"A oposição como uma parte legítima e permanente do sistema político é uma ideia recente.
Desde seu surgimento, em meados do século 19, ela trouxe benefícios sem conta à convivência política. Não é exagero compará-la a um avanço tecnológico importante – um dos maiores na história dos povos. Muitas violências e não poucas tragédias foram evitadas graças ao seu emprego rotineiro.
Para bem compreender a afirmação acima, é interessante lembrar que Washington, o primeiro presidente americano, não chegou a perceber a importância da nova instituição que mal e mal se delineava em sua época.
Tanto não percebeu que usou seu discurso de despedida, em 1800, para alertar o país contra a 'divisão em partidos', na qual enxergava mais riscos que garantias para a liberdade. Se Washington não anteviu a importância da oposição como um mecanismo permanente e legítimo, muito menos Napoleão, feito imperador naquele mesmo ano.
E nem precisamos lembrar que, nesse aspecto, os revolucionários franceses de 1789 não passavam de trogloditas."
(Bolívar Lamounier, 8/12/2010)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Reflexão do dia – Bolivar Lamounier
O complexo do Alemão e a república:: Luiz Werneck Vianna

Com o episódio de ocupação do complexo do Alemão, santuário do narcotráfico encravado em uma região estratégica da cidade do Rio de Janeiro, a experiência republicana brasileira trava uma batalha que não admite recuo. É vencer ou vencer, embora as circunstâncias não lhe sejam afortunadas, quer porque ela não teve como escolher a hora, que lhe chegou de modo inesperado, nem ainda dispõe dos meios e de quadros qualificados a fim de converter uma cidadela de quatrocentos mil habitantes, há décadas vivendo sob uma ordem imposta por senhores de guerra, em um espaço citadino.
Em sua concepção original, a política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPS) previa a sua imposição primeiramente nas comunidades faveladas de baixo risco, recolhendo experiências e conquistando o apoio da população, daí passando a agir nas mais problemáticas. Nessa escala, certamente o complexo do Alemão deveria ser uma das últimas, se não a última, inclusive pela natureza da sua geografia, a ser objeto de uma UPP. A reação dos narcotraficantes, sob as ordens de núcleos com base nesse complexo de favelas, que desencadearam uma série de ações terroristas em alvos indiscriminados da cidade, obrigou a mudança de cálculo: tornou-se imperativo começar pelo fim.
Concluída com sucesso, a operação político-militar de ocupação daquele território, a sociedade teve diante de si, nas telas da TV, a exposição nua de uma cidade de médio porte que vivia em um mundo paralelo à margem do Estado e de suas leis e serviços públicos, e que tinha aprendido a construir uma rotina em meio a um campo de guerra e às ameaças das balas perdidas. Nas imagens repetidas à exaustão, além das tropelias da incursão policial-militar, viam-se os movimentos das pessoas em suas fainas cotidianas, com suas sacolas de compras, em suas idas e vindas para os lugares do seu emprego, visíveis, em toda parte, os sinais de uma intensa vida mercantil.
Mas, em meio a tantas indicações de uma natureza bem assentada da vida privada, nada havia ali que denotasse a presença do público e do cidadão. Ali estavam indivíduos treinados a buscar suas condições de sobrevivência como seres especializados a viver na bolha da esfera privada, uma das quais, essencial, era a própria ocupação do solo sobre o qual tinham construído suas habitações, principal refúgio para evitar a lei da selva imperante no território.
Ali estava, em uma das principais cidades do país, um espaço em que o exercício da autonomia deveria se confinar à dimensão privada da vida, uma vez que, no mundo da rua, o que cada qual deveria esperar era o estatuto da heteronomia imposta pelos comandos narcotraficantes ou pelo aparelho policial, não sem frequência ocupado por membros da sua banda podre. Sem um lugar institucionalizado para uma fala livre, a comunidade, tal como se constatou, não teve como apresentar qualquer narrativa que exprimisse a situação de terror sob a qual vivia, e nem contou, embora a maioria adulta da população seja eleitoral e faça parte do mundo do trabalho, com uma solidariedade ativa dos partidos e dos sindicatos.
A simples libertação do território é, como se sabe, apenas um primeiro passo. A população inerme, em estado de anomia cívica, destituída de auto-organização, sem vínculos orgânicos com o mundo externo, continua uma presa fácil quer para a reconstituição, em novo formato, dos negócios dos narcotraficantes, quer para sua subordinação a organizações de milícias. Confiar unicamente na intervenção policial-militar, mesmo que permanente, não deve fazer parte das cogitações dos tomadores de decisão quanto ao objeto do complexo do Alemão, alguns com a rica experiência do Haiti. A tópica republicana sai dos livros, e se impõe como um remédio heroico, mesmo para aqueles que sempre a trataram com desdém em nome de nomeadas urgências substantivas.
O paradoxo da situação está no fato de que essa mudança de larga envergadura nas relações do Estado e dos seus governantes com os setores mais sensíveis das classes subalternas - a imensa população que habita as favelas -, se apresente como uma resposta à ação do narcotráfico, que contém, registre-se de passagem, um evidente elemento de rebelião juvenil quanto a um sistema de ordem excludente e discriminador. Se, ali, agora, a república conta com uma oportunidade para criar raiz, deve-se, de algum modo, a eles, pois foi a partir do domínio terrificante que impuseram nos territórios que ocupam, que a demanda por ela se tornou uma questão geral, socialmente necessária, quando ficaram patentes os efeitos perversos de deixar a tantos à margem da cidade, dos seus valores, direitos e oportunidades de vida.
A tarefa é de perder o fôlego e exige o envolvimento de todos, da universidade, dos intelectuais, dos especialistas, dos partidos, sindicatos, associações empresariais, além das autoridades governamentais envolvidas, que, diante da gravidade da situação, não podem mais agir segundo sua própria discrição. Estão maduras as condições para a constituição de um fórum permanente da sociedade civil, agregando um conjunto de inúmeras atividades já existentes a fim de concertar iniciativas comuns.
A república nos veio de cima, sob forma oligárquica, e a conhecemos, pelas longas décadas do processo de modernização, como autocrática. A Carta de 1988 nos apresentou às instituições de uma república democrática, mas, como sabido, ela ainda não é uma ideia popular, pois, contraditório que seja, é essa a possibilidade que se abre com o complexo do Alemão, onde estão dadas as condições para que se rompa com o sertão sem lei rumo à cidade e para que se introduza animação republicana a partir de baixo.
Desta feita, como se vê, a coluna mudou de estilo - foi mais normativa do que analítica.
Deve ser o Natal e a passagem de ano, tempos propícios aos bons augúrios.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj. Ex-presidente da Anpocs, integra seu comitê institucional. Escreve às segundas-feiras
O legado de Lula:: Ricardo Noblat

"Saio do governo para viver a vida das ruas. Homem do povo que sempre fui, serei mais povo do que nunca" – Lula
Na próxima sexta-feira sairá de cena o governo de um único protagonista! Entrará o governo dos coadjuvantes do governo passado. O período de oito anos de Lula foi construído sob medida para que ele, Lula, brilhasse sozinho. Deu certo. Nada indica que a história se repetirá no período de quatro ou de oito anos da presidente Dilma Rousseff.
Talvez seja melhor assim. O presidencialismo entre nós concentra poderes excessivos nas mãos de uma só pessoa. E isso não é bom para uma democracia que atravessa pela primeira vez dentro da normalidade três sucessões consecutivas. Fernando Henrique recebeu a faixa presidencial de Itamar e a repassou a Lula, que a repassará a Dilma.
O primeiro momento de Lula como presidente da República foi de natural perplexidade. Seria possível a um ex-pau de arara e ex-favelado, que passara fome e sequer completara os estudos, acabar eleito para governar seu país? Depois de ter sido derrotado três vezes, Lula custou a acreditar.
O segundo momento foi de pavor. Coincidiu com o escândalo do mensalão, que levou Lula, em julho de 2005, deprimido por uns tragos tomados a mais, a falar em renúncia ao mandato. Soubera que o publicitário Marcos Valério, um dos operadores do pagamento de propinas a deputados, ameaçava contar tudo.
O então ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil, foi acionado para negociar o silêncio de Valério e assim sossegar Lula. Teve êxito. Mas dali a mais um mês ou dois, obrigado a pedir demissão, reassumiu a vaga de deputado federal para ser cassado. Enfim, era preciso entregar alguma cabeça coroada para que Lula preservasse a sua.
O terceiro momento de Lula na Presidência foi de esplendor. E de puro encantamento com ele mesmo. Reeleito em 2006, amparado por uma economia em expansão e idolatrado pela clientela dos programas sociais, passou a se comportar como um enviado de Deus. Ninguém mais do que ele alimentou o culto à própria imagem.
Por pouco não caiu na tentação de gastar parte de sua popularidade para vencer no Congresso a batalha por mais um mandato. Sondou a respeito governadores do PT e de outros partidos, além de auxiliares próximos. E aborreceu-se com alguns que se opuseram à ideia com veemência. Alô, alô, governador Jaques Wagner, da Bahia!
Está de saída porque não tem outro jeito. Mas deixa em seu lugar uma aliada fiel. Que a ele, unicamente a ele, deve sua eleição. E que ele espera que lhe seja fiel até o último dos seus dias na Presidência. Que dia será esse? Por ora, Dilma não faz ideia. Lula deve fazer, mas não conta a ninguém. Até porque pode mudar de ideia.
Lula abusa da credulidade dos brasileiros quando reescreve a história do país como se ela pudesse ser dividida em duas fases: antes dele e depois dele. Os desafetos de Lula incorrem no mesmo erro quando defendem a tese de que ele se limitou a dar continuidade à política herdada dos seus antecessores – além de ter tido muita sorte.
Nenhum presidente fez tanto pelos brasileiros mais pobres do que Lula – e esse será seu grande legado. Em oito anos de governo, o número de pobres foi reduzido a menos da metade. O programa Bolsa Família é uma invenção do governo anterior, eu sei. Mas foi com Lula que se expandiu e hoje atende a quase 13 milhões de famílias.
Quem elege os governantes numa democracia é o povo. Quem tem mais autoridade para julgá-los é ele. Lula foi tolerante e cúmplice com o desrespeito à moralidade pública? Foi. Mas nem isso o impediu de chegar ao fim do governo com a aprovação de 83% dos seus conterrâneos. Tamanho grau de aprovação é um equívoco? Bobagem!
