quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


BONITA DE VER, DIFÍCIL DE FAZER
Dora Kramer

Às vésperas de mandar sua proposta de reforma política ao Congresso, o governo resolveu incluir um item relacionado à ação das milícias e quadrilhas de traficantes na campanha para prefeito e vereador no Rio de Janeiro.

Aproveitou a legislação de 1997, que pune a compra de votos com a cassação do mandato do beneficiado, e estendeu a penalidade aos eleitos que, na campanha tenham se favorecido de atos de coerção à liberdade do eleitor.

Há muitas novidades em relação a projetos de reformas em tramitação no Congresso, há o propósito explícito de afastar do Palácio do Planalto quaisquer suspeitas sobre intenções continuístas e existe também um cuidado extremo em não melindrar o Parlamento.

O cerimonial já está acertado: a proposta será levada nos próximos dias ao Congresso pelos ministros da Justiça, Tarso Genro, e das Relações Institucionais, José Múcio, e entregue em mãos aos presidentes do Senado, Garibaldi Alves, e da Câmara, Arlindo Chinaglia.

Uma forma de aplacar conflitos potenciais sinalizados na reação inicial do presidente da Câmara que, apesar de petista, foi brusco ao declarar, em resumo, que o Executivo se intrometia onde não estava sendo chamado.

O presidente Luiz Inácio da Silva quer deixar para a História sua assinatura na reforma, mas não quer arrumar confusão por causa disso. Há dois meses, quando pediu ao Ministério da Justiça que pusesse a reforma no papel, fez uma recomendação expressa: nada de mudanças de caráter institucional que possam ensejar suspeitas sobre aberturas de caminhos constitucionais para a aprovação do terceiro mandato.

Com isso, deixou-se de fora a proposta do fim da reeleição com mandato único de cinco anos ou quaisquer emendas constitucionais que se prestassem a acréscimos por parte dos adeptos do continuísmo.

O projeto contém apenas alterações de leis ordinárias e complementares, com a exceção para a única emenda constitucional que recupera a cláusula de desempenho eleitoral - derrubada pelo Supremo Tribunal Federal - para o acesso dos partidos ao Parlamento.

Esse cuidado todo não quer dizer que um Devanir Ribeiro ou um Carlos William, dois deputados assumidamente defensores do terceiro mandato para Lula, não possam - “por iniciativa própria” - propor algo nesse sentido, como plebiscitos e idéias afins.

Mas, nesse caso, o governo não terá posto sua digital e sempre poderá combater a tese com veemência, ainda que as circunstâncias venham a obrigá-lo depois a aceitar a prática com constrangimento, mas em sinal de “respeito” às decisões do Congresso.

A fim de dirimir dúvidas sobre a lisura de suas intenções e também facilitar a aprovação de mudanças, o Planalto sugere a entrada em vigor das novas regras apenas na eleição municipal de 2012.

As sugestões, cuja elaboração técnica foram coordenadas pelo secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, sustentam-se, segundo ele, em três conceitos básicos: fortalecimento dos partidos, barateamento dos custos de campanha e melhoria da representatividade, aí incluída uma relação mais transparente entre eleitores e eleitos.

“A intenção é atacar as grandes mazelas do sistema: o clientelismo e o fisiologismo, que transformaram a política numa atividade de troca de interesses em prejuízo do embate de idéias”, diz Abramovay.

Na opinião dele, o sistema eleitoral “é uma fraude”. A começar pela ilusão de que as listas abertas asseguram uma relação direta do eleitor com o candidato escolhido. “Os votos vão todos para os partidos, que distribuem as cadeiras de acordo com a votação de cada um, mas as pessoas não sabem disso, acham que quando não elegem o preferido, perderam o voto”.

As listas fechadas, na concepção da proposta, dão nitidez ao processo.

Mas, não dão excessivo poder às cúpulas? “O mesmo de hoje e ainda compromete diretamente os dirigentes com a qualidade dos escolhidos para encabeçar as listas.”

Outra mudança é o financiamento misto de campanha. Parte público, para dar alguma chance a quem não tem acesso a grandes doadores - parte privado, mas só de pessoas físicas. “Pessoa jurídica não tem ideologia, portanto, o interesse é de outra natureza.”

No tocante à filiação partidária, o prazo para mudança de partido é reduzido de um ano para seis meses antes da eleição para não obrigar quem deseja concorrer por outro partido a renunciar a um quarto do mandato em curso.

Está prevista também a proibição de registro de listas sem o cumprimento da cota legal de 8% de candidatas mulheres, a extinção da prática de soma de contagem de tempo de televisão pelo número de partidos da coligação (valeria só o maior) e o veto a candidatos condenados em tribunais, não necessariamente em instância final como manda a legislação atual.

Vista assim do alto, a reforma chega elegante ao Congresso. O risco é sair - se sair - em completo desalinho com os parâmetros institucionalmente aceitáveis.

DEU EM O GLOBO


O REAL E O IMAGINÁRIO
Merval Pereira


NOVA YORK. O maior dos problemas de Barack Obama não é exatamente John McCain, mas a sua inexperiência e, sobretudo, a disputa acirrada com sua companheira de partido, Hillary Clinton, que ainda não terminou. Até aqui, a marca mais importante dessa candidatura surpreendente, a novidade, prevaleceu, mas vai se esvaindo. Foi assim que Obama se impôs aos Clinton dentro de um partido que estava preparado para consagrar a senadora por Nova York quase que por aclamação. As primárias seriam apenas uma etapa formal para a sua indicação a candidata, cuja conseqüência natural seria a eleição em novembro, diante de um republicano que carregava o estigma de ser do mesmo partido do presidente menos popular dos últimos tempos, em um país em crise econômica profunda.

Quando a "Obamania" tornou-se um fenômeno, a tática dos que controlam o partido democrata em Washington não conseguiu conter a onda de novos eleitores que deram um colorido inédito às eleições americanas.

Esses eleitores "sem cabresto" tornaram irreversível a vitória de Obama, e até mesmo os superdelegados, que tendiam a votar em Hillary mesmo Obama tendo mais delegados, tiveram que se curvar diante do apelo inédito dos que se sentiram atraídos pela primeira vez, ou de novo, para a política com o apelo intangível da mudança.

Mas o peso da política tradicional continua contendo os supostos avanços que a candidatura de Obama prometia. Cerca de 40% dos eleitores "de cabresto" de Hillary Clinton se rebelam contra a candidatura de Obama, o que o impede de deslanchar nas pesquisas de opinião.

Mais ainda, ele, na tentativa de não se igualar aos "falcões" da Casa Branca, teve uma reação tíbia diante da invasão da Geórgia pela Rússia, enquanto o velho McCain mostrou os dentes afiados, explorando um ponto em que ele não provoca dúvidas nos conservadores.

Quando se trata de guerra, e especialmente contra a Rússia, McCain não difere em nada do mais radical dos republicanos e acalma os eleitores que o consideram "liberal" demais. Já Obama, quando sentiu que precisava ser mais duro contra a Rússia, já havia passado a imagem de fraqueza e inexperiência que o persegue durante essa campanha.

Está fazendo concessões em excesso para o clã Clinton, e também não se mostrou à altura de se ombrear com o frio ex-líder da KGB, que quer levar a Rússia novamente ao centro do tabuleiro de poder mundial.

A queda nas pesquisas de opinião reflete a desconfiança do eleitorado americano com relação à capacidade de Obama liderar um país em crise e cercado de países dispostos a ampliar seus poderes militares, como o Irã e a Rússia, sem falar no combate permanente ao terrorismo.

Não é à toa que a campanha de Obama voltou-se agora para a crise econômica, tentando transferir para McCain o ônus de ser do mesmo partido de George Bush. Paradoxalmente, porém, há quem destaque que, quanto maior for a percepção da crise econômica dos Estados Unidos, mais os eleitores se preocuparão em entregar o país a um político inexperiente.

McCain está fazendo, com sucesso, o que a senadora Hillary Clinton tentou durante a campanha das primárias, mas não conseguiu: desqualificar Obama para o cargo. Vários discursos seus, falando das palavras ocas de Obama e a diferença entre os dois, um apenas teórico, ela, prática e com experiência de poder, estão sendo mostrados na televisão e citados por McCain, que vem explorando essa fragilidade do adversário desde a viagem internacional de Obama - que, se foi um sucesso de público, especialmente internacional, não funcionou para dentro do país.

Além de estarem precisando de quem trate dos problemas do dia-a-dia, que afetam "as pessoas que freqüentam as filas do Wal Mart", fazer sucesso com europeu não é exatamente o que motiva o eleitorado médio americano.

O discurso poético e idílico de Obama seria a representação do seu cosmopolitismo, que contrasta com a maneira de ver o mundo da maioria do eleitorado. Com uma avassaladora votação entre os hispânicos, chegando a ter 66% dos votos, um índice acima da média dos últimos candidatos democratas, Obama trata de assuntos delicados para esse estrato da população de maneira indireta.

Ele defende, por exemplo, que os hispânicos aprendam a falar inglês, um tema que domina a agenda conservadora. O historiador Samuel Huntington criou muita polêmica ao lançar um livro em que defendia a obrigatoriedade de falar o idioma local para que os imigrantes fossem integrados à sociedade americana. "Não se pode sonhar o sonho americano em espanhol", era uma afirmativa polêmica de Huntington.

Já Obama defende a mesma tese, mas de uma maneira mais "moderna". Ele acha que os hispânicos devem falar inglês para se tornarem mais competitivos no mercado de trabalho, mas defende que os americanos também aprendam espanhol, pelas mesmas razões.

Essa é uma postura que mostra como ele procura sempre caminhos alternativos para não se chocar com nenhuma parte do eleitorado, uma postura que, se não lhe tira votos dos hispânicos, irrita uma parcela do eleitorado. E, sobretudo, abre campo para que seja acusado de ambíguo.

Quanto mais Obama se aproxima do establishment político para ganhar apoio institucional - escolhendo para vice, por exemplo, a própria Hillary ou o senador Joseph Bayne, por presidir o comitê de política externa - mais ele se distancia da candidatura original que dominou o imaginário de uma parte do eleitorado.

