segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Fernando Gabeira - Um golpe fora do lugar

O Globo

Os dados rocambolescos e a incompetência de golpistas não podem ser usados como atenuantes

Na minha idade, é impossível falar de golpe de Estado no Brasil e se desvencilhar da memória. Ouço isso desde garoto. Quando comecei a trabalhar no Rio, conheci um repórter veterano chamado Redento Júnior. Ele cobria a Aeronáutica e estava sempre esperando algo: Aragarças, Jacareacanga, movimentos em que um grupo aterrissava na selva amazônica para derrubar o governo.

Era até um pouco romântico. Vi o capitão Lameirão andando pelas ruas de Juiz de Fora, carregava a memória de rebeliões fracassadas. Em 1961, aos 20 anos, no Rio, acompanhei eletrizado o sequestro do transatlântico Santa Maria pelo capitão português Henrique Galvão e pelo general Humberto Delgado. Era uma ação espetacular contra a ditadura salazarista.

Em 1964, cobri com uma dor no coração o golpe que derrubou Goulart. Entrevistei o general Mourão e me vinguei no primeiro parágrafo da matéria: o comandante da marcha militar contra o Rio sofreu um enfarte depois de andar alguns quilômetros em Copacabana.

Demétrio Magnoli - A cor é política

O Globo

Tribo chique da pureza racial precisa do racismo para prosperar

A cor é política. Só assim entende-se a mudança captada pelo IBGE na declaração de cor/raça entre 2012 e 2022. No curto intervalo, os pretos saltaram de 7,4% para 10,6% dos brasileiros, enquanto a parcela de brancos caiu de 46,3% para 42,8%. As alterações, que parecem refletir o efeito das leis de preferências raciais, não tiveram impacto sobre os autodeclarados pardos: 45,6% em 2012; 45,3% em 2022. É uma prova, entre tantas outras, do fracasso do identitarismo racial.

“Mestiçagem, identidade e liberdade”, o novo livro do antropólogo Antonio Risério, publicado pela TopBooks, esclarece a finalidade das políticas de raça. Não se trata, como alegam seus arautos, de oferecer oportunidades a pessoas em desvantagem, via acesso às universidades ou a empregos públicos. Busca-se, de fato, dissolver a consciência da mestiçagem que sustenta nossa identidade nacional, substituindo-a pela imagem de um país bicolor, dividido entre “brancos” e “negros”.

Marcus André Melo* - Bolsonaro e a morte anunciada

Folha de S. Paulo

As duas faces da corrupção e suas consequências políticas

Em coluna publicada em 2019 afirmei que "a exposição da grande corrupção favoreceu Bolsonaro; a da pequena poderá fraturar sua base". A conjetura mostrou-se acertada. Na atual conjuntura o caso das joias está levando o ex-mandatário a uma bancarrota política inédita.

literatura especializada distingue a petty corruption (corrupção de pequena escala) da grand corruption (de grande escala). A primeira diferencia-se por ser transações singulares, individualizadas, e não institucionalizadas; a segunda por ser institucionalizada, envolvendo burocracias públicas, partidos políticos, estatais, sendo recorrente e de elevado valor.

Referia-me na coluna às rachadinhas e ao papel que a exposição na opinião pública do mensalão e petrolão teve na ascensão de Bolsonaro. O caso teve pelo menos dois desdobramentos institucionais –no Coaf e na Polícia Federal— nos quais teve participação ativa com custos políticos e derrotas no STF. A fratura na base acarretou a defecção dos setores que apoiavam a Lava Jato da coalizão que levou Bolsonaro ao Planalto. Seu símbolo foi a saída de Moro do governo. Ao que se seguiu o rapprochement do governo com o centrão e a marginalização de olavistas e militares.

A pequena corrupção no país é uma das menores da América Latina e similar à média da OCDE. Já no pioneiro Barômetro da Corrupção (2011) a percentagem de brasileiros que declaravam ter pago propina (a policiais, fiscais, provedores de serviço etc.) foi de 4%, baixa comparada aos 12% da Argentina, 21% do Chile e 31% do México. Em 2019, continuou a menor da região (11%).

Camila Rocha* - Bolsonaro e o futuro dos militares

Folha de S. Paulo

Era difícil imaginar que o golpismo militar poderia se tornar novamente uma fonte de preocupação

Para parte expressiva dos brasileiros que cresceram após a redemocratização do país, as Forças Armadas são tidas como sinônimo de ditadura.

No entanto, há 20 anos era difícil imaginar que o golpismo militar poderia se tornar novamente uma fonte de preocupação.

