*Luís Roberto Barroso, presidente do
Tribunal Superior Eleitoral
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 3 de agosto de 2021
Opinião do dia - Luís Roberto Barroso*
Merval Pereira - Resposta da Justiça
O Globo
Como aqueles arruaceiros de rua que vivem
atrás de pretexto para uma briga, o presidente Bolsonaro não passa um dia sem
atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros. E também afronta a
Câmara, que se prepara para vetar a proposta de voto impresso na Comissão
Especial montada para estudar o assunto.
Não é preciso ser adivinho para saber que, ao agir com tamanha imprudência,
Bolsonaro quer apenas um pretexto para tentar arranjar uma grande confusão no
país, diante da possibilidade de perder a eleição presidencial do ano que vem.
A resposta dura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao abrir inquérito
administrativo sobre as ameaças de Bolsonaro à realização de eleições do ano
que vem, com seus ataques à urna eletrônica, mostra que suas bravatas estão
prestes a se ver às voltas com a Justiça.
Não há evidências de que os bolsonaristas que saíram às ruas no domingo a favor
do voto impresso sejam a maioria do eleitorado, como diz o presidente. Nem que
Bolsonaro tenha condições de levar as Forças Armadas a apoiar um golpe militar,
muito menos por um motivo tão fútil.
O descrédito a que as Forças Armadas foram submetidas diante dos arroubos
autoritários de Bolsonaro parece ter levado os militares a repensar esse apoio
irrestrito, mesmo que o ministro da Defesa, Braga Netto, pareça infenso ao
desgaste. Agora que se entregou ao Centrão, assumindo-se como um de seus
membros desde o início de sua carreira política, Bolsonaro não deixou apenas
seus seguidores mais radicais de queixo caído, mas também os militares que
acreditavam na sua capacidade de lidar com políticos sem se entregar às
negociações promíscuas.
Míriam Leitão - Pedaladas populistas
O Globo
Há vários riscos na maneira como o governo
se prepara para lidar com os precatórios. Se a ideia for postergar o pagamento
dessas dívidas para abrir espaço para mais gastos é uma forma de pedalada. Por
outro lado, os precatórios têm aumentado muito a cada ano e nem sempre é
possível prever, segundo dizem os especialistas. O problema é que neste momento
o Ministério da Economia está tentando encontrar no Orçamento espaço para o
populismo do presidente Bolsonaro, mas está sendo atropelado pelo centrão, que
quer impor valores cada vez mais altos para o Bolsa Família. E isso seria
financiado com o não pagamento de dívida.
O fato é que há erros por todos os lados na
questão dos precatórios. O governo tem razão em questionar um crescimento de R$
35 bilhões de despesas de um ano para o outro. Mas isso se deve a perdas que
teve na Justiça, por falhas de sua própria defesa. O parcelamento pode criar um
orçamento paralelo e, na prática, os credores desse dinheiro é que vão
financiar os programas de governo. O STF, por sua vez, exigiu, de uma hora para
outra, que o governo encontre espaço dentro do teto de gastos para um aumento
de 64% nas dívidas bilionárias de precatórios. Isso irá tornar praticamente
inviável a execução do orçamento de 2022.
Para se ter uma ideia, em 2014 foram R$ 20
bilhões de precatórios, em 2016, R$ 30 bilhões, este ano foram R$ 54 bi e no
ano que vem serão R$ 89 bilhões. Com a regra do teto de gastos, quando essa
despesa cresce, comprime as outras despesas e não há previsibilidade. Claro que
o governo pode negociar melhor, mas nem sempre dá certo, como aconteceu com os
estados na dívida do Fundef, uma velha ação judicial ainda da época do governo
Fernando Henrique, que repassou menos do que devia para os estados.
— Há dois anos quando a gente já tinha perdido, alguns estados chamaram o governo federal para um acordo. Eles disseram que dariam um deságio de 15% na dívida, mas desde que o governo pagasse à vista. Não tinha dinheiro e iria estourar o teto. A gente propôs um desconto de 40% e a gente pagaria à vista, mas eles não quiseram — explicou um ex-integrante do governo.
Carlos Andreazza - Renan Moro, Deltan Calheiros
O Globo
Escrever e falar lixo não é crime; mesmo
que o lixo seja negacionismo — para efeito de desinformação — em meio a uma
pandemia. Tampouco ilícito será um veículo de comunicação receber dinheiros de
governo, os recursos todos acessíveis via mecanismos públicos de consulta.
Outra obviedade, que já deveríamos ter entendido após anos sob a degeneração do
vale-tudo lavajatista, a alternativa sendo afundarmos ainda mais no pântano do
justiçamento que resultou em Bolsonaro: mera suspeita — por forte que seja a
convicção individual — não pode sustentar gestos extremos contra direitos
constitucionais.
De maneira que pergunto: qual é a base
legal para a quebra do sigilo bancário da rádio Jovem Pan, conforme pedido pelo
relator Renan Calheiros à CPI da Covid? Nenhuma. Li o requerimento e repito:
nenhuma; salvo se considerarmos juridicamente aceitável, como fundamento para
uma demanda radical, o gosto do senador por pescaria de intimidação — por pesca
de arrasto, para ser preciso. Ou se poderá nomear de outro modo um pedido que
remonte a 2018 e proponha — contra “grande disseminador de fake news” — uma
puxada até o presente?
Nada aprendemos com a Vaza-Jato?
Olhemos para esta categoria: a do “grande disseminador de fake news”. Concordo que a Jovem Pan se enquadre. É a minha opinião. Tenho bastante certeza a respeito. É também a de Calheiros, com a perigosa (e decisiva) diferença de ele poder vertê-la em demanda por quebra de sigilo; e de poder fazê-lo amplamente, para período de quase quatro anos, exatamente por ter uma opinião desprovida de lastro indiciário — a razão para que se contivesse sendo a que o estimula ao ataque. E ele ataca, para deleite inclusive dos que, sem as garantias de um senador, poderão um dia ter a quebra de seus sigilos requisitada, acusados de “grandes disseminadores de fake news”, porque suas apurações jornalisticamente corretas incomodam o justiceiro de turno.
