
armado de fuzil, passa a gritar enraivecido e a atirar para o alto. Gritava
supostamente em defesa de trabalhadores e contra o lockdown, mas isso não o
impediu de jogar as mercadorias e bicicleta de ambulantes no mar. Depois de
mais de três horas de negociação com integrantes do Bope, disparou na direção
dos policiais. Aí foi preciso agir. O
PM foi alvejado, recebeu atendimento médico, mas não resistiu.
Há
apenas uma palavra para descrever essa sequência de acontecimentos: uma
tragédia. A palavra certa, no entanto, para descrever o ato posterior de
lideranças políticas bolsonaristas que usaram essa tragédia para alimentar seu
discurso golpista é outra: crime.
Foi o que fez a deputada Bia Kicis ao publicar um tuíte em homenagem ao PM: “Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia [p]arou. Chega de cumprir ordem ilegal!”.
Presidente desenha alteração ministerial para tentar chegar competitivo na eleição de 2022
A
mudança ministerial anunciada por Jair Bolsonaro nesta segunda (29) é
um gesto desesperado que busca ao mesmo tempo ceder poder e reforçar a posição
do presidente em meio à catástrofe
da pandemia.
De
quebra, o movimento arrisca
a gerar uma crise militar em plena semana do 31 de março, aniversário
do golpe de 1964 em que as sensibilidades fardadas costumam estar elevadas.
O cenário de crise para o presidente está desenhado desde que o fim do auxílio emergencial foi acompanhado da propagação da variante P.1 de Manaus para o mundo, com escala preferencial no resto do Brasil.
Bolsonaro
reforçou seu controle sobre os aparelhos de coerção do Estado – Forças Armadas,
Justiça, Advocacia Geral da União —, porém, fez concessões ao Centrão
O
presidente Jair Bolsonaro surpreendeu o mundo político e a própria equipe de
governo com mudanças no Palácio do Planalto, ontem, na sequência do pedido de
demissão do ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores. O troca-troca de
ministros mudou completamente a configuração de seu estado-maior. Bolsonaro se
prepara para conter a ofensiva da oposição contra seu governo, em razão do
descontrole da pandemia do corona- vírus e da recessão, depois de uma semana em
que se isolara politicamente, confrontado pelo Centrão.
Bolsonaro
reforçou seu controle sobre os aparelhos de coerção do Estado – Forças Armadas,
Justiça, Advocacia Geral da União —, ao mesmo tempo em que fez concessões
políticas aos novos líderes do Congresso, ao substituir seu chanceler, que já tinha
virado um fusível queimado, e entregar a articulação política do governo ao
Centrão. Quem imaginava um perfil de conciliação política, errou. Bolsonaro
reforçou o aparelhamento do Estado. É um gabinete armado para o confronto, nos
dois sentidos, com propósito de barrar qualquer tentativa de impeachment e usar
a mão pesada do governo contra a oposição.
Trocando em miúdos, Bolsonaro substituiu o general Fernando Azevedo, que foi pego completamente de surpresa, pelo general Braga Netto, de quem se aproximou muito. Estava insatisfeito com o ministro da Defesa porque não alinhou as Forças Armadas com sua política de confronto com os demais Poderes. A gota d ́água teria sido a entrevista do general Paulo Sérgio, chefe do Departamento de Pessoal do Exército, sobre o alto desempenho da Força na prevenção contra a covid-19 (a taxa de mortalidade por covid-19 do Exército é de apenas 0,13%, enquanto na população em geral é de 2,5%). Bolsonaro não gosta do general Edson Pujol, comandante do Exército, que evita o envolvimento de militares da ativa com a política e combateu o negacionismo da pandemia junto à tropa.
Parte
dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se mostrou preocupada com a
demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, realizada ontem.
Assim que souberam da saída do general da pasta por ordem de Jair Bolsonaro,
dois ministros relataram à coluna que buscaram saber mais informações da
situação com interlocutores do governo. Segundo esses ministros, paira sobre a
corte a preocupação de que Bolsonaro esteja pressionando as Forças Armadas para
atuarem não como forças de Estado, mas como forças políticas.
