sábado, 29 de julho de 2023

João Gabriel de Lima* - Um crime que envergonha o Brasil

O Estado de S. Paulo

Além do assassinato de Marielle em si, a falta de solução para o crime enlameia a reputação do País

No prédio de número 64 na rua Gitschiner, em Berlim, há um mural para homenagear a vereadora brasileira Marielle Franco e lembrar seu assassinato em março de 2018. De lá, caminha-se 20 minutos pelo bairro boêmio de Kreuzberg e se chega à Marielle-Franco-Platz. Há espaços públicos com o nome de Marielle em Paris, Florença, Amsterdam e Buenos Aires. Em Lisboa, onde moro, há um mural em homenagem a Marielle no Monsanto, o maior parque da cidade.

A repercussão internacional do assassinato de Marielle foi um dos pretextos jurídicos para que a investigação saísse do Rio de Janeiro e passasse à alçada federal, no início deste ano. Nesta semana, em delação premiada, o ex-policial Élcio de Queiroz confirmou que o crime havia sido planejado, acusou o miliciano Ronnie Lessa de ser o executor e revelou detalhes fundamentais para que a Polícia Federal chegue ao mandante.

Bolívar Lamounier* - Onde começa o começo?

O Estado de S. Paulo

A tríade latifúndio, escravidão e monocultura de exportação e a gosma cultural da contrarreforma nos legaram um zero à esquerda em termos de tecnologia

David Fromkin, um dos principais historiadores contemporâneos, professor da Universidade de Boston, certa vez concebeu uma anedota ao mesmo tempo deliciosa e cientificamente importante.

Ao começar seu curso semestral, fez a seus 50 alunos uma proposta deveras inusitada. Distribuiu-lhes pequenos envelopes identificados pelos respectivos nomes, cada um contendo meia folha de caderno. Cada aluno deveria responder em um parágrafo – não mais que um parágrafo – qual foi ou quais foram as causas da Primeira Guerra Mundial. Finda a operação, que foi breve, o professor começou a abrir os envelopes e ler as respostas para a turma. A primeira, por coincidência, foi o lugar-comum mais conhecido: “Um estudante sérvio matou a tiros o Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro presuntivo do trono austro-húngaro”.

Nos outros 49 envelopes, os estudantes deram rédea solta à imaginação. O segundo apontou uma causa distante no passado: o fato de Júlio César, violando as leis de Roma, ter cruzado o Rubicão e entrado na cidade com seu exército.

Rica e divertida, a experiência certamente mostrou aos jovens que determinar com exatidão onde um processo histórico começa, e por que começa, não é uma matéria tão simples como possa parecer. Essa história veio-me à mente outro dia, no programa apresentado por William Waack na TV CNN, quando tive o privilégio de participar de uma troca de ideias com o ex-deputado Roberto Brant, que ocupou uma cadeira na Câmara durante cinco mandatos consecutivos, e o jovem cientista político Carlos Melo, professor do Insper. O mote sugerido por William Waack foi “por que o Brasil não sai do lugar”. Por que nosso sistema político está há décadas afundado neste paradeiro, incapaz de aprimorar sua organização institucional e menos capaz ainda de levar à prática nossos ideais de crescimento econômico e bem-estar social.

Pocchmann no IBGE é escolha pessoal de Lula, que se irritou com críticas

Catia Seabra e Julia Chaib / Folha de S. Paulo

Auxiliares atribuem ao entorno de Tebet restrições à indicação do economista do PT Marcio Pochmann

BRASÍLIA - O presidente Lula (PT) tem manifestado contrariedade com as críticas à sua escolha para a presidência do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo interlocutores, o petista está particularmente incomodado com as suspeitas de manipulação de dados levantadas contra o economista Marcio Pochmann, por quem tem apreço pessoal.

Nas palavras de aliados, Lula classifica como uma descortesia supor que, na presidência do IBGE, Pochmann venha a adulterar dados.

Ainda de acordo com esses colaboradores, foi após consultar o presidente que o ministro Paulo Pimenta, da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), confirmou o nome do economista na noite da última quarta-feira (26), à saída do Palácio do Alvorada.

A intenção ali foi colocar um ponto final na controvérsia, "estancar a sangria", evitando que Pochmann seja exposto a ataques até 15 de agosto, quando deverá assumir a função.

Para outra ala de integrantes do Palácio do Planalto, porém, Pimenta foi voluntarioso. Em reunião do Palácio da Alvorada, o ministro questionou Lula sobre as especulações a respeito de Pochmann. Ouviu do presidente que a decisão estava tomada.

