terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Christopher Garman* - Brasil e os riscos geopolíticos de 2024

Valor Econômico

Desafio do governo é imprimir política industrial que atraia investimentos, mas sem os erros do passado

O Brasil já começou a receber as primeiras luzes dos holofotes externos deste ano: na última segunda-feira (29), o Rio de Janeiro sediou a reunião de abertura do B20 - grupo que representa o braço privado do G20, as maiores economias do mundo. A reunião desta semana é uma de várias que antecedem a cúpula do G20, que acontece no país em novembro.

A boa notícia é que o Brasil tem uma bela janela de oportunidade externa - que o país pode aproveitar durante sua presidência do G20. Muito provém das especificidades dos riscos geopolíticos à frente e das vantagens competitivas do país.

No topo da lista de riscos estão três conflitos que não dão sinais de melhora: as guerras no Oriente Médio e na Ucrânia e o conflito interno nos EUA, que ficará mais evidente com as eleições do país em novembro. Um quarto risco está associado à falta de governança da inteligência artificial - que, ao mesmo tempo em que oferece um enorme potencial de aumento de produtividade, exacerba o potencial de desinformação nas eleições.

Esses e outros riscos, mapeados pela Eurasia Group em seu relatório anual “Top Risks”, indicam que o aumento de tensionamento geopolítico visto nos últimos cinco a dez anos vai continuar a crescer de forma preocupante, mesmo que lentamente. Esse aumento começa com a crescente competição entre as duas principais economias do mundo (EUA e China), exacerbada pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, mas passa pela fragmentação da governança e pela capacidade de coordenação internacional.

No curto prazo, as atenções estão voltadas para o Oriente Médio. Os principais atores na região - Irã, Arábia Saudita, Israel e EUA - estão agindo para evitar um escalonamento maior do conflito. Ainda assim, a região está um barril de pólvora: o ataque da semana passada contra uma base dos EUA na Jordânia certamente levará a Casa Branca a reagir, ainda que de forma calibrada para evitar um conflito aberto com Irã. De todo modo, é uma escalada do conflito, que aumenta estruturalmente o potencial de perturbar a economia global.

Na Ucrânia, a guerra atingiu um impasse. Com a continuidade de financiamento bélico dos americanos e da Europa em risco, o tempo trabalha a favor de Moscou. Logo, o risco está mais associado a uma contraofensiva da Rússia, que pode ocupar mais territórios do país vizinho. E quem pode agir “em desespero” é Volodymyr Zelensky, não Vladimir Putin.

Mas o maior risco geopolítico deste ano está nos EUA e em suas eleições de novembro. A provável disputa entre Joe Biden e Donald Trump (cuja indicação deve ser confirmada em breve) será altamente polarizada. Qualquer que seja o resultado, o lado perdedor verá o outro como ilegítimo. Uma eventual (e possível) vitória de Trump terá grandes repercussões internas e externas: o governo Trump terá uma relação próxima com o setor privado, mas o desafio fiscal crescerá, instituições na burocracia federal serão mais politizados, e os riscos de cauda da política externa aumentarão. Para a economia global, o risco também está associado a uma crescente política protecionista.

E como fica o Brasil?

Assim como outros países do chamado Sul Global, o país pode ganhar em termos relativos. O tensionamento entre EUA e China, que resultou em maiores tarifas e restrições de investimentos em setores sensíveis do ponto de vista de segurança nacional, está levando a uma busca no setor privado por mais segurança em suas cadeias produtivas globais. A pandemia e a crise na Ucrânia reforçaram esse diagnóstico, que se traduziu em uma queda importante de investimento externo na China.

O Brasil não está entre os países que mais se beneficiam desse “desvio de investimentos”. Fazem parte dessa lista México, Índia, Vietnã e parte do Sudeste da Asia, que estão mais integrados às cadeias produtivas globais - e, portanto, mais bem posicionados para se beneficiar de uma realocação de capital.

Mas o Brasil tem algumas vantagens competitivas nesse cenário. A grande produção agrícola e de energia dá à economia do país certa proteção relativa caso os conflitos no Oriente Médio ou na Ucrânia aumentem ao ponto de levar a um aumento nos preços desses itens. Assim como a alta do petróleo no início do conflito na Ucrânia acabou elevando a arrecadação federal, um novo aumento causado por um eventual alastramento no conflito do Oriente Médio pode ter o mesmo resultado.

Igualmente importante, as vantagens relativas de uma matriz elétrica limpa (quase 90% da energia produzida é de fontes renováveis) vão crescer ao longo do tempo. Não só porque as empresas darão mais importância a reduzir suas pegadas de carbono, mas pela atração de investimentos em novas tecnologias como hidrogênio verde. Ao colocar a pauta ambiental como um dos pilares para o G20, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva certamente vai na direção certa.

Um novo governo Trump certamente esfriaria as relações entre a Casa Branca e o Planalto, particularmente com a pauta ambiental perdendo relevância nos EUA. Mas, entre os países da América Latina, o México é o país que mais teria a perder com esse resultado das urnas, dado o grande foco eleitoral na questão de imigração. Assim, mesmo nesse cenário, o Brasil seria menos afetado.

Tudo isso sugere que a janela de oportunidade externa permanece aberta para o Brasil. Sentimos isso com nossa base de clientes fora do país. Mas resta aproveitar essa janela. O governo terá que navegar o desafio de tentar imprimir uma política industrial que consiga atrair investimentos em setores estratégicos - mas sem os erros do passado, que acabem inibindo a capacidade de ter uma taxa de juros real mais baixa. Vários países estão implementando políticas industriais, mas as restrições fiscais são um enorme desafio. E, ao mesmo tempo, é essencial ter foco: uma agenda ampla demais arrisca gerar os mesmos desafios do passado.

*Christopher Garman é diretor executivo para as Américas do Eurasia Group

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