Os recados do governo e do Congresso que chegaram até o STF até o momento foram no sentido de tranquilizar os ministros. Interlocutores de Bolsonaro afirmaram que a demissão estava ligada à postura do Azevedo e Silva de apoiar a decisão comandante do Exército, Edson Pujol, de não punir um subordinado. Bolsonaro solicitou que o general Paulo Sérgio, chefe do Departamento-Geral de Pessoal do Exército, fosse penalizado após uma entrevista concedida ao jornal Correio Braziliense, na qual defendeu o lockdown e falou de terceira onda da Covid-19 no Brasil.
Pouco
há de mais perigoso hoje no Brasil do que a influência-infiltração bolsonarista
nas forças de segurança pública país adentro. Trata-se mesmo de um programa de
ocupação ideológica, desde as mais baixas patentes, das corporações armadas.
Milícias (também) surgem assim, nas fissuras da hierarquia desafiada, nas
brechas em que se insinuam os atrativos do poder paralelo. Que o leitor se
lembre do movimento de amotinados no Ceará, de fevereiro de 2020, em que fora
possível identificar a presença de agentes do bolsonarismo.
Um
ano depois, volto a este tema, a corrupção ideológica das polícias, a partir do
ocorrido na Bahia, no último domingo: um ato de terrorismo doméstico promovido
por um lobo solitário, em cuja mente o apito soprado desde o Planalto entrou.
Refiro-me — chamando a coisa pelo que é — ao caso do soldado Wesley; o policial
militar, afinal terrorista, que, em maior ou menor surto, depois de apregoar
palavras de ordem e atirar a esmo, disparou contra colegas de farda.
Este é, aliás, um dos fatos do episódio — um fato, apesar da poderosa campanha de distorção bolsonarista: o sujeito disparou contra pares, somente em resposta a que seria baleado. Atirou; veio a reação. Mesmo assim, apesar das imagens incontroversas, o bolsonarismo conseguiu plantar sua guerrilha de versões, de que um soldado Wesley romantizado emerge como mártir em defesa da liberdade. Coisa de profissional.
O
governo Bolsonaro está numa crise sistêmica. As áreas estão colapsando, nada
funciona. O presidente ficou acuado pelo centrão, que queria mais espaço, e
pelos movimentos do Senado contra o ex-ministro das Relações Exteriores. Cedeu,
mas fez ao mesmo tempo várias mudanças e numa delas tocou numa questão
sensível: a militar. Na semana passada, ele foi claro com o general Fernando
Azevedo. Queria que o Exército desse “mais demonstração de apreço” ao governo
dele. Era nova pressão para tirar o comandante do Exército, Edson Pujol. Uma
fonte próxima do presidente, e também militar, me disse que o general Azevedo
também “estava cansado dessa loucura toda”.
A demissão de Fernando Azevedo desviou as atenções do fato de que o Senado exigiu a cabeça de Ernesto Araújo e a obteve. O que é um alívio, porque Ernesto foi um desastroso ministro das Relações Exteriores. “Para não mostrar sinal de fraqueza, ele jogou a bomba para desviar a atenção”, me contou uma fonte do governo. Nas Forças Armadas, a demissão do ministro da Defesa foi entendida como sendo o passo para que Bolsonaro tente usar o que ele chama de “meu Exército”. O general Fernando Azevedo vinha tentando fazer “um meio de campo”, me disse a fonte, para evitar que o presidente continuasse com o seu projeto de tratar as Forças Armadas como se dele fossem.
A decisão do Congresso Nacional, na semana passada, de aprovar a complementação de voto do relator do Orçamento, reduzindo a projeção de despesas obrigatórias para a inclusão de novas despesas discricionárias, é bastante preocupante. O problema não está apenas nos efeitos fiscais da medida, que, se não for revertida, pode exigir um nível insustentável de contingenciamento de despesas essenciais de custeio, resultando numa paralisação (shutdown) do governo. O principal problema está na forma escolhida para abrir espaço para a inclusão de novas despesas no Orçamento e, principalmente, na notícia de que esse procedimento teria tido apoio de parte da equipe governamental.
Pode-se questionar se as regras fiscais do Brasil são as ideais. Eu mesmo fiz isso em meu último artigo, publicado há duas semanas neste espaço. Mas, uma vez que as regras existem, é essencial que sejam cumpridas, sob pena de desmoralização de todo o arcabouço fiscal do País.