Luiz Carlos Azedo - O Estado de Bolsonaro
Correio Braziliense
O presidente confunde seu
carisma com o poder instalado na Presidência, que é institucional e, por isso
mesmo, sujeito aos freios e aos contrapesos dos demais Poderes, entre os quais,
o Supremo
Estado centralizado, ausência de divisão de
poderes e política mercantilista eram as principais características do
absolutismo, um avanço para o século XVII, quando as nações europeias
consolidaram sua expansão. Os governantes detinham o poder de legislar e julgar
e havia uma relação pautada pela cega fidelidade dos governados. Luís XIV
(1638-1715), o Rei Sol, com sua Corte em Versalhes, na França, personificou
essa época: “L’Etat? c’est moi” (O Estado sou eu), sua frase mais famosa, é a
síntese do absolutismo como regime de governo.
O papel do Estado na sociedade moderna se
consolidou a partir dessa época, sob influência de pensadores como Thomas
Hobbes, autor de O Leviatã, um clássico da literatura política. Mas foi o bispo
francês Jacques Bénigne Bossuet que sacralizou a realeza europeia, em A
política inspirada na Sagrada Escritura, na qual fundamenta a doutrina do poder
absoluto da realeza como direito divino. A legitimidade dos reis necessitava,
simultaneamente, dos Papas e do sucesso da empresa colonial europeia, pois a
preservação da coroa dependia mesmo era de manter um grande exército.
A essa altura do campeonato, digamos, o
presidente Jair Bolsonaro constrói uma alegoria, quando pensa e age como se
fosse uma espécie de Luís Napoleão, que venceu as eleições para a Presidência
da França, em 1848, por 5.434.226 votos contra 1.448.107 votos dados ao general
Cavaignac. Em 2 de dezembro de 1851, deu um coup d’état e assumiu poderes
ditatoriais, proclamando-se imperador Napoleão III, até ser derrubado pela Terceira
República, em 1870, que durou até a ocupação alemã de 1940. Karl Marx conta
essa história em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, talvez a melhor reportagem
política já escrita. Bolsonaro confunde seu carisma político em declínio com a
força do Estado brasileiro, que confere muito poder aos presidentes da
República, mas não são a mesma coisa.
Por razões históricas, o Estado brasileiro antecedeu a nação e ainda hoje é muito, mas muito forte na relação com a sociedade. Essa característica vem desde o período pombalino. Em 1750, o rei de Portugal, D. José I, escolheu Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e futuro marquês de Pombal, para ocupar o cargo de primeiro-ministro. De certa forma, Pombal fundou o Estado brasileiro, fortificou fronteiras e organizou a nossa economia, com medidas como: criação das Companhias Geral de Pernambuco e Paraíba e do Grão-Pará e do Maranhão; extinção das capitanias hereditárias; elevação do Brasil a vice-reino de Portugal, bem como do Maranhão e Grão-Pará; transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro; criação da Real Extração; e expulsão dos jesuítas. Seu arrocho tributário (Derrama) foi tão grandes que provocou a Inconfidência Mineira.
Ricardo Noblat - Justiça dá um “basta” a Bolsonaro, que quer ver o circo pegar fogo
Blog do Noblat / Metrópoles
Pode não haver golpe. Nem por isso o
presidente deixará de tentar
A segunda-feira 2 de agosto de 2021 entrará
para a História como o dia em que a Justiça brasileira deu um “Basta” à
pretensão do presidente Jair Bolsonaro de aplicar um golpe militar caso seja
derrotado nas eleições do ano que vem.
O “Basta” não deverá produzir efeitos. O
golpe poderá ser abortado por falta de apoio. Nem por isso a data perderá
importância. Bolsonaro terminou o dia como aspirante a ser investigado no
Inquérito das Fakes News aberto no Supremo Tribunal Federal.
O Tribunal Superior Eleitoral abriu
inquérito administrativo sobre ataques à legitimidade das eleições. O inquérito
irá investigar os crimes de corrupção, fraude, condutas vedadas, propaganda
extemporânea e abuso de poder político e econômico.
Adivinhe quem será o alvo central desse novo inquérito… Ninguém mais do que Bolsonaro tenta desacreditar o sistema brasileiro de votação, que funciona muito bem há 25 anos. Ele disse que tinha provas de fraudes nas urnas eletrônicas. Recuou depois.
Andrea Jubé - A pós-verdade testa as instituições
Valor Econômico
O contrário da verdade não é a opinião, é a
mentira
O ex-presidente José Sarney, a quem Jair
Bolsonaro tem recorrido nos últimos tempos, afirmou, em uma entrevista ao Valor, que a cadeira do chefe
do Poder Executivo é sempre maior do que o presidente sentado nela.
Sem citar nomes, o líder emedebista admitiu
que muitos políticos desconhecem o significado das instituições democráticas.
Na entrevista publicada em fevereiro de 2019, Sarney atribuiu essa deficiência
à falta de leitura de clássicos do pensamento liberal e arautos da democracia
como Alexis de Tocqueville, Abraham Lincoln, Joaquim Nabuco.
Até onde se sabe, Sarney não recomendou nenhum desses títulos a Bolsonaro, que prefere ler postagens em redes sociais. O emedebista perdeu a oportunidade de convidar Bolsonaro a refletir sobre a pós-verdade, uma ameaça às democracias do século 21, e sobre a qual o atual mandatário discorreria com propriedade. Nesse hipotético diálogo, Sarney entraria com a teoria e Bolsonaro com a prática.