O ministro teria interpretado essa resposta como uma orientação para que a tornasse pública. Mas, na avaliação de seus pares, Pimenta se antecipou e, ao divulgar a decisão sem antes conversar com Tebet, constrangeu a ministra. Na noite desta quinta-feira (27), Pimenta telefonou para ela na tentativa de dissipar esse mal-estar.

Dora Kramer - Um equilibrista no Planalto

Folha de S. Paulo

Lula busca compensar aliança com centrão com acenos nem sempre sensatos à esquerda

Os preparativos para a entrada oficial do centrão no governo exibem movimentos interessantes. A negativa do presidente Luiz Inácio da Silva, por exemplo, sobre a inexistência do bloco. "O centrão não existe", pontificou.

Ora, não apenas existe como detém a maioria dos votos no Congresso, matéria-prima de interesse do Planalto. Trata-se, no entanto, de uma aquisição que demanda compensações à esquerda pela perda de um antagonista de estimação.

Na falta dele, há sempre à disposição Jair Bolsonaro para trocas de insultos (a mais recente acerca de jumentos) com Lula ou um Roberto Campos Neto a quem se pode chamar de "capacho" e "lacaio" do capital sem maiores consequências.

Carlos Alberto Sardenberg - Estragar o IBGE, não vai. Mas pegou mal

O Globo

A ideia foi colocar um companheiro numa boa posição, mesmo ele não tendo o currículo e a expertise para o cargo

Numa boa: se era para colocar o economista Marcio Pochmann no governo, a presidência do IBGE foi uma saída de pouco dano. Lá, o potencial de estragos é menor, quase nada.

Com todo o respeito que o IBGE merece, o fato é que lá não se formula nem se pratica política econômica. Trata-se de um órgão que pesquisa e elabora dados. Mede e calcula população, inflação, emprego, desemprego e renda, o Produto Interno Bruto, contas nacionais.

Mais: o IBGE tem tradição e estruturas consolidadas, além de um corpo técnico profissional e gabaritado.

Algumas pessoas levantaram hipóteses de manipulação dos dados, de modo a criar uma imagem mais favorável do país, beneficiando a propaganda do governo.

Eduardo Affonso - Provocação nada homeopática

O Globo

‘Que bobagem!’ não é uma bobagem. É bem fundamentado. Mas opta por matar a vaca para acabar com o carrapato

Uma das fórmulas mais elementares do humor é a “regra de três”: estabeleça, reforce, subverta. Em outras palavras, crie uma expectativa e a quebre. Algo como dizer que há coisas que não se devem engolir de jeito nenhum, tipo bala Soft, caroço de jabuticaba e Marcio Pochmann no IBGE.

Da mesma forma, existem receitas infalíveis para causar polêmica. Misture galhos com bagulhos, junte uma pitada de argumento de autoridade e polvilhe provocação a gosto. Se for uma obra, dê-lhe um título lacrador — como “Que bobagem!”, o recém-lançado livro de Natalia Pasternak e Carlos Orsi, que trata de “pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”.

Pablo Ortellado - Trabalho por plataforma segue ruim

O Globo

Não há ainda mecanismos legais que garantam o salário mínimo

Nesta semana foi lançada uma nova edição do relatório Fairwork Brasil, que avalia a qualidade do trabalho por plataformas, como Uber, iFood e Parafuzo. Pouca coisa mudou desde a edição anterior, lançada em 2021, que mostrava trabalhos mal pagos, sem equipamento de proteção, com contratos e práticas gerenciais opacas e pouco respeito à liberdade de associação dos trabalhadores.

Numa escala de zero a dez, a maior nota, do aplicativo AppJusto, foi de apenas três. iFood fez dois pontos. Parafuzo fez um. Americanas, 99, GetNinjas, Lalamove, Loggi, Rappi e Uber não pontuaram. A situação destoa de outros países da América Latina, como Colômbia ou Equador, que tiveram aplicativos, avaliados com os mesmos critérios, fazendo até oito pontos.

Alvaro Costa e Silva - Caso Marielle enlouquece Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Novo relatório da PF põe em xeque as instituições que antes investigavam o assassinato

Na noite em que executou Marielle Franco e Anderson Gomes, o matador de aluguel Ronnie Lessa foi beber com amigos num badalado bar da Barra da Tijuca, sem ao menos se preocupar em esconder a arma do crime. Com ele, estava o comparsa Élcio Queiroz, que durante a farra vomitou três vezes, segundo declarou em sua delação premiada. Os dois encheram a caveira para celebrar a morte e o esquema de proteção de que desfrutavam para matar.

