sexta-feira, 28 de julho de 2023

Marcelo de Azevedo Granato* - Líderes do futuro incerto

O Estado de S. Paulo

Sem Bolsonaro e, eventualmente, sem Lula, quem conseguiria liderar um projeto político de repercussão na sociedade brasileira?

Desde antes do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que definiu a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, analistas políticos têm refletido sobre o futuro do cenário político (ou especificamente da direita) nacional nos próximos anos, sem Bolsonaro.

A pergunta é pertinente e pode ser levada para o lado esquerdo do espectro político. Seu grande líder, o presidente Lula, já tem 77 anos. Além disso, sem Bolsonaro no páreo, uma nova candidatura Lula não se ancoraria, como em 2022, na garantia do regime democrático. Poderia até ser vista, ao contrário, como um obstáculo à renovação dos quadros políticos da (centro-)esquerda.

Sem Bolsonaro e, eventualmente, sem Lula, quem conseguiria liderar um projeto político de repercussão na sociedade brasileira?

Alguns nomes têm emergido especialmente à direita, diante da ausência certa de Bolsonaro. Os nomes fazem todo sentido neste momento: os governadores Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, por exemplo, defendem pautas associadas à direita e ocupam posições políticas privilegiadas. Mas a pergunta por novos líderes suscita considerações prévias que podem desestabilizar nossas projeções, afinal, o surgimento de novas lideranças políticas depende de fatores diversos e indeterminados, como o contexto social, econômico e político do País nos próximos anos.

Esse é um ponto importante, pois é sobre este amplo contexto que o futuro líder vai atuar. É difícil prever, no entanto, como estará o Brasil – ou o Brasil e o mundo – dentro de três anos. Estaremos à procura de um salvador, como em 2015-2018? Se sim, nosso líder provavelmente terá de ser capaz de representar (ou de interpretar e, depois, representar) as visões e sentimentos presentes na sociedade, para assim orientar seu projeto salvacionista. Ou será que teremos, daqui a alguns anos, uma economia reerguida, pobreza decrescente, instituições dando mostras de bom funcionamento? Nesse caso, precisaremos menos de um líder inovador e mais de um que aparente saber nos manter neste rumo promissor. Como se vê, uma liderança política emerge não só em decorrência de atributos da pessoa do líder, como conhecimento, empatia, autenticidade, oratória, etc.; o nascimento do líder político, via de regra, é indissociável da situação da comunidade que pretende liderar.

É indissociável, também, de seus potenciais liderados. Mas como estará o antipetismo daqui a três anos? E o antibolsonarismo? Não sabemos qual será a visão do eleitorado evangélico, que deu amplo apoio a Bolsonaro na eleição de 2022, nem a dos mais pobres, que sustentaram a vitória de Lula na mesma eleição. A mentalidade que culminou no 8 de janeiro ainda estará viva em segmentos da população (e do jornalismo)? Não é fácil de prever, até mesmo, como temas de inegável importância (preservação do meio ambiente, combate ao racismo) estarão sendo valorizados pela sociedade daqui a alguns anos.

Por outro lado, é interessante observar que a conquista da liderança política pode conferir ao líder uma ampla margem de atuação, a ponto de contar com o apoio dos seus liderados mesmo quando as políticas dele contrariam a visão ideológica deles. É o que indicam alguns estudos sobre o tema. Em Follow the Leader?, Gabriel Lenz conclui que, no campo das políticas, são os eleitores que seguem os políticos, não o contrário. Primeiro, os eleitores decidem qual político apoiar e, então, adotam as políticas dele. Ou seja, eles não guiam, são guiados. Daí que, ao menos naquele campo, “a democracia parece invertida”. Em livro deste ano, Larry Bartels vai na mesma direção (Democracy erodes from the top).

Essas conclusões podem ser transportadas para o Brasil. Recordemos, por exemplo, a rendição do governo Bolsonaro à “velha política” e sua aposta num substituto para o Bolsa Família, o Auxílio Brasil. Essas ações contrariavam não só itens de destaque da plataforma política do ex-presidente, como conhecidas declarações dele (Bolsonaro se elegeu em nome do combate à “velha política” e dizia que o Bolsa Família tirava dinheiro de quem produzia para entregar a quem não trabalhava). Tais contradições, contudo, foram recebidas em silêncio ou mesmo justificadas pela grande maioria dos adeptos do ex-presidente. Algo parecido se viu recentemente, agora em relação a Lula, com a escolha de Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Essas constatações a respeito da força do líder (e seu grupo) sobre o convencimento dos seus liderados nos remetem de volta aos nomes que vêm sendo cogitados na imprensa para nos liderar no futuro próximo. Mas nos remetem, também, a novas perguntas: Tarcísio de Freitas terá sua gestão em São Paulo reconhecida pela responsabilidade, eficiência e sobriedade ou preferirá ações de picadeiro, como as marteladas no leilão do Rodoanel e a infame homenagem a Erasmo Dias? Fará motociata? À esquerda, Haddad terá voto, visão e apoio (inclusive do próprio partido) para refazer o percurso de FHC, do Ministério da Fazenda à Presidência da República? As especulações são livres, as projeções especializadas são fundadas, mas lembremos que a história corre indiferente a tudo isso.

*Doutor em Direito pela USP e pela Università Degli Studi di Torino, integrante do Instituto Norberto Bobbio, é professor da Fadi e Facamp

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