O Estado de S. Paulo
Fica-se a meditar se decisões do governo não podem ser avaliadas pelo impacto, positivo ou negativo, que têm sobre a vida da população
Sim, mas... Essas palavras sintetizam boa parte da reação mais frequente que se leu, se viu ou se ouviu nos meios de comunicação à aprovação, na semana passada, pela Câmara dos Deputados – por unanimidade, esclareça-se, com certa perplexidade –, do projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo que isenta do Imposto de Renda (IR) quem ganha até R$ 5 mil por mês e, compensatoriamente, tributa contribuintes de renda muito alta. Na essência, a mesma proposta havia gerado séria crise política quando se anunciaram estudos para sua elaboração, levando oposicionistas a preverem que, mal tendo começado, o governo Lula já estava terminando. Daí a surpresa com sua aprovação por unanimidade.
Sim, o projeto não deve ser do agrado de
muitos deputados que o aprovaram. Mas esses parlamentares votaram a favor por
estarem ainda impressionados com as manifestações do dia 21 de setembro em
todas as capitais. Convocadas contra a “PEC da Impunidade”, felizmente
arquivada pelo Senado, e contra a anistia para responsáveis por crimes contra o
Estado Democrático de Direito, essas manifestações receberam também cartazes e
faixas em favor do projeto de aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda.
Sim, o projeto, que aguarda decisão do
Senado, beneficia muitos contribuintes (cerca de 16 milhões), mas está longe de
estabelecer justiça tributária plena.
Sim, muitos vão ficar isentos ou pagar menos,
mas não se corrigiu a tempo a tabela do Imposto de Renda, o que onerou os
contribuintes.
Sim, medidas como essas ajudam a reduzir a
socialmente cruel regressividade tributária (quem ganha menos paga
proporcionalmente mais), mas estão longe de aumentar de maneira notável a
desejada progressividade (quem ganha mais paga proporcionalmente mais).
Sim, o aumento do limite de isenção do imposto vai estimular o consumo e, assim, impulsionar a atividade econômica, mas pode alimentar a inflação, pois gera pressão sobre os preços, especialmente dos serviços, como advertem economistas ouvidos pelos meios de comunicação.
Sim, a imposição de alíquotas mais altas para
os muito ricos é medida correta, mas essa fatia de contribuintes tem muitos
meios para fugir da tributação, de modo que, nesse aspecto, o resultado em
termos de arrecadação e de justiça tributária pode ser menor do que o previsto.
Sim, a medida beneficia boa parte dos
contribuintes, mas, por seu caráter populista e nitidamente eleitoral,
beneficia muito mais o governo, cujo chefe só pensa na reeleição em 2026.
Todas as restrições têm alguma procedência. A
medida podia, e devia, ser mais abrangente, mais ambiciosa. Há, porém, uma
questão anterior sobre a qual convém refletir quando, e se, se tem como
objetivo amelhorado sistema tributário do ponto de vista social. Esseéumpe
queno passo, ma sé um passo de grande importância, pois aponta, com nitidez
poucas vezes registrada no passado, para o efetivo aumento da progressividade
do sistema de tributação sobre a renda. Ao mesmo tempo que protege a renda dos
quem enos ganham, impõe tributação (ainda leve, com alíquota de 10%, bastante
inferioràmáxim ade 27,5%) sobre os mais ricos. É um passo que rompe o
imobilismo que, até agora, se contrapunha com grande eficácia a qualquer
iniciativa, mesmo as baseadas em evidências estatísticas, em favor da maior
progressividade do sistema tributário brasileiro.
Em estudo publicado há algum tempo na Carta
de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o economista
Sérgio Wulff Gobetti mostrou que quem ganha cerca de R$ 6 mil por mê sé
tributado coma mesma alíquota aplicada à renda de quem ganha R$ 26 milhões por
ano. Por quê? Porque a maior parte da renda dos muito ricos vem de receita
financeira, cuja tributação é baixa.
Com toda a razão, o editorial do Estadão de
sexta-feira passada ( Lula ganha sua bandeira eleitoral, 3/10, A3) mostrou a
necessidade de se retomar a tributação sobre lucros e dividendos, “praticada
pela imensa maioria dos países civilizados do mundo”, mas que por aqui foi
extinta em 1996.
Quanto à crítica generalizada ao fato de que,
certamente, o presidente Lula terá ganhos políticos com o aumento da faixa de
isenção do Imposto de Renda, que, aliás, era uma promessa de campanha, ficase a
meditar se decisões do governo não podem ser avaliadas pelo impacto, positivo
ou negativo, que têm sobre a vida da população. Será que é ruim para o País o
fato de milhões de pessoas terem algum ganho de renda, com desdobramentos sobre
a atividade econômica (e sobre a inflação, vá lá), mas especialmente sobre suas
condições de vida? Será que um governo só será tratado com alguma
condescendência se tomar decisões que o prejudiquem politicamente, sendo que
qualquer coisa que o beneficie, ainda que beneficie também milhões de
brasileiros, nunca passará de populismo, eleitoralismo? Talvez j á tenhamos
vivido tempos em que decisões de políticas públicas eram avaliadas com mais
serenidade. •
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