quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil volta a ser visto como lugar bom para corruptos

O Globo

No ranking da Transparência Internacional, país caiu para a 107ª posição, sua pior colocação

O Brasil obteve no ano passado a pior colocação no ranking sobre percepção de corrupção da ONG Transparência Internacional desde que ele começou, em 2012. Há dez anos, estava no mesmo patamar de Bulgária, Grécia, Itália e Romênia. De lá para cá, todos melhoraram. O Brasil foi exceção. Agora estamos empatados com Argélia, Nepal e Níger. No Judiciário, o desmonte do combate à corrupção ficou patente em decisões favoráveis a implicados pela Operação Lava-Jato que haviam confessado crimes. Em vez de corrigir os erros da operação, optou-se por anulações indiscriminadas. No Legislativo, o inchaço das emendas parlamentares passou a irrigar esquemas de desvio de dinheiro público. Não surpreende que o Brasil tenha despencado da 69ª posição, alcançada em 2012, e hoje esteja no 107º lugar entre os 180 países avaliados no ranking da Transparência.

Do hiperpresidencialismo ao presidencialismo congressual - Gustavo Binenbojm*

O Globo

O poder de editar medidas provisórias foi severamente limitado pela Emenda Constitucional 32/2001

O sistema político brasileiro sofre de uma crise de governabilidade. Parte do problema advém do quadro partidário fragmentado, da falta de presidentes populares nos últimos 15 anos e da polarização ideológica. Mas não é possível ignorar nem minimizar a relevância das mutações havidas na lógica de funcionamento do próprio sistema presidencialista, evidenciando uma redistribuição de forças entre os Poderes Legislativo e Executivo.

Os primeiros 15 anos de vigência da Constituição de 1988 foram marcados por forte predomínio do Poder Executivo. Embora nos debates constituintes houvesse uma influente corrente parlamentarista, a verdade é que, no fim das contas, o presidencialismo prevaleceu, e sua vitória acabou ratificada em plebiscito poucos anos depois. O presidente da República se impunha ao Congresso com poderes cumulativos: chefe de Estado, chefe de governo e da administração, comandante em chefe das Forças Armadas, além de titular da execução orçamentária e financeira. Em sua versão original, a Carta de 88 ainda dava ao presidente o poder de editar medidas provisórias com força de lei. Podiam tratar de qualquer assunto e eram fartamente reeditadas, ainda quando não apreciadas pelo Parlamento. Isso tudo, somado ao poder de nomeação para cargos comissionados e funções de confiança, conferia ao governo ascendência sobre o Congresso e a condução da própria pauta legislativa. O termo hiperpresidencialismo foi cunhado para expressar essa dinâmica política.

Malu Gaspar – O efeito Trump e a anistia

O Globo

Esqueça a guerra de tarifas que avança sobre o aço brasileiro, a proposta de transformar a Faixa de Gaza num resort ou a possibilidade de a guerra na Ucrânia acabar com a entrega de parte do território do país à Rússia de Vladimir Putin. De todas as mirabolâncias perpetradas por Donald Trump neste início do mandato, a que mais reverbera na direita brasileira é a ofensiva sobre a Usaid, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.

Mais conhecida pela ajuda humanitária que presta em regiões pobres, como a África Subsaariana, a América Central e a Ásia, a Usaid financia de iniciativas de aleitamento materno e prevenção da Aids a programas anticorrupção e debates sobre transição de gênero.

Criada por John Kennedy nos anos 1960, para aumentar a influência americana contra a potencial expansão da revolução cubana ou do comunismo russo, a Usaid já colaborou com a ditadura brasileira e foi usada pelo governo Bush para financiar a reconstrução do Iraque depois da queda de Saddam Hussein. Atua ao gosto do freguês. Seu orçamento, de US$ 40 bilhões por ano, é apenas 0,6% do total de US$ 6,75 trilhões. Mas, para Trump, a Usaid é um dreno de dinheiro que só serve para pagar a “mídias de notícias falsas” e promover “boas histórias sobre os democratas”.

O embaixador e a COP dos desafios – Míriam Leitão

O Globo

André Corrêa do Lago, presidente da COP30, vai criar comitê de economistas para que Brasil aproveite as oportunidades da nova economia na Conferência

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, vai criar um conselho de economistas, brasileiros e estrangeiros, para assessorar a presidência da Conferência. Ele quer que a economia esteja na discussão, e, por isso, adianta que o ministro Fernando Haddad está muito empenhado na questão. Admite que há uma mudança significativa com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e defende a tese de que não há conflito entre explorar o petróleo na Foz do Amazonas, se for essa a decisão, e a posição de liderança do Brasil nas negociações do combate às mudanças climáticas. O importante, segundo ele, é saber “como é que vamos pegar esse trem que está passando a uma velocidade razoável na Estação Brasil”.

