quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Vera Magalhães - O antipetismo que releva o risco de Bolsonaro

O Globo

Bastou Jair Bolsonaro e o bolsonarismo saírem fortalecidos das urnas para um monte de gente que se fez de indignada com os ataques do presidente à democracia e com sua condução negacionista da pandemia, de confronto com os estados e os protocolos sanitários, saísse do armário e passasse a declarar apoio a sua reeleição.

A forma espantosa, fleumática e convicta com que governadores, prefeitos, dirigentes de partidos do agora quase extinto centro político e até aqueles cuja reputação foi enxovalhada pelo gabinete do ódio correram para apoiar Bolsonaro mostra que o fenômeno político mais subestimado da campanha é o antipetismo.

Levantamentos de diversos institutos atestavam que a rejeição a Bolsonaro superava a de Lula. Alguns chegaram a perguntar explicitamente se as pessoas tinham mais medo da volta do petista ou da permanência do candidato do PL. Todas as medições apontavam para a ojeriza maior ao legado de Bolsonaro que aos períodos anteriores, do PT no poder.

Elio Gaspari - 2022 não é 2018 e pode ser 1974

O Globo

Quem viu o último grande evento da campanha de Lula, no dia 26 de setembro, podia achar que estava na cerimônia de entrega do Oscar, com um só vencedor, Luiz Inácio Lula da Silva. Sentia-se no ar uma opção preferencial pelas celebridades. O evento destinava-se mais a deificar Lula que a permitir uma coligação de vontades que derrotasse Bolsonaro.

Contados os votos, Lula prevaleceu, mas não conseguiu fechar a eleição no primeiro turno. Olhando para o mapa, vê-se que os candidatos apoiados por Bolsonaro ficaram na frente em todos os estados do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo. O mapa de 2022 guarda semelhanças com o do vendaval de 1974, quando o MDB elegeu todos os senadores do Rio Grande do Sul até a muralha da Bahia. (A semelhança é grosseira por parcial, porque desta vez as eleições no Rio Grande do Sul e em São Paulo decidem-se no segundo turno.)

Em 1974, o favoritismo dos candidatos da ditadura era tamanho que Ulysses Guimarães em São Paulo e Tancredo Neves em Minas Gerais preferiram ficar no conforto de sua cadeiras de deputado. Elegeram-se os pouco conhecidos prefeitos de Campinas e Juiz de Fora, Orestes Quércia e Itamar Franco.

Bernardo Mello Franco - A morte e a morte do PSDB

O Globo

Após guinada à direita, partido perde quadros, encolhe no Congresso e abraça o bolsonarismo em SP

No início da tarde de ontem, Tarcísio de Freitas desdenhou uma possível adesão dos tucanos em São Paulo. “Preguei mudança o tempo todo. Não faz sentido agora estar com eles no palanque”, disse. Três horas depois, Rodrigo Garcia foi bater continência a Jair Bolsonaro. Declarou apoio “incondicional” ao capitão e ao ex-ministro que o esnobou.

O PSDB reinava no Palácio dos Bandeirantes desde 1995. A derrota de Garcia e a queda do “Tucanistão” marcam o fim de uma era na política. Após encolher no plano nacional, o partido de Mário Covas, Franco Montoro e Fernando Henrique Cardoso perdeu sua última cidadela.

O declínio dos tucanos começou em 2014, quando Aécio Neves pôs as urnas em suspeição após perder para Dilma Rousseff. Depois disso, a sigla se associou a Eduardo Cunha e Michel Temer em busca de um atalho para voltar ao poder. O resultado é conhecido: Aécio se enrolou com a polícia, Geraldo Alckmin foi traído e os tucanos saíram da eleição de 2018 com menos de 5% dos votos.

Vinicius Torres Freire - Fora Lula, grande vitória da direita

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas e agregados avançaram na Câmara e no governo de estados maiores

Ao longo da estrada do primeiro turno, há umas cabeças espetadas em estacas. São deputados federais muito votados na onda bolsonarista de 2018, mas decapitados em 2022 depois de romperem com o líder. No final do caminho, está o país da extrema direita e da direita negocista, que acaba de anexar novas províncias de votos.

Lula da Silva (PT) teve uma vitória preliminar e parcial. Mas Lula não é um partido. Como disse no discurso do dia da prisão, em 2018: "Não sou mais um ser humano, sou uma ideia misturada com as ideias de vocês". Afora a "ideia" Lula, a vitória até agora foi das direitas e suas ideias.

