sábado, 14 de agosto de 2021

Merval Pereira - Prisão em defesa da democracia

O Globo

Há muito tempo que o ex-deputado Roberto Jefferson anda se excedendo nas redes sociais, com ameaças de fuzilamento, arma na mão e outros absurdos. Um presidente de partido político não pode fazer uma coisa dessa e por isso, a prisão foi justa. Ele enveredou por um caminho de sedição, de defender revolução armada, que os deputados de seu partido não querem e por isso metade deles está entrando no STF com pedidos para deixar o PTB e manter o mandato.

A democracia precisa se defender desses malucos e a prisão é um dos seus mecanismos de defesa. O inquérito do STF, que começou enviesado – recebeu críticas corretas, de que não poderia ter sido montado como foi – demonstra agora ser necessário, porque há realmente uma rede de militantes digitais que não se limitam a criticar os oposicionistas ao governo; fazem questão de estimulam o ódio e a violência física, de colocar armas numa suposta defesa dos cidadãos e da democracia.

Num estado de direito, não se pode permitir propaganda de revolução. Além do mais, essas redes sociais são financiadas pelo fundo partidário, dinheiro público, o que é também inaceitável. Assim como não é possível custear despesas pessoais de políticos com verba partidária.

Vera Magalhães - Inquéritos 'moderadores' do STF vão até as eleições

O Globo

Não devem ser encerrados antes das eleições os inquéritos 4.781 e 4.874, do Supremo Tribunal Federal, ambos sob a relatoria de Alexandre de Moraes. O primeiro foi aberto em 2019 e ficou conhecido como inquérito das fake news. Teve sua constitucionalidade atestada pelo plenário do STF em junho do ano passado.

O segundo foi instaurado pelo próprio Alexandre de Moraes em julho, a partir do inquérito dos atos antidemocráticos, que foi arquivado. Ele apura a existência de uma organização criminosa digital que atua com vários núcleos para atacar a democracia. Foi nesse segundo inquérito que se deu a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson nesta sexta-feira.

Os dois inquéritos são "siameses", complementares. Há coincidência de personagens e de métodos apurados, e o segundo foi aberto para "driblar" a recomendação do procurador-geral da República, Augusto Aras, pelo arquivamento da investigação sobre os atos antidemocráticos promovidos por bolsonaristas em 2020.

Ministros com os quais conversei nesta sexta-feira, depois da prisão de Jefferson, atestaram: os inquéritos funcionarão como a forma de o STF defender a si e às demais instituições dos ataques do presidente e de seus apoiadores. Num momento em que bolsonaristas começam a evocar um inexistente poder "moderador" das Forças Armadas em caso de choque entre os Poderes, os ministros do STF dizem que são os inquéritos que têm o condão de moderar o golpismo crescente no seio do bolsonarismo.

Ascânio Seleme - A prisão de Zelig

O Globo

Jefferson, um aliado incondicional de Jair Bolsonaro e de seus métodos ultradireitistas, é o maior farsante da política nacional dos últimos 50 anos

Esta coluna queria tratar do déspota da pauta da Câmara. Tentaria mostrar que o deputado Arthur Lira, sem constrangimento e cada vez mais enfaticamente, faz o que bem lhe dá na telha na condução dos temas da Casa. Como presidente da Câmara, ignora mais de cem pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro, mas dá andamento a pautas tão esdrúxulas quanto extemporâneas como a reforma política menos de quatro anos depois da última mudança e antes dela ter sido testada em pleito nacional. O assunto era bom. Aliás, o que não falta no Brasil é assunto. Tanto que amanhecemos na sexta com a prisão de Roberto Jefferson, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que roubou a coluna de Lira.

Jefferson, um aliado incondicional de Jair Bolsonaro e de seus métodos ultradireitistas, é o maior farsante da política nacional dos últimos 50 anos. Ao longo de sua carreira política, já ocupou espaço em todos os lados do espectro político. Durante a ditadura, era filiado ao MDB, único partido de oposição ao regime militar. O homem que hoje prega o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal iniciou sua trajetória ao lado dos que defendiam o voto direto e a anistia ampla, geral e irrestrita, o fim do AI-5, das prisões políticas e da tortura.

Com o fim do bipartidarismo, mas ainda no governo do último general, João Figueiredo, deixou o MDB e fez um rápido pouso no PP, partido de centro, antes de aterrissar no PTB, sigla que Leonel Brizola perdeu para Ivete Vargas, sobrinha neta de Getúlio Vargas. O PTB, que antes da ditadura era o partido do trabalhismo histórico, virou um agrupamento de centro-direita e assim vem navegando pela política nacional desde 1981. Jefferson, como o partido que preside, faz o ziguezague característico de gente ou agremiação fisiológica e sem firmeza ideológica.

Pablo Ortellado – Colagem eleitoreira

O Globo

O governo Bolsonaro editou medida provisória que extingue o Bolsa Família e o substitui por um novo programa chamado Auxílio Brasil. Alardeado como um Bolsa Família melhorado, com maior cobertura e maior valor, o programa é uma colagem de iniciativas mal desenhadas submetidas a interesses eleitoreiros.