Lula critica Ibama e constrange Alckmin, França e Marina – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A Petrobras mantém uma queda de braços com o Ibama, que não autoriza a estatal a perfurar poços no litoral do Amapá, na região da Margem Equatorial da Amazônia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou duramente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), nesta quarta-feira (12), pelo que chamou de "lenga-lenga" na questão da exploração de petróleo na Margem Equatorial da Amazônia, no litoral do Amapá, Região Norte do país. Chegou a dizer que o órgão parece agir como se fosse contra o governo, durante entrevista à Rádio Diário FM, do Macapá, onde deve se encontrar, nesta quinta-feira, com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

As declarações atingem diretamente o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, ex-prefeito de Bauru e ex-deputado federal do PSB, o que deixa constrangidos o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB); o ministro do Empreendedorismo, Márcio França (PSB); e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), à qual o Ibama está subordinado. Agostinho vem promovendo o fortalecimento da capacidade operacional do órgão, principalmente com o uso de tecnologia na fiscalização e combate ao crime ambiental.

Reforma é o desempate entre Rui Costa e Haddad - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

O batismo de 2025 foi dado por um egresso da finada frente ampla: “Temos nos ocupado muito com renda e emprego mas, no fundo, as pessoas só se preocupam com a inflação”

A crença de que o ano só começa depois do carnaval ganhou ainda mais adeptos com a previsão de que o Orçamento será votado em março. Mas não é preciso esperar esta aprovação, inequívoca visto que o Congresso hoje é seu sócio quase majoritário. Tampouco é preciso aguardar a reforma ministerial ou a equação para as emendas para se concluir que o ano começou antes mesmo da troca de calendário.

Seu ponto de partida foi dado por um graúdo integrante deste governo egresso da finada frente ampla que o elegeu: “Temos nos ocupado muito com a renda e o emprego mas, no fundo, as pessoas só se preocupam com a inflação”. Esses dois polos estão representados pelos ministros da Casa Civil e da Fazenda. O peso de cada um deles sobre o presidente da República define rumos mais do que toda a Esplanada.

Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos - Assis Moreira

Valor Econômico

Reorientação de exportações para países geopoliticamente alinhados cresce no comércio global

O Brasil, na presidência do Brics, enviou aos membros do grupo nesta semana uma proposta visando facilitar o pagamento das transações do comércio intrabloco - e que evita falar diretamente de desdolarização.

É verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por mais de uma vez disse “sonhar” com uma moeda comum para o Brics e questionou por que “todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar, por que não podemos fazer comércio lastreado na nossa moeda?”.

Preços, contratos e Trump - Jorge Arbache

Valor Econômico

Ambiente de incertezas e imprevisibilidade pode ser especialmente prejudicial no contexto de vulnerabilidades fiscais e pressões inflacionárias nos EUA

A imprevisibilidade e as intervenções econômicas do presidente Donald Trump têm suscitado preocupações sobre possíveis impactos negativos na economia dos Estados Unidos. Isto porque posturas polêmicas e agressivas combinadas com mudanças e reversões abruptas de política estão gerando incertezas nos mercados. As recentes ameaças de punição a empresas manufatureiras que não produzirem nos EUA colocaram ainda mais gasolina nesta fogueira. Embora algumas medidas anunciadas ainda não tenham entrado em vigor, a mera possibilidade de mudanças já foi suficiente para abalar mercados.

O Brasil diante de Trump - William Waack

O Estado de S. Paulo

Não parece haver boas opções para enfrentar quem não diferencia entre amigos e inimigos

Não há muita margem de manobra para o Brasil frente a Trump. No plano geral geopolítico, o presidente americano está desfazendo a ordem internacional que nos foi vantajosa. No plano imediato das tarifas impostas contra exportações de aço e alumínio brasileiras, o espaço de resposta é reduzido comparado ao que aconteceu no primeiro mandato de Trump.

A causa imediata é a probabilidade de que Trump implemente tarifas elevadas para outros setores. O agro aguarda isso a qualquer momento. É séria e real a ameaça de Trump de impor reciprocidade nas tarifas. Em outras palavras, mesmo que o Brasil retalie aqui ou ali, o buraco é bem maior.