Afinal, os defensores da ditadura pareciam se restringir às comemorações emboloradas do golpe de 1964, manifestações de pequenos grupos neonazistas, e à circulação restrita de uma obra revanchista, publicada após a transição democrática, intitulada "O Livro Negro do Terrorismo no Brasil", mais conhecida como "Orvil", livro de trás para a frente.

Porém, em meio às investigações que se avolumam em torno de Jair Bolsonaro e dos militares que o apoiaram em suas intenções golpistas, os anos 1980 nunca pareceram tão atuais.

Em 1989, na coletânea Democratizing Brazil, a cientista política Maria do Carmo Campello de Souza publicou um texto intitulado: "A Nova República sob a Espada de Dâmocles".

Ana Cristina Rosa - Uma dívida irreparável

Folha de S. Paulo

O Brasil está diante de um déficit gigante no que tange à regularização fundiária e de uma dívida irreparável com a vida

assassinato da ialorixá Bernadete Pacífico, Coordenadora Nacional da Articulação de Quilombos (Conaq) e liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, na Bahia, dia 17, expôs a violação de ao menos quatro direitos constitucionais reiteradamente sonegados aos negros no Brasil: vida, liberdade, segurança e propriedade.

execução de Mãe Bernadete um mês após ter se encontrado com a presidente do STF e alertado para os riscos que corria expôs a omissão do Estado. Ou, nas palavras dela (gravadas em vídeo), "o descaso das autoridades, principalmente quando se trata do povo negro (....) É justo? O que nós recebemos é ameaças (....) Vivo assim, eu não posso sair, minha casa toda cercada de câmeras".

Apesar da gravidade da denúncia, nenhum mecanismo foi efetivado para proteger a vida da ialorixá que, ao representar sua ancestralidade e lutar pela titulação das terras habitadas por quilombolas, incomodou e contrariou interesses.

Bruno Carazza* - Votações mostram que Centrão já é governo

Valor Econômico

PP, Republicanos e PL são responsáveis por mais de um quarto dos votos a favor do Executivo na Câmara

Natural de Sertânia, no interior de Pernambuco, Ulysses Lins de Albuquerque exerceu três mandatos de deputado federal entre 1946 e 1959. Da discreta carreira política, pouco ficou de relevante - embora tenha feito o filho, Etelvino Albuquerque, senador e governador.

A grande obra de Lins de Albuquerque talvez seja seu livro de memórias, publicado pela Editora José Olympio em 1957. “Um Sertanejo e o Sertão” é um compilado de lembranças e causos deliciosos que retratam as relações políticas e sociais no Nordeste agrário entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX. Relações ainda presentes no Brasil atual - e que não são exclusivas do sertão nordestino.

Uma das histórias narradas no livro é a do coronel Manuel Inácio, líder político na então vila de Alagoa de Baixo desde a Monarquia. O velho coronel tinha duas características marcantes: a violência com que impunha a ordem na região e sua coerência política. Dizia ele: “Eu não tenho culpa de os governos mudarem, eu é que não mudo!”. E arrematava: “Estou sempre com o governo”.

Sergio Lamucci - A melhor resposta para o cenário externo mais adverso

Valor Econômico

A redução das incertezas fiscais é o melhor caminho caso o ambiente externo se mostre mais complicado

O segundo semestre se mostra mais complicado para a economia brasileira. Enquanto o cenário internacional se tornou menos benigno para países emergentes, com a alta forte dos juros de longo prazo nos EUA e a fraqueza econômica da China, as perspectivas fiscais e políticas domésticas se turvaram um pouco. A piora do ambiente externo, em especial, tem pressionado os preços de ativos brasileiros: o dólar voltou a se aproximar de R$ 5, os juros futuros subiram e a bolsa registrou 13 pregões seguidos de baixa. Não há, ao menos por ora, um quadro de grande pessimismo, mas a maior tranquilidade do fim do primeiro semestre ficou para trás. Para evitar maiores turbulências, o ideal seria o governo dar sinais mais firmes de compromisso com o esforço fiscal. No fim das contas, reduzir as incertezas sobre a situação fiscal do país é o que pode de fato assegurar um ciclo mais longo e sustentado de queda dos juros.

Carlos Pereira* - O escondido sempre pode ser revelado

O Estado de S. Paulo

A democracia brasileira demonstra que não é compatível com comportamentos desviantes

Têm sido cada vez mais comum afirmações de que a imposição de perdas a governantes brasileiros seriam consequência direta de erros por eles cometidos na tentativa de acobertar seus malfeitos. Como se os governantes “criminosos” tivessem sido pegos apenas por suas “limitações cognitivas”.

Essa interpretação, ainda que tentadora, é limitada, pois desconsidera o ambiente institucional em que os atores políticos desviantes estão inseridos.