A primeira promessa do governo é que o Auxílio Brasil trará uma ampliação significativa do alcance e do valor dos pagamentos. Há uma promessa de que se incluam mais beneficiários e de que o valor do benefício aumente 50%. A medida provisória, porém, não define qual será o valor, nem qual será a linha de pobreza extrema que permitiria a ampliação dos beneficiários.

No Bolsa Família, o valor do benefício era definido em lei e atualizado por meio de medidas provisórias. No Auxílio Brasil, essa definição se dará posteriormente, por ato administrativo, permitindo que flutue mais livremente de acordo com interesses políticos, aumentando em ano eleitoral e congelando ou reduzindo-se em outros anos.

Cristovam Buarque - Derrota de Pirro

Blog do Noblat / Metrópoles

A derrota de Bolsonaro serve perfeitamente ao propósito de criar o clima de suspeita de fraude para recusar o resultado das eleições em 2022

Faz mais de dois mil anos que o Rei Pirro, de Épiro, teve uma vitória sobre as tropas romanas, mas a um custo tão elevado que ele próprio reconheceu valer como uma derrota. Venceu, mas se enfraqueceu. “Com outra derrota desta, eu perco meu reino”, dizem que ele falou conscientemente. Este caso criou até hoje a expressão de “Vitória de Pirro”. O que não se inventou ainda foi o conceito de “Derrota de Pirro”, quando uma perda serve aos propósitos do derrotado. É o que aconteceu esta semana com a derrota de Bolsonaro no caso do voto impresso. Ele perdeu, mas sua derrota serve perfeitamente ao propósito de criar o clima de suspeita de fraude para recusar o resultado das eleições em 2022. E colocar suas milícias, “seu” Exército e motociclistas nas ruas em um terceiro turno golpista.

A decisão da Câmara de Deputados acabou com a sua intenção de complicar a apuração dos votos, mas não elimina sua mensagem mentirosa e irresponsável de que poderá haver fraude, nem sua justificativa para um golpe caso perca as eleições. O clima de desconfiança se manterá, porque não precisa de racionalidade. E ele terá condições de tentar aqui o que Trump tentou sem conseguir. E com mais chances pela tradição do “ethos” de nossas FFAA e a fragilidade de nossas instituições, mas sobretudo pelo divisionismo das FFOO, as forças da oposição.

Ricardo Noblat - Apertem os cintos para ainda suportar mais 16 meses de Bolsonaro

Blog do Noblat / Metropoles

Prisão de Jefferson levará o presidente e sua gangue a apostarem mais e mais na ruptura institucional

Era o que faltava – mas a depender do presidente Jair Bolsonaro e de sua gangue sempre falta algo para justificar suas hostilidades à Justiça e ao Estado de Direito, e tudo será bem-vindo.

Ao presidente da Câmara, Arthur Lyra (PP-AL), Bolsonaro disse que aceitaria o resultado da votação sobre o voto impresso, fosse qual fosse. E que baixaria a bola dos seus ataques às instituições.

Não foi o que se viu – e só Lira acreditou que seria possível. Derrotado o voto impresso, Bolsonaro seguiu na mesma toada. E agora, com a prisão de Roberto Jefferson, deverá ser pior.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, limitou-se a mandar prender Jefferson a pedido da Polícia Federal, listando mais de 10 crimes que ele poderá ter cometido.

Entrevista| Marina Silva: ‘Quando não existe 3ª via, tem de trabalhar para construir’

Ex-ministra diz estar empenhada em colaborar com uma candidatura que fuja da polarização entre Lula e Bolsonaro

Marcelo de Moraes / Estado de S. Paulo

Após disputar três eleições presidenciais, a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) mudou o foco de sua atenção para 2022. Em vez de preparar uma quarta candidatura, diz, em entrevista ao Estadão, que está empenhada em colaborar para a construção de uma candidatura de terceira via, que seja uma alternativa aos nomes do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para ela, “é um erro histórico” voltar a insistir na priorização para a disputa antes de se definir “o que queremos para o Brasil”. “Infelizmente, após tantos anos no poder de PT e PSDB, a semente que brotou foi o Bolsonaro.”

• Como a sra. pretende se posicionar na disputa de 2022? 

Estou empenhada em ajudar a construir e viabilizar um projeto que coloque em primeiro lugar o que nós queremos para o Brasil, em lugar da priorização do nome de pessoas. Porque esse é um erro histórico que vem sendo cometido. Infelizmente, após tantos anos no poder de PT e PSDB, a semente que brotou foi o Bolsonaro. São mais de 14 milhões de desempregados. Mais de 19 milhões passando fome no nosso País. Então, esse é o momento de fazer o debate, de reconectar as pessoas com as possibilidades para o País.

• No Brasil, há o costume de se lançar os candidatos e depois se constrói o projeto que embasa a candidatura…

Nesse momento, o que é necessário, no meu entendimento, é debater como fortalecer a aderência no sentido social político brasileiro à defesa das instituições e da democracia. Depois, fazer com que o País possa sair dessa grave crise econômica, onde a pandemia faz com que mais riquezas sejam concentradas nas mãos daqueles que já têm.

