sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Luiz Werneck Vianna* O que ainda nos falta

Em respeito aos fatos seria ocioso dizer que o governo que aí está já acabou, deixando atrás de si um monte de escombros, o culto narcísico do poder pelo poder em personagens liliputianos, embevecidos com o destino imerecido com que foram contemplados, agarrados como ostras às posições a que foram alçados sem merecimento. Personagens como os ministros Queiroga e Paulo Guedes mereceriam ser objeto da ironia de um Machado de Assis que certamente não escapariam de uma de suas páginas com suas empáfias solenes e vazias. Mas, no mundo da política as coisas não caem pela ação da gravidade como as maças de Newton, é preciso uma ação que provoque sua queda, e como tarda entre nós esse movimento o governo que não governa encontra meios para persistir em posições de mando.

Por falta disso, mesmo que sem um propósito claro, salvo o de se perpetuar no poder, o regime Bolsonaro subsiste diante de uma oposição que passivamente se mantém na expectativa de que a maça caia no seu colo como anunciam as previsões eleitorais. Tais previsões são conhecidas por todos, escrutinadas pelos estrategistas bolsonaristas, que conspiram em tempo contínuo para que elas não se realizem, inclusive em movimentos de alto risco como nessa viagem a Moscou em plena crise de alcance mundial pela questão da Ucrânia, em claro movimento dissonante da política dos EEUU, potência hegemônica com a qual sempre nos alinhamos.

A derrota eleitoral em 2022 no segundo turno, se não no primeiro, já faz parte da planilha dos dirigentes bolsonaristas, onde medra a desconfiança com as forças aliadas do Centrão que podem face ao horizonte sombrio que lhes parecem reservar as urnas buscar alternativas de sobrevivência nas hostes da oposição, várias delas treinadas nas artes da convivência com elas. Para o regime Bolsonaro o processo eleitoral é percebido como a crônica de uma morte anunciada, e, nesse sentido, se prepara para tumultuá-lo e impedir sua tramitação efetiva, reiterando as práticas de Donald Trump nas últimas eleições americanas com a invasão do Capitólio. Aqui, seu cavalo de batalha é o da denúncia das urnas eletrônicas, garantia de lisura da competição eleitoral, procurando aliciar para esses fins setores das forças armadas.

Vera Magalhães: Pão de queijo na Fiesp

O Globo

O primeiro encontro institucional do novo presidente da Fiesp, o mineiro Josué Gomes, com a imprensa foi num café da manhã em que não faltou o típico pão de queijo. Um emblema sutil de uma nova fase na entidade que representa a indústria paulista e tem desempenhado forte papel político na História brasileira.

Josué, filho e herdeiro empresarial do ex-vice-presidente da República José Alencar, começou por delimitar a mudança de paradigmas no prédio inclinado da Avenida Paulista ao dizer que a entidade não vê com nenhum temor uma nova eleição do ex-presidente Lula, que teve seu pai como companheiro de chapa e de governo no período de 2002 a 2010.

Para ele, a “população é soberana” para escolher seu candidato, e a Fiesp respeitará o resultado das eleições, “ganhe A ou B”.

É uma referência direta e reta à famosa frase de Mário Amato, que presidia a instituição em 1989 e previu uma fuga em massa de industriais caso o petista vencesse Fernando Collor de Mello na primeira eleição direta depois da ditadura.

Josué também tratou a Fiesp como contraponto ao mercado financeiro, que recebeu algumas leves estocadas, marcando uma contraposição bem nítida entre a pauta do setor produtivo e do financeiro, que fica patente nas prioridades que elenca para o Brasil.

Bernardo Mello Franco: Armadilha para o TSE

O Globo

Jair Bolsonaro retomou os ataques à urna eletrônica e à Justiça Eleitoral. O capitão disse que os ministros do TSE “têm partido” e querem torná-lo inelegível “na base da canetada”. Acrescentou que os juízes teriam um objetivo secreto: “eleger seu candidato, o Lula”.

A tese seria cômica se não fosse ridícula. Bolsonaro se elegeu numa disputa em que o mesmo Lula, então líder das pesquisas, teve a candidatura negada pelo TSE. O atual presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, deu o primeiro dos seis votos para barrar o petista.

O capitão não precisa temer a Lei da Ficha Limpa. Conta com a proteção do cargo e com a omissão do procurador-geral da República. Apesar da blindagem, ele manterá o discurso da perseguição. Quer minar a confiança nas urnas e incitar a tropa contra o TSE.

Bolsonaro nunca escondeu seu plano golpista. Se for derrotado, tentará virar a mesa e melar a eleição. O roteiro original incluía a volta do voto impresso. Agora a ideia é arrastar os militares para o centro do tumulto.

Entrevista José Serra: ‘Siglas devem se unir para acabar com polarização’

José Serra Senador defende resultado das prévias vencidas por Doria e diz que diálogo com Lula é ‘natural’

Adriana Ferraz / O Estado de S. Paulo

Senador da República por São Paulo; foi chanceler, ministro da Saúde, governador, deputado e prefeito da capital paulista

Federações. Para senador, ‘exigências e peculiaridades locais’ podem travar acordos de união partidária

O senador paulista José Serra (PSDB), que pediu licença médica de quatro meses no ano passado para tratar da doença de Parkinson, ficou oficialmente afastado da política, mas não se desligou. Diz ter acompanhado as prévias tucanas, a tentativa de aproximação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com quadros históricos de seu partido – considerada “natural” por ele –, e a novidade das federações.