Tardiamente
aprovado, pode ter aberto caminho à contabilidade criativa
Em
30 de novembro de 2009 o ex-ministro Mailson da Nóbrega e eu publicamos, neste
jornal, o artigo Contabilidade criativa turva meta fiscal. O Orçamento de 2021
requer novo alerta: a redução de despesas obrigatórias a níveis pouco
razoáveis, tecnicamente, traz riscos à transparência nas contas públicas e à
gestão da política fiscal. A boa prática orçamentária recomenda prudência. Se
há probabilidade alta de uma despesa vir a ser feita, ela deve ser fixada na
Lei Orçamentária Anual (LOA).
Na Nota Técnica n.º 46 da IFI, de 28 de março, Daniel Couri e eu mostramos que a despesa previdenciária do Orçamento deverá ficar em R$ 690,9 bilhões, enquanto a IFI projeta R$ 704,5 bilhões. O abono salarial e o seguro-desemprego foram fixados na LOA em R$ 48,9 bilhões, também abaixo da projeção da IFI, de R$ 61,2 bilhões. As despesas com a compensação ao Regime Geral da Previdência pela desoneração da folha de salários estão fixadas em apenas R$ 3,7 bilhões, estimativa anterior à decisão tomada pelo Congresso, em 2020, de manter essa renúncia tributária para 2021 (a IFI projeta R$ 9,5 bilhões).
Há
pelo menos três décadas a indústria brasileira agoniza sem respiradores nem
UTIs
É
difícil neste momento desesperador fugir do tema da pandemia. Mas alguém
precisa pensar em outro paciente moribundo no país, a indústria, atingida
também por um poderoso vírus que vem destruindo sua capacidade de produção há
décadas. Agora, a doença se agravou. A Ford, há um século no país, vai embora.
A Mercedes suspende a produção de sua fábrica no Brasil. A Sony sai correndo de
Manaus.
É
o avanço da desindustrialização. Alguns analistas dizem se tratar de um
processo mundial de transição da economia industrial para a de serviços. O
processo existe, mas, no caso brasileiro, é acelerado e se dá antes de o país
atingir a maturidade no setor.
A fatia brasileira na indústria mundial, que chegou a 2,8% em 2005, recuou para 1,8% agora. E a indústria tem hoje participação no PIB nacional de 11% - tinha 17,8% em 2004 e 35% em meados dos anos 1980. Ou seja, há pelo menos três décadas a indústria brasileira agoniza, sem respiradores nem UTIs.
Ainda
estamos na 1ª onda de absurdos ligados à vacinação
Enquanto ainda acompanhávamos os até então chocantes números da pandemia na Itália, nos primeiros dias do ano passado, já era possível vislumbrar os desdobramentos da peste em um país gigante, fragmentado, desigual, patrimonialista e corrupto.
Acontecimentos
como uma epidemia de tal magnitude costumam pôr à prova a capacidade de uma
nação agir, enfim, como sociedade. O que se espera em tal cenário são
demonstrações mais claras de espírito coletivo, colaboração e empatia,
qualidades que o Brasil possivelmente não colocaria com nenhum destaque em seu
currículo. Isso sem falar no “fator” Bolsonaro.
Vieram
a “gripezinha”, o “e daí?”, as festas clandestinas e - por que não? - as festas
não clandestinas. Mas foi com a chegada das vacinas contra a covid-19 que o
Brasil mostrou a sua face mais autêntica.
Alguns casos de fraudes na vacinação, é verdade, já haviam aparecido mundo afora. Em dezembro, veio a público a informação de que o entorno do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, havia sido imunizado antes mesmo de as vacinas chegarem ao país e serem aprovadas pelas autoridades sanitárias locais.
Eu te peço perdão por te amar de repente
O
fato é que, para escapar da polarização extremada, Bolsonaro e Lula, seria
preciso que as forças do centro tivessem outra capacidade de interferir nos
acontecimentos. Mas o centro está fraco também!
Existe
centro na política, com chances de sucesso eleitoral?