O Brasil já impôs perdas judiciais e políticas não triviais a vários dos seus governantes, por comportamentos desviantes, independentemente da sua coloração ideológica.

Collor, por exemplo, sofreu impeachment e, recentemente, foi condenado pelo STF; Lula foi condenado em dois processos criminais em três instâncias judiciais por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e passou 580 dias preso em regime fechado, até ter suas penas anuladas por questões processuais; Dilma também sofreu impeachment por crimes fiscais e orçamentários.

O que a mídia pensa: Editoriais /Opiniões

Contestar números da violência não tem cabimento

O Globo

‘Padronização’ aventada pelo ministro Rui Costa não passa de maquiagem para evitar embaraço a governo do PT

Não faz sentido a ideia de “padronizar” as estatísticas de violência no país, aventada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, em entrevista à GloboNews. Costa, o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniram na semana passada no Palácio da Alvorada para tratar do assunto. A intenção declarada do governo é criar um “marco legal” para o setor e fixar um “parâmetro único” para os dados.

Não se sabe exatamente o que o governo pretende com a tal padronização. Há um evidente embaraço de Costa com os números da Bahia, estado que governou e está sob gestão do PT desde 2007. O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado no mês passado, mostrou que, dos 50 municípios mais violentos do Brasil com mais de 100 mil habitantes, 12 são baianos.

Poesia | Fernando Pessoa - Contudo, Contudo

 

Música | Beth Carvalho -O mundo é um moinho & As rosas não falam (Cartola)

 

domingo, 20 de agosto de 2023

Merval Pereira - Um país de ficção

O Globo

Tivemos recentemente a prova de que, como dizia o grande filósofo Tom Jobim, o Brasil não é para amadores. O ex-juiz Sergio Moro, hoje senador, um dos protagonistas das principais cenas políticas da história recente, viu-se às voltas com pelo menos duas situações exemplares das tramas rocambolescas que dominam nossa vida nacional.

Como senador, foi um dos interrogadores do advogado Cristiano Zanin quando sabatinado para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF). Zanin foi o super-inimigo de Moro na defesa de Lula, e agora está no Supremo, onde poderia estar Moro, o mesmo STF responsável por anular todas as condenações do atual presidente da República.

Mais adiante, estava no plenário do Senado interrogando o hacker Walter Delgatti, responsável pelo crime de invasão de privacidade dos celulares dos procuradores de Curitiba que ajudou a desacreditar todo o processo da Operação Lava Jato comandado por Moro. Delgatti sugeriu que viu mensagens pessoais de Moro que indicariam que ele era um “criminoso contumaz”. O senador retrucou dizendo que Delgatti era tão inocente quanto Lula, o beneficiário final do desmonte da Lava-Jato, que o levou de volta à presidência da República.

Elio Gaspari - A raiz de todos os delitos

O Globo

Quando os governos se metem com resolvedores de problemas, acabam criando encrencas muito maiores

Quando os governos se metem com resolvedores de problemas, as tramas ganham muitos detalhes, mas na essência, saem da mesma raiz e acabam criando encrencas muito maiores.

No filme Oppenheimer apareceu brevemente a figura do coronel americano Boris Pash.

Ouvindo grampos do FBI, ele tentou afastar Robert Oppenheimer do projeto da bomba atômica.

Filho de um padre russo, Pash havia combatido na guerra civil contra os bolcheviques. De volta aos Estados Unidos, casou-se com uma aristocrata e, durante a Segunda Guerra Mundial, entrou para o Exército. Em 1945, numa operação brilhante, ele participou da captura de toneladas de urânio bruto e material radioativo na Alemanha.

Luiz Carlos Azedo - Uma janela de oportunidade para o Brasil

Correio Braziliense

É preciso uma agenda nova, voltada para a integração às novas cadeias de valor da economia globalizada, que está se reestruturando a partir da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China

Numa conversa recente, o ex-deputado José Anibal (PSDB), que é economista formado na Sorbonne durante o seu exílio, me chamou a atenção para uma passagem muito interessante de Celso Furtado na sua obra clássica Formação Econômica do Brasil, na qual compara os Estados Unidos e o Brasil. O economista liberal Samuel Pessôa classifica Furtado como o mais influente pensador econômico de nossa história, embora questione um aspecto crucial da sua teoria: subestimar o papel da microeconomia no nosso desenvolvimento.

A propósito, as grandes companhias norte-americanas realizam muitos treinamentos de equipe, inspirados na teoria dos jogos, nos quais a cooperação e a competição são exercitadas de forma prática. Um deles, muito usado aqui no Brasil, é a formação de grupos representando duplas de países com as mesmas características, mas que se distinguem das demais em razão de caraterísticas socio-econômicas, como população, recursos financeiros, reservas de matérias-primas, produção de alimentos e capacidade bélica.