Aos 79 anos, Serra afirma não ter se decidido se vai tentar renovar o mandato, que se encerra em dezembro. Em entrevista ao Estadão por email, o senador disse que o PSDB deve respeitar o resultado das prévias que escolheram o governador João Doria como pré-candidato à Presidência, mas acha que os partidos precisam se unir em torno de um nome com chances de romper com o que classificou como “polarização entre extremos”.

Como o sr. avalia o processo de prévias tucanas e a vitória de Doria?

Como democratas, optamos por um processo de votação interna com candidatos qualificados. Agora, há que se respeitar o resultado das nossas urnas. O foco principal do partido deve ser a busca por projetos e planos de governo estruturantes para o País.

Eliane Cantanhêde: Voo cego

O Estado de S. Paulo

Na Rússia e Hungria, prevaleceram os interesses políticos de Jair Bolsonaro, não do Brasil

O presidente Jair Bolsonaro apresentou “solidariedade” ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, e chamou de “irmão” o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. São manifestações sem conexão com a diplomacia e os interesses do Brasil e só satisfazem a vontade dele de brincar de líder da extrema direita internacional.

Não faz sentido Bolsonaro dizer que é “solidário” a Putin, que chamou de “amigo” e “pessoa que busca a paz”, quando o russo se une à China e confronta o Ocidente, em particular os EUA, ao ameaçar invadir a Ucrânia. Soa como se o Brasil se posicionasse a favor de Moscou, contra Washington.

Também é de um voluntarismo quase infantil Bolsonaro se identificar com Orbán e citar um lema integralista, “Deus, pátria e família”, ao qual acrescentou “liberdade”. Que Deus, que pátria, que família e que liberdade?

Até adversários apoiaram a ida à Rússia, lembrando que os dois países têm interesses comuns, assento nos Brics e todos os ex-presidentes, desde Fernando Henrique, foram a Moscou. E o Brasil não poderia ceder à pressão americana para cancelar a viagem.

Fernando Gabeira: Gasolina na fogueira

O Estado de S. Paulo

Quando vejo todo este esforço para baixar o preço da gasolina, não é apenas a conjuntura imediata que me faz comparar esse esforço com o mito de Sísifo

Como a maioria das pessoas, eu gostaria de um preço mais baixo nos combustíveis. E, também como a maioria das pessoas, não tenho a fórmula para que isso aconteça.

Essas limitações não impedem de achar estranho que tanto o governo como o Parlamento se ocupem intensamente da questão no final de seus mandatos. A simples pressão do tempo já é uma adversária na busca de uma saída inteligente.

O esforço para baixar o preço da gasolina tem um pouco de voluntarismo. O preço depende do mercado internacional, numa conjuntura política das mais turbulentas. No momento em que a Rússia cerca a Ucrânia, o preço do barril chega aos US$ 90; se as tropas russas cruzarem a fronteira ucraniana, o preço deve saltar para US$ 100. Só nesse movimento todos os esforços internos para reduzir o preço seriam engolfados pela conjuntura. Não é certo que a Rússia invada a Ucrânia. Mas o exemplo serve para mostrar a volatilidade dos preços internacionais.

Luiz Carlos Azedo: Tragédias se repetem em escala cada vez maior

Correio Brasiliense

A história se repete em Petrópolis. O contraste entre o notável conjunto arquitetônico do seu centro histórico e os loteamentos nas encostas tomadas por construções em áreas de risco é gritante

Todo repórter passa por várias editorias bem antes de chegar àquela na qual se encontra profissionalmente, o que é o objetivo de qualquer jornalista. A melhor escola de reportagem de uma redação, porém, é a editoria de Cidade, que cuida do dia a dia dos seus leitores.

Em 1975, após passar pelos jornais O Dia, A Notícia, Última Hora, O Fluminense e A Tribuna, de Niterói, fui trabalhar no Diário de Petrópolis, cujo dono, José Antonio Dias Carneiro, delegara a tarefa de dirigir o jornal ao seu filho, Paulo Antônio Carneiro, então um jovem idealista, alguns anos apenas mais velho do que eu. Fui contratado para fazer reportagens especiais sobre a Cidade Imperial e a Região Serrana do Rio de Janeiro, que estava em pleno processo de fusão. Os jornais diários do interior fluminense lutavam para não desaparecer, diante da força dos concorrentes da antiga Guanabara.

Flávia Oliveira: É a lama, é a lama

O Globo

Estão soterrados o Estado (brasileiro) e o estado (Rio de Janeiro) incapazes de, 48 horas depois de uma tragédia com centena de mortos, assistir as áreas devastadas. Afundou na lama a gestão pública que não apenas desrespeita a vida, como também despreza a morte. Execrável é a palavra que define o papel das autoridades na catástrofe de Petrópolis. Onze anos depois de a mesma região sofrer o maior desastre natural da História do país, em que mil pessoas desapareceram, homens e mulheres, pais e mães, familiares e vizinhos, com as próprias mãos, escavam escombros para resgatar corpos de vítimas.