Considere-se um bloco formado por PL, partido ora alugado por Jair Bolsonaro, PP, dos regentes do governo, Republicanos, partido maior da empresa evangélica, pelo União Brasil, fusão do DEM com restos do PSL, e pelo nanico reacionário Patriota.

Bruno Boghossian – A primeira jogada de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Com holofotes sobre PT, presidente quer evitar eleição como plebiscito sobre continuidade do governo

A campanha de Jair Bolsonaro conseguiu uma jogada importante nas 48 horas iniciais do segundo turno: fez com que uma potencial resistência à volta do PT ganhe mais espaço como fator de decisão de voto. O presidente vinha enfrentando uma eleição com ares de plebiscito sobre a continuidade do governo, mas agora tenta usar o recomeço da disputa para buscar um equilíbrio.

Dois fatos políticos de destaque nesta terça (4) contribuem para seu esforço. O governador mineiro Romeu Zema declarou apoio à reeleição do presidente com um discurso baseado na rejeição ao PT. Em São Paulo, Rodrigo Garcia se alinhou ao bolsonarismo numa decisão fincada no antipetismo histórico do estado.

Hélio Schwartsman – Eu acredito em pesquisas

Folha de S. Paulo

Pesquisas registram o que já aconteceu, mas as pessoas veem nelas ferramentas para adivinhar o futuro

Quem não saiu bem deste primeiro turno eleitoral foram os institutos de pesquisa. Que eles fossem atacados pelas hostes bolsonaristas já era mais ou menos esperado, mas, desta vez, até o insuspeito New York Times falou mal das pesquisas.

De fato, houve discrepâncias gritantes entre as pesquisas da véspera e os resultados, não apenas na votação de Bolsonaro como também nas disputas de vários governos estaduais e corridas pelo Senado. Diretores de institutos se defendem. Alegam, não sem razão, que o público usa mal as pesquisas. Elas não são um prognóstico eleitoral, mas um instantâneo de momento que retrata só a intenção de voto, e não o voto propriamente dito. Se o eleitor muda de ideia ou só se decide poucas horas antes de visitar a urna, esses não são movimentos que as sondagens consigam captar com eficiência.

Fernando Exman - O telegrama falado de Lula ao mercado

Valor Econômico

Necessidade de dizer que vai cumprir a lei é sinal de alerta

Em um aceno para dirimir resistências ao seu nome no mercado, Luiz Inácio Lula da Silva fez recentemente elogios públicos ao presidente do Banco Central. Não foi lá uma carta aos brasileiros, como o documento que lançou em 2002. Mas Lula aproveitou uma entrevista ao SBT para enviar, digamos assim, um “telegrama falado” ao mercado.

Roberto Campos Neto, disse, é uma pessoa razoável e um economista competente. E ainda acrescentou que um BC autônomo não lhe causa problema, uma vez que em seu governo a autoridade monetária teve muita independência.

Foi, possivelmente, o movimento mais ambicioso que Lula fez nessa direção nesta campanha. Inclusive porque essa opinião está longe de ser unanimidade no PT, onde ainda se vê forte objeção à lei que garantiu autonomia ao BC.

Mas a declaração tem potencial para interditar eventuais críticas do PT à autonomia do Banco Central. Além disso, ela foi dada em meio à pressão para que revele nomes de integrantes de uma eventual equipe econômica (em caso de vitória petista, claro).

Lu Aiko Otta - Lula e Bolsonaro de olho nos ricos

Valor Econômico

Para bancar o Auxílio Brasil de R$ 600 no ano que vem, taxação precisa ser aprovada no Congresso Nacional ainda em 2022

 “Não tem de ter vergonha de ser rico, tem de ter vergonha de não pagar imposto.”

Essa frase foi dita por: a) Guilherme Mello, assessor econômico da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT); b) Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PL).

Pois é. Paulo Guedes vem repetindo essa fala em suas aparições públicas, em favor da proposta de taxar, com o Imposto de Renda (IR), a distribuição de dividendos.

Essa mesma ideia é defendida no programa do PT, que quer a tributação dos mais ricos, seja na cobrança sobre dividendos, seja na criação de uma tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) com mais alíquotas, ou ainda numa taxação mais forte sobre heranças.

No plano bolsonarista, o IR sobre dividendos serviria para financiar o acréscimo de R$ 200 no Auxílio Brasil em 2023, pois o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) em análise no Congresso prevê benefícios de R$ 400, e não os R$ 600 prometidos por Bolsonaro.

Tiago Cavalcanti* - Em busca de um Brasil melhor

Valor Econômico

Dados do Banco Mundial mostram que o Brasil ocupa a décima quarta posição entre os de pior nível de desigualdade

A taxa de crescimento do produto per capita brasileiro foi basicamente zero entre 2011-2020.