DEU EM O GLOBO


CÂMARA APROVA MAIS RIGOR CONTRA MILICIANOS
Isabel Braga

Formação de grupos pode virar crime federal, segundo projeto que altera Código Penal


BRASÍLIA. Em tempo recorde e por votação simbólica, foi aprovado ontem, na Câmara dos Deputados, projeto que tipifica como crime a formação de milícias e grupos de extermínio. A pena prevista é de quatro a oito anos de reclusão. A proposta também amplia de um terço à metade a pena para os crimes contra a vida cometidos por meio dessas organizações ou praticados com a intenção de fazer justiça com as próprias mãos. O projeto, que altera o Código Penal, foi aprovado ontem na Comissão de Segurança da Câmara e também pelo plenário. Agora, seguirá para apreciação no Senado.

Além de criar novos tipos penais, o projeto transforma esses delitos em crimes federais: não serão tratados como crimes comuns, a serem julgados pela Justiça comum e apurados pela polícia civil. Caberá à Polícia Federal e ao Ministério Público federal a investigação e a denúncia de tais crimes, que serão julgados pela Justiça Federal. O projeto diz que esses delitos são considerados "ofensa ao Estado democrático de direito e de interesse da União". Este item do projeto chegou a ser criticado, durante a votação na Comissão de Segurança, mas foi mantido.

- É uma questão polêmica, mas uma demonstração evidente de que se quer enfrentar as milícias - argumentou o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ).


Até um milhão de cariocas sob o poder de bandidos


Hoje, a criação de milícias e outros grupos é enquadrada no crime de formação de quadrilha, que tem pena de um a três anos de reclusão - o dobro no caso de o bando estar armado. O novo projeto teve por base duas propostas que tramitavam na Casa: uma de autoria do deputado Luiz Couto (PT-PB), que presidiu a CPI dos Grupos de Extermínio no Nordeste, e outra de autoria do presidente da Comissão de Segurança, Raul Jungmann (PPS-PE).

Couto afirmou que as maiores vítimas desses grupos são líderes sindicais, de defesa dos direitos humanos e da reforma agrária. Jungmann enfatizou que o problema das milícias é nacional e atinge de maneira especial o Rio de Janeiro, inclusive prejudicando a liberdade de escolha dos eleitores.

- Hoje, de 500 mil a um milhão de cariocas se encontram impedidos de ter sua livre manifestação. Em algumas regiões do Rio, temos situações de exceção, em que eleitores não podem escolher livremente seus candidatos e são reféns da milícia e do tráfico. Esta comissão (de Segurança) dá uma resposta a isso - disse Jungmann.

A proposta aprovada ontem pelos deputados cria dois novos crimes. O primeiro deles trata de constituição de milícia. Diz o texto que é crime "constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar crimes". O segundo estabelece que a oferta de serviços de segurança, sem autorização legal, é crime a ser punido com pena de detenção de um a dois anos.


Pena aumentada em até 50% no caso de morte


Se a ação dos grupos resultar em morte, a pena (de 6 a 20 anos) crescerá de um terço à metade, se o crime for praticado "com a intenção de fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão própria ou de outrem, ou se praticado sob o pretexto de oferecer serviços de segurança". No caso de lesão corporal, há aumento de um terço da pena. Os projetos tiveram como relator o deputado Edmar Moreira (DEM-MG). A proposta foi incluída na pauta do plenário, de forma consensual, pelos líderes.

- Hoje acontece uma matança de jovens. São pessoas que pertencem ao narcotráfico e, se quiserem sair, são exterminadas, ou porque sabem demais ou por decidirem romper com aquele grupo e ter vida própria - disse o deputado Luiz Couto.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


QUEM MATOU RONALDINHO?
Clóvis Rossi

MADRI - Os argentinos cunharam uma frase absolutamente notável sobre Carlos Gardel: "Cada dia canta mejor". Gardel morreu faz 73 anos.

Houve um tempo em que milhões de apaixonados por futebol acreditavam que Ronaldinho Gaúcho era o Gardel do futebol: cada dia jogava melhor. Durou pouco. Há dois anos e meio, Ronaldinho chegou à Alemanha como melhor jogador do mundo, pronto para atingir uma altura ao menos parecida com a de Pelé (era a previsão de Tostão, que é o meu farol nesses assuntos, porque jogou com os melhores e é capaz de análises frias).

Ronaldinho Gaúcho, a rigor, morreu anteontem, aos 28 anos.

Não sei se a Folha publicou a foto do argentino Messi abraçando seu ex-companheiro do Barça após derrotá-lo por 3 a 0. O brasileiro está de olhos fechados, cabeça baixa pendendo do ombro do pequeno artista argentino. Parece velório, o velório dele próprio.

Luis Martín, comentarista do jornal "El País", escreve que Ronaldinho deu pena. Comenta ainda que o jogador levou mais de três horas para conseguir urinar para o exame antidoping. Fecha assim o epitáfio: "Quis jogar e não pôde.

Quis urinar e não pôde".

O que me intriga -é uma pauta que me proponho incessantemente e não tenho coragem de propô-la ao jornal- é a causa da morte prematura. A Maradona, mataram-lhe as drogas, todo mundo sabe. Ronaldo, o "Fenômeno", também teve morte prematura, mas sua agonia foi praticamente pública, feita de muita gandaia, algum sobrepeso e contusões graves seguidas.

Ronaldinho só muito recentemente passou a ser criticado, em Barcelona, por noitadas supostamente desregradas. Machucou-se pouco, engordou pouco. O jornalismo deve ao público contar quem matou (ou o que matou) esse Gardel da bola, que já não canta melhor. Nem canta, aliás.

DEU NO JORNAL DO BRASIL


SAIA JUSTA ENTRE GABEIRA E PAES
Da redação


Peemedebista oferece cargo a vereadora que apóia PV

O que seria um encontro paz e amor transformou-sem em saia justa, com direito a convite para compor secretaria. Foi assim o debate realizado ontem, na sede da Federação das Instituições Beneficentes do Rio de Janeiro (FIBRJ), entre os candidatos que disputam a prefeitura do Rio Eduardo Paes (PMDB) e Fernando Gabeira (PV).

A vereadora Andréa Gouvêa Vieira (PSDB), que tenta a reeleição, também participou do debate como mediadora, e foi ela quem recebeu o convite de Paes, ex-colega de partido. Andréa, no entanto, apóia Gabeira pela coligação. ­

- Encaro o convite como um tratamento carinhoso, não é um chamado oficial para um cargo executivo. Fomos colegas de partido, e Paes reconhece meu trabalho ­ amenizou a vereadora.

Desde que decidiu disputar a reeleição, Andréa garante ter assumido o compromisso de permanecer na Câmara Municipal e não aceitará nenhum cargo.

Em relação ao apoio a Gabeira, sem pestanejar, Andréa responde que ele é seu candidato a prefeito. A vereadora diz que auxilia Gabeira no planejamento orçamentário do plano de governo.

No encontro, que discutiu políticas para os jovens, o candidato do PV propôs um programa que pensa no futuro dessa geração. ­

- Formulamos um programa com políticas para crianças desde o ventre da mãe até o momento que ela deixa a escola secundária, e se os candidatos não pensam, a gente pensa por eles ­ frisou.

Para Gabeira, todo grande projeto de cidade prevê um desenvolvimento para daqui a 20 anos, "e as crianças que nascem agora serão líderes no futuro", avaliou.

A assistente social e professora da UFRJ, Maria Cristina Salomão, cutucou o candidato Paes sobre sua administração como subprefeito da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, quando ele combateu os menores de rua nos sinais. O peemedebista respondeu firme:

-­ Lugar de criança é junto da família e na escola. Vou continuar combatendo essa prática.

DO POETA QUE SE VAI PARA O ORUM
Antonio Risério*

Caymmi, embora único, é um produto típico da mestiçagem e do sincretismo baianos. Um mulato baiano de ascendência italiana (como o também sambista Carlos Marighella, seu contemporâneo), criado entre a capoeira, os afoxés, o samba de roda tradicional do Recôncavo Baiano, cânticos de orixás e formas musicais populares e eruditas da Europa, de Bach a Debussy, para não falar da literatura de Jorge Amado e da poesia de Lorca.

Costumo defini-lo como a expressão estética concentrada da cultura de uma cidade tradicional, a Salvador centenária e senhorial das primeiras décadas do século passado, principal núcleo urbano do recôncavo agrário e mercantil da Bahia. Caymmi, no veio mais baiano de sua obra, fala desse mundo “arcaico”, anterior à expansão nordestina do capitalismo brasileiro. Quando não se planta num lugar de certo sabor tribal, a comunidade de Itapoã, com seus ritmos recorrentes de vida.

E ele pôde ser expressão estética dessa cultura porque tinha uma intimidade essencial com suas linguagens. Com a fala do povo, o “sermo vulgaris” baiano. Com a poesia da capoeira e do samba. Com a religiosidade sincrética local. E sempre procurou recriá-las em sua lírica. Desse ponto de vista, aliás, sua proverbial “preguiça” será melhor vista como método de trabalho.

Caymmi demorava anos para fazer uma canção porque queria a palavra certa no lugar certo, como se ela tivesse estado sempre ali. Como se tivesse nascido naquele momento de uma canção. Essa busca da fluência da palavra cantada faz com que muitas de suas frases pareçam colhidas no ar. Mas elas resultam, na verdade, de um paciente artesanato verbal, feito por um criador que conhece as minúcias do seu ofício.

Interessante também notar que a poesia caymmiana é avessa à metáfora, mas buscando sempre o plástico, a recriação linguística da imagem visual. Além de mostrar um certo gosto pelo substantivo e, aqui e ali, se desmanchar em sufixos diminutivos de ternura.

Um aspecto fundamental (que é também um ensinamento) da criação caymmiana é que ela está, ao mesmo tempo, enraizada em solo ancestral e aberta ao horizonte contemporâneo. Fala de orixás, da arquitetura colonial, e vem do samba mais antigo do Recôncavo. Ao mesmo tempo, dialoga com a poesia modernista e se deixar banhar pelo impressionismo musical francês.

Não nos esqueçamos de que Itapoã era uma comunidade de pescadores místicos e artesanais, mas Caymmi a fez soar pela indústria do disco e pelas ondas eletromagnéticas da Rádio Nacional. Além de ter incursionado bem à vontade por um gênero novo, o samba-canção carioca.