O Brasil, a começar pelo presidente da República, em dois anos de pandemia, mais de 640 mil vidas perdidas, normalizou óbitos. Antes da Covid-19, Estado e sociedade já conviviam sem culpa com média de 60 mil homicídios por ano — sobretudo de pessoas negras, oito de cada dez tombados. Nas favelas cariocas, é recorrente ver parentes carregando jovens baleados em lençóis, cadeiras e carrinhos de mão. Em novembro, após a Chacina do Salgueiro, decorrente de uma operação policial em São Gonçalo, moradores retiraram de um mangue oito corpos. O poder público não aparece sequer para recolher as vidas que ceifam. É a política do “vocês que lutem”.

Hélio Schwartsman: Quem lida melhor com o risco

Folha de S. Paulo

Quem devemos ouvir na gestão de riscos?

tragédia em Petrópolis é uma daquelas que já estavam anunciadas. E há inúmeras outras áreas no Brasil em situação parecida. Quem devemos ouvir na gestão de riscos?

Seres humanos somos péssimos em avaliá-los. Morremos de medo de cobras e tubarões, mas não hesitamos em fumar ou trafegar em alta velocidade. O problema é que os circuitos emocionais do cérebro, que nos motivam a agir, ficaram estacionados no Pleistoceno, quando eram animais peçonhentos e predadores que nos tiravam do rol dos viventes, e os perigos atuais são mais bem captados por estatísticas, que não nos emocionam a ponto de tomar atitudes.

Ruy Castro: O Brasil está se desmanchando

Folha de S. Paulo

Para consolo ou dor dos que ficam, a morte agora tem rosto, vozes e gestos ao alcance de um clique

As primeiras notícias falavam de chuva forte em Petrópolis, graves deslizamentos e dois mortos. Ficaram assim por horas e já eram alarmantes. De repente, um repórter disse que ouvira falar em seis mortos, ainda sem confirmação. Quando esta veio, os mortos já eram 12 e, desde então, o número não para de crescer. No momento em que escrevo, já passaram de cem. Provavelmente, como em Brumadinho, levará muito tempo para que o último desaparecido seja encontrado. Pense agora na família dele, no drama que se prolongará por meses, talvez anos.

Não são números, por mais assustadores. Cada um representa uma pessoa que trabalhou, amou, riu e cuja história só agora nos está sendo revelada, por ela não existir mais. Como nunca antes, podemos conhecê-la, ver seu rosto, porque ela nos é mostrada em seu esplendor, numa foto tirada num dia feliz —talvez na véspera— pelo celular de um amigo ou parente. A morte agora tem rosto, vozes, gestos, que, para consolo ou dor dos que ficaram, podem ser acessados com um clique. É como se a pessoa nunca se fosse de todo.

Bruno Boghossian: Bolsonaro e o zumbi do golpismo

Folha de S. Paulo

Preço da leniência adotada por políticos e tribunais será um conflito inevitável em outubro

Semanas depois do comício golpista do 7 de Setembro, o chefe do TSE asseverou que não havia motivo para preocupação com as ameaças de Jair Bolsonaro. Luís Roberto Barroso apontou que o presidente dava demonstrações de confiança nas urnas e declarou: "Acho que finalmente esse defunto foi enterrado".

Com uma dose de boa vontade, autoridades de Brasília permitem que Bolsonaro continue circulando com esse zumbi até as eleições. Tribunais e políticos acreditaram que haviam blindado a votação contra os ataques do capitão. O problema é que essa falsa segurança tinha como base um acordo institucional que o presidente jamais assinou.

Bolsonaro deixou claro que manteria seu plano de tumultuar as eleições, mesmo depois que o TSE convidou militares para uma comissão de avaliação das urnas eletrônicas. Quando a ideia foi anunciada, ele indicou que havia encontrado uma brecha para criar mais confusão.

Vinicius Torres Freire: Dinheiro está nervoso com a Ucrânia

Folha de S. Paulo

Propaganda de guerra ou início de pânico estão na mídia do mundo rico e nos mercados

Jair Bolsonaro não visitou Wall Street nesta quinta-feira. "Coincidência ou não", os donos do dinheiro do mundo ficaram nervosos com a guerra ou com o que o governo americano chama de "risco muito alto" de "invasão iminente".

Como se sabe, com aquela sua tentativa de esperteza de capiau com "limitações cognitivas", Bolsonaro dissera que "coincidência ou não", parte das tropas russas deixara a fronteira com a Ucrânia, retirada que de resto pode ser apenas mentira.

Faz uma semana, os preços dos ativos financeiros sobem e descem aos solavancos no centro do mundo rico (sim, digam aí que estão na montanha russa). A coisa não andava boa por outros motivos, principalmente porque se discute nos Estados Unidos qual vai ser a rapidez e o tamanho da paulada nas taxas de juros por lá, pois a inflação ainda sobe. Mas, nesta quinta, havia cheiro de queimado de guerra.

Reinaldo Azevedo: Com quem a terceira via quer falar?

Folha de S. Paulo

Cuidado com as bolhas! Não se enganem: pode-se ganhar uma guerra de memes, mas perder a eleição. A maratona mal começou

A dita "terceira via" —nome tolo— não conseguiu, até agora, ser bem-sucedida em desbancar Jair Bolsonaro do segundo turno porque, em termos estruturais, repete parte de sua estratégia, que consiste em tentar eliminar do jogo o PT e a base social que ele representa. Se bem-sucedida, manteria o país em conflagração ideológica permanente. Lembram-se? "É a política, estúpido!"

É difícil competir com o cara no lamaçal da indignidade política. As aspirações políticas obscenas que ele vocaliza não combinam com modos à mesa, também os da civilização que superou a guerra de todos contra todos.

