Folha de S. Paulo
Propaganda de guerra ou início de pânico
estão na mídia do mundo rico e nos mercados
Jair
Bolsonaro não visitou Wall Street nesta quinta-feira.
"Coincidência ou não", os donos do dinheiro do mundo ficaram nervosos
com a guerra ou com o que o governo americano chama de "risco muito
alto" de "invasão iminente".
Como se sabe, com aquela sua tentativa de
esperteza de capiau com "limitações cognitivas", Bolsonaro dissera
que "coincidência ou não", parte das tropas russas deixara a
fronteira com a Ucrânia, retirada que de resto pode ser apenas mentira.
Faz uma semana, os preços dos ativos financeiros sobem e descem aos solavancos no centro do mundo rico (sim, digam aí que estão na montanha russa). A coisa não andava boa por outros motivos, principalmente porque se discute nos Estados Unidos qual vai ser a rapidez e o tamanho da paulada nas taxas de juros por lá, pois a inflação ainda sobe. Mas, nesta quinta, havia cheiro de queimado de guerra.
Houve tombos
feios nas Bolsas americanas e uma ligeira queda da taxa de juros da
dívida do governo americano (ou seja, o saldo do mercado foi de compra desses
títulos, gente procurando alguma segurança). O movimento de baixa bateu nos
mercados daqui também.
Há alguma prova de que o risco de guerra
aumentou? Há declarações do governo americano, de sua embaixada na ONU e no
discurso de Joe Biden. Não, não dá para acreditar no governo americano —menos
ainda em Vladimir Putin. Russos e ucranianos se acusam de terem bombardeado
Lugansk, no leste da Ucrânia (em guerra civil, com uma parte pró-russa). Russos
acusam a Ucrânia de genocídio de russos ucranianos e expulsaram o
vice-embaixador americano em Moscou.
Seja como for, o ambiente de início de
pânico ou pelo menos a torrente de propaganda nervosa se espalhava pela mídia
financeira anglo-saxã, como dizem os franceses, pelo jornalismo tradicional e
pelos mercados. Se não é verdade, é bem provável que a ameaça de guerra tenha
sido comprada por quem dá notícias e negocia dinheiro.
Como sempre, cabe a pergunta: e daí? Amanhã
pode ser outro dia, para começar. Além do mais, o Brasil tem tantos e
tamanhos problemas
domésticos, tanto dano auto-infligido, que uma desgraça adicional talvez
não faça diferença, ainda menos para a massa de brasileiros lascada e sem
socorro. Qualquer pessoa adulta, de bom senso e que leu jornais nos últimos
anos deve saber que não é bem assim
Se a gente não sabe nem da probabilidade
real de guerra, é ainda mais difícil imaginar quais seriam as sanções dos
Estados Unidos e, talvez, de seus aliados contra a Rússia. Assim, não saberemos
bem para onde vai o preço do petróleo ou qual o tamanho da "fuga do
risco" (de moedas como real), o que é o exemplo mais comezinho de impacto
de uma crise internacional sobre o Brasil (sobre a inflação). Mas o risco é
sério.
A depender do tamanho da guerra, se alguma
guerra houver, o impacto sobre a confiança
econômica pode ser grande, um solavanco de pelo menos alguns meses.
Como estamos com água pelo nariz em termos de PIB e inflação (ainda sem
controle), qualquer marola nos engasga.
Note-se que uma ruptura com a Rússia
deixaria a União Europeia sem boa parte de seu petróleo e gás, com impacto
maior sobre a Alemanha, que vem a ser a quarta economia do mundo. A Alemanha
não ficaria no escuro, claro, mas o preço de combustíveis fósseis subiria, a
não ser em caso de ajuda descarada da Arábia Saudita, que não deve entrar nesse
rolo.
Na crise de 2014 (anexação da Crimeia,
guerra civil no leste da Ucrânia, com intervenção russa), não aconteceu nada,
nem o menor remelexo nos mercados financeiros nervosinhos. Uma invasão russa
"oficial", provocaria uma reação do "Ocidente". "Desta
vez é diferente".
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