Sérgio Augusto - Feboapá

O Estado de S. Paulo

Por que a Marinha não programou uma regata de caiaques no Lago Paranoá? Indagaria Stanislaw Ponte Preta

O presidente, apesar de ter sido contra a “vacina chinesa”, organizou e comandou em Brasília um desfile de blindados que a todos lembrou aquelas exibições de pujança bélica da China e outros regimes de força belicamente pujantes. A Praça dos Três Poderes (que na verdade são quatro, se acrescentarmos o poder militar – e ai de nós se não o fizermos) virou a Praça da Paz Celestial, mas sem derramamento de sangue e debaixo da maior chacota, interna e externa, de quantas Jair Jong-um já provocou em seus 32 meses de acintosa desgovernança.

O inglês The Guardian, o jornal que mais assiduamente acompanha as alucinações do Trump de Glicério, reduziu o Brasil vigente a uma “república de bananas”. Pelas redes sociais, entulhadas de memes e imprecações contra o golpista motoqueiro, muita gente invocou a figura de Stanislaw (Lalau) Ponte Preta e seu Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País), lamentando a ausência de uma cobertura diária da insânia nacional nos moldes da que o irreverente Lalau fazia no jornal Última Hora, na década de 1960, e hoje quase certamente faria na mídia eletrônica.

O Febeapá foi a mais popular catarse aos primeiros anos da ditadura, uma reação avacalhante às suas arbitrariedades, ao farisaísmo e à estupidez de seus guardiões, executivos e beneficiários civis e fardados. Vexames como proibir a venda de vodca “para combater o comunismo” e exigir a prisão de autores mortos de obras subitamente proibidas pelo regime, como a tragédia grega Electra (de Sófocles) e o romance O Vermelho e o Negro (de Stendhal), não escapavam ao humor do mais moleque dos Ponte Preta.

João Gabriel de Lima - Queremos ser a piada do mundo ou um país respeitado?

O Estado de S. Paulo

Aos olhos do mundo, a ‘tanqueciata’ de Jair Bolsonaro soou como birra infantil

Poucas vezes o Brasil é destaque no noticiário internacional – essa é a triste constatação de quem mora fora do País e zapeia entre as BBCS, CNNS, Deutsche Welles e Al-jaziras da vida. Neste ano, o Brasil só foi manchete quando se converteu em epicentro da pandemia. Em geral, as notícias sobre o País se restringem ao letreiro que ocupa o espaço inferior da tela nos canais de notícias. E o tom, frequentemente, é de piada.

Nesta semana, a zombaria internacional se concentrou sobre o desfile militar na Esplanada dos Ministérios – ou “tanqueciata”, como definiu o jornal britânico The Guardian. O fumacê cansado de guerra do SK-105 Kürassier, equipamento vintage, se alastrou pelos sites e canais de notícias. A expressão “república de bananas” apareceu de forma recorrente.

O mundo já vinha rindo da polêmica em torno do voto impresso, em especial dos palavrões empregados pelo presidente brasileiro em sua briga com o Judiciário. As emissoras traduziram para o inglês a expressão chula usada por Jair Bolsonaro para se referir a Luís Roberto Barroso, “son of a whore”. Para nossa vergonha, tais palavras se tornaram onipresentes nos geradores de caracteres.

Bolívar Lamounier* - Reflexões sobre um país invertebrado

O Estado de S. Paulo

Somos desprovidos de qualquer travejamento que confira sustentação às instituições formais

Só os muito obtusos têm o direito de subestimar a gravidade dos males que a imposição de uma ditadura traria ao Brasil. A esses é também dado o direito de ignorar que Jair Bolsonaro – coadjuvado por um número decrescente, mas ainda expressivo, de bolsonaristas fanáticos – não pensa noutra coisa.

Os demais podem ser classificados em dois grupos: os democratas e um grupo amorfo, formado por bolsonaristas a caminho da desilusão e indiferentes. Os democratas sabem perfeitamente o que têm de fazer: protestar contra os desatinos diários do inquilino do Planalto e trabalhar ativamente pela formação de uma candidatura capaz de se opor aos extremos populistas na eleição de 2022.

Isto posto, penso que a sustentação do regime democrático está na dependência de dois fatores. O primeiro é, obviamente, o centro. A polarização eleitoral de 2018, cujos efeitos foram agravados pela pandemia, esmagou os partidos, já de si débeis, que tentavam ocupar esse espaço. Em médio prazo, é imperativo reconstituir tais partidos, mas o momento que vivemos é uma emergência. O que ela exige é uma solução rápida e eficaz: escolher o candidato certo para a eleição, tendo em mente que já estamos na contagem regressiva. Reconstituir todo o nosso esfarelado sistema de partidos não é algo que se possa efetivar da noite para o dia.

Adriana Fernandes - Blefe dos R$ 400

O Estado de S. Paulo

Não há garantia de que Bolsonaro conseguirá dobrar o valor do Bolsa Família

É blefe por enquanto a promessa do presidente Jair Bolsonaro de elevar para R$ 400 o benefício médio do novo Bolsa Família em ano eleitoral.

O Orçamento do governo para 2022 não tem e nunca teve dinheiro para bancar R$ 80 bilhões, montante que seria necessário para atender a 17 milhões de famílias com um benefício de R$ 400. São mais de R$ 45 bilhões acima do que foi previsto este ano para o Bolsa Família, rebatizado agora de Auxílio Brasil.

Na véspera do envio da PEC dos precatórios, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e líderes governistas, seguindo a fala do presidente, saíram por aí vendendo a ideia de que a proposta, se aprovada rapidamente, seria a solução para garantir o benefício de R$ 400 (acima dos R$ 300 previstos inicialmente) via criação de um bônus social. Contam como certeza que nenhum parlamentar vai negar o apoio à PEC porque o benefício é para reduzir a pobreza no pós-pandemia.