Para ser um deles, é preciso combater as vacinas; usar coturnos em visita a chefe de Estado; recitar divisa fascista em encontro entre iguais; tratar o arroto como um dos modos da liberdade de expressão e contar piada de bilau em churrascada. O reacionarismo rejeita o pudor, e "a cadela está sempre no cio". Essa minha caricatura hostil, não se enganem, esculpe em carrara o herói de milhões de pessoas.

José de Souza Martins*: A ordem contra o progresso

Valor Econômico

O Estado brasileiro, dominado por um imaginário conflitivo e belicoso, é servil em relação aos que dele se valem para declarar guerra à sociedade. Vivemos um momento desses.

A sociedade brasileira é hoje uma sociedade que se define por valores e apreensões que dela fazem uma sociedade do medo. Esse medo é produto persistente de um imaginário de poder que nasceu com a República, deformada e antirrepublicana pois dominada por um movimento pendular entre o Exército e as oligarquias regionais. É um medo referencial de nossos bloqueios políticos.

Com o tempo, o próprio Exército tornou-se insensível ao atraso social e político na medida em que assumiu que o primado da ordem deveria prevalecer sobre o progresso por razões geopolíticas que não são necessariamente as nossas.

Tudo que possa representar resistência ao atraso, contestação do atraso ou ação concreta para romper-lhe a inércia e libertar a criatividade social e política da sociedade acaba sendo objeto de estigmatização e até repressão fundadas nesse imaginário tosco.

Inspirada no positivismo, a República adotou o mote de Ordem e Progresso e o inscreveu na bandeira, supostamente para dizer o que somos e queremos. Mas, ao longo da história republicana, a concepção de progresso foi decantada. Progresso sob a forma de crescimento econômico, sim. Mas não há progresso sem suas contrapartidas e desdobramentos, sem rupturas e atualizações. O progresso desordena a ordem para reordená-la.

Naercio Menezes Filho*: Como salvar uma geração de brasileiros?

Valor Econômico

Acabar com a pobreza das crianças custaria cerca de R$ 80 bilhões. O mesmo que vamos gastar para subsidiar combustíveis fósseis

O Brasil tem dois problemas sérios interligados de longo prazo: crescimento econômico e distribuição de renda. Esses problemas decorrem em parte da situação de uma grande parcela da população que está alijada do processo produtivo, por falta de educação de qualidade, saúde e habilidades socio-emocionais. Há várias décadas, gerações após gerações de brasileiros contribuem com menos do que poderiam para o crescimento econômico e acabam precisando de ajuda do estado para sobreviver.

Esse problema fica claro ao olharmos para os jovens que estão entrando no mercado de trabalho. Entre aqueles de 18 a 24 anos de idade, que somam cerca de 20 milhões, 6 milhões não completaram o ensino médio e 4 milhões já o completaram, mas não conseguem trabalhar. Ou seja, praticamente metade dos nossos jovens não terá qualificações suficientes para contribuir de forma efetiva para o crescimento econômico.

Maria Cristina Fernandes: Uma prefeita do agreste resiste à polarização


Valor Econômico

Aluna de escola modelo de ensino público integral derrota famílias tradicionais, vira prefeita e se entrincheira contra o bolsonarismo e o lulismo da região

Maria Lucielle Silva Laurentino tinha 17 anos, era aluna do último ano do ensino médio e presidia o grêmio de sua escola em Bezerros, cidade de 70 mil habitantes no agreste de Pernambuco. Protagonista no movimento estudantil, recebeu uma proposta. Que repetisse de ano para ascender na militância secundarista.

Aquela escola havia entrado na vida de Lucielle três anos antes e abrira uma grande angular para a filha de uma adolescente estuprada aos 14 anos, criada pelos avós na zona rural. Tratava-se de uma escola pioneira do ensino médio integral em Pernambuco, estado que hoje tem o maior percentual de alunos matriculados. Foi lá que Lucielle achou que podia mudar a miséria do entorno. Não sabia como, mas tinha certeza de que passava pela universidade.

Aprovada no curso de geografia da Universidade Federal de Pernambuco, lá encontrou o mesmo PCdoB que ainda hoje domina o movimento estudantil no país e, no estado, é aliado ao PT e ao PSB. Saiu em busca de sua raia. Com uma bolsa da Fundação Philips, fez mestrado em engenharia florestal na Universidade de Valladolid, na Espanha. Voltou e resolveu se dedicar à educação e à expansão do ensino médio integral no país.

Pedro Doria: Russos ameaçam as eleições

O Globo / O Estado de S. Paulo

O ministro que assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, Edson Fachin, afirma que já há tentativa de interferência russa no processo eleitoral brasileiro. De Moscou, o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, se incomodou. Mas, quando ele se pôs no caminho para a viagem, não faltou quem temesse justamente isto: que Bolsonaro tivesse, entre as metas não ditas, encomendar ajuda dos hackers a serviço do Kremlin. O histórico de interferência comprovada é imenso.

A primeira vez em que a Rússia de Vladimir Putin se intrometeu em campanhas eleitorais no Ocidente foi em 2014, no referendo escocês que, por 55% a 45%, definiu que o país seguiria como parte do Reino Unido. Os detalhes do que ocorreu não são conhecidos — há suspeitas de que houve financiamento de grupos políticos, assim como uma extensa campanha de desinformação on-line. O governo britânico reconhece oficialmente ter informação. Mas divulgou muito pouco.