Com o poder de sedução de sua estética mestiça, Caymmi, como João Gilberto, contribuiu para provocar alterações na estrutura da sensibilidade brasileira. E para promover uma mudança profunda e altamente significativa na hierarquia de nossas formas culturais.

Para dar um exemplo, quando ele lançou “Promessa de Pescador”, o canto a Iemanjá tinha algo de estranho e misterioso, de um modo geral, para ouvidos sudestinos. Mas quem diria isso hoje, quando Iemanjá é celebrada de uma ponta a outra do país? Naquela época, o candomblé ainda sofria perseguições policiais. Ainda podia ser tratado em termos de “resistência cultural”. Hoje, templos candomblezeiros são tombados oficialmente como patrimônio do povo brasileiro.

Quando Caymmi soou no Brasil Meridional, trazia a mensagem cálida e ecológica de um lugar idealizado, que parecia parado no tempo e viver em paz, imune a conflitos sociais. Caymmi reforçou assim, nacionalmente, o mito baiano. Era como se falasse de um espaço utópico: o lugar de nossa origem, premiado por belezas arquitetônicas e ambientais, onde vivia uma gente feliz, ensolarada e muito singular.

Naquela época, o mito não deixava de encontrar alguma correspondência na Bahia real. Hoje, não. A Bahia de Caymmi ficou definitivamente para trás. É uma Bahia que soa atualmente, também para os próprios baianos, como uma espécie de utopia. A utopia de um poeta erótico, culinário e ecológico. Poeta de cama, mesa e mar.

* Antonio Risério é poeta e antropólogo, autor de “Caymmi: Uma Utopia de Lugar” e “Uma História da Cidade da Bahia”.

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


JOSUÉ, O DESPERDÍCIO, A FOME
Editorial


No dia 5 de setembro próximo o pernambucano Josué de Castro estaria completando 100 anos de idade e não teria muitos motivos para festejar. Ele veria, por exemplo, que o tema central de sua grande obra – a fome que queria ver erradicada –, se irradia com a rapidez que a mundialização da economia acelera e no Brasil continua matéria-prima de experiências de um laboratório social de profundos contrastes. Até justifica a criação de um Ministério, de políticas públicas como Fome Zero e criação de bancos de alimentos para combater o desperdício. Estaria também o autor de Geografia da fome envolvido em um cenário bem maior, por força da globalização e de sua autoridade reconhecida internacionalmente, neste momento em que a crise de alimentos acende a luz vermelha no mundo, em parte pelo impacto no bolso dos consumidores mais ricos, quando até recentemente ela só parecia ceifar vidas nos países mais pobres, em especial na África, e nos grandes bolsões de miséria do Ocidente, como o Nordeste brasileiro.

Bastou a escassez de alimentos atingir o mercado e o bolso dos mais ricos em todo mundo para ser objeto de extensas discussões internacionais. Quando os mercados estiverem de novo abastecidos e com os preços contidos no primeiro mundo, o tema certamente voltará a ser exclusivo do terceiro mundo, em que também se situam os chamados emergentes, como é o caso do Brasil, da China e Índia. Porque, apesar desse capítulo circunstancial para os mais ricos, o problema da fome entre nós persiste com aquelas características epidêmicas e endêmicas de que falava Josué de Castro. E esse mal crônico está sendo quantificado e exposto em um grande quadro pela Organização das Nações Unidas (ONU), com uma abordagem de natureza prática, produto da ignorância e do atraso na capacidade de organizar a infra-estrutura para toda a cadeia produtiva, o que representa para o Brasil jogar no lixo 70 mil toneladas de alimentos a cada ano.

Assim, o problema do desperdício de alimentos é colocado em primeiro plano e cobra, urgentemente, uma nova cultura, até porque um país que tem como ação de governo um programa chamado Fome Zero não pode permitir que 64% do que planta se perca na cadeia: colheita, transporte, processamento e hábitos alimentares. E é isso o que constata a ONU, com o aporte da Confederação Nacional da Agricultura que informa: somente no transporte rodoviário de grãos perdemos anualmente algo em torno de R$ 3 bilhões. O IBGE acrescenta a esse quadro um outro dado assombroso: entre 1996 e 2003 houve safras em que as perdas foram superiores às exportações, uma insensatez nacional em que o milho tem lugar privilegiado.

Estudos da Embrapa mostram, igualmente, como estão visíveis e identificadas as causas das perdas de alimentos, com os danos que os produtos sofrem ao longo da cadeia produtiva, do campo à mesa dos brasileiros. Esses absurdos se situam no plano de produção e distribuição, mas há um componente de péssimos hábitos alimentares, que acrescentam mais desperdício, mais prejuízo, mais persistência de fome em meio à abundância. A esse problema se acrescenta o rigor da lei que regula doações e estabelece que os doadores podem responder a processos civis e criminais se o alimento doado prejudicar a saúde de quem recebeu. Um desestímulo aos restaurantes, lanchonetes e hotéis onde o processo de seleção dos produtos sempre deixa muitas sobras.

Diante de tudo isso, fica a lição de que Josué de Castro é cada vez mais atual, mesmo quando há informações técnicas suficientes para mudar a forma com que vem sendo abordada a cadeia produtiva de alimentos, e que é preciso tratar como política pública o aproveitamento dos produtos descartados, mas saudáveis, nas Ceasas e feiras livres, e cumpre à sociedade um papel importante: o da consciência de que a comida que sobra em uns pratos poderia estar noutros que nada têm, jamais ampliar os gráficos do desperdício de alimentos, hoje no patamar dos 60% do lixo jogado fora pelos brasileiros.

DEU NA GAZETA MERCANTIL

REFORMA POLÍTICA: MUDAR PARA MELHOR
Rodrigo da Rocha Loures

A reforma política ressurge na agenda do governo do presidente Lula. Comum em épocas de crise ou que antecedem eleições, esta reforma entra e sai de cena sem outra conseqüência que não a de contemplar as conveniências da classe política.

Há um ano, ela retornava à pauta nacional também por iniciativa do executivo federal. Na época, três pontos estavam sendo considerados: voto em lista, fidelidade partidária e financiamento público de campanha. Colocadas em discussão, estas questões foram rejeitadas pelo Congresso Nacional. Agora, estão de volta.

O certo é que o nosso sistema político-eleitoral exige uma revisão mais profunda. Mas esta é uma tarefa de longo prazo. No momento, é necessário concentrar esforços em torno daquelas medidas cuja consecução tenha o efeito sistêmico de desencadear uma mudança no funcionamento do sistema como um todo.

A reforma que nos apresentam vai apenas conferir aos líderes das legendas um poder sem contrapeso no nosso sistema representativo. O sistema partidário brasileiro é sabidamente viciado e fortalecer o "caciquismo" somente contribuirá para a "cartorialização" da política.

Estou cada vez mais convencido de que a proposta que tem o poder de causar o necessário impacto no atual modelo político - uma verdadeira mudança - é a adoção do voto distrital ou distrital misto. Esse modelo certamente contribuirá para fortalecer nossa democracia representativa.

O voto distrital - ou distrital misto - aumenta o poder de fiscalização e o legítimo controle democrático dos eleitores sobre os representantes. A tendência é a de que sejam escolhidos candidatos com real representatividade dentro dos distritos.

Além disso, o sistema inibe o troca-troca de partido e reduz substancialmente os custos das campanhas eleitorais. Existem, por certo, dificuldades para a adoção do voto distrital, mas elas podem ser devidamente equacionadas. Na balança de custo-benefício, o benefício prevalece. Pesquisa realizada em 2007 pela Ipsos Public Affairs mostra que a maioria dos eleitores brasileiros (56%) aprova a adoção do voto distrital. Em contraposição, apenas 36% apóiam a manutenção do sistema proporcional para eleger deputados federais, estaduais e vereadores. Os dados da pesquisa revelam ainda indicações importantes da opinião dos eleitores: para 78%, o voto distrital facilita a cobrança de promessas feitas pelo eleito e 68% acham que o modelo ajuda a diminuir a corrupção parlamentar.

A proposta de uma profunda revisão do sistema político encontra ressonância nos diversos extratos da sociedade, que dá sinais claros de que não aceita mais que o processo político se resuma à mera legitimação dos que irão ocupar o poder. Por conseguinte, é imperativo aprofundar as mudanças na sistemática eleitoral e de representação, de forma a melhorar qualitativamente a representatividade política dos brasileiros.

A repetição de crises políticas indica a importância de promovermos alterações constitucionais e infraconstitucionais profundas. Devemos ter claro, contudo, que o sistema político não vai, nunca, se autotransformar. Logo, cabe à sociedade conduzir a construção de novas práticas. Ao empresariado, cabe um lugar de destaque nesse processo. Precisamos dar um exemplo de firmeza e responsabilidade.

Nós empresários não podemos mais nos limitar ao comportamento tradicional de financiar candidaturas, defender interesses setoriais e encomendar estudos para encaminhar às autoridades. Essas medidas estão muito aquém das nossas potencialidades de protagonistas do desenvolvimento.

Temos o dever de influir na pauta política nacional, regional ou local. Cada um deve fazer isso a seu modo, seja fortalecendo e oxigenando as organizações de representação empresarial ou articulando redes sociais, seja em ações individuais de cobrar dos políticos novas atitudes e métodos.

Como já dissemos antes, a pressão ambiental exercida de fora para dentro, combinada com a inclusão de novos atores na cena política, de baixo para cima - respaldada por redes de participação cidadã -, configura-se não apenas como um caminho, mas talvez o único caminho, nas circunstâncias atuais, para mudar o atual sistema político. Vamos mudar, para melhor, ou continuaremos somente pagando a conta.

RODRIGO DA ROCHA LOURES* - Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e presidente do Conselho de Política Industrial da CNI.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


OS TAIS DE "CRIMES CONEXOS" DA ANISTIA
Maria Inês Nassif

A Lei de Anistia é de 1979 e foi produto de uma negociação entre um governo militar e uma oposição ainda acuada pelo medo da ditadura. Imaginar que naquele momento as forças de oposição e a Justiça pudessem interpretar de outra forma a alegada anistia a torturadores seria uma ingenuidade. Não havia clima, nem liberdade para tanto. Foi a anistia que deu para ser. Passados quase 30 anos da lei, todavia, é bom que se desmistifique essa história de "anistia irrestrita" para os dois lados. Não foi assim.