Marco Antonio Villa - Bolsonaro, inimigo do Brasil

Revista IstoÉ

Vocalizar odes às ditaduras do continente também fazem parte do cardápio político demoníaco do presidente

Jair Bolsonaro vai continuar atacando as instituições republicanas. Faz parte da sua ação política. Ele não combina com o Estado democrático de Direito. E não é de hoje. Agiu desta forma durante 30 anos de vida parlamentar. Os mandatos serviram para vociferar contra as liberdades democráticas e os valores constitucionais sem que tivesse a resposta adequada, inclusive no campo legal. Agiu à semelhança de Adolf Hitler. O seu confrade alemão utilizou da Constituição de Weimar para destruir a República alemã. Bolsonaro usou e abusou das garantias legais da Constituição Cidadã. Foi tratado como um insano, um cidadão próximo da interdição, absolutamente irresponsável e que, sequer, mereceria algum tipo de resposta dos democratas e, muito menos, do Judiciário.

Marcus Pestana* - O principal e o acessório nas políticas públicas


O Brasil cultiva a péssima tradição de descontinuidade das políticas públicas. Há uma enorme confusão entre políticas de Estado e políticas de governo. É como se cada governo eleito tivesse que começar tudo da estaca zero. Há conquistas que são permanentes, ações lançadas que se perenizam.

Construir programas sólidos e consistentes é extremamente difícil. Destruir é possível num estalar de dedos. Nenhum governo ou partido tem o monopólio das boas intenções.

O Bolsa Família, por exemplo, tem suas raízes no governo FHC através do Bolsa Escola, do Bolsa Alimentação, do Vale Gás, do Benefício de Prestação Continuada e da política de valorização do salário mínimo. O Governo Lula agrupou grande parte desses programas sob o guarda-chuva do Bolsa Família e da continuidade de outras ações. Agora, o Governo Bolsonaro anuncia um aprimoramento desta política de Estado através do chamado Auxílio Brasil. Que mal a nisso? Será que é preciso para se firmar politicamente destruir a memória das ações anteriores? Nada disso.

George Gurgel de Oliveira* - As Mudanças Climáticas e o Relatório do IPCC

Estamos vivendo uma situação mundial e nacional de crises. A pandemia colocou em evidência a insustentabilidade da sociedade brasileira e mundial. São insustentáveis a maneira de ser e agir da sociedade global, herdeira da revolução industrial, nas suas relações políticas, econômicas, sociais e ambientais estabelecidas entre si e com a própria natureza.

O mais completo relatório publicado recentemente pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que congrega a comunidade científica mundial, nos alerta e reafirma as preocupações dos relatórios anteriores, desde 1990, apontando danos irreversíveis no presente e no futuro do Planeta em função da intervenção humana a nível global, continental e regional.

As conclusões e os cenários do referido Relatório são alarmantes. Deveria ser objeto de preocupação de todos nós, da cidadania, da sociedade brasileira e mundial.

Segundo o Relatório, os níveis de concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera são maiores do que em qualquer época nos últimos dois milhões de anos. Ainda em relação aos níveis de concentração de metano e dos gases de efeito estufa na atmosfera são os maiores já registrados pelo menos nos últimos 800 anos. Alerta para a necessidade de medidas efetivas e urgentes a ser implementadas e os danos irreversíveis já causados aos ecossistemas a nível mundial, continental e regional. O aumento da temperatura global vem trazendo acontecimentos climáticos extremos como secas, inundações e ondas de calor atingindo as populações e os ecossistemas do Planeta.   

Assim, o aquecimento aumentou a temperatura global nos últimos 50 anos provocando o degelo e o consequente aumento do nível do mar, impactando  os ecossistemas do Planeta e a  própria humanidade.

O aquecimento global impacta o cotidiano das populações em todo o mundo: os vários eventos climáticos se combinam, muitas vezes de maneira trágica, trazendo mortes, sofrimentos e impotência às populações afetadas diretamente pelas mudanças climáticas em curso.

Cristina Serra - O planeta dos extremos

Folha de Paulo

Momento nos cobra duas imensas responsabilidades: proteger nosso futuro e lutar pela democracia

O Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU (IPCC) reforçou de modo contundente os alertas que vem fazendo sobre o efeito das atividades humanas no desequilíbrio climático. O novo estudo é um apelo à ação antes que as oportunidades de evitar a catástrofe sejam desperdiçadas.

A omissão nos custará caro. Vamos viver (?) no planeta dos extremos: aumentos de temperatura, ondas de calor, tempestades, enchentes. Aquecimento dos oceanos, derretimento das geleiras, elevação do nível do mar. Secas, incêndios, perda de colheitas. Fome, guerras pela água, refugiados do clima. Um mundo hostil e inimigo da vida humana.

Alvaro Costa e Silva - Nova bandalha bolsonarista

Folha de S. Paulo

Presidente quer legislar sobre o direito de mentir, ofender, destilar ódio e praticar crimes na internet

A língua da mentira nem teve tempo de lamber as feridas da derrota na Câmara. Mal o voto impresso foi arquivado, Bolsonaro tem uma nova bandeira —uma nova bandalha— para enrolar os brasileiros, conspirar contra as instituições, gastar um bilhão com o centrão e fugir dos problemas concretos que afligem o país (desemprego, carestia, vacinação atrasada).