César Felício*: O risco Telegram

Valor Econômico

Rede social tornou-se uma arma bolsonarista

Para cada seguidor do canal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Telegram, o presidente Jair Bolsonaro tem 20. No caso do ex-governador Ciro Gomes, a proporção é de um para cinquenta. Em relação a Sergio Moro, é de 1 para 200.

Segundo a ferramenta Telegram Analytics, da própria plataforma digital, o canal oficial do atual presidente tem uma audiência diária de 1,2 milhões de acessos em seus cerca de 8 posts por dia. Cada post alcança uma média de 151,6 mil usuários.

O número de usuários do Telegram inscritos no canal de Bolsonaro cresceu de maneira ininterrupta entre maio e outubro do ano passado, e desde então está em um platô. Anteontem, ele tinha precisamente 1.049.509 inscritos. E isso se refere apenas ao seu canal oficial. Ainda existem os da sua legião de adeptos. Um deles, o do blogueiro Allan dos Santos, investigado no inquérito das “fake news” e proscrito em todas as redes sociais que seguem as orientações do Judiciário brasileiro, tem 124 mil seguidores. Lula, Ciro e Moro, somados, alcançam 70 mil.

Novo presidente da Fiesp critica Bolsonaro

Josué Gomes defende que entidade tenha postura apartidária

Daniele Madureira / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - novo presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes, criticou o governo Jair Bolsonaro (PL) e defendeu que a entidade tenha uma posição apartidária neste ano eleitoral.

A postura contrasta com a de seu antecessor, Paulo Skaf —que, entre outras ações, encabeçou a campanha "não vou pagar o pato", que culminou na adesão da entidade à campanha pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, além de ter declarado publicamente apoio a Bolsonaro.

Já Josué, em conversa com jornalistas nesta quinta (17), afirmou que o presidente será lembrado pelos livros de história como um governo que produziu múltiplos ataques às instituições —às urnas, à vacina, à imprensa.

"Mas, se ele eventualmente se eleger, torço para que ele faça diferente", complementou.

Filho do ex-vice-presidente José Alencar, que esteve ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos seus dois mandatos (entre os anos de 2003 e 2010), Josué também diz que não vai adotar na Fiesp qualquer direcionamento político, e que teve o cuidado de se desfiliar do seu partido, o PMDB, no final do ano passado, antes de assumir o seu mandato, que se encerra em dezembro de 2025.

Questionado se tem simpatia pela candidatura de Lula, o empresário, dono da indústria têxtil Coteminas, esquivou-se.

"Eu não contribuo em nada dando minha opinião pessoal sobre quem eu prefiro [como candidato à Presidência da República], isso não tem nenhum impacto na minha condição como presidente da Fiesp", diz ele, que já foi apontado nos bastidores como possível vice-presidente de Lula ou até mesmo como o virtual ministro da Economia do petista.

"Alguns acham que, por ter sido candidato ao Senado por Minas Gerais [em 2014, quando perdeu a disputa para o ex-governador Antonio Anastasia, do PSDB], que eu sou político", disse. Segundo ele, a votação que obteve –ficou em segundo na disputa, com 40,2%, contra 56,7% de Anastasia– se deveu à força do nome do pai.

Na Hungria, Bolsonaro reforça discurso de direita em encontro com Orbán

Valor Econômico*

O presidente Jair Bolsonaro cumpriu ontem sua última etapa da viagem pelo leste europeu com uma visita à Hungria do primeiro-ministro Viktor Orbán, político populista de extrema-direita que está em campanha eleitoral para tentar se reeleger para um quarto mandato consecutivo.

Um dia depois de ter se reunido em Moscou com o presidente russo, Vladimir Putin, Bolsonaro desembarcou na Hungria para uma agenda de apenas algumas horas na capital Budapeste.

Para Bolsonaro, a visita pode ter o efeito de reforçar sua imagem de líder da direita alinhado com um dos nomes que personificam essa corrente na Europa.

"Considero o seu país nosso pequeno grande irmão. Pequeno se levarmos em conta as diferenças nas respectivas extensões territoriais. E grande pelos valores que representamos e que podem ser resumidos em quatro palavras: Deus, pátria, família e liberdade", afirmou Bolsonaro, na abertura de seu discurso na sede do governo húngaro. "O prezado Orbán eu trato praticamente como um irmão, dadas as afinidades que temos na defesa dos nossos povos e integração dos mesmos".

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Água na fervura

Folha de S. Paulo

Autoridades eleitorais rebatem com altivez e serenidade ofensiva de Bolsonaro

A índole arruaceira de Jair Bolsonaro (PL) a todo momento cria situações difíceis para os responsáveis pela institucionalidade democrática, alvo dos ataques do presidente.

Não é possível, nem seria conveniente, responder a cada diatribe infame e no mesmo tom belicoso, ou todos seriam arrastados para a baixaria bolsonarista. Ao mesmo tempo, não se pode permitir que prosperem incólumes, como episódios banais, mentiras e ameaças mais e menos veladas aos demais Poderes e ao processo eleitoral.

Entre um risco e outro, saíram-se com serenidade e altivez os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, diante da recente e infelizmente previsível recarga de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.

