O Globo
Como na casa em que falta pão todos ralham e
ninguém tem razão, o ex-casal perfeito começou a brigar em público
“Dinheiro compra até amor verdadeiro.” A frase, do escritor Nélson Rodrigues, se aplicou perfeitamente à união do bolsonarismo com o Centrão na metade final do governo Jair Bolsonaro. Sendo o bolsonarismo um autointitulado crítico do “sistema” e o Centrão a personificação do próprio, era de esperar que jamais se atraíssem. Mas, como tantas relações inusitadas, essa vingou por dar aos envolvidos vantagens mútuas — ao governo ameaçado pelo impeachment, a sobrevivência; ao Centrão voraz, as boas coisas da vida —, além de glória, poder e jatinhos, uma rica coleção de siglas, do tipo Codevasf, BNB e FNDE. Assim, salvo o governo Bolsonaro e ornado de joias o Centrão, viveram ambos felizes — até que o dinheiro acabou. Bolsonaro perdeu a eleição, ganhou processos, foi preso. O Centrão perdeu cargos (nem todos, claro), levou o fardo de ter apoiado um presidente golpista e viu integrantes obrigados a passar ao árido terreno da oposição. Como na casa em que falta pão todos ralham e ninguém tem razão, o ex-casal perfeito começou a brigar em público.
Agora, às vésperas de 2026, caciques do
Centrão reclamam que o clã Bolsonaro quer ter uma precedência eleitoral que já
não equivale à sua força. Em 2018, o bolsonarismo era um fato novo e não
testado. Hoje, provado e desgastado, é minoria até no próprio partido, o PL. Em
resposta, interlocutores e aliados de Eduardo Bolsonaro — atual líder do
bolsonarismo selvagem — dizem que o Centrão “não tem voto”, enquanto eles
teriam ao menos 20% do eleitorado.
— Que candidatos ostentam esse índice hoje? —
perguntam.
No Parlamento, o Centrão sempre foi insubstituível
para a sustentar qualquer governo, como sabem Fernando Collor e Dilma Rousseff,
que caíram ao desdenhar esse princípio. No processo eleitoral, porém, o bloco
nunca foi uma força decisiva. Agora, trabalha para ser.
São três os cenários que os caciques
consideram hoje:
1) Bolsonaro, tão logo se veja obrigado a
desistir da fabulação da anistia, o que deve ocorrer em novembro, indica seu
apoio a Tarcísio de Freitas, e o governador aceita trocar a reeleição em São
Paulo para enfrentar Lula. Nesse caso, seu nome une Centrão e bolsonarismo,
numa candidatura única da oposição, é o cenário dos sonhos do bloco;
2) Eduardo, por meio de interposto candidato
ou via pregação do voto nulo, abre a dissidência na direita e, assim, Tarcísio,
mesmo indicado por Bolsonaro, mantém a opção por São Paulo. Nesse caso, o
Centrão, como admitem dois expoentes, passa a mirar menos a vitória do que um
investimento para 2030 e vai de Ratinho Junior — com ou sem a bênção de
Bolsonaro. Na última semana, Ratinho conversou com dois presidentes do Centrão:
Ciro Nogueira, do PP, e Antonio Rueda, do União Brasil, além de outras
lideranças da federação. Valdemar Costa Neto, do PL, falou com Ratinho pai, o
apresentador Carlos Massa. Popular no Nordeste, Ratão já está escalado pelo
PSD, partido de Ratinho, para ser âncora do programa eleitoral do filho, cujos
melhores ativos são, segundo o Centrão, o pedigree e os oito anos de governo
bem avaliados no Paraná;
3) O terceiro cenário desenhado pelo bloco é
aquele que um de seus presidentes chama de “50 tons da direita”. Nele, cada
partido vai para um lado, com os candidatos concorrendo entre si, e o
bolsonarismo “antissistema” concorrendo contra todos. É o cenário da autofagia,
da derrota certa e, claro, o preferido do PT.
Dependerá de quem Bolsonaro indicar, e de
como reagirá ao nome a turma de Eduardo, se o Centrão e o bolsonarismo se dirão
adeus. Quaisquer que sejam o desfecho dessa relação e suas consequências para
2026, é certo que o Centrão, ou ao menos boa parte de seus integrantes, não
terminará de coração partido e mãos abanando. Como mostraram agora os ministros
Celso Sabino (União) e André Fufuca (PP), a fila da adesão já começou a andar.
O Centrão tem amor verdadeiro pra dar e vender.
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