O espetáculo do golpe não pode parar. Novo projeto de lei será enviado ao Congresso proibindo que empresas de tecnologia e redes sociais removam conteúdo de suas páginas sem decisão judicial. O presidente quer legislar sobre o direito de mentir, difamar, ofender, destilar ódio, praticar crime. Sem ser responsabilizado, invocando uma liberdade de expressão só dele e de seus milicianos (tudo bem aí, Roberto Jefferson?). Exatamente o que Bolsonaro vem fazendo na política há mais de 30 anos e mesmo antes de entrar nela, quando era um baderneiro nas fileiras do Exército.

Hélio Schwartsman - O dilema da vacina

Folha de S. Paulo

Vacinação universal enfrenta obstáculos para ser adotada

Para a humanidade, a melhor estratégia de combate à Covid-19 seria vacinar o quanto antes toda a população do planeta. Esse é o caminho para reduzir a probabilidade de surgirem variantes mais perigosas do Sars-CoV-2. Vale ressaltar que, se ainda estivéssemos lidando com a cepa original do vírus, a epidemia provavelmente já teria sido controlada nos vários países, incluindo o Brasil, que avançaram na aplicação das primeiras doses. Mas ela não foi controlada. O vírus muda e continuará a mudar.

Embora a vacinação universal seja a estratégia mais racional, ela enfrenta obstáculos para ser adotada. O maior deles é o localismo. Governantes não respondem ao conjunto da população global, mas a nacionalidades específicas. Esse problema fica claro no dilema que gestores de países ricos agora enfrentam. Ou eles liberam para as nações pobres parte das vacinas que têm compradas ou contratadas, contribuindo marginalmente para uma solução mais estável, ou as guardam para a aplicação de uma terceira dose em seus próprios territórios.

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

A antirreforma política

O Estado de S. Paulo

O Congresso, especialmente a Câmara dos Deputados, tem produzido nos últimos meses verdadeiros desastres em matéria eleitoral

Desde os anos 90 do século passado, fala-se da necessidade de uma profunda reforma política, que melhore a qualidade da representação e a funcionalidade do sistema político. O tema é quase um lugar-comum. Não há quem considere o atual sistema, com mais de 30 partidos, adequado ou mesmo razoável.

Essa profunda reforma política ainda não veio. De toda forma – e aqui está o ponto importante –, nos últimos anos foram realizadas significativas melhorias no sistema político.

A Emenda Constitucional (EC) 97/2017 proibiu as coligações partidárias em eleições proporcionais, que distorcem a vontade do eleitor, fazendo com que o voto em um candidato possa eleger outro candidato, de outro partido, simplesmente em razão de um convênio entre legendas. 

A EC 97/2017 também criou a cláusula de barreira, fixando porcentuais mínimos de voto para que cada legenda tenha acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda supostamente gratuita de rádio e televisão. Ao limitar os incentivos a partidos nanicos, que, sem votos e sem representatividade, servem apenas a seus donos, deu-se um importante passo para reduzir a fragmentação partidária.

Poesia - Fernando Pessoa - A Criança

A criança que ri na rua, 
A música que vem no acaso, 
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo -

Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo, 
E tem qualquer cousa de amor, 
Ainda que o amor seja mudo

Música | Nilze Carvalho - As rosas não falam / Preciso me encontrar / Folhas secas (Cartola)

 

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Hélio Schwartsman - Ufa, escapamos do distritão

Folha de S. Paulo

Mas era só o bode na sala para reduzir as resistências à volta das coligações

Escapamos do distritão. Nosso sistema eleitoral não vai, portanto, piorar tanto quanto os mais pessimistas temiam. Mas ainda pode piorar bastante. É que o distritão era só o bode na sala para reduzir as resistências à volta das coligações em eleições proporcionais, outra medida com impacto negativo sobre o sistema político que tem chances de materializar-se.

Já fui um ardoroso defensor do parlamentarismo. A literatura não deixa muita dúvida de que esse regime é, em vários aspectos, superior ao presidencialismo. Mas, quando cogitamos embarcar em mudanças mais profundas, precisamos considerar não apenas a qualidade intrínseca das alternativas como os custos de adotá-las. Mesmo que o eleitor brasileiro não tivesse fortes resistências ao parlamentarismo, implantá-lo implicaria umas duas décadas (cinco ciclos eleitorais) de funcionamento subótimo ou até precário, que é o tempo que políticos e eleitores levariam para aprender a navegar eficazmente sob as novas regras.

Luiz Carlos Azedo - Ninguém morre de véspera

Correio Braziliense

Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger

Todas as vezes que se discutem reformas eleitorais na Câmara, o que determina o seu desfecho são os cálculos eleitorais da maioria dos deputados, empenhados na própria sobrevivência, muito mais do que os projetos partidários. Não são as contas do Palácio do Planalto nem dos donos dos partidos, ainda que controlem os recursos financeiros das legendas. É como naquela fábula já citada algumas vezes: “Não se convida os perus para participar da ceia de Natal, eles sabem que vão morrer”.