É fato que o povo, só por deter a autoridade suprema numa democracia, não é necessariamente sábio. Mas aonde um regime de sábios, respeitando os direitos do povo, foi capaz de conduzi-lo a uma situação melhor? Recolha-se a São Bernardo do Campo, Lula! Tome uma por mim. E deixe Dilma acertar ou errar em paz.
A internet estatal:: Fernando Rodrigues

BRASÍLIA - A discussão sobre a internetbras no país sintetiza a falta de compreensão atávica da realidade incrustada em certos bolsões de pensamento no PT.
O Brasil, como se sabe, é um dos países nos quais se cobra um dos preços mais altos do planeta pelo acesso à rede mundial de computadores. Para completar, o serviço é de péssima qualidade. Esse ambiente ocorre por causa do capitalismo mesozoico no setor.
O leitor que já usou internet no Brasil sabe: é mais fácil lotar o Morumbi com torcedores do Asa de Arapiraca do que achar alguém que nunca tenha experimentado em casa um infortúnio com o acesso à web. O serviço é interrompido sem aviso prévio. Empresas vendem planos de acesso de 10 giga, 20 giga, 100 giga e não entregam nem a metade desse tipo de conexão. É um faroeste completo.
Com regulação e fiscalização eficazes, os embusteiros seriam expelidos. Empresas sérias cobrariam o valor real pelo serviço. Haveria competição verdadeira, sob regras impostas pelo poder público.
Lula não se interessou em produzir esse tipo de regulação. Petistas graúdos passaram a gestar uma solução estatal, o Plano Nacional de Banda Larga: acesso à web por R$ 35 ao mês. Como?
O governo montará uma grande rede (em parte já instalada). Colocará os cabos à disposição de provedores, cuja contrapartida será oferecer serviço bom e barato.
Dilma Rousseff emitiu sinais a favor da ideia. A presidente eleita pode estar bem-intencionada, mas talvez devesse refletir mais.
Haverá de saída uma guerra interna no PT para dominar esse novo naco do governo. Ao mesmo tempo, a pouca ou nenhuma regulação sobre os provedores privados atuais tende a diminuir.
A energia gasta com a internetbras seria mais bem empregada impondo regras rígidas ao setor. Mas aí não haveria cargos para a companheirada em nova estatal.
O fim de uma era :: Ricardo Young

Desde os danos deixados pela democracia incipiente da era Collor/Itamar, a era FHC começou a colocar a casa em ordem. A Constituinte de 1988 arquitetou o que o melhor da depuração política pós-ditadura poderia sonhar para nós.
Um país institucionalmente forte, politicamente diverso, socialmente justo e economicamente próspero. A era FHC procurou pavimentar o leito sobre o qual o país pudesse construir esse novo destino.
A era Lula,não só deu continuidade a esse trabalho como aprofundou o sentido da justiça social e levou o combate a pobreza a políticas de Estado. São inequívocas as conquistas "sociais" dos últimos anos se considerarmos inserção econômica, aumento de renda, emprego e poder de consumo.
No entanto, a obsessão por estabilidade econômica, crescimento do PIB e aumento real de renda não prepararam o Brasil para o futuro.
Gradativamente descobrimos que o tíquete de entrada para o jogo dos países que têm importância no mundo não garante um lugar nas numeradas. A tarefa é mais ampla se olharmos pelo retrovisor e gigantesca se olharmos para os próximos dez anos.
Pelo retrovisor veremos que PIB é só indicador econômico. Educação, saúde, segurança e qualidade das cidades foram deixados para trás.
Nas "n" listas que exibem o avanço das sociedades mundo afora, é raro ver o Brasil entre as 20 melhores. E mesmo as conquistas sociais empalidecem quando consideramos indicadores como Pisa, IDH e índice de Gini. Portanto, além do progresso econômico, temos pouco a exibir.
Assim, a era que se inicia é decisiva para o Brasil se tornar um país relevante. A começar por entender o que a economia de baixo carbono representará em geopolítica e oportunidades na próxima década.
Seguido pelo entendimento de que a prosperidade de um pais não pode ser considerada só pelo seu viés econômico.
Desenvolvimento deve ser pensado como uma equação que agrega desempenho econômico, qualidade de vida e sustentabilidade. Não é por acaso que o pensamento econômico contemporâneo busca alternativas para o PIB como medida de desenvolvimento.
O fim deste ciclo de preparação do Brasil para o futuro nos convoca para uma década de profunda coragem, determinação, competência, ousadia e desprendimento, para completarmos em 2020 a fase mais brilhante de nossa jornada. Aquela que marcará definitivamente o papel histórico do pais, sua responsabilidade no mundo e neste século.
Bom ano a todos.
Ricardo Young escreve às segundas-feiras nesta coluna.
Nunca antes :: Paulo Brossard

Depois de escolher e eleger sua sucessora, depois de, nas barbas da Justiça e dos representantes das nações estrangeiras, assumir ostensivamente a direção da campanha de sua candidata, exercendo um poder que nem a Constituição nem as leis lhe outorgavam, de resto, inconciliável com o caráter nacional de sua investidura, depois de se autodenominar “o povo”, “a opinião pública”, o presidente da República, às escâncaras, fez as vezes do cel. Chávez. E, para não deixar dúvidas, se autoconcedeu o diploma de haver realizado o maior e melhor governo do Brasil em todos os tempos.
A verdade é que os governos acertam e erram e por muitas razões, a primeira das quais é que os governantes são homens, e estes, ainda que cheios de louváveis propósitos, não são imunes ao erro; ora, em relação ao que está vivendo seus últimos dias, pode-se dizer o mesmo. Entre acertos tanto mais dignos de nota quando seu chefe, a despeito de sua clara inteligência, não é e nunca foi um scholar e nem pretendeu sê-lo, também incorreu em falhas lamentáveis por ação e omissão. De resto, ele tinha que pagar tributo ao maldito sistema presidencial; tendo sido eleito pela maioria do eleitorado, seu partido não chegou a eleger cem deputados, quando são 513 os membros da Câmara, nem 20 senadores, quando 81 são os membros da Câmara Alta; como seu saber, da experiência feito, sua habilidade e prática sindical, não teve dificuldade em obter maioria parlamentar e crescer em poder e influência, a ponto de, como erva-de-passarinho, à custa da oposição, a ponto de desequilibrar a equação política nacional; o Executivo se agigantou e seu titular fez o que quis, interna e externamente.
Ligando-se ao Irã para mostrar seu distanciamento de Washington, foi de um primarismo a lembrar a criança que reage pondo a língua de fora, quando não faltavam maneiras adequadas para marcar as diferenças.
O do escândalo do Complexo do Alemão, um território soberano encravado no território nacional, durante oito anos não foi visto pelo governo do “nunca antes”, e só rompeu o pacto da convivência silenciosa quando o morro iniciou a guerra civil abertamente.
De janeiro a agosto do ano em curso, navios que fazem escala no Brasil, juntos, parados, tiveram de esperar 78.873 horas, ou 3.286 dias, para atracar em portos nacionais, notando-se que cada dia parado custa ao barco coisa de US$ 25 mil; esses números indicam que, comparados com os do ano anterior, o aumento foi de 16%; ainda mais, esse fenômeno levou as cinco maiores empresas de navegação a 741 cancelamentos de escala, 62% superiores aos de 2009, no mesmo período. Por sua vez, para o atraso no embarque e desembarque de mercadorias, não são isentas de responsabilidades a descoordenação entre Agência Reguladora, Polícia Federal, Receita Federal e não sei mais o quê. A título de ilustração, só no porto de Santos, 120 navios ficaram fundeados simultaneamente por falta de alguma providência de terra. São fatos de inconcussa gravidade que, direta e indiretamente, atingem magnos interesses do país e de milhares de pessoas.
Muito teria a dizer a respeito, mas me falta espaço para mostrar que a majestática declaração presidencial parece decorrer de uma explosão de megalomania festejada por uma publicidade “nunca antes vista neste país”.
A majestática declaração parece decorrer de uma explosão de megalomania
* Jurista, ministro aposentado do STF
Parvoíce estratégica :: Marcelo de Paiva Abreu
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O início do governo Dilma Rousseff enseja reflexões sobre continuidade e ruptura na vida política e econômica da República. Infelizmente, as indicações são de que haverá continuidade na adoção de políticas que, embora de sucesso no passado, deixaram de ser eficazes para garantir o crescimento.
Do ponto de vista político, com a fugaz exceção do episódio janista, São Paulo, depois de mais de 30 anos de política de "café pingado", foi marginalizado do controle do processo político por quase dois terços de século: desde o golpe contra Washington Luis à posse de FHC em 1995. Os "acidentes" do processo político que excluíram políticos paulistas da Presidência pareciam superados desde os dois octenos, de FHC e de Lula, carioca e pernambucano absorvidos pela política de São Paulo. O governo Rousseff configura aumento de incerteza quanto à preponderância política paulista, a despeito de a nova presidente ter sido ungida por um líder sindical do ABC e ter escolhido um ministério em que há clara maioria de titulares com ligações políticas e profissionais com São Paulo.
Quanto à política econômica, a preponderância paulista foi bem mais presente. A estratégia econômica na República Velha já repousava sobre os pilares do protecionismo - tarifas de importação beirando 50% ad valorem - e de intervenção estatal, via sustentação dos preços do café. Com a grande depressão, a demanda por proteção ainda mais alta ganhou espaço em relação às por tratamento privilegiado ao café, e as demandas por mais intervenção estatal ganharam outro formato, com expectativas de envolvimento direto do Estado, especialmente na produção de insumos.
Ao final da 2ª Guerra Mundial, Roberto Simonsen balizou a estratégia econômica dominante: economia fechada e Estado forte. Esse modelo foi bem-sucedido até o início da década de 1980, quando a economia, afetada por aceleração inflacionária, desequilíbrio das contas públicas e dificuldades externas, estagnou por quase um quarto de século. Generalizou-se a consciência de que a inflação deveria ser controlada e de que a estratégia baseada em Estado e autarquia se havia esgotado. As reformas dos governos Itamar Franco e, especialmente, FHC baseavam-se no diagnóstico de necessidade de renovação estratégica. O tripé estabilidade da moeda, abertura comercial e privatização - acompanhada de criação de marcos regulatórios adequados - procurava responder esse desafio.