Míriam Leitão - Se os telefones deles falarem

O Globo

A investigação da PF e da CPMI descortina o nível de contaminação das Forças Armadas e o risco que o Brasil correu no governo anterior

Muitos telefones apreendidos estão sobre a mesa da Polícia Federal sendo periciados. São os quatro aparelhos do advogado Frederick Wassef, o de Mauro Cid e os do pai dele e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Isso estatisticamente aumenta a chance de se encontrar informações relevantes. Há ainda o sigilo fiscal e bancário de Jair e Michelle Bolsonaro, quebrados pelo ministro Alexandre de Moraes. A CPMI pediu ao Coaf os RIFs, relatórios de investigação financeira, do casal. Tudo isso manterá viva a investigação sobre o que aconteceu no Brasil naquele tempo estranho em que o presidente mandava vender joias e presentes do governo e liderava a trama por um golpe de Estado. O dia 8 de janeiro não terminará tão cedo e a prisão de Jair Bolsonaro é uma possibilidade cada vez mais concreta.

Os militares estão em aparente silêncio. Dentro dos quartéis, a conversa é intensa. O general Tomás Ribeiro Paiva, comandante do Exército, segundo as apurações que eu fiz, tem até agora se mantido firme na convicção de que quem cometeu os crimes que responda por eles. “Tomás impede qualquer reação”, me disse uma autoridade. Muitos oficiais estavam, até recentemente, reclamando muito do “método da investigação”, dizendo que as Forças Armadas estavam sendo muito expostas. Na realidade, elas foram expostas pelos líderes que se envolveram no complô contra a democracia.

Bernardo Mello Franco – Blindagem verde-oliva

O Globo

Relatora promete indiciar Bolsonaro, mas não mexe com blindagem à cúpula militar

A CPI do Golpe ainda não chegou à metade, mas a relatora parece já ter um veredicto: o capitão é culpado e os generais são inocentes. Na quarta-feira, a senadora Eliziane Gama confirmou que pedirá o indiciamento de Jair Bolsonaro. Mas indicou que poupará os militares de alta patente que conspiraram contra a democracia. “A instituição Forças Armadas impediu um golpe no país”, afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

A declaração envelheceu rápido. No dia seguinte, Walter Delgatti Neto contou à CPI que ajudou o Ministério da Defesa a redigir um relatório para minar a confiabilidade da urna eletrônica. O hacker disse ter colaborado com dois ex-comandantes do Exército. Um deles, o general Paulo Sérgio Nogueira, foi titular da Defesa no último ano do governo Bolsonaro.

Dorrit Harazim - Deu ruim

O Globo

Hoje, à luz dos múltiplos desdobramentos das operações em curso pela PF, o capitão-ex-presidente já parece saber que sua casa caiu

Domingo passado, neste mesmo espaço, o texto sobre o intrigante périplo das joias presenteadas ao Estado brasileiro, e dele subtraídas por Jair Bolsonaro, terminava assim: “Daqui para a frente são só notícias amargas para o capitão... é possível que logo mais seu passaporte seja retido; provável que venha a ser indiciado, denunciado, julgado, quiçá condenado — não só pelo rastro de ladroagem deixado. Talvez ainda não saiba, mas sua casa já caiu”.

Hoje, à luz dos múltiplos desdobramentos das operações em curso pela Polícia Federal (PF), o capitão-ex-presidente já parece saber. E os demais envolvidos também. Com todos juntos e embolados no inquérito sobre milícias digitais e atos golpistas do 8 de Janeiro, a investigação sob a regência de Alexandre de Moraes dá até a impressão de já conhecer o final do enredo. Apenas não atropela. Deixa decantar cada novo pacote de buscas e apreensões, para só então avançar ao patamar seguinte. E é bom que assim seja. Qualquer estrelismo, precipitação nas acusações ou atropelo à lei e às garantias constitucionais seria simplesmente desastroso.

Muniz Sodré* - Um olhar a mais

Folha de S. Paulo

O grotesco televisivo nada escondia, já franca-tripas e prima-donas de agora servem de tapa-olho a tenebrosas transações, civis e militares

"Quando for a hora certa, eu o Senhor farei acontecer." O versículo (Isaías 60:22), recém-invocado como guia pela ex-primeira-dama e autodeclarada aspirante à Presidência da República, deixa em suspenso o sentido de "acontecimento". Mas, em performance recente, pede à acompanhante, deputada federal, que retire sua prótese ocular. Aquiescente, a outra leva a mão ao rosto e entrega um olho de vidro, que a aspirante se apresta a guardar, como uma joia, no bolso do jeans. Então garante à plateia: "Esta é uma mulher que faz acontecer".