Talvez seja essa a explicação da resiliência das eleições proporcionais e das dificuldades para acabar com as coligações partidárias nas eleições para o Legislativo, aprovadas na noite de quarta-feira. Ontem, mais uma decisão importante foi tomada: a criação das federações partidárias. Nesse desfecho, um personagem muito importante foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que manobrou nas votações para impedir a aprovação do Distritão, que seria uma solução radical para salvar os mandatos da maioria dos atuais deputados. A moeda de troca foi a volta das coligações proporcionais, que haviam sido proibidas na reforma eleitoral passada, apesar de terem sido testadas nas eleições municipais de 2020.

Ricardo Noblat - Lira pede a Pacheco que o Senado mate no peito a reforma eleitoral

Blog do Noblat / Metrópoles

E assim será, para desespero dos partidos sem voto e das siglas de aluguel

Se dependesse unicamente de Arthur Lira (PP-AL), a Câmara dos Deputados não teria aprovado uma nova lei eleitoral. Se aprovasse, ela não mexeria no sistema proporcional de votação, nem permitiria a volta das coligações partidárias proibidas desde 2017.

Mas, sabe como é… Para eleger-se presidente da Câmara, Lira prometeu o que seus pares queriam, e a esmagadora maioria deles está em pânico com a eventual possibilidade de uma derrota no ano que vem. Fazer o quê então?

Na noite em que a reforma foi aprovada, Lira jantou com Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, e pediu-lhe que desse um jeito de segurar mais essa. Pacheco, depois, em conversa com senadores, comentou: “Lira jogou a reforma no peito da gente”.

O sistema proporcional de votação ficou como era, mas as coligações partidárias voltaram para salvar os pequenos partidos que carecem de poucos votos e que poderiam ser extintos. Pacheco já disse que o Senado passará o rodo na reforma. A conferir.

Vera Magalhães - CPI vive seu pior momento

O Globo

A suspensão abrupta do depoimento de Ricardo Barros na CPI da Covid, nesta quinta-feira, foi a crônica de um desastre anunciado.

Aqui neste espaço escrevi, ainda nos primórdios da investigação, em 5 de maio, quando os senadores estavam embevecidos com tanto holofote: “Para que não seja um placebo de açúcar, esta CPI precisa urgentemente entender que, sem um corpo técnico consistente, não irá a lugar algum”.

Na saída para o recesso, voltei a contrariar o coro dos empolgados: “A pausa de duas semanas (…) poderá ser salutar para que mergulhem nos documentos a fim de traçar a linha acusatória”.

Na última segunda-feira, perguntei a Renan Calheiros se eles estavam preparados para o depoimento de Barros, que seria difícil e poderia resultar na impressão de que ele venceu o confronto. O relator parecia seguro de que sim.

No entanto o que se viu nesta quinta foi um deputado que chegou disposto a ditar o próprio depoimento e a enquadrar os senadores.

A estratégia avançava bem, até que Barros foi tragado pela própria arrogância e teve as asas cortadas pela intervenção como sempre cirúrgica e bem fundamentada do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o mais técnico dos integrantes da CPI, um dos autores do requerimento de sua criação e, infelizmente, apenas suplente no colegiado.

Bruno Boghossian – Perdido no camelódromo

Folha de S. Paulo

Ao dizer que comissão espantou laboratórios, Barros joga luz sobre negócios suspeitos

O governo se embrenhou tanto no camelódromo das vacinas intermediadas por personagens suspeitos que perdeu o caminho da saída. O último movimento bolsonarista na CPI da Covid mostra que os aliados do presidente não conseguem mais explicar os rolos identificados nas negociações de imunizantes.

A tropa de choque de Jair Bolsonaro tentou virar o jogo na sessão desta quinta (12), mas acabou se complicando. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), disse que a comissão havia "espantado os interessados" em vender vacinas. "Não há mais laboratórios buscando o Brasil, porque não querem se expor a esse tipo de inquirição", declarou.

O esforço de Barros para defender investigados e transferir a culpa para a comissão atiçou senadores governistas. Flávio Bolsonaro (Patriota) pegou carona no descaramento do líder e lançou a nova linha de defesa do Planalto: declarou que "a única coisa concreta que a CPI conseguiu" foi "impedir milhões de vacinas nos braços dos brasileiros".

Reinaldo Azevedo - Barros e o crime como liberdade

Folha de S. Paulo

Ao acusar CPI de afastar as vacinas, líder do governo na Câmara se torna o símbolo de um notável momento de delinquência política e intelectual

Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, é um exemplo bastante eloquente —até porque muito bem-sucedido na sua profissão— da pistolagem intelectual e política que chegou ao poder em 2019. Ele não fazia parte do grupo original, é verdade. Estava como aqueles crocodilos do Nilo que ficam nas águas rasas do rio Mara, no Quênia, à espera da passagem dos gnus. Em algum momento, a manada serviria de repasto. E lá estavam ele e outros de sua espécie com a bocarra pronta.

A afirmação que tal senhor fez em depoimento à CPI —segundo ele, a comissão afastou do Brasil empresas dispostas a vender vacinas ao país— é mais do que uma provocação barata. Trata-se de uma mentira filo-homicida. E não tenham dúvida de que ele apelará ao que entende ser “liberdade de expressão” para mentir ainda mais e para tripudiar sobre quase 600 mil cadáveres. “Oh liberdade de expressão! Quantos crimes se cometem em teu nome!”