Maria Hermínia Tavares - Acadêmico rico em credenciais, mestre Weffort foi um intelectual público pleno
Folha de S. Paulo
Professor guardou em sua obra acadêmica
íntima conexão com o mundo da política prática e com as perguntas que suscitava
Certa vez, perguntaram ao trompetista
inglês Humphrey Litelton (1921-2008) se sabia para onde ía o jazz. Ele
respondeu que, se soubesse, já estaria lá. Francisco
Correa Weffort foi um desses raros intelectuais brasileiros que já
estavam lá quando outros começavam a chegar. Curta para os padrões dos
burocratas universitários, sua obra é importante porque ousou enfrentar uma
questão desafiadora para a ciência social: o peso das macroestruturas, das
escolhas e das ideias na análise dos fenômenos políticos.
Nos estudos pioneiros sobre
o populismo, parte dos quais reunidos no livro "O populismo na política
brasileira", mostrou que aqui ocorria um tipo de incorporação das massas
trabalhadoras ao jogo político distinto daquele das nações capitalistas
democráticas. Argumentou ainda que a chave sociológica para entender a adesão
dos setores populares a líderes populistas estava na sua origem rural recente,
na experiência da migração e nas formas de inserção na vida urbana.
Com o tempo, Weffort foi transitando das explicações do comportamento político ancoradas na estrutura social para outras, nas quais as escolhas —e a responsabilidade— de certos atores passaram a ser decisivas. Assim, seus artigos sobre o sindicalismo destacaram o papel das lideranças do partido comunista, elos necessários na cadeia que vinculou o proletariado aos dirigentes populistas.
Hélio Schwartsman - O Brasil e a estupidez infinita
Folha de S. Paulo
Aqui ela se manifesta de muitas formas;
como a eleição de Bolsonaro
A Covid-19 é uma doença potencialmente
letal e que causa enorme destruição econômica, além de ser altamente disruptiva
para nossas vidas. Até o fim do ano passado, isso era uma fatalidade. Vieram,
então, as vacinas. Em vários países desenvolvidos, os imunizantes já estão
disponíveis para todos os adultos e adolescentes que desejem tomá-los. Bastam
duas picadas para reduzir substancialmente o risco de morte pela moléstia.
A vacinação também
ajuda a recuperar a economia e permite recobrar alguns aspectos da vida
pré-pandêmica. Não obstante, fatias substanciais das populações de alguns
desses países recusam a injeção.
"Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta". A frase, de Albert Einstein, captura a essência da chamada hesitação vacinal. De um ponto de vista puramente darwiniano, poderíamos interpretar a atitude dos cidadãos recalcitrantes como uma contribuição involuntária ao aprimoramento da espécie, mas não é tão simples.
Cristina Serra - O manual do golpista
Folha de S. Paulo
São muitos os recursos disponíveis para
arruinar a democracia e a legalidade
Bolsonaro não vai parar de sabotar as
eleições e a democracia. Seu método preferido tem sido tentar minar a confiança
do eleitor na urna
eletrônica. Mas o velho manual dos golpistas mostra, com abundância de
exemplos ao longo da história do Brasil, que são muitos os recursos disponíveis
para arruinar a democracia e a legalidade.
Tentar impedir a posse de um presidente eleito é um deles, como na conspiração de Carlos Lacerda contra Juscelino Kubitschek. A articulação levou ao contragolpe liderado pelo marechal Henrique Lott, então ministro da Guerra, em novembro de 1955, que garantiu a posse de JK.
Felipe Salto* - O assombroso caso do fundo eleitoral
O Estado de S. Paulo
Orçamento público está sob ataque, é preciso reagir. O caminho é o veto presidencial
O descuido com o processo orçamentário
revela desapreço pelas instituições democráticas. O dinheiro público deve ser
alocado a partir de critérios claros, a exemplo dos princípios da
impessoalidade e da transparência. Só assim se pode garantir o financiamento de
políticas públicas que melhorem a vida de todos, sobretudo dos que mais
dependem do Estado. A recente lambança com o fundo eleitoral é a parte mais
aparente do problema. O Orçamento público está sob ataque e é preciso reagir.
A deterioração do processo orçamentário
brasileiro tem sido potencializada nos últimos anos. O caso das emendas não
identificadas, que já existia, ganhou novas dimensões na presença das chamadas
emendas de relator-geral. Para 2021 as despesas da Previdência foram
subestimadas em cerca de R$ 15 bilhões a fim de abrirem espaço para novos
gastos. O mesmo risco está presente na elaboração do Orçamento de 2022. A
diferença é que haverá certa folga no teto de gastos a alimentar a sanha por
despesas não planejadas.
Ano a ano, para fugir das regras fiscais se inova na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Esta lei deveria servir para preparar a elaboração do Orçamento propriamente dito, isto é, a Lei Orçamentária Anual (LOA). Na prática, a LDO agigantou-se, abrigando mudanças de regras do jogo que não deveriam ser discutidas ali. É o caso do fundo eleitoral. Criado em 2017, buscou-se suprir a proibição do financiamento empresarial de campanhas. Não custa lembrar, entretanto, que já existe o fundo partidário.
Carlos Pereira –O preço de ser minoria
O Estado de S. Paulo
É esperado que, quanto maiores os custos de
um presidente no Legislativo, maior seria apoio dos legisladores aos interesses
do presidente no Congresso. Entretanto, como mostrei com Frederico Bertholini
no artigo Pagando o preço de governar: custo de gerência de coalizão no
presidencialismo brasileiro, parece não existir relação entre maiores custos de
governabilidade e apoio legislativo. O estudo mostrou que, em diversos
momentos, mesmo com grande “investimento”, seja pela criação de ministérios,
seja pela execução de emendas ou por maiores desembolsos dos ministérios,
presidentes tiveram pouco apoio legislativo às suas iniciativas. O inverso
também é verdadeiro. Presidentes podem ser bem-sucedidos na aprovação de sua
agenda no Congresso a um custo relativamente muito baixo.