Não
sei se o centro vai se reconstituir. Ele pode se reconstituir para ter um papel
marginal. Penso que, se o PT tiver maior lucidez, não vai ser o protagonista da
sucessão. Seria, nessa minha projeção utópica, o construtor de uma frente de
centro-esquerda. Ele participaria, evidentemente, ativamente. Agora, sem o
papel principal. É possível? Ele não tem história disso. Sempre procurou ser o
protagonista. E ficou claro, no discurso de Lula, que isso vai persistir.
*Luiz
Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio, Entrevista: 'Desertificação da política é o
legado da Lava Jato'. O Estado de S. Paulo, 14/3/21.
Como
sair dessa? Quando sair dessa? As perguntas não cessam de martelar nossa
cabeça, e cada um tenta respondê-las com a mistura de análise e desejo que se
entrelaçam em nossas conversas.
De
uma forma muito simples, sem censura, tento desenhar para mim um quadro ideal
de superação desta crise que, além de matar muita gente, pode nos roubar uma
década de desenvolvimento, segundo a própria ONU.
Nesse
quadro ideal, unifico três condições: um líder como a da Nova Zelândia, uma
vacinação tão intensa como a de Israel e um comportamento social como o
japonês.
Diante
desse quadro, sinto-me como aqueles andarilhos de uma peça de Harold Pinter que
entraram, subitamente, na cozinha de um restaurante. De repente, começaram a
surgir pedidos complexos, e eles tinham apenas alguns alimentos nas suas pobres
sacolas.
É preciso fazer algo com poucos recursos, porque a luta contra o vírus é real, assim como é verdadeira a tragédia que se abate sobre nosso povo.
Suicídio
político
Se
faltava pouco para que Ernesto Araújo perdesse o Ministério das Relações
Exteriores, agora não falta quase nada. É uma questão de horas ou de poucos
dias. Foi ele mesmo que precipitou sua queda ao atacar, ontem, nas redes
sociais, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), e por tabela os demais senadores.
Não
foi um tiro no pé dado por um diplomata que nunca teve a menor importância até
ser descoberto por Jair Bolsonaro, que antes de se eleger presidente, era um
deputado federal do baixo clero a quem ninguém dava ouvidos – daí a afinidade
entre os dois. Foi um tiro que Araújo deu na própria cabeça.
Bolsonaro nada disse até ir dormir ou encarar a insônia no closet com roupas, bolsas e sapatos da sua mulher, Michelle, a ocupar-se em receber e em responder mensagens por meio do celular. É seu costume. Mais de uma vez, já admitiu que a presidência é um emprego que não deseja a ninguém. Poderia abreviá-la.
Pode
dar certo um governo que se caracteriza pela falta de atitudes racionais?
O
cenário nacional é de tempestade perfeita: descontrole fiscal, baixo
crescimento, aumento da inflação, alta dos juros, aproximadamente 14 milhões de
desempregados, sem falar nos subocupados, no medo generalizado da covid-19 e de
uma cifra de mortes de mais de 300 mil pessoas, em crescimento acelerado. Para
coroar o quadro, um presidente descontrolado e irresponsável, que nem ideia tem
do abismo em que estamos entrando. E como desgraça pouco é bobagem, a
alternativa política que se está desenhando, graças ao Supremo Tribunal, é o
retorno de Lula à cena política.
A dificuldade de compreensão do presidente Bolsonaro reside em que seu comportamento, suas ações e declarações não se orientam pela normalidade, pela racionalidade que julgaríamos comum em atitudes políticas. Ele se pauta pela irracionalidade, pela destruição e pela morte. Sua previsibilidade só se dá se seguirmos esses critérios, e não os da razão, do equacionamento da violência (ataques e agressões), da vida. Ele tem uma tendência incontida, diria incontrolável, a seguir comportamentos destruidores, até de acordos por ele mesmo celebrados, ainda que este rompimento lhe seja prejudicial em médio e longo prazos.