Governo Trump, o fascínio da dominação - José Serra

O Estado de S. Paulo

Já de início, a ação de Donald Trump foi pautada por uma virulência típica dos impérios em declínio

Os primeiros movimentos do segundo governo Trump vão mostrando um líder em transição para o autoritarismo ilimitado. A dúvida que fica é se esse perfil é uma estratégia política, no contexto das políticas interna e externa da América, ou uma efetiva intenção de recolocar os Estados Unidos no papel de controlador imperial do mundo.

A segunda hipótese parece mais provável. A retórica que levou Trump ao poder teve como pilar o “Make America Great Again”. Em verdade, essa mensagem já confessa que a hegemonia americana passa por fortes questionamentos. Trump apostou (e ganhou) em mostrar o declínio para assumir o posto de timoneiro da recuperação do poder americano.

Sua ação já de início foi pautada por uma virulência típica dos impérios em declínio. Os impérios contemporâneos constroem uma hegemonia baseada em relações comerciais, financeiras, culturais, tecnológicas e étnicas. Há uma espécie de dependência de todos em relação ao centro do império, seja para vender produtos, seja para lastro financeiro e creditício, mas os outros aspectos dos costumes e da própria construção dos valores sociais estão presentes no conceito de hegemonia.

Tarefa da Fazenda é cortar R$ 35 bilhões - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

O histórico de contingenciamentos aponta que é possível, mas também ressalta a importância de contenção já no início do ano

Em janeiro, o governo central deve ter registrado superávit primário de R$ 89,3 bilhões, pouco acima da projeção da Warren Investimentos, de R$ 88,2 bilhões. Os dados são do portal Siga Brasil, coletados por minha equipe no último dia 10. O Siga compila dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), permitindo a antecipação do resultado do Tesouro Nacional.

No mesmo mês do ano passado, o superávit primário foi de R$ 79,5 bilhões ou R$ 83,1 bilhões quando corrigido pela inflação. A melhora de R$ 6,2 bilhões no resultado deu-se com altas reais de 4,6% da receita líquida (receita total menos transferências a Estados e municípios) e de 3,2% da despesa, na comparação com janeiro de 2024.

O lenga-lenga sobre tarifas e dólar - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Explicações peremptórias sobre tarifas, câmbio ou rito da economia são conversa fiada

Assim que Donald Trump anunciou o aumento de imposto de importação sobre aço e alumínio apareceram estatísticas detalhadas de exportações brasileiras, tabelas de "quem ganha e quem perde" e outras especulações sobre qual pode ser o efeito desse de tantos decretos sinistros.

Nesta quarta, Jerome Powell, presidente do Fed, disse que não tem ideia de qual vai ser o efeito das "tarifas", que depende de extensão, tamanho e duração dos impostos. "Em alguns casos, não chega muito ao consumidor, em alguns casos, chega... Depende de fatos que ainda estamos para ver".

Atitudes de Trump atingem os pilares da ordem internacional - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Discursos lembram política de áreas de influência típica de potências europeias no séc. 19

Analistas da política norte-americana se esforçam para distinguir, na enxurrada de decretos executivos expelidos pelo presidente Donald Trump, o que é para valer e o que é apenas para obter —pela intimidação— acordos mais vantajosos.

Seja qual for a intenção, o desastre é monumental e fere não apenas os habitantes do país, cuja grandeza passada o novo ocupante da Casa Branca prometeu ressuscitar —seja lá o que ele quis dizer.

No plano externo, palavras e atos do presidente atingem igualmente pilares da chamada ordem internacional baseada em regras —ou ordem liberal. Obra lapidada do Ocidente democrático, depois da Segunda Guerra Mundial, seu objetivo era reduzir o risco de novos conflitos generalizados e estabelecer limites à pura política de poder e ao exercício da força bruta nas relações entre países. Além de buscar soluções negociadas para problemas que ignoram fronteiras ­—como a crise ambiental ou as pandemias. Seu instrumento foram os numerosos organismos e arranjos multilaterais que se multiplicaram em torno das Nações Unidas e de entidades como o FMI e o Banco Mundial.

Os 12 trabalhos do autocrata - Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

A cartilha da erosão democrática disparada por Trump

Não há receita rígida para desmontar a democracia. A ordem de fatores e a dose variam. Mas o roteiro contemporâneo combina 12 tarefas. Invariavelmente. Um programa de transferência de tecnologia da autocratização. Aqui um resumo temático.