O governo Bolsonaro, ícone do “gastador ineficiente”, seria, portanto, um bom exemplo desse paradoxo. Os custos de governabilidade estão diretamente relacionados às escolhas de como o presidente se relaciona com o Congresso e, especialmente, gerencia sua coalizão. Ao associar presidencialismo de coalizão à corrupção, Bolsonaro rejeitou a necessidade de montar a sua no início do governo, quando teria poder de barganha. Iludiu-se que poderia governar nadando contra a corrente, negligenciando a política tradicional, os partidos e o Legislativo.
Eliane Cantanhêde - Basta!
O Estado de S. Paulo
Reações do STF e do TSE podem ser resumidas, ambas, com uma interjeição: “Basta!”.
Investigado em dois inquéritos no Supremo
Tribunal Federal, por acusação de interferência política na Polícia Federal e por
suspeita de prevaricação diante de denúncias de corrupção na compra de vacinas,
o presidente Jair Bolsonaro agora é alvo direto do Tribunal Superior Eleitoral,
e não uma, mas duas vezes. Sem falar da CPI da Covid...
As reações dos presidentes do Supremo, Luiz
Fux, e do TSE, Luís Roberto Barroso, foram diferentes na forma, mas podem ser
resumidas, ambas, com uma interjeição: “Basta!” Basta de ameaças de Bolsonaro a
tudo, a todos e à democracia brasileira. Eles não falaram só por eles, mas
pelas suas instituições e pela defesa da democracia, da República e da
Federação.
Em duas decisões unânimes, o TSE abriu
inquérito administrativo contra Bolsonaro por ameaças seguidas à realização das
eleições e pediu ao Supremo a inclusão dele no inquérito das fake news. Como
prova – essa, sim, real, verdadeira – o TSE anexou o link com o circo armado
pelo presidente contra a urna eletrônica, sem uma, ou meia, ou um cisco de
prova de fraude.
Num discurso contido, mas dando todos os recados a favor da democracia e contra as incontroláveis investidas do presidente da República, Fux disse que o Supremo está atento ao risco de obscurantismo e aos “ataques de inverdades” que, além de atingir “biografias individuais”, são ainda mais graves: “Corroem, sorrateiramente, os valores democráticos”.
Joaquim Falcão* - As vozes do Supremo
O Estado de S. Paulo
A importante novidade da fala institucional
do presidente Luiz Fux não foi apenas o conteúdo. Foi ter falado. O que é
incomum. Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) fala institucionalmente
apenas em fevereiro. Na abertura do ano judiciário. Não no meio.
No segundo semestre de 2019, o então presidente Toffoli não fez pronunciamento. Disse apenas: “Bom retorno aos trabalhos”. Em 2020, Toffoli também não fez pronunciamento. Disse apenas: “Manifestamos nosso pesar pelo falecimento de já cem mil brasileiros vítimas da pandemia... Iniciaremos os trabalhos com...”. Agora mudou.
TSE investigará Bolsonaro por ataque ao sistema eleitoral
Tribunal pede ainda inclusão de presidente em inquérito das fake news do STF
Weslley Galzo, Vinícius Valfré / O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Por unanimidade, o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) aprovou ontem à noite duas medidas contra o presidente
Jair Bolsonaro em razão de suas acusações infundadas de fraude no sistema
eleitoral e de ameaças à votação de 2022. Foi determinada a abertura de um
inquérito administrativo e pedida a inclusão de Bolsonaro em outra
investigação, das fake news, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O
desfecho dos inquéritos poderia acarretar impugnação do registro da candidatura
de Bolsonaro à reeleição ou até mesmo determinar sua inelegibilidade. Ao
aprovar o envio de notícia-crime para que Bolsonaro seja incluído como
investigado no inquérito das fake news, cujo relator é o ministro Alexandre de
Moraes, os magistrados fecham o cerco contra o Palácio do Planalto. Moraes
poderá decidir sozinho se acata o pedido ou se leva para julgamento no plenário
do STF. Sem citar Bolsonaro, o ministro Luis Roberto Barroso, presidente do
TSE, disse que o Brasil está à beira da “erosão da democracia”.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou
na noite de ontem, por unanimidade, duas medidas contra o presidente Jair
Bolsonaro por declarações infundadas de fraude no sistema eletrônico de votação
e ameaças às eleições de 2022. Os ministros decidiram abrir um inquérito
administrativo e, ainda, pedir a inclusão de Bolsonaro em outra investigação, a
das fake news, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O desfecho dessas
apurações pode atrapalhar os planos de Bolsonaro, levando à impugnação de
eventual registro de candidatura à reeleição ou até mesmo inelegibilidade.
A decisão do TSE representa até agora o mais duro movimento do Judiciário na tentativa de conter ameaças do presidente, que tem condicionado a realização das eleições à aprovação do voto impresso, hoje em tramitação na Câmara. O inquérito administrativo, proposto pela Corregedoria-geral da Justiça Eleitoral, vai apurar se, ao promover uma série de ataques sem provas às urnas eletrônicas, Bolsonaro praticou “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”.
TSE abre inquérito e faz notícia-crime contra Bolsonaro
Por Isadora Perón e Luísa Martins /
Valor Econômico
BRASÍLIA - Após os reiterados ataques do presidente Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral eletrônico, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reagiu ontem e abriu um inquérito para investigá-lo. A corte eleitoral também encaminhou uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o presidente seja investigado no inquérito das “fake news” após a live da última quinta-feira, quando propagou mentiras e ilações sobre as urnas eletrônicas.
As duas medidas foram aprovadas por
unanimidade pelos ministros do TSE, após o presidente da corte, Luís Roberto
Barroso, fazer um duro discurso em resposta a Bolsonaro - que tem feito ataques
pessoais ao ministro nas últimas semanas.
No STF, caberá ao ministro Alexandre de
Moraes decidir se inclui Bolsonaro como alvo da apuração sobre “fake news”.
Moraes, que também faz parte do TSE, vai presidir a corte eleitoral durante as
eleições de 2022.
Já o inquérito administrativo aberto no TSE
terá como objetivo apurar “abuso do poder econômico e político, uso indevido
dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes
públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema
eletrônico de votação e à legitimidade das eleições 2022”.