Os cinco anos que se passaram desde o início das investigações dos assassinatos —ligados a uma rede estruturada de tráfico de drogas e de armas, clubes de matadores, lavagem de dinheiro e formação de milícias paramilitares— impuseram, de acordo com a Polícia Federal, "limites intransponíveis" para a resolução do caso.

Oscar Vilhena Vieira* - A rua não é lugar para se viver

Folha de S. Paulo

Decisão de Alexandre de Moraes é bem-vinda ao estabelecer prazo e processo para que as autoridades cumpram suas obrigações

A invisibilidade e a indiferença são estratégias que muitas vezes empregamos, ainda que inconscientemente, para lidar com situações dramáticas, como a das populações em situação de rua. Com o tempo, vamos nos tornando moralmente insensíveis em relação aos sofrimentos desse grupo heterogêneo de pessoas que passam a viver em pobreza extrema, destituídas de moradia, de vínculos familiares, de trabalho estável, entre outras formas de privação e negligência.

A invisibilidade e a indiferença podem, no entanto, se transformar em estigmatização e hostilidade. Com o aumento das pessoas em situação de rua, esse grupo passa a ser visto cada vez mais como ameaça, gerando demandas e ações políticas, administrativas e "zeladoria" mais violentas, discriminatórias e excludentes.

Demétrio Magnoli - A corte suprema de Israel —e a nossa

Folha de S. Paulo

STF prolonga as exceções jurídicas para além do período de excepcionalidade política

Em Israel, o poder político avança sobre as prerrogativas e a independência da Suprema Corte. A sociedade israelense reage, em defesa da democracia ameaçada. No Brasil, temos um problema quase oposto com o STF, que opera há tempos como protagonista político. Contudo, desviamos o debate substancial para a esfera das guerrilhas identitárias. A sucessão de Rosa Weber é uma oportunidade para enfrentá-lo.

"In Fux we trust", replicou Sergio Moro a uma mensagem de seu fiel escudeiro Dallagnol, em abril de 2016. Não era só Luiz Fux: o juiz político podia confiar na maioria do STF. Ao longo daqueles anos, o tribunal superior funcionou como câmara de eco do partido clandestino da Lava Jato.

O STF militava. Embriagado pelos aplausos da opinião pública, fabricava leis implícitas de exceção. Então, suspendeu mandatos parlamentares, legalizou a prisão em segunda instância e referendou os acordos espúrios de delação premiada firmados pelo Ministério Público. A inflação do poder do tribunal refletia a desmoralização do Executivo e do Congresso.

Marcus Pestana* - A Espanha, o Brasil e a raiz de nossos problemas

No último domingo, a Espanha foi às urnas. De imediato é preciso registrar: lá o sistema é parlamentarista, aqui, presidencialista. Esta diferença é central. No parlamentarismo, a formação da maioria parlamentar de sustentação política ao novo governo se resolve nas eleições, a partir do pronunciamento da sociedade nas urnas. Aqui, nove meses depois das eleições, o presidente Lula ainda tenta formar a maioria necessária para governar, já distante do pulsar das ruas e restrito aos bastidores de Brasília.

Na Espanha, meses atrás, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), do presidente do governo Pedro Sánchez, perdeu importantes eleições regionais, num sintoma claro de insatisfação popular. Evidenciando a superioridade do sistema parlamentarista em relação ao presidencialismo, foi captado o sentimento da sociedade e dada uma resposta política. Usando a flexibilidade dos mandatos – no presidencialismo os mandatos são rígidos, faça chuva, faça sol - Pedro Sánchez antecipou as eleições gerais para consultar a população sobre os rumos que desejava dar ao país.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Lula erra ao escolher novo chefe do IBGE

O Globo

Economista apontado tem histórico de radicalismo e já chamou Pix de decisão ‘neocolonial’ do Banco Central

O ritmo de produção do IBGE é alucinado. Na média, são quatro anúncios por semana. Juntos, formam um retrato fidedigno do Brasil. São dados sobre inflação, desemprego, distribuição de renda, pobreza, mortalidade infantil, expectativa de vida ou produção na economia. O Censo, divulgado a cada dez anos, é o que exige mais recenseadores. Mas levantamentos permanentes também têm estrutura monumental. Os pesquisadores da Pnad Contínua visitam 210 mil domicílios em 3.500 municípios a cada três meses.

O anúncio nesta semana de que o economista Marcio Pochmann assumirá o comando do IBGE a pedido expresso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva coloca em risco a credibilidade desse trabalho conquistado em mais de oito décadas. Lula ainda fez a grosseria de passar por cima da ministra do Planejamento, Simone Tebet, que o apoiou no segundo turno da eleição de 2022.