Em relação à economia dos Estados Unidos, após alguns anos de maior crescimento, nosso PIB per capita caiu cerca de 7 pontos percentuais no mesmo período. Como vários países emergentes cresceram mais do que os EUA, perdemos posição relativa no mundo.

Parte importante dessa queda é explicada pela estagnação de nossa produtividade, que apresentou redução ainda mais acentuada em relação à produtividade total dos fatores (PTF) da economia americana. Sofremos uma diminuição de 12 pontos percentuais entre 2011-2020 e uma tendência praticamente negativa desde 2000, apenas com uma leve subida entre 2004-2008.

O atual cenário da economia aponta para um baixo potencial de desenvolvimento de longo prazo. Fato preocupante, dado o alto percentual de famílias na pobreza e a quantidade crescente de pessoas morando nas ruas.

Além de uma renda per capita estagnada e baixa produtividade, o Brasil é um país sobremaneira desigual.

Em um conjunto de 158 países, de acordo com dados do Banco Mundial, o Brasil ocupa a décima quarta posição de pior nível de desigualdade. A maioria daqueles com maior desigualdade que o Brasil são países africanos com baixo nível de desenvolvimento.

Luiz Carlos Azedo - Segundo turno entre Lula e Bolsonaro não é nova eleição

Correio Braziliense

Lula perdeu posições e Bolsonaro avançou. Mais do que frustrar a expectativa de vitória, o resultado de domingo embalou a campanha do segundo colocado e gerou perplexidade na do primeiro

É um lugar comum nas campanhas eleitorais, principalmente de parte de quem está perdendo, a tese de que o segundo turno é uma nova eleição. Há controvérsias. As forças em movimento são as mesmas, porém, os dois primeiros colocados operam forte atração sobre as demais, por expectativa de poder, motivação ideológica e/ou emocional. Isso provoca o realinhamento eleitoral, cuja resultante será a formação de uma maioria de votos válidos, que garante a consagração inequívoca do presidente eleito.

A eventual mudança de posição entre os dois candidatos é resultado da inércia da primeira votação e da eventualidade de o líder não se dar conta de que a sua estratégia está sendo superada pelo segundo colocado. Estamos falando do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL), obviamente. O que ocorreu na reta final do primeiro turno, por isso, gera uma força de inércia que pode resultar numa troca de posições.

Vera Rosa - O ‘fator’ Michelle no Nordeste

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro quer primeira-dama em ‘tour’ evangélico e Lula vai lançar carta a cristãos

A guerra santa subiu de novo no palanque. Após vincular Luiz Inácio Lula da Silva a um “pacto com Satanás”, a campanha de Jair Bolsonaro (PL) quer levar a primeira-dama Michelle ao Nordeste, região em que o presidente perde feio para o candidato do PT. Evangélica, Michelle é considerada um “fenômeno” pelo comitê bolsonarista.

A avaliação é de que ela foi a responsável pela vitória da ex-ministra Damares Alves na disputa por uma cadeira no Senado. A corrida no Distrito Federal dividiu o casal Bolsonaro: enquanto o chefe do Executivo ficou ao lado da ex-ministra Flávia Arruda, Michelle saiu às ruas por Damares, definida como “a verdadeira representante dos conservadores”. Flávia era a favorita, mas foi desbancada.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

As limitações dos institutos de pesquisa

O Globo

Críticas são essenciais para que eles se aperfeiçoem. Infelizmente não é o caso dos ataques que têm recebido

A divergência entre as pesquisas eleitorais divulgadas na véspera da eleição e o resultado das urnas despertou uma controvérsia tão previsível quanto o movimento dos astros ou as marés. Os institutos foram acusados de subestimar os eleitores de Jair Bolsonaro e de superestimar os de Luiz Inácio Lula da Silva. Na eleição para governador, uma análise levantou diferenças entre as principais pesquisas e a apuração que superaram a “margem de erro” em 26 estados. A celeuma reacendeu o debate sobre uma proposta legislativa estabelecendo um “índice de acerto” com base no resultado das urnas — e até chegou à Polícia Federal.