A medida foi tomada a pedido do
corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão
“considerando os relatos e declarações, sem comprovação, de fraudes no sistema
eletrônico de votação, com potenciais ataques à democracia e à legitimidade das
eleições”.
O prazo para Bolsonaro apresentar provas
sobre suas alegações de fraudes terminava esta semana. Na live que fez na última
quinta-feira, porém, o próprio presidente admitiu que não tinha como comprovar
as suas suspeitas e chamou de “indícios” vídeos com “fake news” divulgados na
internet.
Ao iniciar a sessão - a primeira depois do
recesso do Judiciário - Barroso rebateu os ataques do presidente. “A ameaça à
realização de eleições é uma conduta antidemocrática. Suprimir direitos
fundamentais, incluindo os de natureza ambiental, é uma conduta
antidemocrática. Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio
e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática.”
Barroso também fez um alerta: “Há coisas
erradas acontecendo no país e nós todos precisamos estar atentos, precisamos
das instituições e da sociedade civil, ambas bem alertas”.
Segundo ele, “nós já superamos os ciclos do
atraso institucional, mas há retardatários que gostariam de voltar ao passado”.
Para o ministro, “parte dessas estratégias inclui o ataque às instituições.”
Citando o que aconteceu nos Estados Unidos,
após a eleição de Joe Biden, Barroso disse que o “voto impresso não é contenção
adequada para o golpismo”, já que na maior parte do país não se adota a urna
eletrônica.
Barroso também afirmou que o TSE tem
adotado a postura de responder todas as informações falsas divulgadas em
relação ao sistema de votação, e que esse trabalho é feito por servidores e
agências de checagem, “gente que se esforça para não nos convertermos no país
da mentira”.
“Aos que querem se acorrentar à crença de
que uma mentira repetida muitas vezes se torna verdade, só podemos esperar que
sejam iluminados algum dia pelo bem”. Na última quinta-feira, o tribunal
rebateu em tempo real as afirmações de Bolsonaro durante a live.
O presidente do TSE também disse que
escolheu responder com “indiferença” aos ataques pessoais que sofreu.
“Se eu parar para bater boca, eu me igualo
a tudo que quero transformar. Ódio, mentira, agressividade, grosseria, ameaças,
insultos, são derrotas do espírito. O universo me deu a bênção de não cultivar
esse sentimentos”, disse Barroso.
Ontem, o dia começou com uma nota de todos os ex-presidentes do TSE em defesa do sistema de eleitoral. O texto também foi assinado por Barroso e pelos ministros que vão ocupar o cargo em 2022: Edson Fachin e Moraes.
TSE faz ofensiva contra ataques de Bolsonaro: entenda motivos e cronologia da crise
Em meio a novas declarações de Bolsonaro em defesa do voto impresso, tribunal abriu investigação sobre ataques do presidente às urnas e pediu ao STF que apure caso no inquérito das fake news
Filipe Vidon / O Globo
RIO — Após uma série de ataques às urnas
eletrônicas e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís
Roberto Barroso, o presidente Jair Bolsonaro sofreu seu primeiro revés formal.
Por unanimidade, a Corte abriu um inquérito administrativo para apurar os
ataques sem provas que ele vem fazendo ao sistema eletrônico de votação, e
pediu que ele seja investigado também em um inquérito já aberto no Supremo
Tribunal Federal (STF).
A gota d'água para o Judiciário, que vinha
respondendo às declarações com notas de repúdio, foi a live realizada na última
quinta-feira em que Bolsonaro prometeu apresentar provas de fraudes nas
eleições, mas não o fez. Ao contrário: utilizou vídeos de internet previamente
desmentidos pelo próprio TSE, e admitiu que “não tem como se comprovar que as
eleições não foram ou foram fraudadas".
Em sua cruzada pelo voto impresso, o
presidente escalou os ataques à medida que a pressão aumentava na Praça dos
Três Poderes. Bolsonaro é alvo da CPI da Covid, tem baixa popularidade e
aparece atrás nas pesquisas eleitorais para 2022. O chefe do Executivo,
reiteradamente, também ameaça não reconhecer o resultado caso perca as eleições
em 2022 com o sistema atual.
Em cinco pontos, entenda entenda os motivos
e a cronologia da crise:
O que o presidente disse em live?
Depois de convocar a imprensa e apoiadores
para uma live onde apresentaria as provas das supostas fraudes eleitorais em
2018 e 2014, Bolsonaro disse com todas as letras não ter como sustentar as
acusações. Em transmissão ao vivo em suas redes sociais e na TV Brasil,
ele fez ataques ao sistema de votação usado no Brasil e disse que há
"indícios fortíssimos em fase de aprofundamento". Os indícios citados
pelo presidente foram vídeos antigos que circulam na internet e trechos
editados de programas de TV.
Na transmissão de mais de duas horas,
Bolsonaro atacou o TSE e o ministro Barroso, que defende a segurança e
transparência do sistema eletrônico. A Corte ainda realizou a checagem em
tempo real das afirmações do presidente com conteúdos sobre as eleições no
Brasil que foram produzidos ao longo dos últimos anos e que desmentem as
alegações de Bolsonaro. Foram 17 pontos rebatidos pelo TSE.
Por que Bolsonaro aumentou o grau dos
ataques?
A escalada de ataques ao sistema eleitoral
vem na esteira da queda de popularidade de Jair Bolsonaro. A pesquisa IPEC
mostrou um aumento de 10 pontos percentuais na reprovação do presidente, que
totalizou 49% no último levantamento. Além disso, o atual presidente aparece
atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais.
Outro ponto de tensão é o avanço da CPI da
Covid no Senado Federal. A comissão foi instalada em meio ao pior momento da
pandemia do novo coronavírus no país, em que o número de mortes e casos batia
recordes diários. Os senadores apuram ações e possíveis omissões do governo
Bolsonaro no enfrentamento ao vírus, e revelaram possíveis irregularidades nas
negociações de várias vacinas que contaram com intermediárias não autorizadas
pelas farmacêuticas estrangeiras.