Poesia | O Menestrel - Willian Shakespeare I Lucas Segatto

 

Música | Cuidar de mim - Paula Lima e Seu Jorge

 

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Vera Magalhães – Qual o caminho na economia?


O Globo

Opção por revisitar o governo Dilma não combina com festejar a decisão de uma agência de elevar a nota de crédito do país

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, celebrou de maneira elegante a decisão da agência Fitch de elevar a nota de crédito do Brasil: dividiu os louros com os demais Poderes, fez uma aposta na institucionalidade e na previsibilidade e deixou claro que o objetivo é que o país retome o grau de investimento que perdeu em 2018.

O relatório da agência, por sua vez, é reticente. Enxerga boas práticas do governo justamente no que advém da agenda Haddad: o arcabouço fiscal, a aprovação parcial da reforma tributária e uma aposta no que chamou de “pragmatismo”. Faz ressalvas, no entanto, à pregação de uma agenda não liberal e à defesa, aqui e ali, da revogação do que considera pautas reformistas, como a autonomia do Banco Central, o marco regulatório do saneamento básico e as mudanças nas leis trabalhistas.

No texto, existe quase uma torcida para que essa tentação de rever o que foi aprovado tenha ficado para trás e o pragmatismo prevaleça. Parece ser esse o empenho de Haddad, que tem contado, para isso, com o apoio do Congresso, a ajuda de decisões judiciais, uma nova boa vontade do mercado e uma parceria leal com o Planejamento sob o comando de Simone Tebet.

Luiz Carlos Azedo - Governabilidade de Lula depende de um bom acordo com o Centrão

Correio Braziliense

A oposição de extrema direita está sendo isolada, com o ex-presidente Jair Bolsonaro fora da disputa eleitoral de 2026. Lula tenta evitar o surgimento de uma oposição de centro-direita robusta

Um velho jargão da política diz que um bom acordo, para ser duradouro, precisa ser ruim para todos os envolvidos, mas não tanto que possa ser rompido. No caso da reforma ministerial à vista, porém, precisa ser bom o suficiente para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva formar uma maioria absoluta na Câmara, ou seja, garantir ao menos o apoio de 257 deputados, o quórum mínimo para aprovação de leis ordinárias. A aprovação de emendas constitucionais, por quórum qualificado, ou seja, por mais de três quintos dos deputados, exige o apoio de 308 deputados. Dificilmente a reforma chegará a isso.

Por essa razão, a decisão de incorporar o PP e o Republicanos ao governo Lula pressupõe saber se realmente esses partidos entregarão os votos de suas bancadas na Câmara, que foram eleitas majoritariamente na base eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não se trata apenas da lealdade dos novos ministros, mas da sua capacidade de amarrar os votos de suas legendas. Essa questão está posta principalmente por causa do União Brasil, cuja bancada majoritariamente votava contra o governo, porque não se sentia representada pela deputada Daniela Carneiro (RJ) no Ministério do Turismo.

Flávia Oliveira - Verdades inconvenientes

O Globo

Polícia Civil e MP-RJ empacaram na investigação sobre mandante e motivação do assassinato de Marielle

Nesta semana, quase cinco anos e meio depois da execução da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, o Brasil foi levado de volta à noite de 14 de março de 2018, às horas que antecederam o crime, aos dias seguintes. A entrada da Polícia Federal no caso, que deu na delação premiada do ex-policial Élcio Queiroz, confirmou a autoria do duplo assassinato e, sobretudo, descortinou a dinâmica de operação e a cadeia de conexões dos assassinos de aluguel no Rio de Janeiro. Só muita cumplicidade de autoridades e agentes da lei manteria atividade tão macabra quanto numerosa por tanto tempo oculta, disfarçada, livre.

Élcio Queiroz contou que Marielle estava jurada de morte muitos meses antes da quarta-feira em que foi emboscada minutos depois de sair de uma reunião com jovens negras na Casa das Pretas, no Centro da capital fluminense. Teria ouvido de Ronnie Lessa, o PM reformado que puxou o gatilho de dentro do carro que o cúmplice dirigia, sobre uma tentativa frustrada em fins de 2017.