Meio século atrás, no programa "A Hora da Buzina", de Chacrinha, "acontecia" quem inserisse primeiro no nariz um carretel de linha. O pano de fundo popularesco permitiu à emergente indústria da televisão granjear uma audiência de migrantes de primeira e segunda gerações nas periferias urbanas do Sul. Podia-se receber como prêmio um quilo de bacalhau ou um eletrodoméstico.

Celso Rocha de Barros* - E se Bolsonaro for preso?

Folha de S. Paulo

Uma condenação pelos crimes do 8 de janeiro deve dividir direitistas moderados e radicais

Nos últimos dias, novas evidências aumentaram bastante a probabilidade de Jair Bolsonaro ser preso.

Nas investigações sobre o golpe de 8 de janeiro, a cela de Jair Bolsonaro já tem duas paredes e meia construídas. No caso do roubo das joias, já são três paredes e meia. A cela para os crimes da pandemia mal começou a ser erguida. Mas será.

Na quinta-feira, o hacker Walter Delgatti declarou à CPI que Bolsonaro lhe convidou para cometer crimes contra a democracia. Invasão de urnas, do sistema de informática do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), produção de registros falsos contra Alexandre de Moraes, campanhas de desinformação sobre as urnas, tudo com promessa de anistia presidencial.

Bruno Boghossian -Bolsonaro está vulnerável

Folha de S. Paulo

Ameaça de confissão de Mauro Cid tem pouco valor até agora, mas já produziu efeitos

A ameaça de confissão feita pela defesa de Mauro Cid produziu efeitos antes mesmo de o coronel decidir se vai realmente abrir a boca. O principal deles foi escancarar a condição de Jair Bolsonaro. O ex-presidente nunca esteve tão vulnerável.

O poder dava a Bolsonaro a proteção de órgãos de controle e uma generosa boa vontade no mundo político. Depois que ele deixou o Planalto, a blindagem se desfez rapidamente, e a luz do dia expôs segredos que submeteram o ex-presidente a um desgaste igualmente acelerado.

Restaria a Bolsonaro um ativo importante para se resguardar: a lealdade de aliados fiéis que testemunharam seus passos ou estiveram envolvidos nas suspeitas que recaem sobre o ex-presidente. Se o mais próximo desses parceiros vacilasse, a muralha poderia cair de uma vez.

Eliane Cantanhêde - A vaquinha vai pro brejo?

O Estado de S. Paulo

Nova frente de investigação: a vaquinha de R$ 17 milhões. Foi lavagem de dinheiro?

Ao quebrar o sigilo bancário e fiscal do ex-presidente Jair Bolsonaro e Michelle, o STF abre uma nova frente de investigação para a Polícia Federal: a história da vaquinha de R$ 17 milhões para pagar uma multa de R$ 1 milhão se sustenta em pé? Ou foi uma saída criativa e parte dos depósitos foi para “esquentar” ou “lavar” o dinheiro vivo do casal?

O esquema de venda de presentes, joias e relógios que funcionava dentro do Planalto é demolidor para o destino e a imagem de Bolsonaro, porque revela crime e reforça o gosto da família por dinheiro em espécie, rachadinhas e compra e venda de imóveis. Mas isso não explica tudo.

Não explica os quase R$ 12 milhões que o tenente coronel da ativa Mauro Cid e seus subordinados na Ajudância de Ordens movimentaram em um ano e meio, nem todos os repasses para Bolsonaro e Michelle. De onde vem o resto?

Jorge Caldeira* - Putin e ambientalismo, oportunidade ao Brasil?

O Estado de S. Paulo

Agora, que o fluxo de investimentos no Fundo Amazônia está voltando, o Brasil vai lidar com o dinheiro AAA (não só o norueguês) como um parceiro sério?

Um ano e meio atrás, Vladimir Putin iniciou uma guerra. Queria um futuro grandioso para a Rússia. Fazia parte dos cálculos de ganhos com a invasão da Ucrânia uma valorização do petróleo e do gás, as principais fontes de riqueza de seu país.

Um ano e meio depois, alguns números, medindo os resultados desses cálculos de grandeza, emergem como realidade. Já se sabe que o PIB russo caiu – a medida de quanto é para lá de controversa. Um indicador mais claro pode ser o das receitas governamentais com o setor de energia: desabaram 36% entre junho de 2022 e de 2023. A projeção atual é de uma queda anualizada de US$ 70 bilhões – 4,6% do PIB nacional.