Poesia| Fernando Pessoa: Os olhos postos no passado

Uns, com os olhos postos no passado,
vêem o que não vêem; outros, fitos
os mesmos olhos no futuro, vêem
o que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto —
a segurança nossa? Este é o dia,
esta é a hora, este o momento, isto
é quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
que nos confessa nulos. No mesmo hausto
em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.

Música | Teresa Cristina: Teresa Cristina - Acalanto/O Mar Serenou

 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto*: Bahia e Brasil: luzes alternativas no fim do túnel

Ganham intensidade e densidade os movimentos do pré-candidato Lula da Silva em direção à ocupação do centro político. São passadas largas, porém, calibradas para construir um caminho que, de um lado, confirme e consolide, pela política, a posição de liderança que as pesquisas de intenção de voto há meses lhe conferem, sendo a vitória no primeiro turno uma hipótese alimentada, ainda que não posta como condição ou prioridade. De outro lado, Lula começa a sinalizar a busca de construção antecipada de uma governabilidade, para o caso de vitória. Ele não é o único ator a fazer movimentos agregadores, mas é o principal e, até aqui, o que tem mais chance de ser bem sucedido, porque tem procurado usar sua dianteira nas pesquisas como capital político para perseguir esses seus dois objetivos de modo complementar, sem contradição ou mesmo paralelismo entre eles. Se conseguir controlar os radicais da sua turma (ainda que os use também para endurecer negociações) o sucesso é provável.

Um dos terrenos em que o ex-presidente tem se mostrado em plena forma é o dos entendimentos para articular, à sua estratégia na eleição presidencial, soluções negociadas para as competições estaduais. Tem buscado, com aparente êxito inicial, levar para discutir, nesse terreno dos arranjos estaduais, até mesmo quem, a princípio, está fixado, prioritariamente, em conquistar espaço próprio na disputa nacional, como é o caso de Gilberto Kassab e seu PSD.  Há poucos dias, movendo pedras num tabuleiro em que se joga o jogo presidencial associado às disputas estaduais no Rio de Janeiro e em São Paulo, Lula atraiu o PSD e deu um tranco no PSB, que tem colocado óbices à concretização de uma federação partidária de esquerda nos termos em que o PT a deseja e propõe. Fixando-se no nome de Fernando Haddad (PT) em São Paulo, depois do PT ter acenado com apoio a Marcelo Freixo (PSB) no Rio, Lula provocou um bate-cabeça no PSB, entre a intenção de Marcio França de ensaiar uma resistência paulista (inclusive acenando a Ciro Gomes) e a de Freixo de mostrar-se carioca da gema e, para garantir o apoio do PT, não se dispor a participar dela. Ao agirem pensando mais nos seus quadros estaduais, ambos os socialistas deram passos em falso e, hoje, estão mais perto de terem suas pretensões a cabeças das respectivas chapas deslocadas para o Senado (França) ou até para a Câmara (Freixo). O gesto complementar de Lula para tirar espaço do PSB e pressioná-lo a um acordo foi mostrar simpatia, junto a Kassab e ao prefeito Eduardo Paes, pela inclusão do PSD nas tratativas em curso nos dois estados. No caso do Rio, o argumento é que um candidato de Paes ampliará mais que Freixo a frente contra a reeleição do governador, apoiada por Bolsonaro.  No de São Paulo, a pressão sobre o PSB inclui propor a Kassab abrigar no PSD seu virtual vice, Geraldo Alkmin.

Malu Gaspar: A Polícia Federal entra na campanha eleitoral

O Globo

Se havia dúvidas sobre a instrumentalização da Polícia Federal em favor dos interesses políticos de Jair Bolsonaro, uma nota publicada pela corporação em seu site na última terça-feira ajudou a eliminá-la.

“Moro mente”, dizia o texto, em resposta a uma declaração do ex-juiz da Lava-Jato dada no dia anterior. Numa entrevista, Moro disse que “hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por grande corrupção” e afirmou que a PF não tem mais autonomia sob Bolsonaro. Segundo a nota oficial, Moro mente porque, nos últimos três anos, a corporação realizou 1.728 operações contra a corrupção, e o maior número de ações ocorreu em 2020.

A última afirmação não necessariamente contradiz a anterior, mas isso não vem ao caso. O que importa é que Moro é um político em campanha, e a Polícia Federal é uma instituição de Estado. Foi por isso que a nota e seu tom agressivo chamaram a atenção.

Merval Pereira: Trapalhada internacional

O Globo

A insinuação de Bolsonaro de que a anunciada, mas não comprovada pelo Ocidente, retirada de parte das tropas russas da fronteira com a Ucrânia teria sido consequência do encontro entre ele e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, dá bem a dimensão das “limitações cognitivas” que o ministro do STF Luís Roberto Barroso vê no presidente.

Já havia caído no ridículo a versão do ex-ministro Ricardo Salles nesse sentido, publicada nas redes sociais, até que ele mesmo, humilhado pelas gozações impiedosas, veio a público dizer que se tratava de uma brincadeira. Também uma indicação de Bolsonaro ao Prêmio Nobel da Paz pela suposta interferência exitosa na crise tomou conta das redes sociais bolsonaristas, querendo criar um clima épico em torno da viagem extemporânea a Moscou.

Pois não é que o próprio presidente, mesmo sabedor do ridículo em que caíram seus adeptos, fez questão de sugerir publicamente que sua chegada, “coincidência ou não”, resultou numa amenização do ambiente? Bolsonaro já havia dito anteriormente, num improviso que deve ter arrepiado os cabelos dos diplomatas brasileiros não engajados em sua campanha, que o Brasil era “solidário” à Rússia.