Eliane Cantanhêde - De ‘tucanarés’ e vírus

O Estado de S. Paulo

Voto impresso e coligações comprovam: o bolsonarismo contaminou o centro e os partidos

As votações do voto impresso, da volta das coligações e da criação de federação de partidos confirmam um diagnóstico dramático: assim como a covid-19 contaminou mortalmente o Brasil, o bolsonarismo se infiltrou maliciosamente nos partidos brasileiros, que já têm tantas comorbidades. Estão rachados, sem liderança, energia e rumo. Logo, são alvos fáceis.

O principal exemplo é o PSDB, mas os demais partidos de centro também deram mais votos a favor do que contra o retrocesso gritante da volta da cédula de papel, sob pretexto de auditar a urna eletrônica (o que é ridículo). No PSDB, 14 a 12 pró-voto impresso e a única abstenção, do deputado e ex-presidente do partido Aécio Neves. No MDB, 15 a 10. No DEM, 13 a 8. No PSD, 20 a 11.

Quem contaminou o ambiente político-institucional com a obsessão pelo voto impresso foi o presidente Jair Bolsonaro, por oportunismo político, para tumultuar, por real ameaça às eleições, por pavor da derrota em 2022 ou por simples ignorância e teimosia. Só a ele interessava, e interessa, manter esse debate vivo.

Fernando Guarnieri* - A personalização na política cresce, e o partido enfraquece

O Estado de S. Paulo

Abelardo Barbosa, o Chacrinha, dizia ter vindo para confundir, e não para explicar. Observando o relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 125/2011 da reforma eleitoral, a impressão é de que a intenção da relatora, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), seria a mesma. Nunca houve uma proposta tão confusa de reforma eleitoral.

Propunha-se a combinação do sistema atual com o de voto único não transferível (conhecido como “distritão”) nas eleições para o Legislativo e o voto alternativo nas eleições para o Executivo. Segundo a justificativa da relatora, nosso sistema eleitoral, por conta da representação proporcional de lista aberta, não seria “inteligível ao eleitor médio” (sic). Por que não, então, complicá-lo um pouco mais?

Com a derrota dos principais pontos do projeto, ao fim e ao cabo parece que se tratou apenas de uma finta. Ao colocar esse bode na sala promoveu-se o retorno das coligações nas eleições proporcionais, o que beneficia diretamente partidos pequenos, como o Podemos da relatora.

Simon Schwartzman* - O sábio e os sabidos

O Estado de S. Paulo

Giannotti foi sempre o sábio do pensamento independente, crítico, e do diálogo

 “Vem me fazer uma visita”, disse-me José Arthur Giannotti da última vez que nos vimos, num seminário no Instituto Fernando Henrique Cardoso. Disse que ia, lembrando-me de outras ocasiões em que me recebeu em sua casa no Morumbi, falando sobre os temas de filosofia, política e das pessoas que o fascinavam. Acabei não indo, e agora ele nos deixou. O encontro anterior havia sido em um voo desde Brasília em que nos encontramos e no qual ele falou longamente acerca do que estava escrevendo sobre Wittgenstein. No final perguntou se eu estava entendendo, eu disse que sim e ele sorriu, contente: “Viu como é simples? Até você entende!”.

Na verdade, não havia entendido direito, hoje acho que compreendo melhor. Se Giannotti era tão difícil de entender, tanto por escrito quanto falando, como explicar o grande sentimento de perda de tanta gente, agora que ele se foi? Não deve ser só por sua produção como filósofo, cujo valor cabe aos colegas de profissão avaliar. Para os demais foi, sem dúvida, importante sua presença e liderança na vida intelectual brasileira, que começa na antiga Faculdade de Filosofia da USP na Rua Maria Antônia, continua no famoso grupo de leitura de O Capital nos anos 50 e 60 e se prolonga nos anos em que presidiu e participou do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a instituição criada pelos professores de filosofia e ciências sociais que, como ele, haviam sido expulsos da USP pelo regime militar. Mais importantes, no entanto, eram a permanente abertura e disposição para o debate e o diálogo, contestando certezas estabelecidas, trazendo ideias inesperadas. E fazendo pensar.

José de Souza Martins* - Bolsonaro e a política da ignorância

Valor Econômico / Eu & Fim Semana

O presidente é um caso cansativo de obstinação na suposição equivocada de que o povo renunciou ao seu direito de eleitor cidadão na definição de quem o governa e de como deve governá-lo

Em dias passados, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, dirigiu-se ao povo brasileiro, com seu proverbial civismo e suas proverbiais serenidade, lucidez e erudição, para uma lição pública sobre o que é democracia, o que é democracia num país como o Brasil, o que é progresso eleitoral e o que é atraso eleitoral e político.

Mostrou-nos a importância do voto e da segurança do voto na confirmação e na renovação da democracia de que tanto carecemos. Contra a tese autoritária dos defensores de mecanismos retrógrados de expressão eleitoral. O que, em tempos passados, foram poderoso instrumento de manipulação do voto, de usurpação da vontade do brasileiro menos eleitor e menos cidadão. Os mecanismos de redução do poder a uma renúncia forçada de vontade política expressa no voto, mediante fraude.