Existe também quem ganhou muito dinheiro com a guerra. Entre o início de 2022 e o final do 1.º semestre de 2023, segundo estimativas prévias do Ministério das Finanças da Noruega, o país obteve receitas extras de US$ 170 bilhões, graças aos aumentos de preço do petróleo provocados pelo conflito.

Celso Lafer* - Putin e o Direito Internacional Penal

O Estado de S. Paulo

Entre os desdobramentos jurídicos do conflito, cabe discutir o potencial de responsabilidade penal de Putin pela guerra da Ucrânia

A Carta da ONU deixa explícita em seu Preâmbulo a sua “ideia a realizar”: preservar a humanidade dos flagelos da guerra e dos seus indizíveis sofrimentos. Ela estabelece como grande propósito da ordem mundial do pós-Segunda Guerra: manter a paz e a segurança internacionais, reprimir atos de agressão, solucionar por meios pacíficos controvérsias e situações. Neste contexto, realça o cumprimento do princípio de igualdade e de autodeterminação dos povos.

A Carta não coonesta a guerra como a continuação da política internacional por outros meios e consagra como princípios básicos o respeito à integridade territorial e a independência política de qualquer Estado. Estes princípios representam um ingredientechave do potencial de convivência equilibrada entre nações, grandes e pequenas.

José Roberto Mendonça de Barros - O crescimento requer escolhas

O Estado de S. Paulo

A descarbonização da economia no mundo passará necessariamente pelo Brasil

O desequilíbrio ambiental, que não pode mais ser negado, está empurrando o mundo em direção à transição energética, retirando o petróleo do centro do modelo e substituindo-o por energias sustentáveis. Na verdade, a mudança é muito mais ampla, pois é nossa relação com a natureza que tem de ser alterada.

O Brasil tem desafios nessa área. Mas tem também oportunidades.

Claro que problemas históricos persistem, como a pobreza. E ela precisa ser enfrentada respeitando as restrições: interessante notar como a população rejeita a volta da inflação.

Não se pode gastar e elevar a dívida pública sem limites.

Parece razoável dizer que não voltaremos a crescer sem uma estratégia que destrave os novos motores de crescimento, mas sem atropelar as restrições. Ninguém quer mais um voo de galinha.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

É muito improvável governo cumprir metas de Haddad

O Globo

Números mostram que dificilmente o déficit será zerado e os resultados fiscais prometidos serão entregues

Desde o início do ano, os economistas e analistas de mercado manifestam receio sobre os gastos públicos. A fonte do temor é a última passagem do PT pelo Palácio do Planalto. No último governo Dilma Rousseff, a dívida pública saltou de 52% para 70% do PIB (hoje está em 74%). Diante das dúvidas, a reação de Luiz Inácio Lula da Silva foi de indignação. Pois, oito meses depois, os fatos mostram que as vozes céticas não estão distantes da realidade.

É verdade que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs ao Congresso, com apoio de Lula, um novo arcabouço fiscal para substituir a regra do teto de gastos (o texto espera avaliação da Câmara depois de ter sido modificado no Senado). Embora imperfeito ao impor elevação da arrecadação nada desprezível, o novo arcabouço foi saudado, pois qualquer regra é melhor que regra nenhuma. Haddad foi além. Prometeu reduzir o déficit deste ano a R$ 100 bilhões e estabeleceu como meta zerá-lo em 2024, com superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - O homem; as viagens

 

Música | Mônica Salmaso - Odeon

 

sábado, 19 de agosto de 2023

Sergio Fausto* - Cordão sanitário contra a extrema direita

O Estado de S. Paulo

Com Bolsonaro inelegível, mas ainda relevante, a direita tem, aqui, o desafio de encontrar seu caminho de volta para o leito normal da democracia

A estigmatização dos imigrantes como elementos nocivos e perigosos à sociedade é uma nota constante na retórica da extrema direita na Europa e nos Estados Unidos. Batendo nessa tecla, partidos antes à margem do sistema político passaram a ameaçar partidos conservadores tradicionais. Temerosos de perder sua base eleitoral, vários destes incorporaram aos seus discursos e programas temas típicos da extrema direita. Junto com a estigmatização e a violação dos direitos humanos dos imigrantes vieram a valorização de um nacionalismo de base étnica, racial e/ou religiosa e a reafirmação dos tradicionais valores cristãos contra a aceitação da igualdade e diversidade de gênero, orientação sexual e formas de constituir família. Vem se rompendo, assim, o cordão sanitário protetor das democracias do Hemisfério Norte desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Caso recente se deu na Espanha. Em maio, a direita venceu as eleições locais. O Partido Popular (PP), da direita democrática, decidiu aliar-se ao Vox, partido de extrema direita que, em rápida ascensão, se tornou uma das principais forças políticas do país nos últimos anos. Assumiram, juntos, o governo de comunidades autônomas importantes como Valência e Castela e Leão. Entusiasmado com o resultado das eleições locais, o PP dobrou a aposta para as eleições nacionais, antecipadas para julho, com a pretensão de atrair o voto da extrema direita e ganhar a maioria necessária no Parlamento para liderar um novo governo.