Críticas são necessárias para os institutos aperfeiçoarem sua metodologia e aprimorarem a informação fornecida ao eleitor. Mas é preciso que sejam embasadas. Infelizmente, não tem sido o caso do bombardeio que eles têm sofrido, muito menos da ideia descabida de avaliá-los aventada no Congresso.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Merval Pereira - ‘O Brazil não conhece o Brasil’

O Globo

Esquerda brasileira não entendeu que a sociedade mudou, especialmente no interior e nas periferias dos grandes centros

A música premonitória de Aldir Blanc e Maurício Tapajós “Querelas do Brasil” reflete o resultado das urnas do primeiro turno. Sempre achei que a eleição iria para o segundo turno e considerava isso bom, porque obrigaria o PT a fazer acordos, dentro da perspectiva de que Lula ganharia facilmente e iria para o segundo turno forte. Agora, a situação mudou completamente. Lula precisa de apoio, a diferença de cinco pontos percentuais é uma vitória com gosto de derrota, porque todo mundo esperava pelo menos o dobro, se ele não ganhasse no primeiro.

Um fato curioso, e preocupante, é que os dois líderes no segundo turno independem dos partidos. Lula é maior do que o PT e, se fosse outro candidato, provavelmente Bolsonaro ganharia de novo. Bolsonaro não acredita em partido. Em 2018, estava no PSL e levou o partido nanico a ser o maior da Câmara. Está no PL agora, e o partido mais uma vez elegeu a maior bancada. É uma eleição diferente de todas as anteriores, que de uma forma geral repete a de 2018.

Míriam Leitão - O que está em jogo no 2º turno

O Globo

Os seis milhões de votos a mais que Lula teve na votação de primeiro turno mantêm o seu favoritismo, mas não lhe garantem a vitória

Se Lula for eleito nesta disputa de segundo turno terá que montar um governo mais para o centro, até para garantir a governabilidade. A direita se fortaleceu no parlamento, ele, portanto, terá que fazer isso. O cenário de Jair Bolsonaro reeleito é o de um governo que terá mais força no Congresso para dobrar a aposta autoritária. Todos os autocratas esperaram o segundo mandato para realizar o seu verdadeiro projeto de solapar as bases da democracia e instalar o continuísmo com alguns dos ritos de um regime constitucional. Mas quem está mais perto de vencer?

O favorito ainda é Lula. Ele está na frente e é normal que logo no início da campanha as forças se reorganizem, e sempre o mais votado abre vantagem. Na de 2018, Bolsonaro terminou o primeiro turno com 46% dos votos válidos e logo na primeira pesquisa do segundo turno ele pulou para 58%.

— Normalmente a primeira pesquisa é fulminante, não sei se as pesquisas vão repetir esse padrão, até porque elas estão sob críticas agora — diz o cientista político Jairo Nicolau.

Carlos Andreazza - O maior vencedor do primeiro turno

O Globo

Foi reeleita a engenharia de rapto do Orçamento da União por meio do orçamento secreto. Foi reeleito o orçamento secreto – o maior vencedor do primeiro turno, instrumento do qual outras vitórias são tributárias. Não terá sido somente Bolsonaro o grande eleitor.

Reeleito o orçamento secreto, reelegeu-se o pior Parlamento da história. O pior e o mais rico, donde o mais independente.

De contrato assinado com a tinta do orçamento secreto, a sociedade de Bolsonaro com o consórcio parlamentar Lira/Nogueira triunfou. O presidente da Câmara encaminhou bem a sua reeleição ao comando da Casa.

Senado incluído, o Brasil terá um Parlamento eleito pelo tripé bolsonarismo, antilulopetismo e orçamento secreto. Será um Congresso de caráter sectário, com natureza fundamentalista, e de motor autoritário na distribuição orçamentária. Essa é, aliás, a conjunção que impulsiona a competitividade de Bolsonaro.

Reeleito o pior Parlamento da história; reeleito sobretudo pelo esquema do orçamento secreto; reeleita a estrutura que dá nova altitude a Bolsonaro.

Andrea Jubé - Precisamos falar sobre Valdemar

Valor Econômico

Articulação do PL com Bolsonaro remonta a 2018

Fundado em 1985, em meio ao processo de abertura lenta e gradual, para abrigar quadros do PDS e do PTB, o Partido Liberal (PL) - a nona legenda do presidente Jair Bolsonaro - emergiu das urnas com números espantosos, que lhe garantiram as maiores bancadas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O partido ainda reelegeu em primeiro turno o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, na base eleitoral da família Bolsonaro

Sob a presidência do ex-deputado Valdemar Costa, o PL conseguiu eleger 98 deputados federais e oito senadores, sendo três ex-auxiliares presidenciais: os ex-ministros Marcos Pontes (SP), e Rogério Marinho (RN), e o ex-secretário da Pesca Jorge Seif (SC). Somados aos outros seis que estão no exercício do mandato, o PL terá uma bancada de 14 senadores, a maior da Casa. Poderá concorrer à presidência do Senado, ameaçando a zona de conforto do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que já pavimentou o caminho para a reeleição em fevereiro.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Peripécias do dólar e angústias nacionais

Valor Econômico

Os governos estão intervindo para resistir à depreciação de suas moedas. Já assistimos a esse filme

A The Economist anuncia: “O dólar está esmagando todos os parceiros. O greenback subiu 5,5% desde meados de agosto, em parte porque o Fed está elevando as taxas, mas também porque os investidores estão se afastando do risco... Os governos estão intervindo para resistir à depreciação de suas moedas”.