O ministro Luís Roberto Barroso defendeu e justificou o protagonismo político do cidadão e do povo como fundamento da ordem democrática, um bem cívico que deve ser assegurado e protegido. Ensinou - e bem.

Apoiado por seus pares, deu ao seu pronunciamento a beleza cívica de um ato de esperança de que o país tanto carece. O discurso do ministro libertou o ouvido dos brasileiros do discurso de botequim, das improvisações ignorantes dos que têm se revelado incapazes de assumirem-se como cidadãos. Os que, nesse sentido, assumem-se como usurpadores do poder que não é seu.

Dora Kramer - Voz ao vento

Revista Veja

Bolsonaro transita por adversidades como se convicto de enxergar aí a chance de voltar a se apresentar como a vítima a ser salva das garras do “sistema”

Há quem tenha mais medo do ridículo que da morte. No campo simbólico, a morte como sinônimo de derrota pode provocar temor nos que fogem do ridículo como o diabo da cruz. Não é o caso de Jair Bolsonaro, cuja trajetória desde antes e, sobretudo, na Presidência desenha um personagem destemido ante o escárnio.

Foi assim quando se expôs à zombaria geral ao abordar o tema “golden shower” nos primeiros acordes do uso da internet como instrumento de interlocução presidencial com a sociedade. Tem sido assim ao longo do mandato. Incumbência esta que ele submeteu a elevado grau de caçoada nacional e internacional no dia da votação da emenda constitucional do voto impresso, com a promoção de um passeio de artefatos bélicos Brasília afora.

Bernardo Mello Franco - O deputado na bolha

O Globo

Depois de dois anos e dois meses, a Câmara enfim cassou o mandato da deputada Flordelis, do PSD. A pastora é acusada de encomendar a morte do marido, o também pastor Anderson do Carmo. Escapou da prisão preventiva graças à imunidade parlamentar.

Como esperado, o plenário aprovou a cassação por ampla maioria: 437 a 7. A única surpresa foi o voto contrário de um deputado do PSOL, Glauber Braga. Até o início da semana, ele se dizia pré-candidato ao Planalto. Depois desse episódio, arrisca se complicar até numa eleição para síndico.

Glauber nunca foi um aliado de Flordelis. Na sessão de quarta, fez questão de dizer que considerava sua linha política “sofrível”. Ainda assim, o deputado endossou a tese da defesa. Disse que a pastora deveria ser suspensa, e não cassada, até o veredicto do tribunal do júri.

A argumentação contém um erro primário: confunde o julgamento criminal, feito pela Justiça, com o julgamento político, feito pela Câmara. Não cabe aos congressistas decidir se a colega mandou ou não mandou matar o marido. O que se discute ali é se houve quebra de decoro parlamentar.

Pedro Doria - O 5G brasileiro já está na rua

O Globo / O Estado de S. Paulo

Numa manhã desta semana, peguei emprestado um iPhone 12 Pro Max, dentre os melhores celulares no mercado. Pus ao lado do meu aparelho, da versão anterior. Ambos lado a lado. De cara, a diferença na tela era uma só. No canto superior direito de um, 4G. No do outro, 5G. Disparei então, simultaneamente, um teste de velocidade. Meu aparelho, de que não tenho reclamações, encostou em 20Mbps. É uma velocidade que muita banda larga fixa não tem. Com bem menos disso já dá para ver um filme por streaming. No aparelho indicando 5G, passou de 150Mbps. Para padrões brasileiros, mesmo para máquinas conectadas à fibra óptica, isso é voar baixo. Em alguns cantos do país tem gente conseguindo passar dos 500Mbps no 5G.

Mas o ministro das Comunicações, Fábio Faria, quer proibir as operadoras de dizer que já começaram a oferecer a nova geração da telefonia celular em alguns lugares. Num vídeo que fez circular, sugere que é propaganda enganosa. Uma de suas cobranças é que tirem, dos aparelhos habilitados para a nova tecnologia, o indicativo “5G”.

Flávia Oliveira - Horror a pobre, pré-requisito

O Globo

No governo Jair Bolsonaro, aporofobia não é surpresa, mas pré-requisito. Ministro da Economia, Paulo Guedes já depreciou empregadas domésticas, filhos de porteiro, brasileiros em situação de fome. A mais recente demonstração de horror a pobres partiu do titular da Educação, Milton Ribeiro, há um ano no cargo. Numa entrevista à TV Brasil, o pastor presbiteriano, autodeclarado professor, disparou um trio de declarações de ruborizar Justo Veríssimo, o personagem de Chico Anysio que melhor encarnou o desprezo dos homens públicos pelos brasileiros de baixa renda. Combinou indiferença, preconceito e desinformação, a santíssima trindade do constrangimento. Merece resposta.

1) “Na Alemanha são poucos os que fazem universidade, universidade na verdade deveria ser para poucos nesse sentido de ser útil à sociedade.” O ministro parece desconhecer que, no Brasil, universidade já é para poucos. Em 2019, segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, apenas um em cada quatro jovens de 18 a 24 anos, idade desejável, frequentava o ensino superior. Comparado aos membros da OCDE, clube que o governo de Milton Ribeiro sonha adentrar, o Brasil tem menos habitantes que concluíram a universidade. Em Portugal, Turquia e Colômbia, a proporção de adultos de 25 a 34 anos com carreira universitária supera a do Brasil.