Hélio Schwartsman - Como tratar ex-presidentes?

Folha de S. Paulo

Responsabilização penal por crimes cometidos prejudica a pacificação política

O Brasil deveria tratar melhor seus ex-presidentes? A questão, proposta por Arthur Lira, é interessante e nos remete a um dilema real das sociedades democráticas. Primeiro, um pouco de contexto. Lira disse isso diante do agravamento da situação de Bolsonaro, que vai se complicando em várias das investigações de que é objeto, mas lembrou os casos de LulaDilma Temer, que também tiveram problemas com a Justiça, ainda que em graus variados.

Numa República, líderes políticos são cidadãos iguais a todos os outros em direitos e deveres. Isso significa que, se cometerem crimes, precisam responder por eles, idealmente sem nenhum tipo de regalia. Deixar de aplicar a lei contra poderosos tem efeitos perversos sobre a credibilidade do sistema de Justiça e sobre a própria ideia de igualdade republicana.

Dora Kramer - Ladrões sem casaca

Folha de S. Paulo

Bolsonaro protagonizou esquema mequetrefe de apropriação indevida e abuso do poder

A canoa de Jair Bolsonaro virou, e foi ele quem deixou ela virar, conforme atestam os fatos e agora dois de seus comparsas na trajetória de ilicitudes que fatalmente o levarão à prisão. Mauro Cid e Walter Delgatti resolveram dar com a língua nos dentes a fim de atenuar os danos às respectivas peles.

Quando começa assim, o efeito dominó é inevitável. Outras confissões apontando o ex-presidente como mandante dos crimes contra a saúde pública, o Estado de Direito, o sistema eleitoral e a reputações alheias virão.

Os dias de liberdade de Bolsonaro estão contados. A ele resta a esperança de que seja visto como vítima de perseguição e, lá na frente, possa dar a volta por cima. Mira-se no exemplo de Luiz Inácio da Silva sem, no entanto, levar em conta as abissais diferenças entre as figuras e as circunstâncias de um e de outro.

Alvaro Costa e Silva -Avança Milei, afunda Bolsonaro

Folha de S. Paulo

O que continua no mesmo lugar é a enganação

Isso é que é senso de oportunidade. Dois dias depois de estourar o caso da organização criminosa suspeita de lavar dinheiro nos EUA, o filho 03 divulgou nas redes sociais o lançamento de um calendário cuja capa exibe o pai sem camisa, cicatriz da facada à mostra. O produto da loja Bolsonaro Store custa R$ 69,90 e conta em fotos a "trajetória vitoriosa" do capitão, indo da caserna ao Planalto.

Não há imagens do então deputado Bolsonaro superfaturando a verba de gasolina nem usando o auxílio-moradia para "comer gente". Tampouco abraçando a Wal do Açaí ou recebendo o pagamento do empréstimo feito ao Queiroz. Já presidente, confraternizando com os pastores do MEC ou com intermediários na compra de vacinas. Na última página do calendário faltou a fotografia do avião da FAB utilizado para levar escondidas as joias que pertencem ao Estado brasileiro.

Demétrio Magnoli - Trump, a 'rescisão da Constituição'

Folha de S. Paulo

Acossado por processos, ex-presidente transforma campanha em plebiscito sobre democracia americana

Donald Trump não é burro como Bolsonaro. Diante de seu quarto indiciamento, na Geórgia, pela tentativa de fraudar o resultado das urnas do estado, sua campanha emitiu uma nota que diz o seguinte:

"Estas atividades dos líderes democratas constituem grave ameaça à democracia americana e são tentativas de despojar o povo americano de sua legítima preferência de voto para presidente. Chame-se isto de interferência nas eleições ou manipulação eleitoral, é um perigoso esforço da classe dirigente de suprimir o direito de escolha do povo." Mais que demagogia, encontra-se aí uma síntese do programa insurrecional da direita extremista.