Já assistimos a esse filme. Vamos começar tropeçando com a crise da dívida do Terceiro Mundo em 1982 - aquela que o sábio Walter Wriston, então presidente do Citi, garantia que não podia acontecer. Esse tropeção foi desferido pela elevação dos juros, decidida por Paul Volcker em 1979. O FMI e o governo Reagan salvaram os credores de maior porte. Deixaram a quebradeira para a periferia imprudente. O Brasil puxou a fila.

Hélio Schwartsman - 2º turno não é outra eleição: Lula ainda é favorito

Folha de S. Paulo

Segundos turnos são continuação, apesar de Bolsonaro ter superado o que diziam as pesquisas

Segundo turno é outra eleição. Embora a afirmação seja frequente, ela não é exata. Segundos turnos são sempre uma continuação do primeiro, e, apesar de Bolsonaro ter se saído muito melhor do que sugeriam os principais institutos de pesquisa, Lula ainda é o favorito.

O ex-presidente não foi mal. Com 48,43% dos votos válidos, ele ficou a apenas 1,57 ponto percentual mais um sufrágio de liquidar a fatura no domingo. Das eleições presidenciais brasileiras que foram a segundo turno, só em uma delas o desempenho do primeiro colocado na fase inicial foi melhor —e ainda assim milimetricamente. Em 2006, o próprio Lula encerrou o primeiro escrutínio com 48,61% dos votos válidos.

Cristina Serra - O Brasil sob a névoa da guerra

Folha de S. Paulo

A união das forças democráticas em torno de Lula é, agora, imperativo de sobrevivência para o país

No cenário de águas turvas que as pesquisas de opinião não conseguiram captar completamente, o eleitor deu seu recado, e o retrato do Brasil que sai das urnas neste primeiro turno não é bonito.

É verdade que Lula mantém capacidade extraordinária de liderança, a despeito do imenso investimento das forças de direita e de extrema direita para desconstruir sua trajetória desde a Lava Jato. Mas o patamar de votos de Bolsonaro zera completamente o jogo. Na guerra, é uma oportunidade de ouro.

Alvaro Costa e Silva - Eleitores de Bolsonaro aprovam a destruição do país

Folha de S. Paulo

Se não houvesse a pandemia e Lula não existisse, o capitão estaria melhor na foto

Como no fantástico miniconto do escritor guatemalteco Augusto Monterroso —"Quando acordou o dinossauro ainda estava lá"—, Bolsonaro continua vivo. Depois de quatro anos no poder, quase metade dos eleitores decidiu que a destruição do país que ele promoveu e promete promover mais deve prosseguir. Faltou fazer certas coisas.

Se (de acordo com as pesquisas) Lula passou a campanha inteira do primeiro turno como o adversário a ser alcançado, no segundo Bolsonaro é o candidato a ser batido —e não será fácil. O voto útil trabalhado pela campanha lulista veio de forma inversa: eleitores de Tebet e sobretudo de Ciro, a terceira via inexistente, migraram para o lado do capitão. O antipetismo, embora menor do que em 2018, ainda desequilibra —ou, no caso, equilibrou as duas maiores preferências.

Joel Pinheiro da Fonseca - Um Congresso mais Bolsonarista

Folha de S. Paulo

Petista enfrentando resistência representa menos risco que presidente com aliados

O grande vencedor das eleições de 2022 para o Legislativo foi o bolsonarismo. Junto dele, o centrão fisiológico (e conservador) também cresceu, irrigado pelo orçamento secreto. O campo da esquerda como um todo teve uma diminuição, mas dentro dele o polo lulista ganhou poder, enquanto alternativas de centro-esquerda (PSB, PDT) perderam espaço.

O maior perdedor foi a centro-direita moderada, focada em tornar o Brasil um país mais seguro, mais eficiente e melhor para se investir, sem bajular Bolsonaro nem aderir a histeria ideológica. PSDB perdeu cadeiras e perdeu São Paulo. Pior ainda foi o desempenho do partido Novo; uma pena, porque é um partido de pessoas honestas, transparentes e que sempre colocaram o debate de propostas em primeiro lugar.