A Lei 6.683, de 20/08/1979, concedeu anistia "a todos que, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos" (...). A exceção foram "os condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal". Foram incluídos na regra os "crimes conexos", definidos como aqueles "de qualquer natureza relacionados com os crimes políticos ou praticados por motivação política".

Pela lenda brasileira da anistia, os "crimes conexos" foram praticados por torturadores e por agentes do Estado que atentaram contra os direitos humanos, ou em nome da guerra contra a subversão cometeram até ilegalidades em relação à ordem instituída pela ditadura militar. Não existiria qualquer possibilidade de punição dessas pessoas.

Pela lenda brasileira, os terroristas - chamados de "criminosos de sangue" no período militar - foram todos beneficiados pela lei. Isso aconteceu apenas indiretamente. Os adversários do regime que se envolveram na luta armada foram, de fato, a exceção da Lei de Anistia. Se saíram da cadeia depois da promulgação da lei foi porque foram beneficiados por reduções de pena ou por conceitos mais dilatados usados pela Justiça Militar. Prova disso é que o último preso político da leva pré-anistia, José Sales Oliveira, foi libertado em Fortaleza mais de um ano depois, em 8/10/1980. Aliás, Sales morreu devido a seqüelas das torturas a que foi submetido.

Militantes da guerrilha foram excluídos

Segundo o regime militar, os agentes públicos que cometeram excessos tinham uma motivação política, e portanto teriam cometido "crimes conexos". O que o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, dizem quando ponderam que existe espaço para a punição de torturadores não é que a lei deve ser mudada, mas que a Justiça pode nova interpretação à velha lei. A Justiça do Brasil democrático não precisa necessariamente ter a mesma interpretação da Lei de Anistia que os militares tinham (não os atuais, mas aqueles que estavam no poder no período de 1964 a 1985). Se a Justiça interpretar que um agente do Estado, a qualquer tempo - inclusive no período da ditadura militar e lidando com presos políticos -, não comete um crime político, mas um crime comum, ao praticar a tortura, retira o torturador da regra do "crime conexo". Em nenhum momento o agente público que cometeu atentado contra a pessoa nos porões da ditadura foi punido por opiniões políticas. Ao contrário, sua opinião política se sobrepunha, à força, no período militar.

Vai fazer história a ação movida pela família Teles, pedindo não a reparação pelo Estado das torturas sofridas, mas o simples reconhecimento de que foram vítimas de torturas, e de que determinados agentes a praticaram. Esse processo tem o poder de desmistificar a tortura: ela não foi apenas uma reação a uma ação política; ela foi cometida por agentes do Estado, que detinham o monopólio da força e excederam os limites impostos inclusive pela ordem imposta pela ditadura. Não está escrito em nenhuma lei que um agente policial ou militar poderia usar da força em interrogatórios. A ditadura tinha os atos institucionais que davam ao chefe de Estado de plantão a possibilidade de atropelar a ordem legal do país, mesmo a definida anteriormente por outros atos institucionais. Mas teoricamente essa era uma prerrogativa dos governantes, não dos agentes que atuavam nos porões das prisões e que detinham regular ou clandestinamente os adversários políticos do regime.

Pergunta-se muito, nesse debate, o que o Brasil tem a ganhar remexendo um passado incômodo e todos os seus medos. Talvez tenha a ganhar um futuro melhor. A banalização da tortura no período de exceção contaminou o país - e hoje quem paga por essa banalização são os presos negros e de baixa renda que entram no sistema prisional por uma cadeia de polícia e chegam até o presídio. A Lei 9455, que definiu os crimes de tortura, definiu-a como crime não passível de anistia e inafiançável. Ainda assim, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da USP e da Fundação Teotônio Vilela, do total de casos denunciados como tortura no Judiciário de São Paulo, a maioria deles, 68%, foram cometidas por agentes do Estado. Apenas metade dos denunciados por crimes de tortura tiveram alguma condenação. A prática da tortura não apenas é normal para um grupo determinado de agentes públicos que está nos sistemas policial e prisional, como passou a ser relativizado inclusive pela Justiça.


Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1063&portal=

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


CÍRCULO CRIMINOSO
Dora Kramer


O governador do Rio, Sérgio Cabral, elogiou de início a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a necessidade de tropas federais atuarem desde já na garantia da liberdade de voto das populações das áreas dominadas pelas milícias e pelo narcotráfico.

Aparentemente desautorizando seu vice, Luiz Fernando Pezão, que, de imediato, desmentiu a existência de problema nos morros e disse que essa história de dominação é coisa de gente que não tem acesso aos votos das "comunidades".

Em seguida, Cabral entrou em atrito com o comandante militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira, que exige autorização expressa do governador para entrar em ação e lembra que, de outras vezes, foi esse o impedimento para a execução dos planos.

Cabral achou a idéia da Justiça uma maravilha, praticamente se apropriou dela, mas ponderou que o assunto de autorizações ou pedidos oficiais não é de sua alçada.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, interferiu afirmando que a prerrogativa da autorização é do presidente da República. Mediante, porém, solicitação do governador.

Anda-se, portanto, de novo em círculos ao ritmo do velho bate-boca entre as responsabilidades de autoridades públicas enquanto o problema continua impávido, fazendo seus estragos.

Noves fora, fato é que tudo segue como dantes. O presidente do TSE, ministro Ayres Brito, é um bem-intencionado. Ainda vai tentar convencer os ministros da Justiça e da Defesa de que a situação requer emergência.

Acrescente-se: requer, sobretudo, um árbitro. Um mediador imune a ingerências eleitorais já poria as coisas num outro patamar e aumentaria as chances de o Estado combater preventivamente a fraude urdida pelos chefões da bandidagem para eleger seus candidatos a vereador e ajudar simpatizantes a comandar a prefeitura.

Essa arbitragem, ou pelo menos mediação, em tese seria um papel a ser exercido pelo presidente Luiz Inácio da Silva. Mas as viagens internacionais e os afazeres políticos, partidários e eleitorais do interesse exclusivo de seu projeto de manutenção de poder não lhe têm permitido perceber que governa um País em parte interditado.

E assim segue o baile. A Justiça Eleitoral assegura o sigilo do voto de longe, atrás da tela da televisão, e o bandido, agora travestido de chefe político, põe o dedo na cara do cidadão e avisa que a senha da urna eletrônica "está na mão" e será usada para descobrir quem entrará na lista dos condenados às penas do crime de crime de alta traição, segundo o código da lei do mais forte.

Quando o governador "puxa" briga com o comandante militar da região, este entra na polêmica e a fala do ministro da Defesa não apresenta uma solução para o conflito - pois remete o ato inicial a Sergio Cabral, que se recusa a fazê-lo - o cidadão continua abandonado, a criminalidade queda-se sossegada e a Justiça fica literalmente na mão. Do faz-de-conta de sempre.

Terra arrasada

Deputados e senadores talvez ainda não tenham se dado conta, mas o Palácio do Planalto avança sua mão de gato sobre funções constitucionalmente atribuídas ao Congresso.

Assim como quem não quer nada e querendo rigorosamente tudo, o Poder Executivo se imiscui mais e mais no funcionamento do Parlamento. Governando por medidas provisórias, praticamente cassou-lhe a prerrogativa de legislar.

Agora anuncia as balizas da reforma política no molde de seu interesse e, não bastasse, sinaliza intenção de restringir o campo de atuação das comissões parlamentares de inquérito.

Uma é produzida no departamento dedicado a atividades parlamentares do Ministério da Justiça e, da outra, quem se faz porta-voz é o secretário de Reforma do Judiciário, também da pasta comandada por Tarso Genro.

A assessoria jurídica do Palácio do Planalto ou a assessoria parlamentar do Ministério da Justiça - a denominação do santo não altera a origem do pecado - estão, com isso, pretendendo reescrever o regimento interno do Parlamento e a Constituição.

E logo com as CPIs, coitadas, tão desmoralizadas, ineficazes, perdidas e só raramente produtivas.

Já andam no osso. Se forem restritas suas atribuições - ainda mais como se pretende, de fora para dentro -, não lhes sobrará nem a chama das intenções.

O balanço da situação até o momento é o seguinte: o Executivo já capturou do Congresso a iniciativa de legislar; já interditou a atividade de parlamentar (no sentido de debater), pois com os aliados o presidente Lula monologa e com os adversários usa da popularidade para jogá-los contra a população e, assim, inibir o confronto mais consistente; agora quer solapar a função de fiscalizar "normatizando" o funcionamento de comissões de inquérito.

Quando suas excelências abrirem os olhos - se lhes interessar abrir, bem entendido - já terão perdido todas as suas atribuições, o direito de reclamar e ficarão desprovidos da própria razão de ser.


LIVRO: LANÇAMENTO


AMIGA GRAZIELA
Ivan Alves Filho

Não conheço gênero literário mais livre do que a crônica. Cabe tudo dentro dela. O pequeno ensaio. O tratado filosófico em miniatura.

A prosa poética. A reminiscência. A conversa de papel. Se a crônica fosse um fenômeno da natureza – um animalzinho por exemplo –, seria sem dúvida um passarinho. Se fosse um doce, quindim de Iaiá, certamente. Desses que derretem no céu da boca, como os passarinhos se divertem no céu de verdade.

Há certas crônicas que merecem quase ser devoradas. As crônicas – e também os contos e a poesia – de Graziela Melo estão entre essas. Que livro prazeroso a minha amiga escreveu! Por vezes áspero, como quando se refere à prisão do marido Gilvan no Rio de Janeiro ou à morte do filho querido em Santiago do Chile, nos tempos do Companheiro Presidente, o nosso querido Salvador Allende. Mas... ó quão verdadeiras essas crônicas são! Quanta emoção elas nos passam!

Como isso se tornou possível, eu me perguntei a certa altura do livro. Como? Qual foi o segredo?

E creio ter encontrado a resposta: Graziela transformou sua vida – e não somente sua escrita – em uma obra de arte. Mulher sensível, a minha amiga Graziela ama viver até quase o desespero, retirando poesia das coisas mais simples do nosso cotidiano, sentindo as dores e as alegrias do mundo como as dores e as alegrias do mundo são: parte integrante da aventura da vida que ela sabe enfrentar como ninguém.