Maria Cristina Fernandes - Haddad ocupa espaço da moderação e obriga Simone Tebet a se reinventar

Valor Econômico

Ministra do Planejamento perdeu duas oportunidades para fazer o presidente do IBGE

A ministra Simone Tebet é sócia dos bons resultados da economia deste governo, mas tardou a perceber como estes, paradoxalmente, lhe estreitaram os caminhos. A aceitação, pelo mercado, de uma política econômica que começa a dar resultados foi o trampolim para Marcio Pochmann no IBGE. Um semestre se passou até que o governo se desse ao luxo de esnobar as restrições da ministra a um nome como o de Pochmann. Houve duas oportunidades para Simone Tebet evitá-lo, mas nenhuma delas foi aproveitada.

A primeira foi na posse. Sua nomeação para Planejamento simbolizava a cota de respeito a um resultado eleitoral apertado num ministério mais petista do que o eleitorado chancelara. Mas a Pasta estava aquém de suas pretensões de comandar uma área social do governo, foco das melhores propostas de sua campanha presidencial. Por isso, pareceria natural que a ministra tivesse garantida, no mínimo, a nomeação da principal autarquia sob seu comando.

César Felício - Marielle influi no cenário político

Valor Econômico

Levar a discussão sobre a reeleição das presidências do Legislativo para o Supremo, mesmo existindo norma constitucional sobre o tema, corrói democracia

Há pouco mais de um ano o ex-presidente Jair Bolsonaro comentou que “ninguém conhecia ou se lembrava de Marielle até sua morte”.

A frase, desrespeitosa à memória da vereadora Marielle Franco, como aliás têm sido praticamente todas as referências feitas por ele à política carioca assassinada em 2018, incute apesar disso um fundo de verdade.

Marielle de fato ganhou uma dimensão que não tinha em vida, ao ser vítima, ao que tudo indica, da milicianização do Rio de Janeiro. Os vivos por vezes são governados pelos mortos, para lembrar o filósofo positivista Auguste Comte, e Marielle morta influi no debate político brasileiro. Esta influência subiu um degrau desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a delação premiada de um dos seus executores sugere que ela crescerá.

Claudia Safatle - A distância entre discurso e prática no governo Lula

Valor Econômico

Faltam pouco mais de 20 bilhões para fechar as contas com déficit zero em 2024

Há uma notável distância entre o discurso e a prática do governo Lula. A prática tem vindo em uma dimensão mais contida do que o discurso e essa percepção ajudou a agência de rating Fitch a melhorar a nota do Brasil, salientam fontes da área econômica, que citam como exemplo a medida de incentivo à compra de automóveis, que custou R$ 650 milhões e vendeu 125 mil veículos. O papel do BNDES também é parte de uma visão mais contida, principalmente se confrontado com o que foi feito no segundo mandato de Lula, quando o Tesouro Nacional se endividou para repassar somas bilionárias para o BNDES emprestar a taxas de juros favorecidas.

A agência avalia que o governo Lula defende um afastamento da agenda econômica liberal dos governos anteriores. Mas, mesmo assim, espera-se que “o pragmatismo e contrapesos institucionais evitem desvios radicais de políticas macro ou micro”, diz a Fitch em seu comunicado divulgado na quarta-feira, a pouco mais de um mês após a Standard and Poor’s, outra agência de classificação de risco, ter melhorado a perspectiva da nota do país.

Eliane Cantanhêde - Vídeos não mentem

O Estado de S. Paulo

Vídeo de Roma confirma a agressão, só falta chegar oficialmente

Atenção! O vídeo do aeroporto de Roma confirma a versão de Alexandre de Moraes à PF: o empresário Roberto Mantovani atacou o ministro do STF, sua mulher e filho, com insultos e grosserias, não uma, mas duas vezes. Depois do primeiro ataque, Mantovani voltou e, ao se deparar com o filho de Moraes gravando a cena com um celular, deu-lhe um tapa, derrubando seus óculos.

Contra fatos e vídeos (sem edição), não há argumentos. O vídeo, porém, não chegou oficialmente ao Brasil e não pode ser anexado às investigações e ao processo, sob risco de ser embargado depois. Você acha que a burocracia no Brasil é infernal? Pois a da Itália é igual ou pior...

Almir Pazzianotto Pinto* - Democracia relativa ou ditadura?

O Estado de S. Paulo

As palavras democracia, justiça, direito e liberdade são indefiníveis. Não passam de aspirações que o cidadão comum alimenta, imagina e pacientemente aguarda

Em rasgo de sinceridade – atitude que lhe é incomum –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que o regime democrático se caracteriza pela relatividade.

Examinando os fatos da nossa história e a afirmação feita pelo presidente Lula, devemos concluir que o regime militar (1964-1985) foi ditadura relativa, ou, em sentido contrário, democracia relativa.