Eliane Cantanhêde - Um oceano de problemas

O Estado de S. Paulo.

A conclusão é que, se Lula é maior do que o PT, o bolsonarismo é maior do que próprio Bolsonaro

A principal conclusão destas eleições tão conturbadas é que, se Lula é maior do que o PT, o bolsonarismo é maior do que próprio Bolsonaro, está enraizado em todo o País e veio ficar, para o bem ou, mais evidentemente, para o mal. Lula e o PT remetem ao passado, Bolsonaro e o bolsonarismo evocam o futuro. E não é um futuro cor-de-rosa.

Quem, em sã consciência, poderia imaginar que o obtuso general Pazuello seria o segundo mais votado no Rio, Ricardo Salles teria o dobro de votos de Marina Silva, um garoto de 26 anos de Minas seria o campeão de votos do País por ser ardoroso defensor de teses retrógradas?

Tudo isso foi possível pela força de Bolsonaro e do bolsonarismo, que deram ao PL a maior bancada da Câmara desde 1998, com 99 deputados, e empurraram para o Senado 15 aliadosraiz, incluindo seis ex-ministros/secretários e o vice Hamilton Mourão. Sem esquecer que a correlação de forças com os governadores também muda.

Vera Rosa - Lula quer governo com menos PT, mais centro e guinada na economia

O Estado de S. Paulo

Ideia é promover mudanças negociadas com governadores, principalmente em relação à reforma tributária

A constatação de que o bolsonarismo se fortaleceu nas eleições fará a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se aproximar mais de partidos fora do campo de esquerda no segundo turno. A ideia é mostrar que, se vencer a disputa contra o presidente Jair Bolsonaro (PL), Lula vai recrutar nomes de centro para governar, mesmo que tenha de sacrificar o PT na composição da equipe.

A senadora Simone Tebet (MDB), que ficou em terceiro lugar na eleição, vai apoiar o ex-presidente e é cotada para ocupar um ministério em um eventual governo Lula. Outro nome citado é o do empresário Walfrido dos Mares Guia. Fundador do grupo Pitágoras, Mares Guia foi ministro do Turismo e das Relações Institucionais sob Lula, vice-governador de Minas (1995 a 1999) e deputado federal.

O candidato do PT se reuniu nesta segunda-feira, 3, com a coordenação de sua campanha para traçar as estratégias do segundo turno. “Agora a escolha não é ideológica. Agora, vamos conversar com todas as forças políticas que têm voto e representatividade para somar”, disse Lula. “Precisamos conversar com aqueles que parecem que não gostam da gente e do nosso partido.”

Paulo Hartung* - A oportunidade do segundo turno

O Estado de S. Paulo

Que finalmente entre em debate o Brasil real, um país com potencial ímpar, mas que precisa redesenhar seus caminhos com urgência.

Encerrado o primeiro turno das eleições, celebrando a democracia e consolidando o uso das urnas eletrônicas como um diferencial de segurança e transparência do processo eleitoral, o País já está pautado pela votação final deste pleito. Abre-se, com isso, uma oportunidade que foi tristemente desperdiçada até agora: a efetivação de um debate sobre o Brasil real, com suas urgências, suas oportunidades, enfim, sua realidade tão complexa quanto promissora.

O processo político relativo ao primeiro turno esteve destituído de uma discussão comprometida com as verdadeiras questões nacionais. À moda da lacração e das narrativas pontilhistas das redes sociais, o que mais se viu, em todos os quadrantes, foram proposições elaboradas ao sabor da hora. As falas não compuseram um texto aderente ao Brasil de hoje.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro ampliou mais ao centro do que Lula

Correio Braziliense

Formar uma frente ampla é muito mais complicado do que articular uma frente de esquerda, a partir de uma agenda nacional-desenvolvimentista. Significa aceitar a centralidade da agenda política liberal

Tanto as eleições para governador no Sudeste, principalmente em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas, como as eleições para o Senado, igualmente majoritárias, mostram que a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região foi menor do que se estimava e que a política de alianças do presidente Jair Bolsonaro nesses estados foi mais soft do que se imaginava. Ambos serviram como alavanca para as eleições dos candidatos proporcionais de seus respectivos partidos, mas o PL passou de 76 para 99 deputados, enquanto o PT saltou de 56 para 68 representantes na Câmara, embora Lula tenha tido mais de seis milhões de votos de vantagem em relação a Bolsonaro.