1. O autocrata e o Povo. Induza confusão entre vitória eleitoral e mandato ilimitado. A identificação existencial entre povo genuíno e líder eleito apaga a distinção entre maiorias e minorias. Estas, ou se aliam, ou são excluídas. Não há diversidade: "povo" de um lado contra os moralmente depravados de outro.

2. O autocrata e a Verdade. Estigmatize e inviabilize instituições de produção de informação, ciência e imaginação crítica. Ataque universidades, vigie salas de aula, intimide cientistas, professores, jornalistas. Invoque intenções maliciosas no que fazem.

Poesia | Em louvor da aprendizagem, de Bertolt Brecht

 

Música | Milton Nascimento - Nos bailes da vida

 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alta dos gastos parafiscais alimenta incerteza

O Globo

Despesas fixas por fora do Orçamento deverão dobrar ou triplicar neste ano, alcançando pelo menos 1% do PIB

A forte expansão do gasto público desde a volta do PT ao Planalto é responsável não apenas pelo aumento do endividamento público, mas também pela alta dos preços — apesar de a inflação de janeiro ter ficado em 0,16%, melhor resultado do mês desde o Plano Real, o acumulado em 12 meses continua acima da meta (4,56% ante 4,5%). Talvez esse seja o motivo mais evidente para o cidadão comum dar atenção ao desarranjo fiscal. Merecem especial atenção aquelas despesas que, apesar de crescentes e recorrentes, não entram oficialmente no Orçamento. Conhecidas como parafiscais, incluem o financiamento de políticas públicas por fundos estatais, sua exclusão dos cálculos do arcabouço fiscal, o incentivo artificial ao consumo pelos bancos públicos, investimentos de estatais ou aumento do crédito subsidiado pelo BNDES com fins e garantias duvidosos e toda sorte de “criatividade contábil”.

Fuga para a frente? - Vera Magalhães

O Globo

Ideia de uma 'fuga para frente' a partir de um grande acordo esbarra em dificuldades nos casos envolvendo Bolsonaro

As últimas semanas têm sido pródigas em balões de ensaio com saídas para lá de heterodoxas para resolver impasses políticos, judiciais ou institucionais. Das condenações do 8 de Janeiro à expectativa diante da iminente denúncia de Jair Bolsonaro, ex-ministros, militares e outros assessores pelas tratativas para um golpe ainda antes da posse de Lula, passando pelo imbróglio das emendas, muita gente parece empenhada em desenhar uma “fuga para a frente”, como bem definiu um observador com vista para a Praça dos Três Poderes.

A expressão, de origem francesa, costuma designar aqueles movimentos para tentar resolver um problema escondendo o passivo debaixo do tapete. Nesse balaio, sobram ideias à procura de quem as leve adiante. Pouca gente responsável pelos desígnios do Legislativo ou do Judiciário acredita que alguma delas prospere.

De Pedro II@edu para Lula@gov – Elio Gaspari

O Globo

Estimado presidente,

Li que vosmecê prepara uma reforma do ministério e resolvi lhe escrever, com um aviso amargo: as trocas de ministros são um pesadelo inútil e, ao cabo, de nada adiantam.

Imagine que, na manhã de 23 de julho de 1890, acordei bem, mas havia-me sucedido uma coisa que não acontecia havia anos. Eu havia sonhado, e mal infelizmente, com a maçada da organização ministerial. Em quase 50 anos, passei por aquilo 36 vezes.

Naquele dia, se eu não tivesse sido deposto e desterrado, teria completado 50 anos de reinado em nossa terra. A maçada da organização do ministério assombrou-me quando levava uma vida de paz e rotina na Riviera Francesa. Meus dias eram cronometrados.

Cabeças no Congresso - Cristovam Buarque

Correio Braziliense

Eliminar a vergonha de privilégios e vantagens que fazem a República democrática dar mais benefícios aos seus dirigentes do que o Império oferecia a sua nobreza

Tem se fortalecido a ideia de que política é comunicação sem necessidade de conteúdo. O governo federal mudou o encarregado de sua comunicação sem qualquer reflexão sobre a falta de propostas novas e de alianças amplas. Outro exemplo de mudar a imagem sem mudar a substância foi cobrir os parlamentares com bonés para mostrar que cada um deles tem cabeça. Não houve esforço para que o sentimento de que faltam cabeças no Congresso fosse mudado graças a debates de ideias sobre os graves problemas que o país enfrenta.