A poesia, a crônica, o conto? Ouso dizer – eu que não sou crítico literário - que esses escritos nada mais são do que uma conseqüência dessa arte maior, que é o amor de Graziela pelas coisas do mundo.

Ou para me socorrer de uma expressão sua, amiga Graziela, esses escritos, de tão sinceros, ficarão para sempre alojados “ nas desordens da minha alma, nos arquivos da minha memória.”



DEU EM O GLOBO


O PAPELZINHO
Merval Pereira


NOVA YORK. Embora não tenhamos até o momento nenhuma prova de fraudes em eleições com votação eletrônica, é de preocupar a mera possibilidade de que os traficantes que dominam os morros cariocas já dominem também uma tecnologia que seja capaz de violar o sigilo das urnas nas próximas eleições municipais. A declaração do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, de que nosso sistema de urnas eletrônicas é inviolável e que as ameaças dos bandidos não passam de "blefes" e "bravatas" é tranqüilizadora, mas em todo o caso seria bom que fossem tomadas medidas adicionais de segurança, pois a inviolabilidade total dessas máquinas não é tecnicamente comprovável.

Aqui nos Estados Unidos, desde a crise política da tumultuada contagem de votos na Flórida que deu ao presidente Bush uma vitória definida pela Suprema Corte e até hoje considerada no mínimo discutível, há uma tendência de aumentar os investimentos para o uso de votação eletrônica e, ao mesmo tempo, um terrível temor de que esse sistema possa ser desvirtuado.

Nos Estados Unidos não há uma uniformidade nos tipos de urnas, já que cada condado (região formada por pequenas cidades) pode escolher o tipo de voto.

Nas últimas eleições de 2006, cerca de 48 milhões de eleitores, representando 30% dos registrados, usaram a urna eletrônica. Para a eleição presidencial, esse número já está estimado em aproximadamente 40% dos eleitores.

O aumento do uso de urnas eletrônicas deve-se principalmente à legislação aprovada em 2002, no rastro das seqüelas políticas da eleição presidencial de 2000, que destinou uma verba de mais de U$3 bilhões para compras de equipamentos e modernização do sistema eleitoral, que ainda é feito em grande parte em cartões perfurados e cédulas escaneadas.

Pela legislação em vigor, as urnas devem ter cópias em papel da votação, que podem ser utilizadas em caso de recontagem.

Ao mesmo tempo em que as urnas eletrônicas estão sendo utilizadas mais amplamente, muitos problemas técnicos surgem, e até mesmo nas últimas primárias os dois partidos registraram erros.

Um caso famoso foi o do condado de Tarrant, no Texas, onde máquinas fabricadas pela Hart InterCivic contaram alguns votos, em determinadas situações até seis vezes mais, totalizando mais de 100 mil votos "fantasmas".

O problema foi atribuído a um erro técnico de programação, e não ao trabalho de algum "hacker". No Colorado, por exemplo, a firma responsável pelas máquinas de votar foi desabilitada depois que ficou comprovado que elas podiam ser alteradas e apresentavam erros de contagem.

O estudo mais famoso sobre vulnerabilidade no sistema de votação eletrônica é um realizado em 2004 pelo Centro para Política de Informação Tecnológica, do departamento de Ciência do Computador da Universidade de Princeton.

Eles analisaram o modelo de urna eletrônica Diebold AccuVote-TS, da fábrica Diebold, que hoje é a proprietária da firma brasileira que criou o modelo de urna eletrônica que está em uso no Brasil.

O estudo de Joseph A. Calandrino, J. Alex Haldeman e Edward W. Felten criou em laboratório um software capaz de roubar votos em uma urna eletrônica e de espalhar um vírus para outras urnas, contaminando-as com o mesmo poder de alterar o resultado de uma eleição.

Embora os representantes da firma Diebold tenham alegado na ocasião que aquele modelo não estava mais em uso, tendo sido substituído por outros, mais modernos e seguros, eles não aceitaram submeter ao laboratório de Princeton esses novos modelos, alegando questão de segurança.

Ao mesmo tempo, admitiram indiretamente que as antigas urnas, que já haviam sido usadas em eleições passadas, poderiam ser vulneráveis. Várias outras auditorias independentes encontraram problemas com as urnas eletrônicas em diversos estados do país.

Em Maryland, vários defeitos foram verificados, mas a auditoria não desclassificou o uso das máquinas. Auditoria da Califórnia examinou os sistemas Diebold Elections Systems, Hart InterCivic e Sequoia Voting Systems, permitindo o uso nas eleições, mas exigiu mudanças e maior controle.Testes revelaram que um vírus poderia ser introduzido em qualquer um dos modelos de urnas, podendo se espalhar por toda a região de votação.

A questão é tão discutida que Ronald L. Rivest, um cientista do Massachusetts Institute of Technology, e o matemático e advogado especialista em eleições Warren D. Smith propuseram uma complicada solução: cada eleitor, ou pelo menos um bom número deles, receberia aleatoriamente um papel após a votação, com um número de registro de um voto, sem que fosse o seu, naturalmente.

Os registros de todos os votos computados seriam colocados em um sítio na internet, e todos os eleitores que receberam o comprovante poderiam constatar se o número correspondente àquele voto foi contabilizado. Seria uma maneira de colocar os cidadãos como os fiscais da lisura da eleição.

Uma combinação de alta tecnologia com o papelzinho, que o falecido Leonel Brizola tinha como grande reivindicação, que confere credibilidade à eleição mesmo nos tempos mais avançados tecnologicamente. Ou até mesmo por isso.

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE - NAS ENTRELINHAS


CEIA ANTECIPADA
Luiz Carlos Azedo


É muito comum, em época de eleições, cronistas políticos espinafrarem os partidos e os políticos. E abominarem a propaganda eleitoral. Mas não se deve esquecer que só há democracia com eles

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu tirar o gênio da garrafa e promover uma reforma política. Fará seis pedidos aos Congresso: restaurar a cláusula de barreira, acabar com as coligações em eleições proporcionais, exigir fidelidade partidária, endurecer a lei de inelegibilidades , implantar o financiamento público de campanha e adotar o voto em listas partidárias. Com isso, o quadro partidário seria mais enxuto e definido ideologicamente. Acredita que assim acabaria o me-dá-me-dá na base governista. Hoje, a negociação é voto a voto, o que obriga o Executivo a comer pela mão de deputados e senadores da base governista a cada vez que precisa aprovar alguma coisa no Legislativo. Muitas vezes, um acordo com a oposição sai mais barato. Prevista para depois das eleições municipais, a reforma política proposta pelo presidente Lula é mais ou menos a mesma coisa do que convidar os perus para uma ceia de Natal antecipada.

Os partidos

Logo após o golpe de 1964, os militares também tentaram dar um jeito no que consideravam a “bagunça” dos partidos. Todos foram extintos, inclusive a UDN, que havia apoiado o golpe de Estado. O general Castelo Branco, que havia assumido a Presidência, tentou dar “racionalidade” ao sistema partidário e implantou o bipartidarismo. Além de uma Lei Orgânica dos Partidos, na qual foram criados a Arena e o MDB, implantou um código eleitoral e uma lei de inelegibilidades. A partir das eleições de 1974, porém, o bipartidarismo passou a funcionar contra os militares, porque aglutinou toda a oposição, com exceção dos que haviam aderido à luta armada.

Após sucessivas derrotas eleitorais, os militares promoveram nova reforma partidária, em dezembro de 1979, logo após a anistia política. Concebida pelo general Golbery do Couto e Silva, restabeleceu o pluripartidarismo para dividir a oposição. A antiga Arena virou PDS, o atual PP. O MDB manteve a sigla, o PMDB. Mas a oposição se dividiu com o “racha” do PTB, cuja legenda ficou sob controle de Ivete Vargas; o surgimento do PDT, de Leonel Brizola; e a fundação do PT, sob a liderança de Lula. Tancredo Neves fundou o PP, mas com a adoção do voto vinculado, que proibia as coligações, voltou ao PMDB, partido pelo qual foi eleito presidente da República.Os partidos comunistas (PCB, PCdoB, PSTU) só foram legalizados em 1985, pelo presidente José Sarney. Na Constituinte, peemedebistas dissidentes criaram o PSDB.

As eleições

Com o restabelecimento das eleições diretas em todos os níveis e a liberdade de organização partidária, consagradas pela Constituição de 1988, o quadro partidário se ampliou ainda mais, porém o sistema eleitoral continuou o mesmo. O próprio Congresso tem um regimento herdado do bipartidarismo. Todas as tentativas de reforma política, como a adoção do parlamentarismo ou do voto distrital, fracassaram. Os remendos aprovados pelo Congresso não modificaram significativamente o sistema eleitoral, que passou a ser aperfeiçoado muito mais em razão de medidas adotadas pela Justiça Eleitoral. Recententemente, graças a um ativismo jurídico que muitos caracterizam como a “judicialização da política”, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a preencher o vácuo criado pela inércia do Legislativo. E adotou medidas para fortalecer os partidos e aperfeiçoar o processo eleitoral, algumas delas na contramão de decisões tomadas pelo Congresso. É o caso, por exemplo, da interpretação dada à cláusula de barreira, aprovada pelos parlamentares, mas invalidada pelo TSE, e da nova jurisprudência sobre a fidelidade partidária.