Durante o primeiro mandato, o presidente Lula deu continuidade à condução prudente da política macroeconômica e resistiu à retomada de políticas protecionistas e estatizantes. Mas essa postura não persistiu. No seu segundo mandato, e crescentemente à medida que se aproximava a eleição presidencial, promoveu-se uma escalada de gastos que comprometeram a credibilidade da política macroeconômica.
Ganhou força a ideia de que o aumento da taxa de crescimento futuro da economia depende crucialmente do papel do Estado. Dilma Rousseff explicitou essa posição de forma peremptória. Paralelamente, houve um processo de enfraquecimento das agências reguladoras e reversão à tradicional captura de reguladores fracos por estatais poderosas.
A regressão ao protecionismo foi menos explícita, embora reforçada pelos protestos quanto ao impacto da apreciação cambial e pretensa "desindustrialização". As descobertas do pré-sal criaram condições para que se atrelasse o saudosismo quanto ao papel do Estado à busca de formatos não tradicionais de proteção à indústria instalada no País. O aumento significativo do escopo de atividades da Petrobrás será acompanhado de programa de compras que beneficia os produtos domésticos, desde que seus preços sejam não mais de 25% superiores aos dos concorrentes internacionais.
Essas políticas, que aumentam significativamente o custo do investimento em um país que já poupa muito pouco, têm sido louvadas em nome da "ausência de isonomia" da produção local na concorrência com importações. Inclusive por vulpino ex-ministro do Antigo Regime, entusiasta de autarquia, Estado inchado, imprudência macroeconômica e "torneirinhas" de distribuição discricionária de incentivos e penalizações. Seria a forma de compensar a valorização do real, a carga tributária elevada e a concorrência desleal das importações.
Mesmo a um desavisado pareceria mais eficaz que a "isonomia" fosse garantida por instrumentos centrados nos problemas que reduzem a competitividade brasileira: reforma tributária, redução do custo Brasil e outros temas que saíram de moda no passado recente. Paliativos discricionários por meio de políticas de compras públicas deveriam ser necessariamente transitórios, de forma a incentivar a melhoria de competitividade dos produtores locais sem perpetuar a proteção, como já ocorreu no passado.
O governo está, de fato, conseguindo transformar a benesse geológica do pré-sal ou em quase rendas extraídas por produtores locais de bens de capital ou em mero desperdício decorrente de ineficiência. O que pasma é que o País pareça satisfeito com isto, parvamente imerso na mediocridade.
Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de economia da Puc-Rio
O início do governo Dilma Rousseff enseja reflexões sobre continuidade e ruptura na vida política e econômica da República. Infelizmente, as indicações são de que haverá continuidade na adoção de políticas que, embora de sucesso no passado, deixaram de ser eficazes para garantir o crescimento.
Do ponto de vista político, com a fugaz exceção do episódio janista, São Paulo, depois de mais de 30 anos de política de "café pingado", foi marginalizado do controle do processo político por quase dois terços de século: desde o golpe contra Washington Luis à posse de FHC em 1995. Os "acidentes" do processo político que excluíram políticos paulistas da Presidência pareciam superados desde os dois octenos, de FHC e de Lula, carioca e pernambucano absorvidos pela política de São Paulo. O governo Rousseff configura aumento de incerteza quanto à preponderância política paulista, a despeito de a nova presidente ter sido ungida por um líder sindical do ABC e ter escolhido um ministério em que há clara maioria de titulares com ligações políticas e profissionais com São Paulo.
Quanto à política econômica, a preponderância paulista foi bem mais presente. A estratégia econômica na República Velha já repousava sobre os pilares do protecionismo - tarifas de importação beirando 50% ad valorem - e de intervenção estatal, via sustentação dos preços do café. Com a grande depressão, a demanda por proteção ainda mais alta ganhou espaço em relação às por tratamento privilegiado ao café, e as demandas por mais intervenção estatal ganharam outro formato, com expectativas de envolvimento direto do Estado, especialmente na produção de insumos.
Ao final da 2ª Guerra Mundial, Roberto Simonsen balizou a estratégia econômica dominante: economia fechada e Estado forte. Esse modelo foi bem-sucedido até o início da década de 1980, quando a economia, afetada por aceleração inflacionária, desequilíbrio das contas públicas e dificuldades externas, estagnou por quase um quarto de século. Generalizou-se a consciência de que a inflação deveria ser controlada e de que a estratégia baseada em Estado e autarquia se havia esgotado. As reformas dos governos Itamar Franco e, especialmente, FHC baseavam-se no diagnóstico de necessidade de renovação estratégica. O tripé estabilidade da moeda, abertura comercial e privatização - acompanhada de criação de marcos regulatórios adequados - procurava responder esse desafio.
Durante o primeiro mandato, o presidente Lula deu continuidade à condução prudente da política macroeconômica e resistiu à retomada de políticas protecionistas e estatizantes. Mas essa postura não persistiu. No seu segundo mandato, e crescentemente à medida que se aproximava a eleição presidencial, promoveu-se uma escalada de gastos que comprometeram a credibilidade da política macroeconômica.
Ganhou força a ideia de que o aumento da taxa de crescimento futuro da economia depende crucialmente do papel do Estado. Dilma Rousseff explicitou essa posição de forma peremptória. Paralelamente, houve um processo de enfraquecimento das agências reguladoras e reversão à tradicional captura de reguladores fracos por estatais poderosas.
A regressão ao protecionismo foi menos explícita, embora reforçada pelos protestos quanto ao impacto da apreciação cambial e pretensa "desindustrialização". As descobertas do pré-sal criaram condições para que se atrelasse o saudosismo quanto ao papel do Estado à busca de formatos não tradicionais de proteção à indústria instalada no País. O aumento significativo do escopo de atividades da Petrobrás será acompanhado de programa de compras que beneficia os produtos domésticos, desde que seus preços sejam não mais de 25% superiores aos dos concorrentes internacionais.
Essas políticas, que aumentam significativamente o custo do investimento em um país que já poupa muito pouco, têm sido louvadas em nome da "ausência de isonomia" da produção local na concorrência com importações. Inclusive por vulpino ex-ministro do Antigo Regime, entusiasta de autarquia, Estado inchado, imprudência macroeconômica e "torneirinhas" de distribuição discricionária de incentivos e penalizações. Seria a forma de compensar a valorização do real, a carga tributária elevada e a concorrência desleal das importações.
Mesmo a um desavisado pareceria mais eficaz que a "isonomia" fosse garantida por instrumentos centrados nos problemas que reduzem a competitividade brasileira: reforma tributária, redução do custo Brasil e outros temas que saíram de moda no passado recente. Paliativos discricionários por meio de políticas de compras públicas deveriam ser necessariamente transitórios, de forma a incentivar a melhoria de competitividade dos produtores locais sem perpetuar a proteção, como já ocorreu no passado.
O governo está, de fato, conseguindo transformar a benesse geológica do pré-sal ou em quase rendas extraídas por produtores locais de bens de capital ou em mero desperdício decorrente de ineficiência. O que pasma é que o País pareça satisfeito com isto, parvamente imerso na mediocridade.
Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de economia da Puc-Rio
10 anos da revista Política Democrática: Um pequeno grande balanço

Não vamos enfocar as dificuldades financeiras dos primeiros anos, nos quais a revista saía graças à fraterna colaboração de alguns anônimos companheiros e amigos, que acreditavam na importância de a esquerda democrática e reformista ter um espaço para construir o projeto de uma nova formação política, antenada com as amplas, profundas e permanentes mudanças que ocorrem no globo. O que desejamos afirmar alto e bom som – e acreditamos que a maioria dos que nos leem, periodicamente, concordam – é que somos vitoriosos nesta empreitada.
Em cada número, nas várias seções, como Observatório Político, Conjuntura, Batalha das Ideias, Questões do Desenvolvimento, No Compasso das Reformas, O Social e o Político, Sociedade do Conhecimento, Economia e Finanças, Direito e Justiça, Ensaio, Mundo, Vida Cultural, Memória, Comportamental, Resgatando a História, Documentos, Resenha, as grandes e instigantes questões da atualidade brasileira e mundial têm sido aqui enfocadas, sob ângulos os mais variados.
Basta fazer um rápido retrospecto das nossas edições, considerando alguns temas de capa, como “A esquerda em questão”, “Desafios do nosso tempo”, “Terrorismo x Democracia”, “Religião x Ciência”, “1964: O que aprendemos?”, “A eleição de Lula e os rumos da esquerda”, “Início do Governo Lula: Esperanças e apreensões”, “Vinte anos de democracia. Dois anos de Lula”, “Governo Lula – O mal da corrupção”, “A opção parlamentarista”, “Governo Lula – Crise da esquerda?”, “Brasil – Desatar os nós”, “Crise nas instituições da República”, “O desafio da esquerda no Brasil”, “A necessidade da reforma política”, “Os 70 anos do Estado Novo de Vargas”, “Os 120 anos da Abolição da Escravatura”, “Os 50 anos da Declaração de Março”, “Inflação?”, “Vinte anos da Carta de 1988”, “Os 120 anos da República”, “A crise mundial e seus desdobramentos”, “Por uma sociedade civil mais forte e uma democracia ampliada”, “As fragilidades da democracia e a urgência das reformas”, “Nova República e seus 25 anos” e “Agenda para um novo Brasil”.
Acreditamos nos ter constituído num espaço de diálogo e ampla discussão, envolvendo algumas das melhores cabeças, em atividade no país e estrangeiros, para uma troca de opiniões e de propostas em torno das questões mais candentes nesses primeiros dez anos do novo século e de um novo milênio. Nossas páginas têm acolhido artigos e ensaios de cientistas políticos, de filósofos, de cientistas sociais (antropólogos e sociólogos), não apenas de professores e pesquisadores maduros e figuras de nomeada, mas também moças e rapazes que estão começando seu mister acadêmico e que vêm em nossa publicação uma tribuna para suas inquietações intelectuais. Além desses, lideranças políticas e sociais, sem falar ainda em autodidatas, todos preocupados em tentar entender a dinâmica dos novos tempos, de forma a poder neles se inserir nos seus diferentes projetos de ampliar e consolidar nosso processo democrático, avançar nas reformas, criando-se as condições para construirmos um país equânime e de desenvolvimento sustentável.