Brasil precisa de novas regras para lidar com Trump – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

As políticas adotadas por Trump confrontam a ordem econômica mundial e a institucionalidade do comércio e da cooperação internacional

Na década de 1970, com a crise da economia mundial e a falta de novas teorias para explicar o desenvolvimento de alguns países, como a Coreia do Sul, e reverter a decadência de outros, caso da Argentina, alguns economistas começaram a analisar o desenvolvimento dos países a partir de suas instituições. Um deles, o norte-americano Douglas North, um dos teóricos da chamada Nova Economia Institucional, viria a ganhar o Prêmio Nobel de Economia, em 1993, por seu trabalho sobre o papel das instituições no desenvolvimento econômico.

North argumentava que instituições — incluindo leis, normas sociais e estruturas políticas — são fundamentais para explicar o crescimento e a prosperidade das nações. Os países têm uma trajetória historicamente definida, a partir de uma matriz institucional que prima pelo equilíbrio legítimo entre as "leis formais" e "as restrições informais". As tentativas de promover mudanças institucionais abruptas, a partir da transposição das leis formais — que traduzem modelos de desenvolvimento — de um país para o outro, porém, provocaram desequilíbrios nas instituições e acabaram produzindo resultados diferentes do observado no país"exportador" do modelo.

O poder da Inversão – Roberto DaMatta

O Globo

Brutalidade promove regressão ao isolamento num planeta interligado, que sofre os efeitos da hiperconectividade

Se você acha que o tema é pedante — afinal, sou cancelado em alguns lugares —, experimente vestir uma roupa pelo avesso. Faça como eu, que vesti uma suéter pelo avesso nos Estados Unidos, país onde o mind your own business (cuide-se e não me encha o saco!) é dominante, e um colega que jamais me dera um humilde “bom-dia” parou-me no corredor para a advertir-me que eu estava com a veste pelo avesso!

— Você deve estar só... — disse em seguida, com voz tranquilizadora porque sabia o que significava estar sem o outro que nos ama, ajuda e desentorta...

O risco fiscal e a política – Zeina Latif

O Globo

Que a política encontre caminhos para candidaturas reformistas. E que apontem na campanha os planos para construir a solvência fiscal

Como se já não bastassem os desequilíbrios fiscais recorrentes, de difícil solução, pois demandam reformas constitucionais, há uma bomba fiscal se formando. Refiro-me a despesas obrigatórias da União que poderão crescer a um ritmo ainda mais rápido, até mais do que o já esperado.

Será grande o desafio do próximo presidente para iniciar o desmonte dessa bomba. Isso sob pena de inviabilizar o investimento público (ou as despesas discricionárias) e adicionar desconfiança ao já frágil regime fiscal, o que significa inflação e juros altos a perder de vista, e ameaças à governabilidade.

O próprio Tesouro Nacional estima que as despesas obrigatórias sujeitas às regras do arcabouço fiscal devem ter um crescimento real médio de 3% ao ano até 2034, acima dos 2,5% estabelecido pelo próprio arcabouço.

Divergência entre as prioridades de PT e aliados - Fernando Exman

Valor Econômico

“Modo campanha” neste início de 2025, momento em que pesquisas de opinião apontam um cenário adverso ao projeto da reeleição

A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “ligar o modo campanha” neste início de 2025, momento em que pesquisas de opinião apontam um cenário adverso ao projeto da reeleição, expôs visões distintas entre o PT e aliados sobre o que deve ser a prioridade do mandatário.

A economia está no centro das preocupações dos petistas. Tenta-se espraiar o sentimento de que o pior em relação à inflação já passou e, portanto, o temor maior deve ser quanto ao efeito do aperto da política monetária sobre a atividade e o emprego. Nesse contexto, é citado um trecho da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central em que o colegiado aponta “como risco em um ambiente de taxas contracionistas e de piora das condições financeiras, a possibilidade de uma desaceleração doméstica mais forte do que a esperada, que poderia gerar impactos desinflacionários ao longo do tempo”.

Pressão ainda é forte em alimentos, serviços e bens industriais - Sergio Lamucci

Valor Econômico

IPCA de janeiro teve uma alta fraca, de 0,16%, mas a abertura do indicador mostra um cenário bem menos benigno para a inflação

O IPCA de janeiro teve uma alta fraca, de 0,16%, mas a abertura do indicador mostra um cenário bem menos benigno para a inflação. Os preços da alimentação no domicílio tiveram uma desaceleração, mas ainda subiram mais de 1% no mês, enquanto os serviços mais sensíveis à demanda também avançaram a um ritmo forte. Já as cotações dos bens industriais perderam um pouco de fôlego no mês passado em relação a dezembro, mas o aumento foi mais intenso do que o registrado em todos os outros meses do ano passado. Para completar, os núcleos, que buscam reduzir ou eliminar a influência dos itens mais voláteis, aceleraram mais uma vez.