Apesar dos escândalos envolvendo os partidos e seus políticos, não se pode, entretanto, jogar a criança fora com a água da bacia. O Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com voto direto e secreto, apuração eletrônica e propaganda eleitoral gratuita na tevê e rádio. Está à frente de muitos países desenvolvidos, inclusive os Estados Unidos, e nem de longe pode ser comparado com a Índia, a Rússia e a China. Somos mais de 130 milhões de eleitores, num ambiente de ampla liberdade, com eleições limpas, apuradas no próprio dia da votação. É muito comum, em época de eleições, cronistas políticos espinafrarem os partidos e os políticos. E abominarem a propaganda eleitoral. Mas não se deve esquecer que só há democracia com eles. E a reforma política de Lula parece mais um casuísmo, cujo objetivo é reabrir as porteiras do troca-troca partidário e facilitar a vida do PT na sucessão presidencial de 2010.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


DESARMONIA NA LARGADA DA ESQUERDA
Rosângela Bittar


Foi mal recebida por um grupo importante do PSB, partido do bloco de esquerda que tem candidato viável para a sucessão do presidente Lula, a iniciativa do ex-ministro José Dirceu de iniciar agora negociações de aliança para 2010, numa tentativa de amarrar, com precipitação, os destinos do PSB, PCdoB e PDT ao projeto do PT, atropelando desta forma a candidatura presidencial de Ciro gomes. O ex-ministro chefe da Casa Civil no primeiro governo petista apresentou suas armas na forma de uma entrevista com o presidente do PCdoB, Renato Rebelo, publicada em seu blog. Na conversa, quase um depoimento, com poucas e certeiras intervenções do entrevistador, o dirigente comunista compromete o PCdoB com duas posições caras ao PT.

Uma delas é a concordância com a idéia de convocação de um plebiscito para "viabilizar", na pergunta de Dirceu e na resposta de Rebelo, a reforma política. Segundo entendimento no diálogo dos dois políticos, esta não seria uma reforma para se realizar com o atual Congresso. Ao expor sua aprovação à idéia, Rebelo deixa atendido, por esta reforma, o desejo do PT, transcrito na velha e recorrente proposta do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), de revisão do mandato do presidente da República.

Isto não é dito assim, tão diretamente, nem assumido como apoio oficial dos dois partidos, PT e PCdoB, ao terceiro mandato consecutivo para o presidente Lula.

- José Dirceu: "Estou convencido que para viabilizar a reforma política só um plebiscito"...;

- Renato Rebelo: "No Congresso atual, dificilmente vamos aprovar uma reforma política. Ela exige uma série de questões que deveríamos levar em conta, como, por exemplo, o tempo de mandato do senador e do próprio presidente da República"...

Mais à frente, o presidente do PCdoB concorda com a assertiva de que a saída para uma reforma política é "um plebiscito, como você levanta". E, de passagem, condena, como "enganação", a reforma política parcial, fatiada, exatamente do tipo que o governo Lula, por intermédio dos ministros Tarso Genro (Justiça) e José Múcio (Relações Institucionais), está propondo ao Congresso.

Primeiro, projeto de país, depois, o candidato

Definição clara de posição, no mesmo diálogo, foi apresentada na questão de ter o bloco um candidato próprio a presidente da República ou seguir aliado ao PT, desde o primeiro turno, em 2010, ainda que não seja Lula o candidato. Diz Renato Rebelo que Lula acaba sendo o grande cabo eleitoral dos 12 partidos que o apóiam. "Numa situação como essa, o candidato deveria ser do PT, o partido do presidente, com maior índice de aprovação pela população, e que cresce mesmo depois da crise que atravessou".

Os partidos são responsáveis pela construção desta candidatura, diz, sobretudo aqueles que estão com Lula desde 1989. "Os interesses particulares têm que ficar subordinados a interesses maiores". Segundo Rebelo, para construir esta candidatura, são necessárias a intervenção direta do presidente e a convergência política dos partidos. "O presidente assinala o nome de Dilma Rousseff. Hoje, Lula procura essa construção, e ele está certo".

Antes de integrar a chapa como vice de Marta Suplicy, na eleição para escolha do futuro prefeito de São Paulo, o deputado Aldo Rebelo, também do PCdoB, apresentou sua candidatura a prefeito, e nela insistiu até que o presidente Lula, diante de um PT isolado na sucessão municipal, fizesse o apelo à desistência. Um dos argumentos principais de Aldo para manter a candidatura a prefeito era que, para passar a existir politicamente, o bloco tinha que ocupar um espaço eleitoral em disputa privilegiada para isto, como a prefeitura, além do fato de o PT só haver recorrido aos partidos de esquerda depois de preterido em alianças preferidas.

Com nuances, é esta a argumentação que se vê agora, no PSB, contra o alinhamento automático ao PT proposto pelo PCdoB na entrevista de Renato Rebelo. O vice-presidente dos socialistas, Roberto Amaral, afirma que se não houver uma razão eleitoral para estes partidos de esquerda estarem juntos, o bloco perde sua razão de ser. "Passa a ser um bloco parlamentar, não político", afirma. E não entende como adequada, para o momento, a discussão sobre 2010 a um nível tão avançado. "Quer desestabilizar o governo, discute a sucessão".

O dirigente socialista destaca os méritos do governo Lula, diz que não é um ponto de chegada, mas de partida, e defende que o candidato à sucessão do presidente, pelo qual se deve lutar dentro do bloco de esquerda, deve ser alguém que "mantenha esse projeto popular de Lula e o aprofunde". Todos os partidos, na sua opinião, têm direito a pleitear esta escolha. "Pelo menos os que têm nomes nacionais, e o PSB tem o Ciro Gomes, o Eduardo Campos e a Luiza Erundina". Entretanto, pondera, não devem os políticos da esquerda discutir candidatura agora. O PSB, inclusive, segundo informa, não aprovou sequer o princípio da candidatura própria.

A esquerda, diz Roberto Amaral, tem que discutir um programa, um projeto de país, promover debates nacionais. "Temos que definir qual vai ser nossa postura em 2009, que reforma política a esquerda pretende fazer, como vão se reorganizar as Forças Armadas, como tratar este futuro do país que está no litoral - com o pré-sal e o gás".

As grandes questões do mundo - a crise financeira, "que pega o fígado do capitalismo"-, a energia, os alimentos, a água, encontram o Brasil, na avaliação do dirigente socialista, bem equipado para enfrentá-las e contribuir para sua solução. "Mas qual o projeto do país agora, que temos alimentos, energia, água? Rodo o país inteiro e não estou vendo esta discussão". A oposição não debate nada, assinala. A omissão, nota, é não só dos políticos, mas também da imprensa e da sociedade.

Desqualificando mais uma vez as definições precipitadas, o vice-presidente do PSB conclui: "Só com a visão do país terei a visão do meu candidato ideal".

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

DEU NO JORNAL DO BRASIL


A FLOR DA ESPERANÇA MURCHOU
Villas-Bôas Corrêa


O que já se sabia de véspera foi apenas confirmado na estréia do milionário programa de propaganda eleitoral, com a gratuidade à nossa custa mais uma vez reprovada no teste da sua inutilidade.

Para começo de conversa, com a experiência de várias campanhas a caduca legislação eleitoral já deveria ter sido reformada para os ajustes difíceis, mas não impossíveis, à sua serventia. Não há como levar a sério a bagunça de fim de feira de um flagrante, com provável baixíssimo nível de audiência que as pesquisas devem quantificar, mas que os números conhecidos antecipam: são 1.244 os candidatos que se apresentam para pedir o nosso voto para o sacrifício de servir o povo no nobre exercício da vereança na Câmara Municipal.

Com tal inflação de borbulhante fervor cívico, depois de passar pelo triturador a distribuição das migalhas chega ao ridículo de quatro segundos para a apresentação do programa de alguns candidatos e que, certamente, arrastaria multidões se pudesse ser exposto com o mesmo enfeite gongórico dos discursos nas tribunas da antiga gaiola de ouro.

O candidato estreante Adelson Alípio, do PCdoB, que ainda não tive o prazer conhecer, em confessada ignorância que se estende ao programa do partido, queixa-se que está se submetendo a um treinamento diário para conseguir anunciar ao ainda não conhecido eleitorado o seu nome, número e a síntese tão espremida como bagaço de laranja: pela saúde e educação. Um recado que, pelo ineditismo, certamente levará multidões ao delírio e a marcha batida para as urnas.

Se o programa de ontem foi de encher as medidas além de outros espaços da nossa paciência, certamente que, por todo Brasil, a mesma ansiedade aguarda a entrada em cena, na meia hora matinal e na fatia mais cobiçada no horário nobre, das 20h30m às 21h. em rede de emissoras de TV, hoje e às segundas, quartas e sextas-feiras durante 45 dias, um mês e meio. Nas emissoras de rádio, o horário eleitoral invade o ar das 7h às 7h30m e do meio-dia às 12h30m. Como se vê, o que não vai faltar é emoção em pacotes distribuídos ao longo do dia. Ufa!

Dos 14 candidatos a recuperar a ex-cidade maravilhosa, quatro terão menos de um minuto para a abordagem crítica e as propostas de soluções da crise dos setores de segurança, saúde, educação, a favelização e o tráfico de drogas, limpeza, lixo e outras encrencas.

O tom jocoso de um assunto da mais preocupante seriedade é intencional, mas não leviano. Mas, que adjetivos, mesmo baixando ao calão, podem exprimir a vergonha, o asco e a indignação do eleitor diante de denúncias como a da manchete de primeira página do JB de ontem, que expõe as vísceras da Câmara Municipal do Rio: a maioria dos 48 vereadores que sobem ao palco para pedir o voto da reeleição dobrou o seu patrimônio nos quatro anos do mandato.

A honrada vereadora Liliam Sà (PR) é a campeã olímpica de enriquecimento, com a disparada do seu patrimônio, descontada a inflação, chegando à altura de 809%.

Já não pedimos tanto, mas a nobre vereadora poderia ensinar aos beneficiados pelos magos da equipe do presidente Lula, que arrombaram as cancelas da pobreza para a ascensão ao patamar da classe média, como aplicar as sobras do milagre da multiplicação do real com o mesmo êxito das mordomias de um parlamentar a serviço do povo.

Dona Liliam não é a única habilitada a ensinar ao povão a ficar rico jogando na bolsa.

E se a campanha para a eleição de prefeitos e vereadores pôs na berlinda os que galgam os primeiros degraus de uma escada que leva ao infinito, dentro de mais dois anos, em 2010, com a eleição para presidente, governadores, senadores e deputados federais vamos ter o espetáculo de gala que promete levar o respeitável público à fossa propriamente dita.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O DIA EM QUE NOSSO LULA IMITOU O REI SALOMÃO
José Nêumanne


O presidente da República pode não ser um homem letrado nem ilustrado, mas até seus adversários mais ferrenhos, que não toleram a hipótese do terceiro mandato nem em pesadelo, devem concordar que ele tem um bom senso invejável, além de um enorme talento para driblar obstáculos. Foi o que ele fez, aparentemente de maneira brilhante, na semana passada, ao encontrar uma solução salomônica para a proposta inoportuna e insensata feita por seu ministro da Justiça, Tarso Genro, e seu secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, de reabrir unilateralmente a Lei da Anistia para punir apenas os torturadores.