Para comprovar o que estamos afirmando, basta uma olhadela em quase uma centena de nossos colaboradores, oriundos de várias atividades intelectuais, políticas e sociais, de várias regiões do país, assim como nos que também de além-fronteira valorizam nossa publicação com seus artigos ou ensaios exclusivos ou nos permitem a reprodução de algum deles publicado seja na Itália (a maioria), nos Estados Unidos, em Portugal, na França, na Grã Bretanha, na Espanha, na Alemanha, no Chile, na Argentina, na Holanda, no México, na Rússia, dentre outros.
Não vamos reproduzir aqui tantos nomes, até porque seria enfadonho, mas queremos agradecer a todos os que colaboraram conosco ao longo dessa caminhada de dez anos. E dizer que ficaremos felizes de poder continuar contando com todos eles e outros mais que nos indiquem no intuito de fazer da nossa Política Democrática uma referência cada vez concreta na vida cultural brasileira.
Destaque-se também, motivo de justo orgulho, a política de ilustração da revista. Cada edição nossa apresenta, em suas capa e contracapa, assim como nas folhas de rosto de cada seção, belos trabalhos de artistas plásticos brasileiros, muitos com um histórico de participação nas lutas sociais e democráticas do país. Para mencionar alguns: Cândido Portinari, José Pancetti, Rubens Gerchmann, Carlos Scliar, Siron Franco, Abelardo da Hora, João Câmara Filho, Oscar Niemeyer, Wladomiro de Deus, Toninho de Souza, Flávio Império, Gershon Knispel, Berenice Fernandes Barreto, Douglas Marques, Estrigas (Nilo Firmeza), Aparecida Azedo, Audifax Rios, Sérgio Pinheiro, Waldyr Joaquim de Mattos, Lourdes de Deus, Félix Ximenes, Ayrton Rocha Júnior, Richard Perassi e outros.
Os Editores
Câmaras vão inchar em 2013 com mais de 7,716 vereadores
DEU EM O GLOBO
Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios indica que, em 2013, o número de vereadores do país vai saltar dos atuais 51.992 para 59.708. As 7.716 novas vagas, a serem oferecidas já nas eleições municipais de 2012, serão justificadas pelo aumento populacional constatado pelo Censo 2010, do IBGE, e pela emenda constitucional que mudou o cálculo do tamanho das Câmaras. O aumento das vagas vai coincidir com o reajuste salarial para os vereadores de todo o país, num efeito cascata provocado pelo reajuste de 62% de deputados e senadores, este mês.
Farra dos vereadores ganha novo capítulo
Câmaras terão mais 7.716 vagas em 2013. Custo aumentará R$2,1 bi/ano
Marcelle Ribeiro
O aumento populacional verificado pelo Censo 2010, do IBGE, faz com que boa parte dos municípios brasileiros já esteja começando a articular um novo aumento no número dos vereadores, a partir de 2013. Como a Constituição federal determina que a quantidade de representantes nas Câmaras municipais deve ser proporcional ao número de habitantes de cada cidade, o Brasil vai registrar uma explosão do número de vereadores daqui a dois anos: eles passarão de 51.992 para 59.708, segundo cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Ou seja, haverá pelo menos 7,7 mil parlamentares a mais já na próxima legislatura, após a eleição municipal de 2012. E, com isso, uma garfada ainda maior nos cofres públicos. Em 2013, a chegada desses oito mil vai coincidir com o reajuste salarial generalizado para os vereadores de todo o país. Isso porque o reajuste salarial de 62% para os deputados e senadores, aprovado este mês, tem efeito cascata, e nas Câmaras municipais chegará em 2013. Os novos vereadores já vão chegar ganhando mais. O teto salarial de um vereador, que hoje é de R$9.288,27, poderá chegar a R$15.031,75 em 2013.
Um vereador pode ganhar 20% do salário dos deputados estaduais em cidades com até dez mil habitantes - o que hoje significa R$2.476,87 - e até 75% do salário dos deputados estaduais em cidades com mais de 500 mil habitantes. E o salário dos deputados estaduais também pode variar de estado para estado, pois eles podem ganhar até 75% do que recebem os deputados federais. Por conta dessas inúmeras variáveis, os especialistas não se arriscam a apostar em quanto aumentarão as despesas nas Casas de todo o país.
De concreto, sabe-se apenas que o aumento salarial concedido aos deputados este ano pode aumentar em até R$1,83 bilhão os rendimentos dos vereadores, considerando somente o número de 51.992 exercendo mandato atualmente. Fazendo uma conta por baixo, com base no salário de R$2.246,87, apenas o aumento no número de vereadores custará mais R$230 milhões por ano ao país. Ou seja, a soma dos reajustes com o aumento do número de vereadores custará ao país mais de R$2,1 bilhões por ano.
Emenda favoreceu o crescimento
Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios indica que, em 2013, o número de vereadores do país vai saltar dos atuais 51.992 para 59.708. As 7.716 novas vagas, a serem oferecidas já nas eleições municipais de 2012, serão justificadas pelo aumento populacional constatado pelo Censo 2010, do IBGE, e pela emenda constitucional que mudou o cálculo do tamanho das Câmaras. O aumento das vagas vai coincidir com o reajuste salarial para os vereadores de todo o país, num efeito cascata provocado pelo reajuste de 62% de deputados e senadores, este mês.
Farra dos vereadores ganha novo capítulo
Câmaras terão mais 7.716 vagas em 2013. Custo aumentará R$2,1 bi/ano
Marcelle Ribeiro
O aumento populacional verificado pelo Censo 2010, do IBGE, faz com que boa parte dos municípios brasileiros já esteja começando a articular um novo aumento no número dos vereadores, a partir de 2013. Como a Constituição federal determina que a quantidade de representantes nas Câmaras municipais deve ser proporcional ao número de habitantes de cada cidade, o Brasil vai registrar uma explosão do número de vereadores daqui a dois anos: eles passarão de 51.992 para 59.708, segundo cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Ou seja, haverá pelo menos 7,7 mil parlamentares a mais já na próxima legislatura, após a eleição municipal de 2012. E, com isso, uma garfada ainda maior nos cofres públicos. Em 2013, a chegada desses oito mil vai coincidir com o reajuste salarial generalizado para os vereadores de todo o país. Isso porque o reajuste salarial de 62% para os deputados e senadores, aprovado este mês, tem efeito cascata, e nas Câmaras municipais chegará em 2013. Os novos vereadores já vão chegar ganhando mais. O teto salarial de um vereador, que hoje é de R$9.288,27, poderá chegar a R$15.031,75 em 2013.
Um vereador pode ganhar 20% do salário dos deputados estaduais em cidades com até dez mil habitantes - o que hoje significa R$2.476,87 - e até 75% do salário dos deputados estaduais em cidades com mais de 500 mil habitantes. E o salário dos deputados estaduais também pode variar de estado para estado, pois eles podem ganhar até 75% do que recebem os deputados federais. Por conta dessas inúmeras variáveis, os especialistas não se arriscam a apostar em quanto aumentarão as despesas nas Casas de todo o país.
De concreto, sabe-se apenas que o aumento salarial concedido aos deputados este ano pode aumentar em até R$1,83 bilhão os rendimentos dos vereadores, considerando somente o número de 51.992 exercendo mandato atualmente. Fazendo uma conta por baixo, com base no salário de R$2.246,87, apenas o aumento no número de vereadores custará mais R$230 milhões por ano ao país. Ou seja, a soma dos reajustes com o aumento do número de vereadores custará ao país mais de R$2,1 bilhões por ano.
Emenda favoreceu o crescimento
Algumas cidades já começam a fazer suas contas. Em Cuiabá, capital do Mato Grosso, por exemplo, a Câmara vai abrir mais seis vagas, passando dos atuais 19 para 25 vereadores. Com uma folha de pagamento hoje de R$2,272 milhões por ano, o município vai ter que gastar mais R$720 mil com os novos eleitos, sem contar despesas de gabinete.
Ao passar de 20 para 27 vereadores, a cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, também já prevê gastos milionários. Atualmente, a despesa por lá é de cerca de R$186 mil por mês, mas pode chegar a R$405 mil em 2013 - o que se explica não só pelo aumento da quantidade de parlamentares, mas também por que eles podem fixar como salário para o próximo mandato o teto máximo previsto por lei, de 75% do que ganha um deputado estadual.
Para evitar um buraco nos cofres públicos, algumas cidades procuraram se precaver. Florianópolis, que terá sete vereadores a mais, decidiu diminuir a remuneração dos vereadores a partir de 2013, passando-a dos atuais R$8,1 mil para R$6,1 mil.
O crescimento populacional, no entanto, não vai interferir em algumas das maiores capitais. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, São Paulo, Rio e Belo Horizonte continuarão com o mesmo número de vereadores: 55, 51 e 41, respectivamente. Em São Paulo, não haverá mudanças, porque, segundo a Constituição, 55 é o número máximo de vereadores que uma cidade pode ter, independentemente do número de habitantes. Já Rio e BH não têm, hoje, a população necessária para ter mais vereadores.
A antiga redação do artigo 29 da Constituição dividia as cidades em apenas três faixas, de acordo com o número de habitantes: até 1 milhão de moradores; de mais de 1 milhão até 5 milhões; e de mais de 5 milhões. Agora, o texto, alterado pela Emenda 58 de 2009, estabelece 24 faixas populacionais. Com isso, muitas cidades vão poder ampliar o número de vereadores, como as que têm entre 300 mil e 1 milhão de habitantes, por exemplo, que antes podiam ter, no máximo, 21 parlamentares e agora podem chegar a 31.
De acordo com a CNM, o estado que teria maior aumento no número de vereadores seria São Paulo, que passaria de 6.270 vereadores para 7.511, sem contar os de Diadema, cidade sobre a qual o CNM afirma não ter dados. Segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, isso se deve ao fato de São Paulo ser o estado mais populoso do país, com 41 milhões de habitantes, de acordo com o Censo.
Entre as capitais, o maior aumento no número de vereadores deve ocorrer, segundo a CNM, em São Luís e Maceió, que têm 21 vereadores e devem ganhar mais dez cada.
O presidente da Associação Brasileira das Câmaras Municipais (Abracam), Rogério Rodrigues, no entanto, não acredita que todas as cidades que podem aumentar o número de vereadores vão fazê-lo, por causa dos custos extras que isso pode significar nos orçamentos dos munícipios. Segundo ele, cabe às Câmaras aprovarem emenda à Lei Orgânica do Município para adequar a cidade ao que determina a Constituição. As Câmaras decidem se vão estabelecer que o número de vereadores seja o máximo permitido.
