O Globo / O Estado de S. Paulo
O ministro que assumirá a presidência do
Tribunal Superior Eleitoral, Edson Fachin, afirma que já há tentativa de
interferência russa no processo eleitoral brasileiro. De Moscou, o candidato à
reeleição, Jair Bolsonaro, se incomodou. Mas, quando ele se pôs no caminho para
a viagem, não faltou quem temesse justamente isto: que Bolsonaro tivesse, entre
as metas não ditas, encomendar ajuda dos hackers a serviço do Kremlin. O
histórico de interferência comprovada é imenso.
A primeira vez em que a Rússia de Vladimir Putin se intrometeu em campanhas eleitorais no Ocidente foi em 2014, no referendo escocês que, por 55% a 45%, definiu que o país seguiria como parte do Reino Unido. Os detalhes do que ocorreu não são conhecidos — há suspeitas de que houve financiamento de grupos políticos, assim como uma extensa campanha de desinformação on-line. O governo britânico reconhece oficialmente ter informação. Mas divulgou muito pouco.
Em 2020, um comitê do Parlamento britânico
publicou um relatório sobre as atividades russas em pleitos na ilha. Foi uma
desancada no governo do premiê Boris Johnson. É que também há comprovação de
que agentes de Putin operaram pesado no plebiscito de 2016 que decidiu em favor
do Brexit, a saída do Reino da União Europeia. O resultado foi ainda mais
apertado — 52% a 48%. Só que, diferentemente do que havia ocorrido no caso
escocês, o governo decidiu não investigar. O Partido Conservador, o relatório
sugere, teme descobrir que a desinformação bancada por interesses de um país
estrangeiro é o que deu ao grupo no poder sua vitória.
A Rússia interfere por inúmeros motivos,
todos têm a ver com seus próprios interesses. Não interessa ao governo Putin
ter uma democracia eslava na Ucrânia. Em grande parte, seu argumento para o
público interno é que democracias são regimes fracos, que mal se adéquam a
certas culturas — como a eslava. Nos últimos dez anos, o sistema bancário
ucraniano foi atacado, assim como sua infraestrutura energética e todas as
eleições. Há movimentos políticos pagos por Moscou, imprensa financiada pelo
Kremlin e até movimentos “independentistas” armados. Para não falar de
assassinatos. A Ucrânia tenta faz décadas estabilizar sua democracia. Faz isso
carregando um peso imenso de que não consegue se livrar.
Putin atua, também, na divisão para
enfraquecer seus adversários. A Escócia fora do Reino Unido lhe interessa. O
Reino Unido fora da União Europeia lhe interessa. Uma França em confusão
política lhe interessa. O fortalecimento de líderes com propensões
antidemocráticas. E, claro, entre Donald Trump e Hillary Clinton, com os EUA em
convulsão social contínua e um Partido Republicano cindido em dois, Putin não
tem dúvida do que prefere.
O Facebook admitiu, embora tenha demorado,
que houve pesada compra de publicidade pró-Trump, daquele tipo que radicaliza o
eleitor com fake news, paga em dinheiro russo. Além disso, hackers do governo
russo invadiram os servidores do Partido Democrata, roubaram e-mails internos e
vazaram, pelo Wikileaks, seu conteúdo para forjar um escândalo onde não havia.
Com a eleição americana e o plebiscito do Brexit, 2016 se mostrou o ano em que
a ciberguerra eleitoral russa mostrou suas garras.
Isso não quer dizer, evidentemente, que a
Rússia tenha o poder de determinar os resultados de qualquer pleito. Em sua estratégia,
isso é menos importante. Não são poucos os governos que identificaram e
denunciaram essas tentativas: França, Espanha, Bulgária, Itália, Holanda,
República Checa, Macedônia. A lista é grande.
Bolsonaro não precisa pedir a Putin que
interfira nas eleições brasileiras. Ter um presidente brasileiro que não se dá
com Washington já lhe interessa de saída.
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