Se cedesse à pressão dos comandantes militares e desautorizasse os dois auxiliares na cerimônia de apresentação dos novos oficiais-generais, terça-feira 12, no Palácio do Planalto, poderia passar a impressão de que carece de apoio da caserna para permanecer no legítimo posto em que está por decisão majoritária e soberana do povo brasileiro. Se, ao contrário, nada falasse, autorizaria uma insensata exumação de esqueletos da guerra suja, que não se sabe a quem poderia interessar, mas com certeza não interessa à sociedade nacional nem, por extensão, à paz em seu governo. O presidente calou na reunião com os oficiais, mas falou mais tarde em cerimônia no quartel-general de um dos maiores inimigos dos militares descontentes com a proposta de Paulo e Tarso: a União Nacional dos Estudantes (UNE). A escolha do lugar exalta os méritos do estrategista. A frase cunhada para encerrar o assunto comprova seu talento inato e invulgar de lidar com as palavras, ainda que muitas vezes atropele a gramática. Num arroubo digno de fazê-lo figurar entre os governantes que se celebrizaram pelo estilo conciliador quando detinham o bastão de mando, de dom Pedro II a Getúlio Vargas, de Bernardo Pereira de Vasconcelos a Tancredo Neves, Lula jogou o tema para escanteio num carrinho retórico, sem machucar ninguém: ele afirmou que era preciso “transformar os mortos em heróis, e não em vítimas”.

A sentença funcionou como um calmante para os quartéis inquietos com a reabertura da discussão imprópria. Os comandantes e seu chefe, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, saíram comemorando o encerramento da discussão e a dupla Paulo e Tarso não se sentiu desautorizada nem repreendida. Mas a reencarnação do justiceiro rei hebreu Salomão no ex-dirigente sindical metalúrgico não passa de um truque impreciso do ponto de vista semântico, de lógica canhestra e falacioso no ângulo histórico, embora muito sagaz politicamente. Não há, ao contrário do que a sentença insinua, oposição entre a condição de vítima e o heroísmo. Há até muitas vezes uma relação estreita, embora não obrigatória: nem toda vítima é herói, mas muitas vezes o herói tem de ser vitimado antes, assim como o é o mártir.

No caso que serviu de tema à fala presidencial, quem foi torturado na ditadura militar exige tratamento de herói da democracia, embora não o tenha sido. Salvo raras exceções que confirmam a regra, os inimigos da ditadura militar de direita não lutavam pelo Estado Democrático de Direito, mas por outra ditadura, de sinal oposto, cujos exemplos - a Rússia de Lenin e Stalin, a China de Mao, a Cuba de Fidel Castro ou o Camboja de Pol Pot - são tão próximos de uma democracia quanto as tiranias de Nero, Calígula, Gengis Kahn, Hitler, Franco e Mussolini. Houve, sim, heróis da democracia na resistência civil contra os militares no Brasil - e Lula está entre eles, pois ajudou a desmoralizar a legislação autoritária com as greves que liderou, à custa de prisão e pena. Mas nenhum deles pegou em armas para enfrentar a ditadura.

Ao contrário do que imaginam os ingênuos que crêem nas versões falaciosas politicamente corretas de que havia nas ruas das metrópoles e nos sertões do Araguaia mais uma versão do conflito entre o Bem e o Mal, a idéia de derrubar o regime autoritário pelas armas não contribuiu para sabotá-lo. Mas colaborou para torná-lo mais cruel e talvez mais longevo. A ditadura durou mais do que era previsto que durasse pelos oficiais que interromperam o mandato de João Goulart, em 1964, porque teve a própria fúria contra as instituições nutrida pela aventura insensata dos que tentaram implantar no Brasil as idéias insanas do foquismo cubano dos barbudos de Sierra Maestra. E terminou ruindo sobre os próprios pés de barro, com a ajuda de democratas de verdade que participaram da difícil reconstrução das instituições enquanto muitos aventureiros da guerra suja ainda sonhavam com o sangrento assalto ao poder.

A dupla Paulo e Tarso não está sozinha na leitura distorcida destes eventos históricos. As comissões de burocratas que distribuem generosamente dinheiro público à guisa de remunerar os serviços prestados à luta contra a ditadura prestam idêntico desserviço à Nação. Não tem sentido subtrair dinheiro que deveria servir para resgatar a tal da dívida social, à qual Lula vive se referindo, para pagar indenizações milionárias a ex-combatentes que optaram pela luta e agora tratam essa opção imatura, mas consciente, como um investimento, conforme apontou com lucidez Millôr Fernandes. A notícia da entrada de 175 ex-militares, que logo serão seguidos por mais 425, na Justiça contra a União para pedir indenização por terem combatido no Araguaia parece absurda apenas por causa da conclusão equivocada de que havia algozes, num lado, e vítimas, no outro. Essa conclusão ganhou foros de verdade absoluta, sem fundamento histórico algum, pelo uso competente e cínico da lição dada pelo mago da propaganda nazista, Joseph Goebbels, segundo quem uma mentira se torna verdadeira se incessantemente repetida.

Vítima então e herói sobrevivente da luta dos democratas contra a ditadura, Lula recorreu à falácia para ganhar apoio e votos. Seria tão bom se deles fizesse melhor uso!


José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


VISITA AO PAÍS DOS RICOS MAIS RICOS
Clóvis Rossi


SANTANDER - Já tratei recentemente, neste espaço, da lenda da queda da desigualdade e dos números da miséria brasileira, explicitada em pesquisa que o Ibase (a ONG do Betinho) fez com os beneficiados pela Bolsa Família.

Faltava só visitar os ricos.

Andrés Oppenheimer ("Miami Herald", prêmio Pullitzer) se antecipou e mostra o que só pode ser surpresa para os que acreditam em duendes ou na lenda da queda da desigualdade.Vejamos os dados por ele coletados no "Informe Mundial da Riqueza-2008", preparado por Capgemini e Merrill Lynch:

1 - Os ricos da América Latina estão enriquecendo mais rapidamente que seus pares de todas as demais regiões do mundo e já acumularam US$ 6,2 bilhões em valores financeiros, sem contar imóveis e coleções de arte.

2 - Nos três anos mais recentes, os ricos latino-americanos viram suas fortunas aumentar 20,4%, enquanto os pobres árabes donos do petróleo só ficaram 17,5% mais ricos. Os norte-americanos, então, tadinhos, engordaram suas contas apenas 4,4% (essa gente ainda vai morrer de fome nesse ritmo).

3 - Em que países os ricos ficaram ainda mais ricos? Adivinhou: Brasil, claro, o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores. Ah, no segundo lugar no torneio do enriquecimento aparece quem? Sim, ela, a Venezuela do "socialismo do século 21" (vai ver que é o socialismo que distribui renda para os ricos). Só depois é que aparece o Chile, que, desde a ditadura Pinochet, é o queridinho dos tais mercados.

Conclusão, algo óbvia, mas correta de Oppenheimer: "Em vez de ostentar o recorde de concentração de riqueza, a região deveria esforçar-se para ter maior número de indivíduos moderadamente ricos e muito menos pobres".

E o Brasil deveria parar de festejar lendas e misérias.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1062&portal=

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


SOB O PATROCÍNIO DA BELA VIOLA
Dora Kramer


Entre políticos e marqueteiros a assertiva é cláusula pétrea: quando começar o horário gratuito de propaganda na televisão e no rádio é que o eleitor fará suas escolhas de fato. Só então o quadro de vencedores e perdedores poderá ser traduzido com mais fidelidade pelas pesquisas.

Pois bem, começa hoje o período de 42 dias, mas a avaliação não é unânime. Para o eleitorado em geral trata-se de um verdadeiro suplício.

Uma legítima subtração unilateral do direito de ver e ouvir o que lhe interessa. Se o cidadão não tem TV paga, ou vai aos afazeres ou fica ali vendo aquilo cansado de saber que as belas violas produzidas por publicitários podem muito bem esconder pães bolorentos.

O problema é que, como dizia um velho jogador do Sport Clube Recife sempre citado pelo senador Marco Maciel, é que a conseqüência vem depois. No caso, o eventual bolor só aparecerá depois do enterro de Inês. Ou seja, quando o eleito, ou eleita, começa a governar e aí não há como recuar.

Por esse raciocínio simplesinho - e, portanto, ao alcance de todos - nem gente interessada diretamente na política, por diletantismo, engajamento, hobby ou imperativo profissional, costuma compartilhar do entusiasmo e da esperança dos políticos em relação ao horário eleitoral.

No início, há um acompanhamento interessado, troca de comentários, debates de avaliações, mas com uma semana - não é preciso mais - aquele desfiar de números, obras, afirmações categóricas baseadas em dados saídos sabe-se lá de onde, cansa pelo hermetismo. Os programas começam a parecer falados em sânscrito sem legenda.

O resultado óbvio é o desinteresse. A não ser quando ocorre algo de inusitado (para o bem ou para o mal) ou especialmente criativo.

Só que as chances de o imponderável fazer uma surpresa é cada vez menor.

Suas excelências têm tanto medo de errar e os marqueteiros tanto pavor de perder o emprego e/ou ficar com má fama no mercado, que andam dentro de regras muito estritas, ousam quase nada e preocupam-se mais com a produção do adversário do que em produzir bons acertos.

Conclusão, já há várias eleições os programas obedecem ao mesmo padrão: os dos ricos uma lindeza sem conteúdo e o dos pobres uma tristeza sem forma e tentativa tosca de conteúdo.

Claro, é preciso “mastigar” para a massa a mensagem. E política, sabemos como é um assunto maçante, complicado e intrincado.

Nos debates de televisão ocorre o mesmo. São tantas as limitações impostas pelas assessorias de todas as partes, que não se instala o debate. A corrida é para ver quem consegue receber do mediador mais elogios (ou menos reprimendas) por ter se mantido dentro dos minutos reservados às perguntas, respostas, réplicas e tréplicas.