- Não é toda Câmara que vai fixar o teto máximo. A Abracam acha que é importante que os vereadores fixem o número no teto máximo, porque aumenta a representatividade e fortalece a democracia, mas há outras variáveis a serem consideradas, como a receita e o tamanho do município - disse Rodrigues.
Advogado especialista em Direito Eleitoral e presidente da Comissão de Estudos Eleitorais da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB- SP), Silvio Salata, no entanto, afirma que a Emenda 58 não fixou um teto de vereadores para os municípios, mas sim o número exato para cada caso. E explica que as Câmaras não têm competência para fixar a quantidade de vereadores.
- O Supremo Tribunal Federal já disse que as Câmaras não têm competência para fixar esse número - afirmou, lembrando que, em 2004, o STF decidiu desfavoravelmente à cidade de Mira Estrelas (SP), que, com apenas três mil habitantes, fixou seu número de vereadores em 11 e não no mínimo de nove.
O TSE informou que até 5 de março de 2012 vai regulamentar a nova redação do artigo da Constituição que trata do assunto.
Em 2009, a briga para aumentar o número de representantes das Câmaras foi parar no STF, pois a Emenda 58 da Constituição, conhecida como a PEC dos Vereadores, aprovada em setembro daquele ano, estabeleceu que os novos números de vereadores por cidade deveriam retroagir e valer para a eleição passada, de 2008. Com isso, muitos suplentes queriam ser diplomados, mesmo um ano após encerrado o processo eleitoral. No entanto, o STF decidiu, em liminar, que o trecho da emenda que permitia que ela retroagisse era inconstitucional e suspendeu a posse de vereadores. O mérito dessa liminar ainda não foi sequer apreciado pelo STF, mas as Câmaras de Vereadores já preparam a nova farra com dinheiro público.
Equipe de Dilma tenta sufocar candidatura de Aldo
DEU EM O GLOBO
Temor é que clima de insatisfação com escolha de ministros contamine a maioria dos partidos da base governista
Gerson Camarotti
BRASÍLIA. Preocupados com o crescimento de uma candidatura alternativa à presidência da Câmara, integrantes da equipe de transição já trabalham para sufocar o nome do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) junto aos partidos aliados. A ordem partiu da Granja do Torto, com o aval da presidente eleita, Dilma Rousseff. O objetivo é consolidar uma candidatura única, contornando os focos de insatisfação com a montagem do governo Dilma.
Há duas semanas, o PT lançou o nome do deputado Marco Maia (PT-RS) numa manobra que surpreendeu o núcleo de transição, que apostava na candidatura do líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP). No Planalto, a manobra foi vista como recado a Dilma sobre a insatisfação da bancada petista com a composição do 1º escalão.
Por isso, no Torto o temor é que esse clima de contrariedade contamine a maioria dos partidos da base governista. E que os aliados usem a disputa pelo comando da Câmara para mandar um recado ao futuro governo, numa demonstração de força.
A estratégia da transição é pressionar os partidos aliados, sobretudo o bloquinho, formado por PSB, PDT, PCdoB e PRB. Há o temor da repetição do fantasma do ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), eleito presidente da Câmara em 2005, após um racha na base aliada.
- Não participamos da escolha do deputado Marco Maia e cogitamos a possibilidade de uma candidatura alternativa. Ficamos fora do processo e resolvemos não aderir. Agora, não sei por que esse povo está preocupado - disse ontem o deputado Aldo Rebelo.
Integrantes da transição foram alertados de que são vários os focos de insatisfação, em praticamente todos os partidos. PSB, PDT, PCdoB e o PRB, do bloquinho, argumentam que ficaram fora do processo de escolha. Mas, na prática, todos reclamam do espaço no primeiro escalão. A bancada do PSB não se sente representada. Já o PCdoB ficou incomodado com a ameaça de tirar do ministro dos Esportes, Orlando Silva, a Autoridade Olímpica. Já o PRB não foi contemplado com um ministério.
PTB e PSC também estão inconformados por terem ficado sem pasta no 1º escalão. Já a bancada do PR na Câmara não se conforma com o fato de Dilma ter escolhido o senador Alfredo Nascimento (PR-AM) para o Ministério dos Transportes. Isso porque o senador tem pouco trânsito junto aos deputados.
Até mesmo o PMDB está inconformado com o espaço no Ministério. O líder peemedebista, Henrique Eduardo Alves (RN), está com dificuldade de controlar a bancada. Dos aliados, só o PP está satisfeito com a escolha do deputado Mário Negromonte (PP-BA) para Cidades. Além disso, a equipe de transição já identificou que é frágil o apoio recebido pelo petista Marco Maia dos partidos de oposição PSDB e DEM. Isso porque haverá mudança significativa das bancadas tucana e democrata. Além disso, há um racha interno no DEM, o que pode favorecer a candidatura de Aldo.
Temor é que clima de insatisfação com escolha de ministros contamine a maioria dos partidos da base governista
Gerson Camarotti
BRASÍLIA. Preocupados com o crescimento de uma candidatura alternativa à presidência da Câmara, integrantes da equipe de transição já trabalham para sufocar o nome do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) junto aos partidos aliados. A ordem partiu da Granja do Torto, com o aval da presidente eleita, Dilma Rousseff. O objetivo é consolidar uma candidatura única, contornando os focos de insatisfação com a montagem do governo Dilma.
Há duas semanas, o PT lançou o nome do deputado Marco Maia (PT-RS) numa manobra que surpreendeu o núcleo de transição, que apostava na candidatura do líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP). No Planalto, a manobra foi vista como recado a Dilma sobre a insatisfação da bancada petista com a composição do 1º escalão.
Por isso, no Torto o temor é que esse clima de contrariedade contamine a maioria dos partidos da base governista. E que os aliados usem a disputa pelo comando da Câmara para mandar um recado ao futuro governo, numa demonstração de força.
A estratégia da transição é pressionar os partidos aliados, sobretudo o bloquinho, formado por PSB, PDT, PCdoB e PRB. Há o temor da repetição do fantasma do ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), eleito presidente da Câmara em 2005, após um racha na base aliada.
- Não participamos da escolha do deputado Marco Maia e cogitamos a possibilidade de uma candidatura alternativa. Ficamos fora do processo e resolvemos não aderir. Agora, não sei por que esse povo está preocupado - disse ontem o deputado Aldo Rebelo.
Integrantes da transição foram alertados de que são vários os focos de insatisfação, em praticamente todos os partidos. PSB, PDT, PCdoB e o PRB, do bloquinho, argumentam que ficaram fora do processo de escolha. Mas, na prática, todos reclamam do espaço no primeiro escalão. A bancada do PSB não se sente representada. Já o PCdoB ficou incomodado com a ameaça de tirar do ministro dos Esportes, Orlando Silva, a Autoridade Olímpica. Já o PRB não foi contemplado com um ministério.
PTB e PSC também estão inconformados por terem ficado sem pasta no 1º escalão. Já a bancada do PR na Câmara não se conforma com o fato de Dilma ter escolhido o senador Alfredo Nascimento (PR-AM) para o Ministério dos Transportes. Isso porque o senador tem pouco trânsito junto aos deputados.
Até mesmo o PMDB está inconformado com o espaço no Ministério. O líder peemedebista, Henrique Eduardo Alves (RN), está com dificuldade de controlar a bancada. Dos aliados, só o PP está satisfeito com a escolha do deputado Mário Negromonte (PP-BA) para Cidades. Além disso, a equipe de transição já identificou que é frágil o apoio recebido pelo petista Marco Maia dos partidos de oposição PSDB e DEM. Isso porque haverá mudança significativa das bancadas tucana e democrata. Além disso, há um racha interno no DEM, o que pode favorecer a candidatura de Aldo.
Sindicalistas detêm 43% da elite dos cargos de confiança
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Sem vínculo com sindicalismo, Dilma terá de administrar pressões por espaço
CUT e Força Sindical admitem "apreensão", mas elogiam escolha de Gilberto Carvalho para fazer a interlocução
Silvio Navarro
SÃO PAULO - Ao receber a faixa das mãos do presidente Lula, no próximo dia 1º, Dilma Rousseff herdará a máquina federal com quase a metade da cúpula dos cargos de confiança, sem concurso público, tomada por sindicalistas.
Sem vínculo umbilical com o sindicalismo, ao contrário do antecessor, Dilma terá de administrar a pressão das centrais sindicais para manter e ampliar a cota desses cargos, os chamados DAS 5 a 6 (Direção e Assessoramento Superiores) e NES (Natureza Especial).De acordo com dados do Ministério do Planejamento, há hoje 1.305 cargos dessa natureza. A remuneração chega a R$ 22 mil mensais.
O controle da maioria dos cargos é atribuição da Casa Civil, que será chefiada por Antonio Palocci.
Segundo estudo da cientista política Maria Celina D"Araújo, da PUC-RJ, autora de "A Elite Dirigente do Governo Lula", quase metade (42,8%) dos ocupantes desses cargos atualmente são filiados a sindicatos. Desse total, 84,3% são petistas.
Os principais ramos que conseguiram cargos são os bancários, a área dos professores e os petroleiros.
"Esse negócio de república sindical é bobagem porque o PT e a CUT [Central Única do Trabalhador] têm a mesma raiz. O próprio Palocci foi dirigente da CUT e ninguém fala dele", diz o presidente da central, Artur Henrique. "Seria absurdo se fossem tucanos", emendou.
Ao todo, o governo federal tem cerca de 22 mil cargos de confiança, mas esses 1.305 são a elite do batalhão de comissionados.
PETROBRAS
Desde o início do primeiro governo do presidente Lula, vários dirigentes sindicais ganharam cargos.
Wilson Santarosa, ex-presidente do Sindicato dos Petroleiros de Campinas, por exemplo, tornou-se gerente de comunicação da Petrobras e é membro do Conselho Deliberativo da Petros (fundo de pensão da estatal).
Em Itaipu Binacional, dois representantes da CUT detêm cargos influentes: João Vaccari Neto, atual tesoureiro do PT, é membro do conselho de administração. Assessor da central para assuntos internacionais, Gustavo Codas tem assento na diretoria-geral paraguaia.
Fernando Paes de Carvalho, dirigente do Sindipetro do Norte Fluminense, é coordenador do gabinete da presidência da Petrobras.
Também houve crescimento do domínio "cutista" nos três principais fundos de pensão: Petros (Petrobras), Previ (Banco do Brasil) e Funcef (Caixa Econômica).