Estratégia
federal de associar-se a fatores positivos como auxílio e vacina fracassou
frente à crise
A
dinâmica política da pandemia sofreu inflexão importante. A emergência
sanitária irrompeu no segundo ano do governo e moveu as placas tectônicas da
política, afetando tanto seu conteúdo substantivo (a agenda) quanto
a forma (estilo de governança). A agenda tornou-se monotemática: como
impedir que uma crise social desestabilizadora que poderia levar à queda do
governo se instalasse?. Mas a mudança na forma demorou: foi a persistência da
cacofonia midiática que produziu a inflexão.
A
estratégia do governo foi associar-se a fatores positivos que produzam
benefícios tangíveis; em um primeiro momento, ao auxílio emergencial; em um
segundo, e que está em curso, à vacinação em massa. Medidas restritivas como
lockdowns que produzem custos concentrados e benefícios difusos deveriam ficar
a cargo de governadores e prefeitos, que também arcariam com os elevados custos
políticos de gestão dos serviços de atenção à saúde em meio a uma emergência.
A disputa federativa envolve a distribuição dos custos e benefícios pela pandemia. É disputa sobre crédito e responsabilidade política.
Mesmo
antes de discutir impeachment, instituições poderiam ter dado tiros de
advertência para Bolsonaro antes que o desastre se consumasse
Ministro
deu chilique em voto no qual declarou parcialidade do ex-juiz Sergio Moro
As
instituições da República merecem respeito; a questão é que, muitas vezes, elas
não se dão ao respeito. Um exemplo disto foi a sessão da segunda turma do STF
que declarou
a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro em atuação no processo do
ex-presidente Lula. No julgamento, três dos cinco ministros, além de usarem
provas ilícitas (mensagens roubadas por hackers), acrescentaram a afrontosa
mentira de dizer que não o estavam fazendo, no exato momento em que o faziam.
O ministro Gilmar Mendes deu um show à parte. Descompensado após o sensato voto do ministro Kassio Nunes, que tinha pedido vistas do processo, Gilmar deu um chilique, faniquito ou piti; um troço desses que misturou fúria, choro, berro e teatro: gritou, destratou o ministro Kassio e xingou até o Piauí. As lágrimas brotaram depois, na emoção ao elogiar o advogado de Lula.
Por Isadora Peron / Valor Econômico
BRASÍLIA
- Após protagonizar a maior derrota já imposta à Lava-Jato, o
ministro Gilmar Mendes evita sacramentar o fim da operação que desvendou o
escândalo de corrupção na Petrobras. Em entrevista ao Valor, ele
diz que a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no processo do tríplex do Guarujá
deve se estender aos demais casos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
mas que isso não é automático para os outros réus.
Gilmar evita críticas diretas ao ex-magistrado e defende que uma
investigação não pode se transformar em um “vale tudo”. “Tem que ter regras, do
contrário você paga o preço de eventual nulificação de todo o trabalho. Esse é
sempre um risco de se fazer um trabalho malfeito”, diz.
Gilmar afirma ainda que o plenário deve chancelar a decisão do ministro Edson
Fachin, que anulou as condenações impostas a Lula pela 13ª Vara Federal de
Curitiba. O julgamento está marcado para o dia 14 de abril. No entanto, diz não
acreditar que a Corte derrube a decisão sobre a parcialidade de Moro, que foi
tomada no âmbito da Segunda Turma, colegiado que reúne cinco dos 11 ministros.
O ministro, que chegou
a pedir a demissão do agora ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, adota um tom
conciliador e diz esperar que haja, enfim, uma “união nacional” para resolver o
problema da pandemia. Ele afirma ainda que não é momento para discutir o
impeachment do presidente Jair Bolsonaro e que não acredita em ruptura
institucional em 2022 mesmo que Lula dispute - e vença - as eleições.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O ministro Fachin disse temer
que a suspeição de Moro leve à anulação de toda a Lava-Jato. O senhor concorda?
Gilmar Mendes: Eu
não vejo dessa maneira. Entendo que a questão está limitada aos processos do
ex-presidente Lula. Nós só julgamos na Turma aquela primeira condenação, do
tríplex. Muito provavelmente isso pode ser estendido aos outros processos do
ex-presidente, mas essa é uma questão que tem que ser analisada em cada caso.
Eu não vejo essa abrangência vislumbrada pelo ministro Fachin. Por outro lado,
a questão da competência da Vara de Curitiba pode ter uma abrangência bastante
vasta, mas isso tudo terá que ser considerado a seu tempo.