Gafe numa hora dessas? Bolsonaro não sabe usar as palavras, e é possível que nem soubesse o que estava falando quando afirmou que o Brasil é solidário à Rússia. Ele provavelmente estava se referindo à economia e ao comércio, mas se solidarizar com a Rússia numa visita oficial é um erro absurdo neste momento de crise.

William Waack: O mundo de sempre

O Estado de S. Paulo

A crise na Ucrânia abrange questões fundamentais para o futuro das relações internacionais

O que Vladimir Putin está fazendo com a Ucrânia equivale a um choque elétrico em quem pensa e acompanha relações internacionais. Cobri para o Estadão a queda do Muro de Berlim, em 1989, e confesso que também fui contagiado pelo sentimento geral de que ali nascia um “mundo melhor”.

Era entendido como um mundo no qual não mais se tolerariam mudanças de fronteiras pelo emprego da força bruta, e no qual os Estados teriam soberania para fazer escolhas. A esse “mundo melhor” o fotógrafo Hélio Campos Mello e eu assistimos na linha de frente quando ampla coligação internacional, apoiada inclusive por Moscou e comandada pelos americanos, expulsou em 1991 do Kuwait o exército invasor do ditador iraquiano Saddam Hussein.

Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro volta à carga contra as urnas eletrônicas

Correio Braziliense

Mais uma vez, Bolsonaro tenta utilizar as Forças Armadas para desacreditar o processo eleitoral, o que faz parte de uma estratégia ensaiada em outros momentos, como o 7 de setembro passado

O presidente Jair Bolsonaro voltou a levantar suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas e disse que até mesmo o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, não acredita no sistema eleitoral brasileiro. Em reposta, ontem, o TSE divulgou as informações prestadas às Forças Armadas sobre o processo eletrônico de votação.

Na terça-feira, Fachin, que assumirá a presidência da Corte na próxima semana, afirmara que a “Justiça eleitoral já pode estar sob ataque de hackers”. Segundo o magistrado, que escolheu o slogan “paz e segurança nas eleições” para o pleito deste ano, os ciberataques aumentaram nos últimos meses.

As ameaças partem não apenas de atividades criminosas, mas de países como Rússia e Macedônia. Segundo Fachin, relatórios internacionais indicam que 58% dos ataques têm como origem a Rússia. Coincidentemente, desde a semana passada, a polêmica sobre a segurança das urnas voltou às redes sociais. Segundo Bolsonaro, o Ministério da Defesa havia apontado falhas no sistema operacional. Na verdade, o que houve foi um pedido de informações sobre o funcionamento do sistema e seu sistema de segurança, devidamente respondido pelo TSE. Ataques de hackers são constantes nas eleições, mas, até hoje, não tiveram sucesso.

Míriam Leitão: Erro de subsidiar os combustíveis

O Globo

Há vários equívocos nas propostas que tramitam no Congresso para tentar reduzir o preço dos combustíveis. Uma das ideias é mudar a fórmula de cálculo do ICMS para ser um valor fixo e não um percentual. Em geral, os impostos são percentuais sobre alguma coisa: lucro, renda, valor adicionado. O PIS/Cofins sobre combustíveis é dos poucos que é valor fixo. Os estados tiveram aumento de arrecadação, mas não foram “culpados” pela alta dos preços, aliás, o governo federal também aumentou sua arrecadação em todos os tributos no ano passado.

O principal erro das propostas é achar que o país deve subsidiar combustíveis fósseis. Isso incentiva o uso de um grande emissor de gases de efeito estufa. Sendo um subsídio linear é ainda pior. Com o diesel mais barato, estamos dando dinheiro para o caminhoneiro autônomo. Mas também para a empresa que tenha frota de transporte, para a lancha, para o iate e os SUVs. A gasolina mais barata ajuda a família que tem apenas um carro e cujo orçamento está apertado com a escalada dos preços. Mas o benefício irá também para os ricos com a garagem cheia de carros de luxo.

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso: Populismo, subsídios e atraso

Valor Econômico

Políticas distorcivas e expansionistas não levam em conta suas implicações futuras por puro cálculo eleitoral e projeto de poder

Se há algo que une a esquerda e a direita latino-americanas é a vocação para o populismo, que se concretiza na farta distribuição de benesses a aliados políticos e eleitores. São medidas que geram ganhos no curto prazo, mas irremediavelmente levam a perdas para toda a sociedade no médio e longo prazos. Neste momento, Argentina, com um governo peronista de esquerda, e Brasil, com um governo de direita, dão exemplos de até onde a irresponsabilidade pode ir para um governante se manter no poder.

A Argentina negocia a renovação de seu acordo com o FMI. Sem reservas cambiais para pagar parcelas vincendas de empréstimos anteriores junto ao Fundo, não há outra alternativa na mesa - certamente não de atores privados - capaz de impedir o calote e o caos financeiro. O país já vive uma situação econômica delicadíssima, com inflação acima de 50% ao ano, déficit fiscal endêmico e expansão constante dos gastos públicos. Além de uma enorme gama de subsídios há também distorções de todo tipo, como controles de preços e de capitais, proibição de exportações, e um mercado de dólar paralelo onde a cotação, muitas vezes, supera 100% da oficial.