No segundo mandato de Lula, 66,6% dos indicados para chefias e conselhos nos fundos são sindicalistas.
No meio sindical, outro alvo é conseguir assento em conselhos de administração, numa espécie de complementação salarial.
A remuneração varia de acordo com o órgão, mas raramente é inferior a R$ 3.000. CUT e Força Sindical, por exemplo, têm espaço no conselho do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
ABC
O grupo de ex-dirigentes do ABC paulista também assumiu postos, como é o caso do presidente do Conselho Nacional do Sesi, Jair Meneguelli, e do presidente do Sebrae, Paulo Okamoto.
Amigo de Lula, esse último deverá seguir para o instituto que levará o nome do presidente em São Paulo.
Tanto Força como CUT admitem relativa "apreensão" com a nova gestão. Ambas, entretanto, elogiam a escolha de Gilberto Carvalho, atual chefe de gabinete de Lula, para a Secretaria-Geral da Presidência, canal de diálogo com as centrais.
Sem vínculo com sindicalismo, Dilma terá de administrar pressões por espaço
CUT e Força Sindical admitem "apreensão", mas elogiam escolha de Gilberto Carvalho para fazer a interlocução
Silvio Navarro
SÃO PAULO - Ao receber a faixa das mãos do presidente Lula, no próximo dia 1º, Dilma Rousseff herdará a máquina federal com quase a metade da cúpula dos cargos de confiança, sem concurso público, tomada por sindicalistas.
Sem vínculo umbilical com o sindicalismo, ao contrário do antecessor, Dilma terá de administrar a pressão das centrais sindicais para manter e ampliar a cota desses cargos, os chamados DAS 5 a 6 (Direção e Assessoramento Superiores) e NES (Natureza Especial).De acordo com dados do Ministério do Planejamento, há hoje 1.305 cargos dessa natureza. A remuneração chega a R$ 22 mil mensais.
O controle da maioria dos cargos é atribuição da Casa Civil, que será chefiada por Antonio Palocci.
Segundo estudo da cientista política Maria Celina D"Araújo, da PUC-RJ, autora de "A Elite Dirigente do Governo Lula", quase metade (42,8%) dos ocupantes desses cargos atualmente são filiados a sindicatos. Desse total, 84,3% são petistas.
Os principais ramos que conseguiram cargos são os bancários, a área dos professores e os petroleiros.
"Esse negócio de república sindical é bobagem porque o PT e a CUT [Central Única do Trabalhador] têm a mesma raiz. O próprio Palocci foi dirigente da CUT e ninguém fala dele", diz o presidente da central, Artur Henrique. "Seria absurdo se fossem tucanos", emendou.
Ao todo, o governo federal tem cerca de 22 mil cargos de confiança, mas esses 1.305 são a elite do batalhão de comissionados.
PETROBRAS
Desde o início do primeiro governo do presidente Lula, vários dirigentes sindicais ganharam cargos.
Wilson Santarosa, ex-presidente do Sindicato dos Petroleiros de Campinas, por exemplo, tornou-se gerente de comunicação da Petrobras e é membro do Conselho Deliberativo da Petros (fundo de pensão da estatal).
Em Itaipu Binacional, dois representantes da CUT detêm cargos influentes: João Vaccari Neto, atual tesoureiro do PT, é membro do conselho de administração. Assessor da central para assuntos internacionais, Gustavo Codas tem assento na diretoria-geral paraguaia.
Fernando Paes de Carvalho, dirigente do Sindipetro do Norte Fluminense, é coordenador do gabinete da presidência da Petrobras.
Também houve crescimento do domínio "cutista" nos três principais fundos de pensão: Petros (Petrobras), Previ (Banco do Brasil) e Funcef (Caixa Econômica).
No segundo mandato de Lula, 66,6% dos indicados para chefias e conselhos nos fundos são sindicalistas.
No meio sindical, outro alvo é conseguir assento em conselhos de administração, numa espécie de complementação salarial.
A remuneração varia de acordo com o órgão, mas raramente é inferior a R$ 3.000. CUT e Força Sindical, por exemplo, têm espaço no conselho do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
ABC
O grupo de ex-dirigentes do ABC paulista também assumiu postos, como é o caso do presidente do Conselho Nacional do Sesi, Jair Meneguelli, e do presidente do Sebrae, Paulo Okamoto.
Amigo de Lula, esse último deverá seguir para o instituto que levará o nome do presidente em São Paulo.
Tanto Força como CUT admitem relativa "apreensão" com a nova gestão. Ambas, entretanto, elogiam a escolha de Gilberto Carvalho, atual chefe de gabinete de Lula, para a Secretaria-Geral da Presidência, canal de diálogo com as centrais.
Racha provoca demissão coletiva no MP do Rio
DEU EM O GLOBO
Três promotores que investigavam fraudes na Refinaria de Manguinhos se exoneram por divergir de coordenador
Chico Otavio
A Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal (Coesf) do Ministério Público do Rio, que investiga fraudes nas operações comerciais da Refinaria de Manguinhos, perdeu de uma só vez três de seus quatro promotores. Eles pediram exoneração, em ato publicado no Diário Oficial do dia 17, por divergir de outros setores do MP sobre o grau de autonomia das medidas tomadas pela unidade.
Desde que assumiram, há um ano, os promotores se queixavam do problema. Em casos de cumprimento de mandados de prisão ou busca e apreensão, a Coesf precisava do suporte de outra unidade do MP, a Coordenadoria de Segurança e Inteligência. Porém, mesmo cobrados, os promotores se negavam sistematicamente a dar detalhes prévios das operações - algumas direcionadas a autoridades estaduais - para evitar vazamento.
A gota d"água foi a investigação que resultou em denúncia criminal contra sete pessoas acusadas de desvio de recursos da Secretaria estadual de Saúde. O promotor Paulo Wunder, coordenador de Segurança e Inteligência, agastado por desconhecer ações da Coesf que tiveram apoio de sua unidade, afastou-se. Como o procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes, resolveu reconduzi-lo ao cargo, os três promotores de Combate à Sonegação - Reinaldo Lomba (coordenador), Matheus Pinaud e Ana Carolina Moraes Coelho - exoneraram-se na mesma semana.
- Não havia qualquer interferência. Nos casos de prisão e busca e apreensão, o promotor Wunder precisava saber o que iria acontecer porque, se ocorresse algum problema, ele saberia como agir - alegou Lopes.
Foi iniciativa do Coesf, no ano passado, o inquérito que desencadeou a Operação Alquila, cujo alvo foi a suposta quadrilha que atuava em Manguinhos. Estimativa da Secretaria estadual de Fazenda apontou prejuízo anual de R$162 milhões em sonegação de ICMS envolvendo a refinaria. O esquema contava com uma rede de proteção na área política.
Ao remeter o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Justiça fluminense alegou suspeita de envolvimento de um "deputado ou senador da República", além de um ministro de Estado e de seu filho, e de funcionários da Agência Nacional de Petróleo (ANP). A Operação Alquila, da Delegacia de Polícia Fazendária, gravou conversas entre o empresário Ricardo Magro, suposto chefe do esquema de sonegação, com um parlamentar. Dos diálogos, sabe-se que o interlocutor de Magro usava um Nextel da Rádio Melodia. Posteriormente, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) revelou que o aparelho lhe pertencia.
As investigações também mostraram que Magro teve encontros com o então senador Edison Lobão Filho (PMDB-MA), filho do ministro das Minas e Energia Edison Lobão. A audiência fora agendada por um funcionário da ANP. Depois, decisões internas da ANP favoreceram Manguinhos e outras empresas ligadas a Magro.
No caso da Secretaria estadual de Saúde, as sete pessoas denunciadas pela Coesf poderão responder por peculato e fraude em licitação. As irregularidades teriam ocorrido num contrato de R$4,9 milhões assinado em 2009 com a Toesa Service, para a manutenção de 111 veículos. Segundo o MP, houve superfaturamento dos preços, direcionamento do edital, pagamentos por serviços não realizados e indícios de formação de cartel. Entre os denunciados está o ex-subsecretário de Saúde Cesar Romero Vianna Júnior.
Três promotores que investigavam fraudes na Refinaria de Manguinhos se exoneram por divergir de coordenador
Chico Otavio
A Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal (Coesf) do Ministério Público do Rio, que investiga fraudes nas operações comerciais da Refinaria de Manguinhos, perdeu de uma só vez três de seus quatro promotores. Eles pediram exoneração, em ato publicado no Diário Oficial do dia 17, por divergir de outros setores do MP sobre o grau de autonomia das medidas tomadas pela unidade.
Desde que assumiram, há um ano, os promotores se queixavam do problema. Em casos de cumprimento de mandados de prisão ou busca e apreensão, a Coesf precisava do suporte de outra unidade do MP, a Coordenadoria de Segurança e Inteligência. Porém, mesmo cobrados, os promotores se negavam sistematicamente a dar detalhes prévios das operações - algumas direcionadas a autoridades estaduais - para evitar vazamento.
A gota d"água foi a investigação que resultou em denúncia criminal contra sete pessoas acusadas de desvio de recursos da Secretaria estadual de Saúde. O promotor Paulo Wunder, coordenador de Segurança e Inteligência, agastado por desconhecer ações da Coesf que tiveram apoio de sua unidade, afastou-se. Como o procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes, resolveu reconduzi-lo ao cargo, os três promotores de Combate à Sonegação - Reinaldo Lomba (coordenador), Matheus Pinaud e Ana Carolina Moraes Coelho - exoneraram-se na mesma semana.
- Não havia qualquer interferência. Nos casos de prisão e busca e apreensão, o promotor Wunder precisava saber o que iria acontecer porque, se ocorresse algum problema, ele saberia como agir - alegou Lopes.
Foi iniciativa do Coesf, no ano passado, o inquérito que desencadeou a Operação Alquila, cujo alvo foi a suposta quadrilha que atuava em Manguinhos. Estimativa da Secretaria estadual de Fazenda apontou prejuízo anual de R$162 milhões em sonegação de ICMS envolvendo a refinaria. O esquema contava com uma rede de proteção na área política.
Ao remeter o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Justiça fluminense alegou suspeita de envolvimento de um "deputado ou senador da República", além de um ministro de Estado e de seu filho, e de funcionários da Agência Nacional de Petróleo (ANP). A Operação Alquila, da Delegacia de Polícia Fazendária, gravou conversas entre o empresário Ricardo Magro, suposto chefe do esquema de sonegação, com um parlamentar. Dos diálogos, sabe-se que o interlocutor de Magro usava um Nextel da Rádio Melodia. Posteriormente, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) revelou que o aparelho lhe pertencia.