Valor: A decisão de Fachin de anular
as condenações impostas a Lula vai receber o aval do plenário?
Gilmar: Imagino que sim, porque é o relator que está encaminhando essa orientação, é ele quem se debruça sobre os processos. Além disso, há paradigmas no plenário de que só diziam respeito à Vara de Curitiba os processos que tivessem a ver com corrupção na Petrobras. Por isso o pleno, e também a Turma, tem tirado processos e afirmado a incompetência da 13ª Vara.
Valor: O plenário pode derrubar a decisão da Turma sobre a suspeição de Moro, caso considere que o habeas corpus perdeu o objeto?
Gilmar: Eu
creio que não. Não vislumbro que isso vá ocorrer.
Valor: A suspeição de Moro para os
outros casos em que Lula foi condenado é automática?
Gilmar: Isso tem que ser examinado em cada caso. O nosso foco todo foi a primeira condenação.
Por
Cristian Klein / Valor Econômico
RIO - A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao jogo eleitoral e o agravamento da pandemia penderam o tabuleiro da sucessão ao governo do Rio para a esquerda. Com a crise gerada pela disputa entre o governador Cláudio Castro (PSC) e o prefeito da capital, Eduardo Paes (DEM), em torno das medidas de restrição para conter a covid-19, o nome do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, passou a ganhar força. Ele se junta a outras figuras do campo progressista que estão no radar do grupo de Paes, como o deputado federal Marcelo Freixo (Psol) e o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT).
Após
se desentender com Castro nos últimos dias, Paes confirmou ao Valor o que vinha
afirmando a interlocutores nos últimos dias: gostaria de ver Santa Cruz como
seu candidato ao Palácio Guanabara, em 2022. Segundo o prefeito, Santa Cruz
demonstrou interesse pela proposta.
Num tom mais cauteloso, o advogado diz que não está pensando em eleições agora e que ouve “como lisonjeiros esses convites de pessoas que admiro”. “São gestos de reconhecimento pelo trabalho que realizei na OAB. Na vida, pela minha profissão, juntei mais amigos que inimigos e isso pesa nessa hora”, afirmou Santa Cruz, acrescentando que seu foco até 31 de janeiro de 2022 é a OAB.
Regra
criada por Cunha e Maia embaralha o jogo para 2022
Pode parecer sandice, mas de certa forma o destino do governo Bolsonaro e até mesmo das eleições de 2022 poderá ser decidido graças a uma parceria entre Eduardo Cunha e Rodrigo Maia firmada seis anos atrás.
Mais
regulares e previsíveis do que os movimentos dos planetas ao redor do sol, as
reformas eleitorais no Brasil acontecem religiosamente a cada ano ímpar. Isso
se deve ao princípio da anterioridade, inscrito no Artigo 16 da Constituição,
que estabelece que as regras do jogo devem ser estabelecidas um ano antes da
ocorrência dos pleitos.
Criado para dar previsibilidade à disputa, esse dispositivo constitucional acaba gerando o efeito contrário: de dois em dois anos há uma corrida contra o tempo no Congresso para se alterarem as leis conforme os interesses daqueles que tentarão um novo mandato dali a 12 meses. E em 2021 não será diferente.
A regra
do teto, da forma como vem sendo conduzida, deixa de assegurar a
sustentabilidade da dívida pública
Mudanças
recentes na conjuntura global, agravamento da pandemia e a evolução do quadro
político-institucional no Brasil têm colocado nosso cenário num limiar perigoso
para a sustentabilidade da dívida pública. As recentes matérias aprovadas no
Congresso, alheias a esse quadro, aumentaram a distância para uma solução
estrutural.
O
orçamento de 2021 demonstra esse conflito: diante da insuficiência de espaço
para mais despesas discricionárias (emendas parlamentares) dentro do teto de
gastos, decidiu-se pelo corte artificial de R$ 26 bilhões em despesas
obrigatórias, sem o devido respaldo técnico ou aprovação legal prévia, além da
não correção da subestimativa das despesas no total de R$ 17,6 bilhões em
relação à proposta orçamentária inicial. A correção terá que ocorrer mediante
contingenciamentos, o que sempre traz fricções no relacionamento entre os
ministérios, com o Congresso e também com outros Poderes, além de deixar a
descoberto o financiamento do custeio administrativo, em alguns casos.