Hora ruim para estratégias dúbias - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Ano promete ser de nervos à flor da pele

“Surreal”, reagiu um integrante do governo na tarde da última sexta-feira, ao ser questionado sobre um possível reajuste do Bolsa Família, ventilado pelo ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias em entrevista à Deutsche Welle. “Expõe o presidente, que terá de dizer ‘não’”, explicou a fonte. “Não há espaço fiscal e não resolve problema da inflação.”

O comentário foi feito minutos antes de o Palácio do Planalto escalar a Casa Civil para dizer o “não”, em nota que descartou o aumento de forma categórica. A reação veio rápido, mas não impediu que o mercado reeditasse temores sobre a condução da política fiscal brasileira que infernizaram o fim do ano passado. Naquela sexta, a cotação do dólar atingiu R$ 5,79 e o Ibovespa caiu 1,27%.

A coragem que constrói a democracia - Nicolau da Rocha Cavalcanti

O Estado de S. Paulo

Em condições de extrema adversidade, José Carlos Dias exerceu a advocacia criminal de forma técnica, corajosa e criativa

No dia 10 de fevereiro, o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) concedeu sua maior honraria – o Prêmio Barão de Ramalho – a José Carlos Dias, cuja trajetória na defesa dos direitos humanos foi recentemente contada no livro Democracia e Liberdade (Alameda, 2024), de Ricardo Carvalho e Otávio Dias. Às vezes, fala-se que no Brasil faltam lideranças na sociedade civil. Pois bem, José Carlos Dias foi e continua sendo uma liderança no mais genuíno sentido do termo, seja por sua exata compreensão a respeito do que vale a pena lutar, seja por sua capacidade de reunir e, com seu exemplo, formar pessoas para essa luta.

Um braço de Trump no Congresso? - Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo

Deputado se ocupa em suas redes da defesa do americano e parece esquecer até a lição de seu ídolo

As relações entre o deputado federal Eduardo Bolsonaro e a administração Trump são conhecidas. Ele faz questão de as exibir nas redes sociais. Ali, pode-se ter uma ideia do que parece a filiação aos interesses de um centro político exterior, vinculado a uma potência estrangeira.

Nos 11 primeiros dias deste mês, o filho do ex-presidente fez 163 publicações em sua conta na rede X. Destas, 63 (38,5%) defendiam Trump e suas políticas, mesmo quando afetavam interesses nacionais, como a taxação de produtos brasileiros. Em segundo lugar, o deputado se ocupou da defesa dos interesses de seu grupo político e de seu pai – 23% das publicações. Outros dois temas ocuparam Eduardo: as críticas ao STF e ao TSE (17,7%) e a oposição ao presidente Lula, com 16,5%.

O peso dos evangélicos nas eleições de 2026 – Fábio Alves

O Estado de S. Paulo

Estudo de gestora mostra como aumento do voto evangélico poderá ser decisivo na eleição de 2026

Está ganhando tração entre analistas um estudo da gestora carioca Mar Asset sobre o crescimento da população evangélica no Brasil, movendo decisivamente o pêndulo do eleitorado para a direita e sinalizando que, ainda que mantida a proporção de votos que o presidente Lula recebeu de evangélicos e não evangélicos no pleito de 2022, a reeleição do petista está seriamente ameaçada em 2026.

Segundo os economistas da Mar Asset, a alteração estrutural observada na sociedade brasileira, com o crescimento da população evangélica, empurrando o perfil do voto médio em direção ao conservadorismo e à direita, “torna minoritária a probabilidade de reeleição do presidente Lula, algo que deve ser antecipado pelos mercados em algum momento de 2025”.

Sicofantas que se acham melhores que hipócritas - Rui Tavares

Folha de S. Paulo

A extrema direita faz em dobro tudo aquilo que denuncia

Quem conhece o argumentário da extrema direita sabe que uma das suas acusações mais recorrentes é a de hipocrisia. Trata-se de uma acusação curiosa: se acusamos o nosso adversário de ser hipócrita, estamos implicitamente a reconhecer a superioridade dos seus valores, pois o crime não está em acreditar em coisas erradas, mas sim em não ter um comportamento que esteja à altura das coisas em que se acredita. Se assim é, a suposta vantagem moral de quem faz a acusação não está em ser melhor do que o acusado, mas simplesmente em não se envergonhar de ser pior: ao menos não sou hipócrita!

