sábado, 29 de julho de 2023

Pablo Ortellado - Trabalho por plataforma segue ruim

O Globo

Não há ainda mecanismos legais que garantam o salário mínimo

Nesta semana foi lançada uma nova edição do relatório Fairwork Brasil, que avalia a qualidade do trabalho por plataformas, como Uber, iFood e Parafuzo. Pouca coisa mudou desde a edição anterior, lançada em 2021, que mostrava trabalhos mal pagos, sem equipamento de proteção, com contratos e práticas gerenciais opacas e pouco respeito à liberdade de associação dos trabalhadores.

Numa escala de zero a dez, a maior nota, do aplicativo AppJusto, foi de apenas três. iFood fez dois pontos. Parafuzo fez um. Americanas, 99, GetNinjas, Lalamove, Loggi, Rappi e Uber não pontuaram. A situação destoa de outros países da América Latina, como Colômbia ou Equador, que tiveram aplicativos, avaliados com os mesmos critérios, fazendo até oito pontos.

Quase 2% da força de trabalho no país (1,7 milhão de pessoas) trabalha parcial ou exclusivamente por plataformas, segundo estimativa do Ipea, a partir de dados da Pnad Contínua. Embora esse tipo de trabalho esteja coberto pelo sistema MEI (de microempreendores), apenas 23,6% dos trabalhadores contribuem para o INSS. Em 2021, a renda média (bruta) dos motoristas de aplicativo era de R$ 1.900, e a dos entregadores de R$ 1.500. Pesquisa do Datafolha entrevistando motoristas do Uber e entregadores do iFood, a pedido das empresas, mostrou que metade deles tem nos aplicativos a única fonte de renda e outros 14% têm neles não a única fonte, mas a principal.

A pesquisa Fairwork Brasil mostrou que a remuneração, descontados os custos para o trabalho (por exemplo, no caso de motoristas e entregadores, a manutenção dos veículos, combustível etc.), não atinge o valor por hora do salário mínimo (R$ 6) em oito das dez plataformas analisadas. As exceções são AppJusto e Parafuzo.

Nenhuma das empresas analisadas conseguiu demonstrar que provê treinamento e equipamento adequados para garantir a saúde e a segurança ocupacional dos trabalhadores. Essa dimensão da proteção do trabalho é extremamente relevante. Segundo uma coordenadora técnica do Hospital das Clínicas de São Paulo, em depoimento à CPI municipal dos aplicativos, entre 60% e 70% dos internados graves no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do hospital são vítimas de acidentes de moto. A informação é do site Intercept Brasil.

Apenas duas plataformas, iFood e AppJusto, conseguiram demonstrar que o contrato ou termos da plataforma são claros, transparentes e acessíveis aos trabalhadores. Nenhuma plataforma conseguiu demonstrar que não impõe cláusulas abusivas ou que oferece transparência para os cálculos das tarifas dinâmicas.

No tocante às decisões que afetam os trabalhadores, outra vez apenas iFood e AppJusto demonstraram oferecer canais claros e de fácil acesso para eles recorrerem de notas baixas, não pagamentos, desativações e outras medidas.

Nenhuma plataforma demonstrou respeitar a liberdade de associação e de expressão dos trabalhadores. Nesse item, as plataformas deveriam demonstrar que a associação não é inibida, e os trabalhadores não são prejudicados por se organizarem. No ano passado, reportagem da Agência Pública mostrou que o iFood atuou agressivamente contra a organização dos seus entregadores, chegando a contratar marqueteiros e atores para se infiltrar e sabotar um movimento grevista.

Embora os trabalhadores por aplicativos sejam uma das categorias mais numerosas do país, seu trabalho continua, em ampla medida, desprotegido. Não há ainda mecanismos legais que garantam que eles recebam o salário mínimo, descontados os custos para o trabalho. Não há disposição para que as empresas custeiem seguros e equipamentos de proteção. Não há regulação exigindo transparência dos algoritmos das plataformas. E não há obrigatoriedade de contribuição para o INSS, o que garantiria aposentadoria, auxílio-doença, auxílio-maternidade e pensão por morte.

O Ministério do Trabalho formou um grupo de trabalho tripartite (empresas, trabalhadores e governo) para elaborar uma proposta de regulação do trabalho por plataforma que deve ser apresentada ainda no segundo semestre. Vamos torcer para que uma regulação bem feita surja desse esforço conjunto e que o Congresso a aprove com presteza.

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