A recente aprovação da Emenda Constitucional Fiscal (PEC emergencial), adiada por dois anos, não permite afastar a percepção de riscos, por não garantir uma rota segura para a consolidação fiscal. A medida sequer compensa - até 2026, fim da primeira fase do Teto de gastos - os gastos temporários com a pandemia em 2021. Houve avanços teóricos, pois, na sua maioria, dependem de leis posteriores ou condições ainda não observáveis.
Banco
Central aperta forte a Selic e colhe alta no juro de mercado
O
Banco Central deu uma firme puxada na meta de taxa Selic, de 1,5 ponto percentual,
dividida em duas prestações, uma em março e outra em maio. Mas não colheu os
efeitos tranquilizadores no dólar e nos juros negociados no mercado financeiro
que muitos previam. O que aconteceu?
Antes
da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), os contratos com prazo de
dez anos, com vencimento em 2031, eram negociados com juros de 8,5% ao ano. No
fechamento da semana passada, já estavam em 9,1% ao ano. O dólar caiu abaixo do
patamar de R$ 5,50 depois que o BC agiu, mas subiu de novo.
O resumo da história é que, hoje, as condições financeiras e monetárias são mais restritivas. Não houve o efeito positivo que muitos analistas econômicos esperavam do BC conservador, uma espécie de contração monetária expansionista.
Embora
nem sempre a economia agropecuária seja corretamente descrita em seus amplos
contornos, sejam espaciais ou suas dimensões sociais e econômicas, há uma
profusão de manifestações públicas que exaltam seu recente virtuosismo. É a
narrativa do “agro é tudo”, repetida no horário nobre televisivo. São aplausos
concentrados, contudo, exclusivamente nos focos econômico-produtivos e no
intenso aprofundamento tecnológico de diversos ramos considerados dinâmicos. E
não apenas no tocante à produção de grãos (soja, milho e algodão), mas
igualmente o setor de carnes, os ramos da cana, laranja e do café, a
fruticultura irrigada no Vale do São Francisco ou o setor de florestas
plantadas – enfim, são inúmeras as regiões e os ramos produtivos hoje
fortemente modernizados e dominados por uma enraizada lógica empresarial. A
atual safra agrícola, contabilizado o seu valor bruto mais adiante,
provavelmente alcançará um trilhão de reais (sic), pela primeira vez em nossa
história rural.
Por tudo
isso, a economia agropecuária se transformou em uma espetacular máquina
produtora de riquezas para o Brasil – um fato empiricamente inegável. E sob
esse curso tendencial, com a agricultura (e a pecuária) empresarial
conquistando quase todos os ramos produtivos, é inevitável que as chances dos
médios e pequenos produtores venham se estreitando rapidamente, em particular
no presente século. E esse tem sido o outro ângulo dessa transformação
produtiva, embora raramente discutido de forma pública adequada, em todos os
seus aspectos. Estamos caminhando, em síntese, talvez rapidamente, para
estruturar uma agricultura sem agricultores.
No referido evento, fui um dos expositores e arrolo, nesse brevíssimo comentário, alguns dos argumentos apresentados naquela ocasião. Inicialmente, submeti a “tese geral” que orienta a leitura da realidade da produção agropecuária e seus determinantes. Qual seja: sugerir que, no último meio século, o Brasil rural vem experimentando uma profunda e radical transformação histórico-estrutural. Trata-se de uma transição de um antigo padrão bimodal para um novo e emergente modelo produtivo que é (ou logo será) unimodal, ancorado incontrastavelmente na hegemonia da agricultura empresarial de larga escala. A antiga segmentação dual entre grandes proprietários de terra dedicados à exportação e, em outro subsetor, os médios e pequenos abastecendo o mercado interno, como prevalecia até os anos oitenta, está deixando de existir. É uma passagem ainda inconclusa, mas sem retorno, e sob a qual os médios e pequenos produtores estão sendo encurralados como agentes econômicos e, gradualmente, também como cidadãos moradores das regiões rurais.