Lendo o Ato Institucional de 9 de abril de 1964, a conclusão não poderia ser outra. Afinal, no documento determinavam os integrantes do Comando Supremo da Revolução que mantinham a Constituição de 1946, limitando-se “a modificá-la, apenas na parte relativa aos poderes do presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas no sentido de drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo, como nas suas dependências administrativas”. Já ferida de morte, congelava-se o cadáver da Constituição, instituindo-se o modelo da democracia relativa.

Marcelo de Azevedo Granato* - Líderes do futuro incerto

O Estado de S. Paulo

Sem Bolsonaro e, eventualmente, sem Lula, quem conseguiria liderar um projeto político de repercussão na sociedade brasileira?

Desde antes do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que definiu a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, analistas políticos têm refletido sobre o futuro do cenário político (ou especificamente da direita) nacional nos próximos anos, sem Bolsonaro.

A pergunta é pertinente e pode ser levada para o lado esquerdo do espectro político. Seu grande líder, o presidente Lula, já tem 77 anos. Além disso, sem Bolsonaro no páreo, uma nova candidatura Lula não se ancoraria, como em 2022, na garantia do regime democrático. Poderia até ser vista, ao contrário, como um obstáculo à renovação dos quadros políticos da (centro-)esquerda.

Sem Bolsonaro e, eventualmente, sem Lula, quem conseguiria liderar um projeto político de repercussão na sociedade brasileira?

"Terei o maior prazer de atender pedido do presidente Lula", diz Tebet sobre troca no IBGE

Por Estevão Taiar / Valor Econômico

Ministra afirmou que já tinha sido avisada que Lula “gostaria de fazer uma escolha pessoal” para o IBGE

ministra do Planejamento e OrçamentoSimone Tebet, afirmou nesta quinta-feira que, embora a indicação do economista Marcio Pochmann para a presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não seja “oficial”, foi um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Por isso, a nomeação de Pochmann, quando for oficializada, será atendida com “o maior prazer”, segundo ela.

“Terei o maior prazer de atender pedido do presidente Lula”, disse a jornalistas ao chegar no Ministério da Fazenda para reunião com o titular da pasta, Fernando Haddad.

Reinaldo Azevedo - Jornalismo só de oposição é partido

Folha de S. Paulo

Marcio Pochmann no IBGE não me entusiasma, mas calma lá!

Já sou velho o bastante para exigir que governos façam tudo o que quero, ou, então, porrada! —eventualmente engatando a máxima de Millôr Fernandes, segundo a qual "imprensa é oposição; o resto é armazém de secos & molhados". Sem contexto, a divisa é uma tolice. Quem, por "dever de oposição", atacou a recriação de programas sociais na gestão Lula comportou-se como cliente da... vendinha bolsonarista. Pode? Mesmo no terreno das coisas lícitas (na hipótese de que sejam), "nem tudo me convém", como escreveu um certo Paulo.

Não sei em que ano Millôr fez tal afirmação, mas é provável que falte um regime militar, ou sua herança, para lhe conferir o sentido original. Se jornalismo for só oposição, então é partido. Imprensa há de ser apego aos fatos, sempre considerando que o viés ideológico é imanente à atividade já na definição da pauta. E o jornalismo fotográfico? Lembro as reflexões de Roland Barthes em "A Câmara Clara", seu último livro. Ele chama a atenção para o "punctum" — o ponto, o pedaço de um todo —, que o fotógrafo não viu e que só ganha sentido pelos olhos do "spectator", do "contemplador". Também no caso de um texto, é impossível saber exatamente o que lê um leitor.

Hélio Schwartsman - Dividir para conquistar

Folha de S. Paulo

Indicação de Pochmann para o IBGE segue lógica política, mas gera ruído sobre credibilidade do órgão

"Diuide et impera", dividir para conquistar. A ideia de que dá para obter ganhos políticos estimulando o dissenso, seja entre os inimigos, seja entre aliados, vem sendo utilizada desde a Antiguidade. A interpretação cínica (ou ultrapragmática) do princípio se impõe quase automaticamente, mas não é a única possível. Também dá para fazer uma leitura mais benigna, segundo a qual o bom governante procura cercar-se de conselheiros de todas as facções para promover o choque de ideias e ter a oportunidade de escolher as melhores.

Lula se valeu dessa estratégia em sua primeira passagem pelo poder. Pôs na Fazenda o neo-ortodoxo Antonio Palocci e no Planejamento o heterodoxo Guido Mantega. E Lula não estava inovando muito, já que repetia FHC, que colocara o liberal Pedro Malan na Fazenda e o desenvolvimentista José Serra no Planejamento.