A Comissão Especial que avalia a PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados também foi esvaziada, e o próprio presidente reconheceu que não acredita mais que o projeto será aprovado na Casa. Depois de fecharem questão contra o projeto, partidos iniciaram uma articulação para mudar os integrantes da comissão que analisa a proposta. A ideia era impor uma derrota antecipada, antes que a pauta chegasse ao plenário da Câmara dos Deputados.
O que a mídia pensa: Editoriais
EDITORIAIS
Falta um pacote de governo
O Estado de S. Paulo
Ações de improviso, concebidas para um objetivo pessoal, a busca da reeleição em 2022, adiam a proposta de um rumo para o País
Enquanto repete a ameaça golpista às eleições, o presidente Jair Bolsonaro, por via das dúvidas, tenta montar um pacote eleitoral de bondades. Em busca de votos, o governo estuda um aumento do Bolsa Família, isenção mais alta para o Imposto de Renda (IR), redução da alíquota para empresas e outras medidas de alcance variado. São, na maior parte, ações de improviso, concebidas para um objetivo pessoal, a busca da reeleição em 2022. Não servem sequer como esboço de um cenário prospectivo nem chegam a compor um compromisso de longo alcance. Completados mais de dois anos e meio de mandato, Bolsonaro e seus auxiliares, incluído o ministro da Economia, Paulo Guedes, continuam devendo o pacote mais importante, o de governo, com a proposta de um rumo para o País.
segunda-feira, 2 de agosto de 2021
Fernando Gabeira - Um país no retrovisor
O Globo
Na semana passada, li um pequeno livro do
francês Jacques Attali, chamado “A economia da vida”, em que ele descreve como
se preparar para uma nova pandemia dentro de dez anos.
O autor esboça uma história das epidemias
desde quando as pessoas começaram a se reunir em grande número, na Mesopotâmia,
na Índia e na China.
Uma de suas conclusões que me interessam
aqui é que as epidemias derrubam governos, impérios e, às vezes, arrastam até
religiões.
Até hoje, impressiona-me a ignorância de
Bolsonaro e seus gurus, que se recusaram a perceber a dimensão gigantesca desse
fenômeno e foram atropelados por ele, produzindo com sua política de avestruz
mais de meio milhão de mortos.
Sei que muitos não concordam, mas, na minha
opinião, Bolsonaro foi destruído pela pandemia, e não vejo como se recuperar,
apesar da decantada memória fraca dos brasileiros.
Quando olho para seus passos, penso: em
termos políticos, está lá um corpo estendido no chão. A tática de se unir aos
grupos fisiológicos não é nada mais que uma continuidade da miopia, por outros
caminhos.
Interessante é que declara ter entregado a alma do seu governo ao Centrão. Como se esse espaço político estivesse povoado por piedosos pastores que colecionam almas para sua salvação, e não por vorazes caçadores do tesouro.
Marcus André Melo* - O mistério do distritão
Folha de S. Paulo
O distritão é efeito da hiperfragmentaçao e
fraqueza dos partidos
Muito já se escreveu sobre o distritão como
modelo eleitoral exótico, mas pouco se falou sobre quem se beneficia de sua
adoção. Afirma-se que o modelo favorece candidaturas individuais de grande
apelo em detrimento dos partidos, mas quem ou o quê está por trás das mudanças
—uma coalizão de celebridades? Um abissal desconhecimento técnico?
Para além das celebridades, há um grupo que
ganha com o distritão: os deputados federais cuja votação é expressiva mas
inferior ao quociente eleitoral, os quais necessitam de votos de outras
candidaturas da lista partidária. Eles formam uma maioria expressiva:
correspondem a 94,7% dos parlamentares eleitos.
A proposta já foi derrotada duas vezes, mas
a situação atual é nova porque a proibição de coalizões em eleições
proporcionais abalou o perverso equilíbrio existente. Sem o mercado persa de
negociatas em torno da formação de chapas (e que envolvia também tempo de TV),
a meta do quociente torna-se mais difícil.
E, quanto maior o quociente eleitoral (que varia de 1,5% do total de votos em São Paulo a 12,5% no Acre), maiores as dificuldades para atingi-lo individualmente, já que não será possível agregar “cauda” de outras legendas.
Cláudio de Oliveira* - Os democratas devem pautar o debate público
Dedicado à memória do jornalista Marco Antônio Tavares Coelho.
As forças democráticas precisam pautar o debate público do país. Esse debate não pode girar em torno da agenda de Jair Bolsonaro, pois ela não representa, em grande parte, os interesses e as necessidades da maioria da sociedade brasileira.
Naturalmente, quem está na chefia do Executivo tem grande força política para definir os termos do debate. O presidencialismo brasileiro concentra grande poder na mão do presidente, que detém a iniciativa política.
Também contribuem para tal fato, a fragmentação partidária e a fraqueza dos partidos políticos no Brasil. As oposições estão divididas e algumas delas voltadas para os seus problemas.
Mas, recentemente, no início da pandemia do coronavírus, a Câmara dos Deputados, então presidida pelo deputado Rodrigo Maia, mostrou capacidade política de propor os termos do debate e liderar, de algum modo, o enfrentamento da pandemia. Foram muitas as iniciativas dos deputados para a condução da crise sanitária, em contraste com o negacionismo, o boicote e a inação do governo federal.
Celso Rocha de Barros - Bolcentrão não salvou a democracia
Folha de S. Paulo
Até agora, Bolsonaro só pediu ao centrão
que evite o impeachment enquanto o Planalto articula o golpe
Na live presidencial da última
quinta-feira, Jair
Bolsonaro voltou a ameaçar a democracia brasileira. Incapaz de arcar com o
ônus da prova, resolveu sacar provas do ânus e mentiu
que há risco de fraude nas eleições. Bolsonaro mente para dar um golpe.
Quer dar um golpe para fugir da cadeia.