Quando a pergunta é boa, vale dizer, instigante, politicamente interessante, o candidato sai pela tangente.

Escola fundada por Paulo Maluf. Seja qual for a pergunta a resposta é sempre dada na conveniência de quem responde, independentemente da relação entre uma coisa e outra.

Desse modo, de onde a certeza de que o horário eleitoral define voto se escolha eleitoral é um ato político e os atos de campanha são todos referidos nos valores e ditames da propaganda?

Não há certeza alguma. Há, sim, uma repetição baseada em exemplos de sucesso (ou fracasso) nas primeiras eleições da redemocratização, mas hoje mais parecem uma lenda urbana.

Quem ganha eleição é “onda” - criada por uma conjunção de fatores, entre os quais o desempenho do candidato, independentemente dos enfeites publicitários, é o principal. E, nesse aspecto, o horário eleitoral não anda fazendo nem marola.

“Calamity Jane”


A dianteira de Marta Suplicy, o recuo de Geraldo Alckmin e a inércia dos índices de intenção de votos de Gilberto Kassab apontam para o seguinte: considerando que o ex-governador e o atual prefeito nadam nas águas do mesmo eleitorado, para perder, Marta terá de se esforçar.

Por exemplo, dando asas a Marta Tereza Smith de Vasconcelos Suplicy e seu temperamento indomável.

Plano diretor

O PSDB não gosta das idéias de Fernando Henrique Cardoso, que não consegue convencer o partido a sair da toca congressual e se abrir à sociedade, mas seu principal adversário político gosta.


Neste ano o presidente Luiz Inácio da Silva já fez duas reuniões com os chamados intelectuais (artistas, acadêmicos etc.) e agora prepara um grande encontro com o pessoal do cinema.

Resolvido o problema eleitoral com os muito “necessitantes”, por intermédio dos programas assistencialistas, o presidente está obviamente dedicado a reconquistar os bem “pensantes”.

Lula não dorme no ponto. Já a moçada que pretende desalojar PT e adjacências do Poder ressona no muro no embalo da lei do menor esforço, indiferente à lei segundo a qual cobra que não anda não engole sapo.

DEU NO BLOG DE LUCIA HIPPOLITO


VÃO TENTAR DE NOVO
Lucia Hippolito

Novamente, o Palácio do Planalto atropela o presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, e se intromete em assuntos do Legislativo.

Agora é a vez da reforma política.

É muito curioso. Quando a sociedade, os governadores e os empresários reclamam do excesso de impostos, o governo lança o canto de sereia da reforma tributária.

O pacote vai para o Congresso... e lá desaparece num poço profundo. Deve existir um museu de propostas de reforma tributária dentro do Congresso brasileiro.

Quando a chantagem política da base aliada atinge níveis insuportáveis para o governo, ou quando a Justiça Eleitoral decide preencher os vácuos de legislação, lança-se a isca da reforma política.

O cardápio atual de reforma política abrange voto em lista, financiamento público exclusivo ou financiamento público misturado com doação de pessoas físicas, inelegibilidades, fidelidade partidária e coligações.

A última pesquisa de opinião que se conhece a respeito de alguns desses temas é uma Pesquisa CNT/Sensus divulgada no ano passado.

Entre os entrevistados, 74% eram contra o voto em lista de candidatos apresentados pelos partidos, enquanto 16,5% eram a favor.

Sobre o financiamento público exclusivo das campanhas, 75,2% eram contra, enquanto só 18,7% eram a favor. Finalmente, sobre a fidelidade partidária, 50,5% eram a favor, enquanto 40,5% eram contra.

E o que mais anda dizendo o eleitor brasileiro?

Que quer maior proximidade entre ele e os eleitos. Que quer controlar mais o exercício do mandato de seu representante. Que não quer deputados trabalhando dois dias e meio por semana.

Que não quer deputados e senadores ganhando salários astronômicos e não pagando imposto de renda sobre todos os ganhos. Que não quer relações espúrias entre políticos e lobistas, ou entre políticos e bicheiros.

Mas o Palácio do Planalto decidiu ignorar tudo isto e quer empurrar pela goela do eleitor abaixo uma reforma política que pode modificar profundamente a forma como os eleitores escolhem seus representantes.

E acha que pode fazer isto tudo sem consultar o eleitor.

O Palácio quer mudar alguma coisa para que nada mude.

Quer voto em lista fechada para perpetuar o poder dos caciques e dos aparelhos partidários.Quer financiar campanhas com o nosso dinheiro.

Mas nem tudo é ruim na proposta. Acabar com as coligações em eleições proporcionais é fundamental para diminuir um pouco a extrema distorção do atual sistema eleitoral brasileiro.

Aumentar as restrições à elegibilidade de cidadãos com ficha suja é outra proposta alvissareira.

Reforçar a fidelidade partidária pode compor o tripé de boas propostas.


No entanto, a forma escolhida pelo Palácio do Planalto é a mais equivocada possível.

Novamente atropelando o Legislativo. Novamente ignorando a vontade do eleitor.

DEU EM O GLOBO


PÃO COM MANTEIGA
Merval Pereira


NOVA YORK. O "Guia Eleitoral de Michael Moore", o cineasta que se especializou em combater o governo de George Bush através de verdadeiros panfletos políticos, como o documentário sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, está sendo lançado por estes dias e é uma boa mostra de como a esquerda americana está inquieta com a fase atual da campanha de Barack Obama. Moore traça com ironias algumas estratégias para os Democratas perderem "a eleição mais ganha dos últimos tempos", criticando posturas conservadoras que estão sendo adotadas para tentar ampliar o eleitorado de Obama.

Como o discurso de Obama contra o Irã, repetindo a posição radical, segundo Moore, do governo Bush e do próprio McCain. Uma coisa que anda irritando Moore é a maneira "gentil" como McCain estaria sendo tratado pelos republicanos, sempre dispostos a destacar seu lado de "herói de Guerra" ou mais "liberal" em questões delicadas como a imigração, mas não destacam com igual ênfase, na sua opinião, o lado radical de McCain com relação às intervenções militares ou à ajuda que, mais até que Bush, estaria propenso a dar às companhias de petróleo.

Moore adverte: "Lembrem-se, nós não estamos na Suécia. Heróis de Guerra sempre vencem". Uma recente pesquisa do Pew Institute parece dar razão a Moore. Enquanto muitos dos apoiadores de Obama são capazes de citar alguma coisa de que gostam em McCain, como suas habilidades pessoais e experiência, 53% dos que apóiam McCain não conseguem gostar de Obama em nenhuma modalidade.

Um dos pontos críticos citados por Michael Moore é a inclinação para o centro politico, que levaria o candidato democrata a escolher um vice mais conservador, ou até mesmo um dissidente do Partido Republicano. O cineasta diz que, agindo dessa maneira, a campanha democrata está tirando o ânimo de milhares de voluntários que terão que estar atuando ativamente no dia da eleição para levar o maior número de eleitores para votar, como aconteceu durante as primárias.

Ecoando uma sensação que predomina na esquerda americana, Michael Moore diz que Obama não deve abandonar uma estratégia que deu certo até agora e levou milhares de pessoas a participarem das eleições primárias devido à promessa de mudanças e novos ventos na política. Ele lembra que existem cerca de cem milhões de pessoas que não se sentem interessadas em votar, e seria preciso que daí saíssem os novos votos para eleger Barack Obama, e não tentar mudar votos conservadores com promessas conservadoras, que negam a base de sua candidatura, que é a mudança.

A mesma pesquisa do Pew Institute revela que, a poucos dias do começo das convenções, a distância que separa Obama de McCain se reduziu à margem de erro. A diferença que, no fim de junho, era de oito pontos percentuais passou agora a ser de apenas três pontos, 46% contra 43%. Segundo o instituto, dois fatores principais são responsáveis por essa mudança de comportamento do eleitorado: McCain está aumentando o apoio que tem entre republicanos e brancos evangélicos, e também entre trabalhadores brancos.

Além disso, McCain teve ganhos em sua imagem de liderança. Uma crescente percentagem de eleitores vê nele o candidato que pode ter o melhor julgamento em uma crise e o que é capaz de fazer acontecer. Ao mesmo tempo, Obama não conseguiu avançar muito no apoio dentro do seu próprio partido, não assumindo boa parte dos votos que foram dados para Hillary Clinton.

Embora Obama perca para McCain entre os eleitores brancos registrados por 51% contra 39%, esses números não são muito diferentes dos registrados neste mesmo momento nas eleições de 2000 (Bush 52% contra 41% para Al Gore) e de 2004 (Bush 50% contra 42% para John Kerry). O problema é que, com esses números, os democratas perderam as duas últimas eleições.

Também algumas diferenças demográficas continuam se repetindo hoje, com eleitores brancos evangélicos, que têm maiores salários e vivem no Sul, entre os mais fortes apoiadores de McCain, como já o foram de Bush. Isso mostra que a questão racial não está influindo na decisão do eleitor.

Mas questões como idade e educação do eleitor estão influindo mais na escolha este ano. Uma pequena maioria de 51% de eleitores brancos de até 30 anos apóia Obama, e McCain lidera por uma pequena margem entre os de mais de 30 anos, enquanto Bush liderava fortemente entre os dois tipos de eleitores. Obama também está recebendo mais apoio entre os eleitores com educação universitária do que entre aqueles que não freqüentam a universidade, o que introduz nesta eleição uma diferença entre o voto dos mais educados, que não existia nas eleições anteriores.

A corrida presidencial está tão apertada que um em cada três eleitores é classificado entre os que podem ainda mudar o voto e entre os independentes nada menos do que 46% estão nessa categoria volúvel. O forte de Obama continua sendo sua ligação com o cidadão comum (embora sua silhueta fina seja vista como um problema entre o americano médio) e sua promessa de mudança.

Mas mesmo entre seus eleitores, o que mais incomoda nele é a inexperiência. No momento, sua campanha está sendo muito pressionada pela cúpula partidária e pelos governadores democratas para que ele abandone a postura de prometer mudanças genéricas para tratar mais do dia-a-dia da população, fazer a chamada política do bread and butter (pão com manteiga). Justamente o que a esquerda, simbolizada no livro de Michael Moore, não quer.