Bruno Boghossian - Lula negocia cargos, mas ainda tenta trocar centrão por varejo

Folha de S. Paulo

Presidente prefere desbaratar bloco e aumentar influência direta do Planalto sobre cada partido

A campanha nem tinha começado quando Lula procurou as primeiras fendas no grupo que manda no Congresso. "A imprensa nos induz ao erro quando diz que o centrão está todo com o Bolsonaro", disse. Era maio de 2021, e o petista se recusava a reconhecer a turma como um bloco só. "Vamos conversar individualmente com cada partido político."

Lula levou a teoria para o Planalto. Ainda que negocie a adesão em massa desse grupo ao governo, o presidente sentenciou na última terça (27) que "o centrão não existe". "Eu não quero conversar com o centrão como organização. Eu quero conversar com o PP, eu quero conversar com o Republicanos…", declarou.

J. B. Pontes* - Brasil, país das desigualdades

Já não somos campeões mundiais de futebol. Mas, em outros temas, somos imbatíveis e, ao que tudo indica, continuaremos assim sendo: nas desigualdades sociais; na injustiça tributária (pobres pagam mais impostos do que os ricos); nos privilégios concedidos a algumas verdadeiras castas de agentes públicos (os parlamentares, os juízes, os generais); na sonegação de impostos pelos ricos; e na exclusão do povo da democracia.

Recentemente, foi aprovada na Câmara dos Deputados uma reforma tributária, que dizem ser a primeira parte da reforma do governo Lula. Essa reforma objetivou apenas tornar o sistema mais eficiente e transparente, mas não mais justo e igualitário. Facilitará apenas o processo de cobrança de impostos indiretos, incidente sobre o consumo e na produção de bens e serviços.

No entanto, a criação do IVA, uma inovação necessária, deve ser comemorada com cautela, vez que ela contempla, sobretudo, os interesses de empresários. Além disso, a reforma criará três alíquotas: uma geral, uma reduzida e outra zero, destinada a itens como medicamentos e produtos da cesta básica.

ONU pede que Israel ‘leve em conta’ o protesto de manifestantes contra a reforma do Judiciário

Por O Globo com agências internacionais

Alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, defendeu israelenses que confiaram ' nos valores duradouros de uma independência judicial'

O alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, pediu, nesta quinta-feira, que o governo israelense “leve em conta” os protestos de manifestantes contra a reforma do Judiciário que tomam as ruas do país há meses e ameaçam parar setores da economia e das Forças Armadas.

 “Insto aos que estão no poder a levarem em conta os clamores das pessoas que participam desse movimento, gente que confiou nos valores duradouros de uma independência judicial”, disse Türk em um comunicado.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Emperradas as negociações para enfrentar questões climáticas

Valor Econômico

O Brasil defende, corretamente, a posição de responsabilidades comuns, porém diferenciadas

Este mês de julho foi marcante no processo de mudanças climáticas do planeta, com recordes de temperatura e eventos extremos. Mas essa situação parece longe de sensibilizar boa parte dos governos. O debate sobre o enfrentamento da crise climática atravessa um momento delicado. Enquanto o clima no mundo está esquentando, a política global está esfriando. Não é um sinal positivo.

Este mês bateu ao menos quatro marcas mundiais: o dia mais quente já registrado (em 4 de julho), a semana mais quente (3 a 10 de julho), a perda recorde de gelo na Antártida e a maior temperatura média dos oceanos. Possivelmente julho será ainda o mês mais quente desde que há registros.

Poesia | Manuel Bandeira - Poética

 

Música | Seu Jorge - 'Zé do Caroço'

 

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Merval Pereira - Fogo amigo

O Globo

Simone Tebet, representante do suposto projeto de governo de centro democrático, acaba de receber um torpedo pela proa com o anúncio de que o economista Marcio Pochmann será o novo presidente do IBGE

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está se saindo um político melhor do que a encomenda. Dividir a melhoria da avaliação da economia brasileira pela agência Fitch com os presidentes da Câmara e do Senado, pelo apoio às reformas, além de justo, é um gesto de quem tem o entendimento do real sentido da proposta de governo de centro democrático escolhido pelas urnas.