Cidadania deve ser o primeiro partido a anunciar apoio a Lula

Roberto Freire anuncia que será favorável a que o partido declare apoio ao ex-presidente

Por Vandson Lima / Valor Econômico

Cidadania deve se tornar nesta terça-feira um dos primeiros partidos concorrentes a anunciar apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno da eleição presidencial.

Junto com MDB, PSDB e Podemos, o Cidadania fez parte da aliança que lançou Simone Tebet (MDB) à disputa pelo Palácio do Planalto. Nesta segunda-feira, o presidente do Cidadania, Roberto Freire, afirmou que na reunião da Executiva Nacional, que ocorre nesta terça-feira, defenderá que o partido feche apoio ao candidato do PT.

Freire também tem defendido que os aliados, que se autodenominaram “centro democrático” na eleição, sigam uma posição conjunta em favor de Lula e contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao Valor, Freire disse que a adesão à candidatura petista não quer dizer aliança para governar. “Posição é posição, mesmo que para depois não ser base no Congresso”, disse.

A posição do Cidadania deve coincidir com a de Tebet, que anunciará apoio a Lula até quarta-feira, mas diverge dos outros partidos aliados da chapa. No PSDB, a tendência é liberar para que cada um apoie quem quiser. Isso porque o PSDB terá quatro nomes concorrendo a governos estaduais no segundo turno — Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Como as realidades locais são diversas, o partido teria dificuldade em ter posição única.

Entrevista | Sérgio Abranches - Lula e Bolsonaro no 2º turno é mistura perigosíssima de ressentimentos e repulsa

Por Marli Olmos / Valor Econômico

O resultado final, segundo Abranches, está indefinido porque ambos os candidatos atraem “sentimentos” de seu eleitorado, numa polarização baseada em “emoções ressentidas, por repulsa, não por oposição”. Apesar de o revanchismo ter tomado conta da campanha para o primeiro turno, o analista prevê, no entanto, que principalmente Lula terá, nessa nova fase, que mostrar ao eleitor quem vai compor sua equipe econômica se eleito. Porque essa é uma informação importante para a classe média, de onde, segundo prevê, virão os votos que definirão o vencedor.

Especialista em meio ambiente, Abranches prevê que eventual governo de Bolsonaro será um “desastre total” nessa área. “Vai ser o império do garimpo ilegal legalizado, invasão de terras e da desproteção absoluta das unidades de conservação e das terras indígenas”, diz.

Em relação à formação das bases parlamentares, o analista percebe um Congresso “dominado por partidos de oligarquias, ligados a determinados grupos de interesse, sem enraizamento na sociedade”. Por outro lado, bancadas mais concentradas facilitarão acordos seja qual dos dois o vencedor. 

Leia, abaixo, a entrevista que Abranches concedeu hoje ao Valor:

Alberto Aggio* - Ainda falta a travessia

Horizontes Democrático

O resultado das eleições presidenciais de 02 outubro de 2022 surpreendeu pela vitória exígua de Lula (48%) sobre Bolsonaro (43%), quando todas as pesquisas oficiais apontavam uma diferença muito maior e algumas até mesmo a vitória de Lula no primeiro turno. A disputa agora vai se estender até o próximo dia 30, quando será realizado o segundo turno. O desejo de ultrapassar um governo que se apresentou como uma ameaça na trajetória da democratização que a sociedade vinha estabelecendo por mais de 30 anos foi adiado e agora não se sabe se, de fato, será concretizado.

Lula chegou em primeiro lugar porque não permitiu que sua campanha eleitoral se esquerdizasse e porque conseguiu alguma agregação de apoio de personalidades da sociedade civil, do mundo da cultura, empresarial e sindical. Atraindo Geraldo Alckmin para ser seu vice, Lula iniciou um movimento de enfraquecimento orgânico de um tradicional adversário, o PSDB, já cambaleante por problemas e divisões internas. Foi um tiro certeiro, comprovado pelo resultado. Mas isso não tem nada a ver com a ideia de “frente ampla” contra o fascismo, como se alardeou a cada apoio que a candidatura Lula recebia. Com Bolsonaro radicalizando suas posições e ameaçando as eleições e seus resultados diuturnamente, o que ocorreu foi que Lula manteve-se como um polo de atração a partir de sua expectativa de poder, que se manteve firme nas pesquisas. Mas isso foi insuficiente para consumar sua vitória.

Ivan Alves Filho* - Como entender o momento atual?