Fernando Schüler* - ‘Que se vayan todos’

Revista Veja

O liberalismo representa uma visão de mundo menos óbvia que o populismo

Javier Milei causou sensação com seu desempenho nas primárias argentinas (leia a reportagem na pág. 52). Em parte, porque é um lobo solitário. Um “grito de guerra”, como diz o antropólogo Pablo Semán, o “que se vayan todos”, e faz mover os jovens dos bairros esquecidos da periferia de Buenos Aires. Mas a novidade é ser um “libertário”. Parte da imprensa apelidou Milei de representante da “extrema direita”, o que revela mistura de mau humor e preguiça intelectual. O mais curioso foi ver o sujeito dito como um “alto risco para a economia argentina”, como escutei em um programa de televisão. O peronismo vai entregando o país quebrado, inflação a 115% e a pobreza atingindo 40% da população. Mas perigo é Milei. As narrativas, desde sempre, definem o teatro da política. Nesse caso, dirão que ele foi instrutor de kama sutra e que dorme com seus cachorros, mas pouca coisa sobre fazer um programa de demissão voluntária no setor público e derrubar a carga tributária. Talvez isso tudo seja particularmente constrangedor por aqui, visto que andamos numa busca algo desesperada para aumentar impostos, enquanto abrimos concursos públicos como nunca e anunciamos o governo no “comando da economia”.

Pablo Ortellado - Como classificar Javier Milei?

O Globo

Ele e Bolsonaro combinam conservadorismo moral e liberalismo econômico extremo

 ‘Anarcocapitalista’, “libertário”, “ultraliberal”, “de extrema direita”. A imprensa tateia tentando encontrar a melhor classificação para Javier Milei, o candidato a presidente da Argentina que venceu as primárias no último domingo. A hesitação não é sem motivo, já que o político argentino articulou um discurso econômico libertário com um populismo cada vez mais conservador nos costumes. Essa estratégia resgata um projeto dos libertários americanos dos anos 1990, que foi chamado de “paleolibertário”.

Eduardo Affonso - A ciência também é relativa

O Globo

Já imaginou se Bolsonaro tivesse incluído no SUS as sessões de descarrego das igrejas neopentecostais?

A oposição ao governo Bolsonaro passou três intermináveis anos clamando pelo respeito à ciência: vacinação, distanciamento social, uso de máscaras — tudo o que a Organização Mundial da Saúde recomendava no combate à pandemia de Covid-19. E, naturalmente, combatendo os tratamentos inócuos, cujas estrelas eram a cloroquina, a hidroxicloroquina e a ivermectina, coadjuvadas por azitromicina, bromexina, nitazoxanida, anticoagulantes (e os suplementos de zinco fazendo figuração).

Felizmente houve a vacinação em massa — e esses medicamentos voltaram a ser usados apenas para o indicado nas bulas: malária, lúpus, pulga, carrapato, bronquite, faringite, amebíase, diarreia etc. Em 2022, os opositores do negacionismo científico ganharam as eleições.

Carlos Alberto Sardenberg - Falta governança

O Globo

Se não se sabe para que ministério vai o deputado, como discutir capacidades e programas de governo?

Da reforma ministerial em andamento, sabe-se de certo mesmo apenas o nome dos dois deputados do Centrão que serão ministros: Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA). Para que ministérios, há informações e não informações circulando nos bastidores. Também há incerteza sobre os empregos dados aos ministros atuais que perderão seus postos.

Há, pois, intensas negociações, mas procurará em vão quem tentar encontrar algum debate, sequer uma menção à capacidade dos indicados e às políticas que desenvolverão nos cargos. Qual o problema? — se poderia dizer. Se não se sabe para que ministério vai o deputado, como discutir capacidades e programas de governo? E assim ficamos: primeiro escolhe-se o nome, depois o cargo, e aí se vai ver o que ele poderá fazer. Governança zero, mas — quer saber? — não é isso que importa nesse sistema. As negociações envolvem verbas e cargos incluídos nos ministérios, além da capacidade do indicado de conseguir, no Congresso, verbas e votos para o governo.

Alvaro Gribel - A pior semana na economia

O Globo

Governo enfrentou apagão, aumento dos combustíveis e a declaração de Haddad azedou o clima nas negociações com o Congresso

O governo Lula viveu a sua pior semana na economia. Ela começou na segunda-feira, com a declaração infeliz — ainda que com ares de verdade — do ministro Fernando Haddad, que disse que nunca viu a Câmara dos Deputados com tantos poderes. A frase azedou as negociações da pauta econômica e obrigou o ministro a jogar na defensiva com o presidente da Casa, Arthur Lira. Depois, na terça-feira, foi a vez de um apagão nacional ainda mal explicado, em paralelo a um forte reajuste nos preços dos combustíveis pela Petrobras. A tese de que a companhia é autossuficiente e não precisa seguir a cotação internacional não prevaleceu sobre os impactos no caixa da empresa. Para completar, o cenário internacional virou, e isso fez o real voltar para perto de R$ 5,00 e a bolsa brasileira cair por 13 sessões seguidas.