As investigações também mostraram que Magro teve encontros com o então senador Edison Lobão Filho (PMDB-MA), filho do ministro das Minas e Energia Edison Lobão. A audiência fora agendada por um funcionário da ANP. Depois, decisões internas da ANP favoreceram Manguinhos e outras empresas ligadas a Magro.
No caso da Secretaria estadual de Saúde, as sete pessoas denunciadas pela Coesf poderão responder por peculato e fraude em licitação. As irregularidades teriam ocorrido num contrato de R$4,9 milhões assinado em 2009 com a Toesa Service, para a manutenção de 111 veículos. Segundo o MP, houve superfaturamento dos preços, direcionamento do edital, pagamentos por serviços não realizados e indícios de formação de cartel. Entre os denunciados está o ex-subsecretário de Saúde Cesar Romero Vianna Júnior.
Relação de Dilma com sindicatos é incógnita
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Sem tradição sindical, a presidente eleita garantiu o poder das entidades nos ministérios do Trabalho e Previdência
Marcelo Rehder
Assim como Lula, Dilma Rousseff foi eleita com apoio importante das centrais sindicais. Mas ainda não se sabe qual a profundidade de seus compromissos com essas entidades. Ela não teve uma vida sindical, diferentemente de Lula, que foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e um dos fundadores do Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do PT.
"A vida dela começou com uma organização de esquerda na luta contra a ditadura e depois, com a democratização do País, e enveredou por um caminho técnico de gestão pública na área de energia elétrica no Rio Grande do Sul", observa o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique.
O sindicalista lembra que, embora sem ter tido uma vida sindical, a presidente eleita passou oito anos no governo Lula e sabe a importância e o papel que os movimentos sociais tiveram nesse período. "Ela está convidando para fazer parte de seu governo pessoas que também são oriundas do movimento sindical", diz o sindicalista, citando o nome do futuro ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Pouca gente sabe ou se recorda, mas Palocci foi presidente da CUT estadual em Ribeirão Preto.
Para Artur Henrique, há preconceito na visão de república sindicalista do governo Lula. "Como ex-sindicalista, é normal que ele tenha colocado um monte de sindicalistas para assumir postos no governo. Eu acharia estranho se ele convidasse, por exemplo, gente do PSDB."
No governo Dilma, os sindicatos ainda dominam os ministérios do Trabalho e da Previdência Social. "São duas áreas críticas, pois esses ministérios, principalmente o do Trabalho, estão legislando entre aspas por portarias", diz o especialista em relações do trabalho José Pastore.
O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, deputado reeleito pelo PDT, mesmo partido do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que foi confirmado no cargo, diz ter boa relação com a presidente eleita. "No caso da Força, é até melhor do que com o governo Lula."
Livre negociação. Não se sabe ao certo o que a presidente eleita fará na área trabalhista. Dilma rejeitou a reforma trabalhista durante a campanha. Mas se mostrou igualmente contra a redução da jornada de trabalho por força de lei. Ela disse acreditar na livre negociação para encurtar o tempo de trabalho. "As centrais sindicais ficaram frustradas. Mas certamente ela será a favor da ampliação da licença maternidade para 180 dias, que está pronta para ser votada no Congresso Nacional", afirma José Pastore.
Sem tradição sindical, a presidente eleita garantiu o poder das entidades nos ministérios do Trabalho e Previdência
Marcelo Rehder
Assim como Lula, Dilma Rousseff foi eleita com apoio importante das centrais sindicais. Mas ainda não se sabe qual a profundidade de seus compromissos com essas entidades. Ela não teve uma vida sindical, diferentemente de Lula, que foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e um dos fundadores do Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do PT.
"A vida dela começou com uma organização de esquerda na luta contra a ditadura e depois, com a democratização do País, e enveredou por um caminho técnico de gestão pública na área de energia elétrica no Rio Grande do Sul", observa o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique.
O sindicalista lembra que, embora sem ter tido uma vida sindical, a presidente eleita passou oito anos no governo Lula e sabe a importância e o papel que os movimentos sociais tiveram nesse período. "Ela está convidando para fazer parte de seu governo pessoas que também são oriundas do movimento sindical", diz o sindicalista, citando o nome do futuro ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Pouca gente sabe ou se recorda, mas Palocci foi presidente da CUT estadual em Ribeirão Preto.
Para Artur Henrique, há preconceito na visão de república sindicalista do governo Lula. "Como ex-sindicalista, é normal que ele tenha colocado um monte de sindicalistas para assumir postos no governo. Eu acharia estranho se ele convidasse, por exemplo, gente do PSDB."
No governo Dilma, os sindicatos ainda dominam os ministérios do Trabalho e da Previdência Social. "São duas áreas críticas, pois esses ministérios, principalmente o do Trabalho, estão legislando entre aspas por portarias", diz o especialista em relações do trabalho José Pastore.
O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, deputado reeleito pelo PDT, mesmo partido do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que foi confirmado no cargo, diz ter boa relação com a presidente eleita. "No caso da Força, é até melhor do que com o governo Lula."
Livre negociação. Não se sabe ao certo o que a presidente eleita fará na área trabalhista. Dilma rejeitou a reforma trabalhista durante a campanha. Mas se mostrou igualmente contra a redução da jornada de trabalho por força de lei. Ela disse acreditar na livre negociação para encurtar o tempo de trabalho. "As centrais sindicais ficaram frustradas. Mas certamente ela será a favor da ampliação da licença maternidade para 180 dias, que está pronta para ser votada no Congresso Nacional", afirma José Pastore.
Poeminha sentimental :: Mario Quintana

É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.
domingo, 26 de dezembro de 2010
Reflexão do dia – Marco Aurélio Nogueira
“O momento também ajuda a que se perceba quem coordenará as ações dos novos governos e decidirá sobre a vida e a morte, isto é, terá a ultima palavra. No plano federal, a pergunta reverberou durante todo o mês: dado o protagonismo e o brilho acumulados por Lula, que papel exercerá ele no governo de Dilma Rousseff e, portanto, nas definições que precederão seu início efetivo? Sairá de cena ou permanecerá nos bastidores, influenciando, pressionando, "aconselhando"? Terá cargo compatível com sua estatura real ou presumida? Conseguirá se manter em evidência, de modo a se valorizar como candidato para 2014? Agirá como "reserva moral" da Nação ou como "partidário", como homem público ou como cidadão comum?
A resposta a essas questões respinga evidentemente no que se imagina estar reservado à presidente Dilma. Terá ela força suficiente para se descolar de seu antecessor e provar a todos que uma criatura pode muito bem ter vida autônoma perante seu criador? Imprimirá marca pessoal a seu governo, seja em termos de estilo e linguagem, seja em termos de políticas e escolhas? “
(Marco Aurélio Nogueira, in: Seguir em frente, O Estado de S. Paulo, 25/12/2010)
A resposta a essas questões respinga evidentemente no que se imagina estar reservado à presidente Dilma. Terá ela força suficiente para se descolar de seu antecessor e provar a todos que uma criatura pode muito bem ter vida autônoma perante seu criador? Imprimirá marca pessoal a seu governo, seja em termos de estilo e linguagem, seja em termos de políticas e escolhas? “
(Marco Aurélio Nogueira, in: Seguir em frente, O Estado de S. Paulo, 25/12/2010)
Além das guerras de cultura :: Luiz Sérgio Henriques
Sociedades modernas, por mais laicas e secularizadas que sejam, costumam ser periodicamente sacudidas por guerras culturais mais ou menos virulentas, que desafiam o princípio de tolerância e a neutralidade do Estado democrático diante da pluralidade de crenças e religiões ou mesmo da parcela dos cidadãos que, de diferentes modos, são agnósticos ou não religiosos.
As recentes eleições americanas e brasileiras, que transcorreram segundo dinâmicas políticas e econômicas muito diferentes e dificilmente podem ser comparadas, tiveram em comum, no entanto, surtos ou manifestações típicas daquele tipo de guerra, em que se confrontam valores absolutos e inconciliáveis. O repertório de temas, como é evidente, pode variar em cada contexto, mas inevitavelmente abrange questões como o aborto, o divórcio, a pesquisa com células-tronco, a união entre pessoas do mesmo sexo, bem como, mais amplamente, o lugar das religiões na comunidade política.
Observadores qualificados sustentam que, tanto no caso americano quanto no nosso próprio caso, esses temas tiveram, tudo somado, um papel subalterno e não definiram resultados num sentido ou no outro.
A fragorosa derrota dos democratas nas eleições americanas teve, por certo, o componente extremado da tradicional Christian right e do movimento Tea Party, com sua difusa capilaridade, seu ativismo e suas conexões com uma certa interpretação providencial da experiência histórica dos Estados Unidos. E, pelo que se conhece das suas expressões políticas e intelectuais mais em evidência, a esse ativismo do Tea Party não é estranha uma instrumentalização muitas vezes grosseira do arsenal da guerra entre culturas, como quando atribui ao presidente Barack Obama uma filiação religiosa alheia aos valores tradicionais ou uma orientação coletivista contrária ao individualismo americano. Em princípio, Obama poderia até ser muçulmano - mas de fato não o é, assim como também não é, inserido que está na respeitada tradição "liberal" rooseveltiana, nem socialista nem comunista.
A derrota do Partido Democrata, segundo a maioria dos analistas, teve mais que ver com o relativo fracasso da estratégia econômica de Obama nestes tempos de Grande Recessão. Se confiarmos na janela aberta sobre os Estados Unidos pelos artigos de Paul Krugman, a qualidade e o alcance da intervenção pública em apoio à demanda declinante deixam muito a desejar. Suficientes para impedir a quebra de grandes bancos e outras empresas, evitaram o pior, mas sem dar ao americano comum alguma confiança em relação ao emprego e ao resgate da hipoteca da casa própria.
O voto americano foi, portanto, majoritariamente pragmático e movido por motivações econômicas. Por certo, nele também influíram os valores tradicionais da direita e da extrema-direita, mas não por si sós. A grande agressividade desses setores contra Obama terá sido um elemento dissuasor contra medidas "rooseveltianas" no terreno da economia por parte da presidência, mas seu dano maior, se levarmos em conta o que diz Krugman, é o papel desempenhado no declínio da cena pública americana, como motor mais aguerrido de uma oposição republicana que beira a irracionalidade.