A hipocrisia é uma constante da vida: quem nunca disse gostar do presente (repetido) de Natal que atire a primeira pedra. Não se tratando certamente de uma qualidade, é bastante melhor do que a mentira flagrante, a desonestidade, a perfídia, a perversidade. Tanto que os gregos tinham um termo para quem era pior do que hipócrita: sicofantas. Sicofanta, que vem das palavras gregas para figo (sykon) e revelar ou denunciar (phainein), é a palavra para aquele que acusa os outros de roubar figos, mas que pratica crimes muito piores do que esse.

Motta martela o cravo e a ferradura - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Deputado num dia invoca Ulysses e no outro alivia o lado dos golpistas de 8 de janeiro

O que Arthur Lira (PP-AL) tinha de incisivo na presidência da Câmara seu sucessor tem de ambíguo. Ao menos neste início de mandato, Hugo Motta (Republicanos-PB) tem se caracterizado por martelar ora o cravo, ora a ferradura.

Invoca Ulysses Guimarães (1916-1992) no "ódio e nojo à ditadura" num dia e no outro alivia o lado dos golpistas do 8/1 dizendo que vandalizaram a praça dos Três Poderes por mera arruaça. Segundo ele, por acreditarem na derrubada do governo eleito. Se a crença era na deposição forçada, o nome do jogo é tentativa de golpe, correto?

STF é implacável com golpistas do 8/1? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Corte permitiu que mais de 500 envolvidos saíssem livres por acordo de não persecução; 375 foram condenados a penas de 3 a 17 anos

Continuo hoje com o que não coube na coluna de ontem. O STF está sendo implacável com os envolvidos no 8/1? Aqui, a resposta fica bem ao gosto do freguês.

Até janeiro, o Supremo já havia responsabilizado 902 cidadãos por participação no 8/1. Desses, 527 firmaram acordos de não persecução penal, o que significa que foram liberados apenas com o compromisso de prestar algumas horas de serviço comunitário e participar de um cursinho sobre democracia. Eles manterão a primariedade. Acho que dá para dizer que, para estes, meter-se na aventura golpista saiu barato.

A nova maioria e o autoengano progressista - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Atualmente, nenhuma posição goza de imunidade, muito menos as progressistas

"Até quando teremos que pisar em ovos ao defender nossas pautas para não provocar os eleitores de direita?"

Essa foi uma das objeções mais interessantes que me foram apresentadas nas últimas semanas. "Pisar em ovos", vocês sabem, significa agir com cautela e delicadeza para evitar conflitos, problemas ou consequências negativas.

Não foi propriamente uma pergunta, mas sim o protesto de alguém já exausto da sensação de que os progressistas deixaram de ser a maioria política e de ocupar a posição dominante na esfera pública.

A resposta óbvia seria: "Até quando este país for uma democracia, um regime em que a maioria governa".

Claro, pode-se argumentar que, sendo o Brasil governado por um presidente de esquerda, a maioria eleitoral já escolheu um lado. Mas não é bem assim. Em 2022, o eleitor brasileiro deu a Presidência a Lula, mas entregou o Legislativo à oposição, justamente em um momento em que o poder do presidente da República é minguante, enquanto o dos presidentes das casas legislativas federais é crescente.

O futuro incerto da democracia na América – Caetano Araújo e Luiz Renato*

Correio Braziliense

É imprescindível que Trump e sua equipe releiam Tocqueville, para entender que a verdadeira força de uma democracia reside na proteção equitativa de todos os seus cidadãos

A vitória recente dos republicanos nas eleições presidenciais americanas, na onda de uma plataforma política belicista em política externa e francamente autoritária em termos de política interna, faz retornar, ao debate público, uma obra clássica das ciências sociais, A Democracia na América, de Alexis de Tocqueville, publicada em 1835, após longa viagem do autor por terras da então jovem república. A obra, entre outras características, descreve com minúcia os mecanismos de freios e contrapesos institucionais que protegem as garantias e direitos individuais, prevenindo a degeneração da democracia em uma situação de simples tirania da maioria.