Isso aconteceu durante uma nova rodada de
circulação do argumento
“o centrão vai moderar Bolsonaro”. A nova rodada foi iniciada com a indicação
de Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil. Nogueira é
um dos chefes do centrão.
Na última quinta-feira, a Folha publicou um
artigo do jornalista Mario Rosa dizendo que “Bolsonaro não pode ser
acusado de fascista, golpista, antidemocrata e, ao mesmo tempo, ao atrair um
político experiente e presidente de um partido tradicional, receber a pecha de
‘contraditório’, ‘velha política’”.
Rosa está errado.
Não há qualquer contradição entre ser
golpista e ladrão, muito pelo contrário. Pode ter havido uma ou outra ditadura
honesta na história do mundo, mas a regra é que a turma sempre dá golpe para
roubar, para roubar coisa grande. Sempre foi assim no Brasil, continua sendo.
A tese do “moderado pelo centrão” não é, vejam bem, absurda desde sempre. Os bolsonaristas querem dar golpe para roubar. Se pudessem roubar sem correr o risco de morrer durante um golpe fracassado, talvez o “Bolcentrão” nos levasse à moderação. Não era impossível que o centrão moderasse Bolsonaro.
Catarina Rochamonte - AfD e a miséria ideológica do bolsonarismo
Folha de S. Paulo
O presidente recepcionou calorosamente
Beatrix von Storch no Brasil
O avô materno de Beatrix von Storch foi
ministro de Hitler e seu avô paterno foi membro da SA; a questão, porém, não é
o passado nazista dos seus avós, mas sua presente atuação política. Beatrix é
vice-presidente da AfD (Alternativa para a Alemanha) e uma das principais
responsáveis pela conversão desse partido, inicialmente moderado, em uma
agremiação ultranacionalista, fundamentalista, xenófoba e racista da qual os
liberais fugiram.
A AfD é hoje um partido populista de direita cujos membros são sistematicamente acusados de nutrir simpatias pelo nazismo. Um seu porta-voz afirmou orgulhar-se de sua ascendência ariana e declarou que imigrantes deveriam ser mortos com gás; um de seus deputados criticou a memória do Holocausto e Beatrix von Storch já defendeu que guardas de fronteira atirassem em refugiados que chegassem à Alemanha.
Ricardo Noblat - Guedes dispara seu míssil para tentar reeleger Bolsonaro
Blog do Noblat / Metrópoles
Calote no pagamento de dívidas da União
reconhecidas pela Justiça dará R$ 40 bilhões para o governo gastar a mais em
2022
Esta tarde, em reunião marcada no Palácio
do Planalto, o ministro Paulo Guedes,
da Economia, jogará na mesa para conhecimento dos presidentes da Câmara e do
Senado, e de um grupo seleto de colegas, o trunfo que imagina dispor de modo a
garantir mais quatro anos de mandato a seu chefe Jair Bolsonaro.
Trata-se de uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que prevê o parcelamento em nove anos de dívidas da União
reconhecidas pela Justiça (precatórios). Se ela for aprovada pelo Congresso, o
governo poderá gastar 40 bilhões de reais a mais do que o previsto em 2022,
justamente um ano de eleições.
Em conversas intramuros, Guedes refere-se à
PEC como “um míssil”, capaz de destruir os maus presságios que turvam o futuro
do governo, e de alavancar a popularidade de Bolsonaro ora em declínio. Haveria
assim dinheiro à farta para investimentos em programas de atendimento aos
brasileiros mais pobres.
Sim, os governos, às vésperas de eleições, sejam eles de esquerda ou de direita, costumam descobrir a existência de pobres e de promover algum alívio para seus bolsos. Não necessariamente porque eles são pobres, mas porque votam. É uma receita universal, o que não significa que funcione sempre, a depender.
Mirtes Cordeiro* - Borba Gato, a história e o que a escola ensina
Falou & Disse
Muitos monumentos e estátuas
têm sido derrubados como forma de restaurar a História.
Para que serve a história?
Há quem diga que a história serve para que
possamos analisar os fatos e não cometamos os mesmos erros do passado e a
sociedade possa corrigir os rumos a serem seguidos, sobretudo em momentos de
alternância de poder.
Heróis representados em estátuas são sempre
representantes do poder que se alterna e que representam a força, a bravura e a
valentia no sentido da conquista, do desenvolvimento. Parece até que faz parte
do sentimento da população admirar o que comandou com espadas ou metralhadoras
na mão. É o que fica no imaginário, o sentimento da proteção, da defesa de
todos. É também o que fica do que aprendemos quando passamos pelo ensino
básico, até pouco tempo. Alguma coisa vem mudando.
Mas parece que não é assim. Os heróis
admirados se impõem mais pelo medo que provocaram em um determinado tempo, às
grandes maiorias afastadas dos poderes. Era o caso dos escravos no império
romano, que ruiu e deu lugar ao sistema de produção agrícola feudal, dos servos
e vassalos no tempo do feudalismo, das pessoas escravizadas trazidas da África
para as Américas na época do mercantilismo, antecessor do sistema capitalista e
dos povos que conviveram e ainda convivem com as ditaduras modernas em vários
países, a partir do século XIX.
Ricardo Costa, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em palestra sobre para que serve a história, afirma que “ao contrário do que definiram, (vários interlocutores) nossa sociedade cada vez mais é menos reflexiva, cada vez possui menos capacidade de refletir, de entender e de discutir a realidade. Isso acontece por se tratar de uma sociedade de consumo, de massa, de gente que cai no apelo fácil da leitura superficial, quando não da força da televisão, passatempos fúteis alçados à categoria de cultura. A crise pela qual passam as ciências sociais e o questionamento acerca da função da história em um curso de História, são provas contundentes disso”.