Da mesma maneira, ao repetir várias vezes que o presidente Lula é o candidato do PT para a reeleição em 2026, o ministro da Fazenda procura afastar as intrigas internas que o apontam como o presumível candidato petista caso Lula não queira ou não possa disputar a reeleição. Nada mais natural que o nome de Haddad surja na lista de possíveis candidatos, já que ele disputou o cargo em 2018 e hoje é o quadro do PT mais em evidência com o sucesso inicial da política econômica.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, representante desse suposto projeto de governo de centro democrático, acaba de receber, porém, um torpedo pela proa com o anúncio de que o economista Marcio Pochmann será o novo presidente do IBGE. Uma briga interna silenciosa contra Haddad, o verdadeiro alvo desse torpedo, acabou encontrando uma brecha na equipe econômica por uma ingenuidade política de Tebet.

Míriam Leitão - A visão de Tebet da economia à política

O Globo

A ministra lembra que o governo ganhou a eleição por ‘milésimos’ e, por isso, tem sim de negociar com outras forças políticas

A ministra Simone Tebet, do Planejamento, define como “decepcionante” a campanha feita por integrantes do governo de recondução de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República. Conta que os partidos do centro democrático que apoiaram o presidente Lula precisam ter altruísmo em 2024 na construção de alianças. “Sabemos que o embate de 2026 começa em 2024.”

Ao mesmo tempo que está de olho na política, Tebet prepara o Orçamento, que, este ano, será difícil tecnicamente. A meta é de déficit zero, mas as receitas não estão garantidas. Ela, contudo, acha que “o desafio é factível”.

Luiz Carlos Azedo - Reforma ministerial vira jogo de intrigas na Esplanada

Correio Braziliense

O caminho crítico das negociações é a escolha dos ministérios a serem ocupados, ou seja, dos ministros que serão defenestrados no novo desenho político da Esplanada

É certa a entrada do Centrão no governo Lula, não se sabe ainda em quais ministérios. As conversas de bastidor com os caciques do PP e do PR estão praticamente concluídas, de maneira a garantir uma maioria governista segura na Câmara, onde a governabilidade do país tem seu ponto mais vulnerável. As pressões para acelerar a mudança refletem as contradições entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os caciques do MDB e do União Brasil no Senado, principalmente os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Davi Alcolumbre (União-AP).

As indicações de Lira estão consolidadas, fazem parte de seu acordo com os presidentes do PP, Ciro Nogueira (PI), e do Republicanos, Marcos Pereira (SP). Cotados para a Esplanada, os deputados Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA) têm como características boas relações com o PT nos seus estados. O aval de Lira e suas bancadas, porém, não garante que os 49 votos do PP e os 41 do Republicanos sejam carreados automaticamente para as propostas do governo. Os dois ministros são políticos muito jovens e terão que exercer uma liderança compartilhada.

Bruno Carazza - Até quando valerá a pena para Simone Tebet continuar no governo?

Valor Econômico

Nomeação a contragosto de Pochmann para o IBGE colocará ministra num dilema

Nunca saberemos quantos dos 4.915.423 eleitores de Simone Tebet decidiram votar em Lula no segundo turno depois que a ex-senadora do MDB declarou seu apoio ao petista. No entanto, levando-se em conta que a vitória sobre Bolsonaro se deu pela margem apertadíssima de 2.139.645 votos (1,8% do total), é justo atribuir a Tebet o papel de fiel da balança nas eleições presidenciais de 2022.

A adesão de Simone Tebet à campanha lulista fez com que seu nome fosse tido como certo nas bolsas de apostas para a composição do governo durante a transição. Só não se sabia qual seria o prédio da Esplanada que ela comandaria. Pela sua importância na votação, Tebet pleiteava um cargo de peso, e cogitou-se o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família, ou outra pasta de impacto social e orçamento robusto, como Saúde e Educação.

Malu Gaspar - Marielle e uma fissura no crime organizado

O Globo

As revelações do ex-PM Élcio Queiroz sobre o assassinato de Marielle Franco, tornadas públicas nos últimos dias, impressionam pela quantidade de detalhes. Lacunas importantes foram preenchidas a respeito do que se passou antes e depois da noite de 14 de março de 2018, quando a vereadora e seu motorista, Anderson Gomes, morreram. Soube-se, por exemplo, que os assassinos passaram meses planejando o homicídio, que a placa do carro usado na ação foi “picotada”, com os pedaços espalhados numa linha férrea, e que o matador, Ronnie Lessa, foi tomar cerveja num bar logo depois de executar Marielle. Também veio à tona que o intermediário utilizado pelo mandante era outro matador, executado em 2021 num episódio até hoje sem solução. Para quem conhece o submundo do crime no Rio de Janeiro, porém, o enredo tem um quê de flashback, que só reforça o simbolismo do caso para a história do combate ao crime organizado no Brasil.