Maria Cristina Fernandes: Transição precipitada

Valor Econômico

Favoritismo de Lula provoca ativismo dos pivôs da política nacional em busca da manutenção dos seus nacos de poder

A mais de sete meses das eleições, há um surto de proatividade no ar de Brasília como se a transição já tivesse começado. É um movimento que parece obedecer mais aos interesses de seus protagonistas do que aos daquele que ainda tem urnas a computar para confirmar seu favoritismo.

A movimentação parte do pressuposto de que não se viabilizará uma alternativa à polarização. O diagnóstico é baseado numa cristalização de voto, inédita em campanhas eleitorais, dos dois principais polos. “Entre Deus e o diabo nunca houve terceira via”, resumiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, naturalmente identificando-se ao primeiro dos personagens.

Além da legião de infiéis que pode ficar no meio do caminho até 2 de outubro, a síntese de Lula tem levado a uma corrida desarvorada pela concretização de propostas que podem abrir portas para o país, adornar o currículo dos proponentes ou nenhuma das alternativas anteriores.

Cidadania decidirá no sábado sigla para federação

PSDB, Podemos e PDT são as opções disponíveis

Por João Valadares / Valor Econômico

BRASÍLIA - Depois de uma longa reunião virtual na noite de terça-feira, com bate-boca intenso, reclamação de censura e acusações de “entrega” do partido ao PSDB, o diretório nacional do Cidadania aprovou a formação de uma federação. No entanto, a escolha da legenda para formalizar a união ficou para sábado. Há três opções: PSDB, Podemos e PDT.

A autorização para formar a união com base no novo mecanismo recebeu 66 votos a favor e 44 contrários. No início do encontro, a maioria dos integrantes derrubou o encaminhamento que havia sido proposto pelo presidente da legenda, Roberto Freire, e decidiu que a escolha do partido seria votada ainda na reunião.

O dirigente do Cidadania desejava que a opção fosse feita apenas em março. Ele argumentou que o prazo para formalização da federação foi ampliado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Vinicius Torres Freire: Petrópolis e a grande reforma social dos sem chão

Folha de S. Paulo

Mais do que tirar gente de área de risco, é preciso fazer uma grande e dura reforma urbana

A música "Barracão" faz 70 anos neste 2022. Talvez apenas os mais velhos se lembrem: cantava o "barracão pendurado no morro, pedindo socorro à cidade a teus pés", "barracão de zinco, pobretão, infeliz". Foi composta por um oficial do Exército e pracinha, Luiz Antônio, com Oldemar Magalhães.

O barracão não é mais de zinco. Nas favelas mais novas de São Paulo, é de madeira. Em geral é de alvenaria sem reboco, periclitante sobre fundação ruim ou nenhuma, muita vez à beira de um talude instável, de um córrego imundo ou de uma represa de água em tese potável. Mas há bairros "regularizados" de casas melhorzinhas à beira do precipício.

Há barraquinhas também. Muitos deserdados da vida decente moram agora em tendas de camping, vários nas ruas próximas à avenida Paulista, que é um limite de um conjunto de bairros muito ricos chamado de "Jardins". É o cortiço na calçada.

Maria Hermínia Tavares: Do nada para coisa alguma

Folha de S. Paulo

Ele deu de ir a Moscou sem plano nem propósito, numa hora crispada no Leste Europeu

Diferentes chefes de governo têm se envolvido com menos ou mais apetite na política externa de suas nações. Embora a responsabilidade final sempre caiba ao primeiro mandatário, a formulação de objetivos, bem como a sua efetivação, depende do capital político do chanceler de turno e da elite do corpo diplomático profissional.

Fala-se em diplomacia presidencial quando é marcante o papel do titular do Executivo na condução dos assuntos estrangeiros, respaldando a imagem nacional que se queira projetar, assim como as prioridades do país em suas relações com o mundo. Basta lembrar a força simbólica da ida do pragmático Richard Nixon à China, em 1971, inaugurando o degelo das relações dos Estados Unidos com o império do revolucionário Mao Tse-tung e mudando o mundo.

Na nossa história recente, Fernando Henrique e Lula desempenharam com maestria o papel de presidentes diplomatas, personificando —cada qual a seu modo— o Brasil democrático em busca de mais protagonismo internacional.

Bruno Boghossian: Uma viagem ao baixo clero

Folha de S. Paulo

Presidente exagera na propaganda e quase desaparece na agenda concreta

Após encontrar Vladimir Putin, o presidente Jair Bolsonaro descreveu Brasil e Rússia como "duas grandes potências". O capitão tentou transmitir a imagem de que aquela era uma conversa entre iguais, mas não convenceu muita gente. Na passagem da comitiva brasileira por Moscou, quem apareceu foi o político de baixo clero dos velhos tempos.

O Bolsonaro que visitou Putin exibiu sua própria falta de expressão. Ninguém se incomodou muito quando o presidente disse que os brasileiros eram "solidários à Rússia" –o que poderia indicar que o país apoiava o Kremlin nas tensões com a Ucrânia. Na mesa dos adultos da diplomacia, ele praticamente desapareceu.

O presidente preferiu investir na retórica e na propaganda, suas ferramentas políticas favoritas desde os tempos de deputado. Tentou pegar carona na piada que o associava ao recuo das tropas russas na fronteira e, para conseguir uma foto ao lado de Putin, se curvou silenciosamente às regras que costuma contestar com valentia no Brasil, como o confinamento e o uso de máscara.