Folha de S. Paulo
BC elevou novamente a taxa básica de juros,
que agora está no maior nível desde 2006
O BC (Banco Central)
do Brasil elevou
novamente a Selic, que chegou a 15% ao ano –maior nível desde 2006.
Embora a política monetária não seja definida
de forma "mecânica", já que há vários riscos e incertezas que são de
difícil mensuração, é razoável avaliar seu grau de adequação a partir da
comparação da taxa de juros efetivamente
praticada com uma referência dada por uma estimativa da função de reação do BC
("regra de Taylor").
Essa regra estabelece que, quanto maior (menor) o desvio da inflação esperada ante a meta e quanto maior (menor) o hiato do produto (uma medida de ociosidade da economia), mais a taxa básica de juros deve se situar acima (abaixo) de uma referência de taxa de juros "neutra".
Nas minhas contas, essa referência da regra
de Taylor indicaria uma Selic hoje
em torno de 14% a 14,5% a.a. Portanto, o BC optou por ser algo mais conservador
do que o necessário. Ainda assim, mesmo que a Selic estivesse nesses 14-14,5%
a.a., seria um nível de juro muito elevado. Por que o quadro atual da economia
brasileira exige um juro real tão elevado?
Uma primeira explicação está no fato de que a
inflação esperada no horizonte relevante de política monetária está bastante
acima do centro da meta, que é de 3% (meta irrealista, vale notar). A alta esperada para o IPCA
(Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em 2025 está em torno de 5,2%,
desacelerando para 4,7% em 2026. E por que a inflação corrente e esperada está
tão alta?
Parte disso se deve à expressiva depreciação
do real ante o dólar entre junho e dezembro de 2024, de quase 19%. O BC estima
que uma depreciação dessa magnitude gera um impacto sobre o IPCA de +1,5 a +1,9
ponto percentual ao longo de alguns meses. Ou seja: não fosse essa depreciação,
a inflação corrente estaria mais perto de 4% e não nos 5,3% observados nos 12
meses findos em maio deste ano.
E uma inflação corrente mais baixa geraria
uma inflação esperada para 2025 e 2026 também mais baixa, via
inércia/indexação. Embora o R$/US$ tenha
revertido parte dessa desvalorização desde o começo do ano, recuando cerca
de 8%, o repasse disso para a inflação não é imediato e pode não acontecer, uma
vez que a atividade econômica está bastante aquecida.
Outra parte da explicação da Selic muito
elevada está justamente na atividade econômica. Boa parte das estimativas
aponta para uma economia com algum grau de superaquecimento pelo menos desde
meados do ano passado (isto é, PIB efetivo
acima do potencial).
Vários outros indicadores sugerem um quadro
de superaquecimento, como a dinâmica da inflação dos serviços, a piora do
déficit em conta corrente (hoje
em 3,2% do PIB, muito acima da média de 2,2% desde 1999) e a elevação dos
salários reais em ritmo superior ao da produtividade do trabalho.
Por que a atividade está superaquecida? A
resposta simples, porém, incompleta, coloca toda a responsabilidade sobre a
execução da política fiscal e parafiscal do governo federal, que estaria sendo
excessivamente expansionista. Contudo, boa parte desse expansionismo
fiscal está associado aos governos regionais: no ano passado, não fosse a
alta real de quase 8% dos gastos de estados e municípios, o PIB brasileiro teria crescido cerca de 2%, bem menos do que
os 3,4% efetivamente observados.
Ademais, embora seja bem-vinda, a forte
expansão estrutural do mercado de crédito, tanto via aumento da concorrência
(fintechs) como do mercado de capitais doméstico, está
reduzindo, conjunturalmente, a potência da política monetária, exigindo uma
Selic mais alta.
Uma forma de contornar isso seria reduzir os benefícios tributários para instrumentos como LCAs e LCIs (como o Executivo está propondo) e/ou que o BC acionasse o colchão de capital anticíclico (que deveria estar acionado desde 2022, segundo a estimativa de "hiato do crédito" do próprio BC).
*Mestre em teoria econômica pela FEA-USP, é
economista-sênior da LCA 4intelligence e pesquisador-associado do FGV IBRE
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