O Campo Democrático está diante de alguns desafios tremendos. Primeiro, ele precisa reconhecer que a crise institucional brasileira avançou muito. A redemocratização nos frustrou. O Governo FHC nos legou uma reeleição catastrófica: ontem, assistimos à recondução, em primeiro turno, de nada mais nada menos do que 14 governadores ao poder. Foi um grande desserviço prestado à Democracia pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, que legislou em causa própria inclusive. Sem contar o boicote sistemático promovido pelo Partido dos Trabalhadores e o lulismo contra as instituições: sabotagem do Colégio Eleitoral em 1984, desprezo pela Constituição de 1988, práticas nefastas como aquelas encarnadas no mensalão e na corrupção desenfreada. Reverter isso agora, nas três semanas que nos separam das eleições no segundo turno, é uma tarefa complicada.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

A onda reacionária

O Estado de S. Paulo

O relativo sucesso do bolsonarismo nas urnas nada tem de conservador, é só reacionário. Esquerda e direita republicanas têm o desafio de articular antídotos com mais democracia

A reação ao risco da volta do lulopetismo ao poder brotou forte das urnas na eleição de domingo passado. Mas não nas formas sadias do liberalismo e do conservadorismo, e sim na sua deformação: o reacionarismo. Conservadores e liberais buscam conservar liberdades fundamentais e valores universais, materializando-os progressivamente com base na estabilidade das instituições e reformas articuladas e pactuadas na arena política. O revolucionarismo progressista se opõe a esses princípios. Mas o reacionarismo também: em nome de um passado idealizado, busca autoritariamente girar a roda da História para trás, arruinando as instituições democráticas.

A democracia só é funcional quando esquerda e direita, no debate mais livre possível, encontram algum ponto em comum ao negociar políticas públicas, vencendo impasses em nome do atendimento ao conjunto da sociedade. Mas o reacionarismo opera não na dialética entre a disputa e o consenso, e sim na lógica da aniquilação. Para os extremistas à direita, assim como os à esquerda, o campo adversário é visto não como um agrupamento político que busca realizar acordos constitucionais com métodos diferentes, mas como um inimigo a ser abatido. Por isso, o bolsonarismo reacionário tem especial predileção por desqualificados – quem se notabiliza por seu total despreparo para a vida pública, como é o caso dos ex-ministros Eduardo Pazuello e Ricardo Salles, ganha lugar de destaque no palanque bolsonarista.

Poesia | Ferreira Gullar - A casa / Ao nível do fogo

 

Música | Caetano Veloso - Desde que o samba é samba

 

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Marcus André Melo* - A polarização e as eleições

Folha de S. Paulo

Como a polarização afetou as eleições presidenciais e legislativas?

Frustrou-se a expectativa de que a proibição de coligações nas eleições proporcionais melhoraria a representação política. Como já mostrei aqui, a polarização afetiva vertebra a política no país.

Ela impactou não só a forma da disputa eleitoral —o tom belicoso e adversarial— como seu conteúdo, que se esvaziou programaticamente. Não houve discussão de políticas públicas pelos seus protagonistas; ela só apareceu através de outros candidatos.

Avelino, Russo e Pimentel mostraram nesta Folha como as divergências de políticas entre eleitores de Lula e Bolsonaro limitavam-se a um pequeno número de temas. A polarização é fundamentalmente afetiva, em um padrão comum a outros países. Ela se expressa na rejeição ao rival, para além de qualquer conteúdo programático.

Celso Rocha de Barros - Democracia ainda não perdeu

Folha de S. Paulo

Lula ainda tem boas chances de vencer, mas terá que se deslocar ainda mais para o centro

O resultado do primeiro turno mostrou que, embora Bolsonaro tenha um alto nível de rejeição, não houve um grande deslocamento ideológico desde a última eleição presidencial: a direita, e mesmo a direita radical, continuam muito fortes.

Lula ainda tem boas chances de vencer, mas terá que se deslocar ainda mais para o centro enquanto preserva seus eleitores pobres.

Agora a eleição vai se decidir por pequenas transferências de votos, e a importância das alianças casadas nos pleitos estaduais e na eleição para presidente será grande.

PT deve apoiar Eduardo Leite no Rio Grande do Sul em troca do apoio de Rodrigo Garcia em São Paulo, por exemplo. Os votos de Simone Tebet tornaram-se desproporcionalmente importantes.

Não vai ser um mês tranquilo. O Brasil tem grandes chances de ser pior nos próximos quatro anos porque haverá segundo turno agora. Há alguma chance de Lula fazer concessões programáticas aos economistas do centro democrático, ou às ideias de Ciro, mas me permitam mostrar o tipo de disputa que pode ser mais decisiva: governadores eleitos pelo Brasil afora leiloarão seu apoio ao candidato que prometer gastar mais dinheiro com eles.