Bruno Carazza* - O IBGE e o ministro da pedra lascada
Valor Econômico
Paulo Guedes é o responsável pelas mazelas
que ele próprio critica
Na tarde do dia 29 de maio de 1936, Getúlio
Vargas convocou ao seu gabinete o ministro das Relações Exteriores, José Carlos
de Macedo Soares. Um dos seus mais fiéis apoiadores, o advogado, industrial e
político paulistano estava à frente do Itamaraty havia quase três anos, período
em que desempenhou missões delicadas, como a mediação das negociações de paz
entre Bolívia e Paraguai na Guerra do Chaco.
Nas semanas anteriores, Vargas havia
mandado esvaziar algumas salas do segundo andar do Palácio do Catete para
abrigar um novo órgão. Para comandá-lo, nomeou Macedo Soares como seu
presidente, função que seria exercida cumulativamente ao cargo de chanceler. Na
cerimônia de posse, diante de seu ministério, anunciou: “Tenho tal interesse
pelo Instituto Nacional de Estatística que lhes dei a minha Casa e o meu
Ministro”.
Tamanho prestígio não se manteve. Em seus recém-completados 85 anos, o órgão oficial de estatísticas do país, rebatizado em 1938 como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), viveu muitos altos e baixos. Essa saga é contada em detalhes por Nelson Senra no monumental História das Estatísticas Brasileiras, um conjunto de quase quatro mil páginas, organizadas em quatro volumes, que descrevem como as estatísticas brasileiras foram desejadas (1822-1889), legalizadas (1889-1936), organizadas (1936-1972) e formalizadas - de 1972 a 2002, último período coberto pela obra, publicada em 2006.
Gustavo Loyola* - Remendo tributário
Valor Econômico
Projeto não atende as necessidades mais
urgentes e pode trazer maiores dificuldades para os contribuintes
Qualquer iniciativa de reforma tributária
no Brasil deveria considerar, no mínimo, quatro fatos incontestáveis da nossa
realidade: a péssima distribuição de renda, a elevada carga de impostos, a
frágil situação fiscal e a extrema complexidade da legislação tributária.
Infelizmente, o projeto de reforma do Imposto de Renda encaminhado pelo governo
ao Congresso Nacional parece ter ignorado alguns desses fatos e, por isso,
merece ser modificado pelo Legislativo ou simplesmente ser rejeitado.
Inicialmente, é bom lembrar que o governo
colocou a reforma do IR como prioritária em relação às demais iniciativas que
tramitam no Congresso, inclusive no que diz respeito ao projeto do próprio
Executivo que unifica o PIS e a Cofins. Trata-se de um equívoco pois as maiores
dores sofridas pelos contribuintes brasileiros são devidas à péssima legislação
relativa aos tributos indiretos e não àqueles que incidem sobre a renda. A
colocação das mudanças do IR à frente dos demais temas de reforma tributária
parece indicar a falta de compromisso do governo com a necessidade de melhorar
o ambiente de negócios no país, com vistas a trazer ganhos de produtividade
indispensáveis para a aceleração do crescimento econômico.
Sobressai especialmente a omissão do governo federal no tema da reforma do ICMS e do ISS e a criação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) que, abarcando também tributos federais como o IPI, possa desmontar o manicômio tributário ao qual estão sujeitos os contribuintes no Brasil. Há bons projetos com esse objetivo no Congresso Nacional, notadamente o PEC 45/2019 que se baseia em estudos liderados pelo economista Bernardo Appy. Como se trata de uma reforma que impacta os três níveis de governo, a presença do governo federal no debate é condição necessária ao avanço da iniciativa. O que se viu, ao contrário, foi o Executivo colocar o seu próprio projeto de unificação das contribuições (PIS e Cofins), agora também escanteado para segundo plano.
Denis Lerrer Rosenfield* - O mito de Cuba
O Estado de S. Paulo
É nessa ditadura que o PT e a esquerda
desnorteada procuram se espelhar?
Cuba é uma amostra da desordem intelectual
reinante na esquerda brasileira, em particular no PT, considerando que esse
partido se coloca como alternativa democrática de poder. Desordem tanto mais
preocupante porque ela expõe a natureza autoritária do partido e de seu líder,
ambos não hesitando em defender e em elogiar um regime político carcomido,
criador de miséria, de violação dos direitos humanos, incapaz de produzir
vacinas contra a covid-19 para a população que diz encarnar. Regime
policialesco que controla no detalhe a vida de seus cidadãos, súditos da
ditadura comunista. É esse exemplo de democracia que Lula da Silva e o PT
pretendem apresentar nas próximas eleições?
O ex-presidente chegou mesmo ao ápice do
hilário ao declarar que, não fosse o embargo americano, Cuba seria a Holanda.
Talvez não saiba que na Holanda vigora um regime capitalista, defensor da
propriedade privada no campo e na cidade, fruto da tolerância religiosa e de um
passado de importante país comercial, que até hoje permanece. Boa parte das
exportações brasileiras do agronegócio entra na Europa através de seus portos.
Tampouco deve ele saber que se trata de uma monarquia constitucional,
assegurando aos seus cidadãos amplo direito de expressão, comunicação,
circulação e participação política. É isso que Lula está querendo para Cuba?
Pretende ele converter o regime comunista para o capitalismo e a democracia?
Cuba sofre o embargo americano. Diga-se de passagem que é uma medida burra, pois o próprio comércio seria um elemento de dinamização capitalista de sua economia, além de oferecer uma narrativa “anti-imperialista” para o Partido Comunista e para a esquerda mundial, que pensa representar alguma coisa. Dito isto, os americanos não cercaram a ilha com sua frota nem impediram o seu livre-comércio com outros países do mundo. O regime cubano, frise-se, pode comercializar com qualquer país do planeta, salvo os Estados Unidos. Poderia ter um profícuo intercâmbio comercial e tecnológico com a China (a exemplo do Brasil), com a Rússia, com a União Europeia, e assim por diante. Se não o faz é porque é ineficiente economicamente, incompetente no trato diplomático e fechado em si mesmo. Eis as condições de manutenção da ditadura comunista. Quanto menor abertura, melhor para ela.