Poesia | Apostila, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

 

Música | Orquestra Arruando - Banho de Cheiro (Carlos Fernando)

 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarifas de Trump exigem cautela do Brasil

O Globo

Política comercial americana é péssima para o mundo. Diplomacia brasileira deve tentar contornar efeitos negativos

A tarifa de 25% anunciada por Donald Trump sobre importações de aço e alumínio afetará as exportações brasileiras, mas seus efeitos ainda devem ser analisados de modo mais detido. No ano passado, o Brasil exportou US$ 4,1 bilhões em aço aos Estados Unidos. Com 15% do mercado local, ficou em segundo lugar entre os fornecedores externos. No alumínio, as exportações e a participação brasileira são bem menores, inferiores a US$ 800 milhões e a 1%. Embora medidas de retaliação sejam a resposta natural a esperar em casos do tipo, o governo brasileiro precisa primeiro avaliar as consequências antes de tomar decisões. Apesar de Trump dizer que não haverá exceção às tarifas, o passado pode servir de guia.

Sob o pretexto de defender a segurança nacional, no início de 2018, ainda no primeiro mandato, Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio importados. Duas semanas mais tarde, a Casa Branca informou que, para a União Europeia e para seis países, entre eles o Brasil, as tarifas seriam suspensas até o fim de negociações. Em maio, Trump impôs cotas às exportações brasileiras. Em agosto, nem mais isso estava em vigor. Se o importador americano comprovasse falta de matéria-prima no mercado interno, poderia comprar o produto brasileiro sem pagar 25% a mais em imposto.

Um governo navegado pelo mar - Carlos Melo

O Globo

Um balanço sincero conclui que o terceiro mandato de Lula não tem senso de urgência, não articula relações com a sociedade, com a nova economia

Num aparente paradoxo, o governo Lula apresenta bons números na economia sem reciprocidade nas curvas de popularidade e intenção de voto. A taxa de desemprego é a menor da história, 6,6% (IBGE); a equivalência do salário mínimo em cestas básicas (1,79) é a melhor desde 2020. Preocupante, a inflação de alimentos não supera a aceleração de preços no governo anterior.

O crescimento anual, acima de 3%, é incomparável com a média da última década (0,3%). O resultado fiscal, responsabilidade também dos grupos de pressão, não foi, ao final, a tragédia anunciada. Aos poucos, o dólar volta a patamar razoável. Pela indesmentível trama de um golpe de estado, inelegível, o líder da oposição pode estar entre a fuga e a prisão.

Nada disso atinge percepções e altera expectativas: a desaprovação a Lula (49%) ultrapassa a aprovação (47%). Mês a mês, complicam-se as chances de reeleição — feita, aliás, para reeleger. Sob olhares do centrão, do centro e do empresariado, pressionada, a direita já discute o nome de seu candidato, antes que outro aventureiro ocupe o espaço.

Guerra comercial e insensatez - Míriam Leitão

O Globo

Donald Trump taxa aço e o alumínio, mas o problema do seu comando vai além: é a marcha da insensatez

O aço sempre esteve no meio do tiroteio. A indústria americana é ineficiente, tem velhas queixas das importações, seus trabalhadores são parte do eleitorado de Donald Trump e estão convencidos de que medidas assim levarão a manufatura americana a ser grande de novo. Elevar a tarifa produz inflação porque o aço importado chegará

mais caro às empresas americanas. Como é um bem intermediário, o preço afetará da construção aos automóveis. Se houver mais espaço para os produtores locais, os subirão ainda mais. Para nós, o impacto é imediato porque quase metade do que exportamos de aço vai para os Estados Unidos. O problema, contudo, vai muito além do aço, é a marcha da insensatez.

O embaixador Marcos Azambuja define o presidente americano como sendo “a irracionalidade combinada com a vontade imperial”.

O sentimento em Israel – Pedro Doria

O Globo

A preocupação de todos é com os reféns. Acreditam que o governo nem de perto fez o suficiente pela libertação. Então a comunidade civil se juntou. Os israelenses se uniram uns aos outros

Israel foi tomado, no último ano e meio, por um sentimento. Trauma é uma palavra de que se poderia lançar mão, mas ela não dá conta de explicar. Esta coisa, esta emoção forte que vem de uma mudança brusca na maneira de enxergar o mundo, é nítida principalmente em quem é de esquerda. Nesses, o sentimento choca. Na linguagem do corpo, aflora como uma secura na fala e um olhar caído à meia pálpebra, parado. Fixo. Compreender que ele existe, entender sua natureza, é fundamental para ter uma visão realista do que ocorre no Oriente Médio. Porque nos leva a perceber que não há esperança tão cedo para a paz.

Estou no país desde 6 de fevereiro, numa viagem organizada pelo Instituto Brasil-Israel para conversar com gente de todo tipo. Ativistas, colegas jornalistas, diplomatas, políticos. Povo nas ruas. Judeus e árabes.