A situação brasileira, na passagem do primeiro turno para o segundo turno, também viu a movimentação de temas e atores religiosos, muito particularmente na questão do aborto. E, a exemplo do caso americano, essa movimentação não parece ter sido em momento algum decisiva eleitoralmente, muito embora os então principais candidatos, em maior ou menor grau, tenham ambos se comportado de modo subalterno diante do argumento religioso tradicional, que, de resto, se distancia das soluções encontradas para a questão dos direitos reprodutivos na esmagadora maioria das democracias avançadas.
Aqui tem pouco interesse a discussão em si do aborto. No entanto, como a ninguém é dado ignorar, esse é um drama vivido solitariamente pelas mulheres, especialmente as pobres, com imensas repercussões no terreno da saúde pública, embora, pela situação de clandestinidade, não se consiga quantificá-lo nem muito menos, a partir daí, lutar tenazmente para diminuir sua incidência como desesperado recurso contraceptivo. Também não está em questão a legitimidade da expressão dos pontos de vista religiosos tradicionais, em ocasiões eleitorais ou de qualquer outro tipo. O Estado constitucional, por definição, é o espaço para a negociação possível de perspectivas conflitantes, ainda quando estas se apresentem como portadoras de exigências inegociáveis e os acordos só possam ser precários e experimentais.
O que tem maior interesse é contribuir para apetrechar as forças políticas e culturais que se voltam para a modernização dos costumes e da vida civil, tornando-as mais capazes de escapar das armadilhas da guerra entre culturas, esta mesma que acaba de se insinuar na cena brasileira e por certo reaparecerá mais adiante. Paradoxalmente, o caminho mais promissor parece consistir em revalorizar o papel das próprias religiões e os elementos insubstituíveis que trazem para a convivência de todos, ao escutarem de modo muito particular os humilhados e ofendidos, os que foram postos à margem das promessas do moderno.
Sem que ninguém abra mão das próprias convicções, como nos propõe o último Habermas, cidadãos religiosos e não religiosos podem majoritariamente adotar uma estratégia autorreflexiva que ilumine especialmente os limites das respectivas tradições. E, sem deixar de ser laico e secularizado - um traço que cabe a todos preservar -, o Estado constitucional pode ser, entre nós, a moldura de um multifacetado debate público que nos poupe dos argumentos muitas vezes pouco razoáveis que têm paralisado e dividido outras sociedades em campos irredutíveis.
Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci em português site:www.gramsci.org
Nada será como antes:: Marco Aurélio Nogueira

Lula não inventou a roda nem começou do zero, mas mudou o País. Quem há de se vangloriar ou se lamentar disso?
Nunca antes na história deste País houve um presidente como Luiz Inácio Lula da Silva. Encerrada sua dupla presidência, nada será igual. O País que ele nos deixa é outro, para o bem e para o mal. Nem melhor, nem pior, simplesmente diferente. Lula fez e desfez, aconteceu, circulou e apareceu, mudou o discurso do poder e o modo como a opinião pública se relaciona com seus governantes, pacificou e articulou os mais distintos interesses sociais, a ponto de sair de cena como uma espécie inusitada de glória nacional. Deixou marca tão forte na política, na administração pública e no imaginário popular que será preciso um tempo para assimilarmos sua ausência.
Lula não teve a grandeza fundacional e paradigmática de um Vargas, verdadeiro artífice do Brasil moderno, que ele forjou mediante um padrão de intervenção estatal e um “pacto” ainda hoje vigentes. Não trouxe o charme nem o dinamismo de JK, com sua fantasia industrializante de recriar o País, fazendo 50 anos em 5. Nem sequer seria justo aproximá-lo de Fernando Henrique Cardoso, cujo refinamento intelectual fazia com que conhecesse a estrutura do País que pretendeu administrar.
Mas Lula foi diferenciado. A começar do estilo. Falastrão, debochado, emotivo, avesso a protocolos e a regras gramaticais, demarcou um território. Líder metalúrgico, filho humilde do Brasil profundo, encontrou uma fórmula eficiente de dialogar com as grandes multidões, valendo-se da exploração de uma espontaneidade que o levou a ser tratado como um brasileiro igualzinho a você, predestinado a promover a ascensão dos pobres graças à magia de uma identificação imediata. Por ter vindo “de baixo” e carregado a cruz do sofrimento, Lula saberia como atender os pobres. A precariedade da formação intelectual e a falta de gosto por leituras ou estudos sistemáticos seria compensada pela percepção intuitiva das carências sociais. Ponha-se nisso uma pitada de sagacidade e se tem a lapidação de um mito.
O estilo Lula de ser presidente caminhou sempre de braços dados com glorificação e a autoglorificação. Foi assim, aliás, que ele abriu caminho no PT. Soube usar a aura que o cercou no final dos anos 70, quando despontou como expressão de um “novo sindicalismo” que irrompia numa sociedade silenciada pela ditadura e disponível para se emocionar com a movimentação dos operários do ABC paulista. Criou-se assim o signo do trabalhador que se impõe a políticos, estudantes e intelectuais para fundar um partido diferente, uma política de outro tipo, um novo discurso, um distinto modo de deliberar e agir. O bordão “nunca antes na história”, na verdade, nasceu ali, colando-se a sua trajetória.
O estilo sempre esteve próximo da egolatria e da autossuficiência, combinadas com uma enorme vontade de agradar a todos. Lula nunca reconheceu erros ou cultivou a modéstia. Sua vida teria transcorrido numa sucessão de eventos positivos, modelados por seu discernimento, seu sacrifício e seu espírito de luta. Outros erraram, companheiros inclusive; ele no máximo foi enganado ou ficou imobilizado por perseguições e preconceitos.
Mas é impossível diminuir o tamanho real do personagem. Num País em que as elites políticas, econômicas e intelectuais, apesar de não terem conseguido governar com generosidade, nunca largaram as rédeas do governo, a irrupção de um metalúrgico no Planalto deve ser compreendida sem ira nem ressentimento. Tratou-se de um fato excepcional, desses que podem efetivamente sinalizar que algo novo começou a trepidar no chão da vida cotidiana.
A chegada de Lula ao poder não foi obra do desígnio divino, nem derivou exclusivamente de seu carisma ou mérito pessoal. Muita gente se empenhou para isso e a operação exigiu algum sacrifício. O PT, por exemplo, trocou sua identidade operária pela possibilidade de projetar um operário na cúpula do Estado. Depois de ter se recusado a jogar o jogo da redemocratização do País, o partido passou a defender as regras formais e informais do sistema político.
Afastou-se dos compromissos de esquerda. Depurado de combatividade e eixo, ficou refém de seu mais conhecido expoente. Alguma semelhança com o papel desempenhado por Luiz Carlos Prestes no velho PCB não é mera coincidência.
A estratégia foi auxiliada pelos fatos da vida. Houve o governo FHC, que venceu a inflação e lançou a plataforma de uma sociedade mais educada para a racionalidade econômica e mais sensível à necessidade de centralizar a questão social. Lula beneficiou-se, também, da consolidação democrática, da expansão da economia internacional e do que isso trouxe de espaço para o crescimento da economia brasileira. Tudo ajudou as políticas públicas a ganhar nova preeminência e incluir o combate às zonas de miséria e pobreza que devastam a sociedade.
Exagera-se muito na avaliação que se faz de Lula. Na apreciação do que há de positivo em seu governo, nem sempre se dá o devido valor à equipe técnica e política que o assessorou. O bloco de sustentação e a amplíssima coalizão de interesses que montou não se deveram a uma incomum habilidade de negociador, mas sim à recuperação do Estado como agente, à disseminação de práticas generalizadas de composição parlamentar e a uma “racionalidade” dos próprios interesses, que pactuaram para ganhar um pouco mais ou perder um pouco menos. Uma “nova classe média” apareceu, impulsionada pelas facilidades do crediário, pelos programas de transferência de renda e pela impressionante mobilidade da sociedade. Mas não mudou a face do País.
A presidência Lula se completou com a eleição de Dilma Rousseff, sua maior criação. O “animal político” nascido no ABC mostrou que tem corpo e vontade própria. Já não depende mais de um partido para se afirmar e pode almejar ser fiador do novo governo.
Mas nada é tão simples como parece. Todo governante constrói sua biografia e a lógica da política o impele a buscar luz autônoma. Uma hipótese realista sugere que haverá um suave descolamento entre Lula e Dilma. Disso talvez nasça um governo mais ponderado e equilibrado, capaz de substituir a presença de um líder carismático e intuitivo pela determinação e pelo rigor técnico que são indispensáveis para que se possa construir uma sociedade mais igualitária.
Lula entrou para a galeria política brasileira. Mas não inventou a roda, nem começou do zero. Não fará tanta falta quanto imagina ou imaginam. Sua passagem para os bastidores do sistema, ainda que temporária, poderá propiciar uma lufada de oxigênio na política e na dinâmica social, ajudando-as a adquirir mais espontaneidade e a pressionar por agendas de novo tipo.
Nada será como antes, é verdade, mas ninguém lamentará nem se vangloriará disso.
Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política da Unesp e autor de o encontro O Encontro de Joaquim Nabuco com a Política (Paz e Terra)
Vermelho e verde :: Mírian Leitão

O governo Dilma deve evitar o erro de considerar que a queda do desmatamento nos últimos anos torna o assunto resolvido. Como se sabe, a área ambiental nunca foi o forte da presidente. Mesmo com a queda na taxa anual de perda de florestas, os riscos continuam e ficam cada vez mais complexos. Algumas obras do PAC são indutoras de desmatamento, por isso o problema pode voltar a crescer.
Uma impressionante reportagem de Marta Salomon, no "Estado de S.Paulo", domingo passado, mostra como é complexa a questão do desmatamento no Brasil. Ela conta que um proprietário que respeitou a lei na Amazônia de Mato Grosso e manteve os 80% de floresta vai ser desapropriado pelo Incra porque a terra foi considerada "improdutiva". Acampados por perto, já à espera do desfecho da briga, os sem-terra já se preparam, inclusive com serrarias no local.
A fazenda Mandaguari foi classificada como "grande propriedade improdutiva", apesar de ter pecuária, apenas porque o proprietário não desmatou 50%, que teria direito adquirido de desmatar, na estranha opinião do superintendente do Incra em Mato Grosso. Uma velha lei permitia a derrubada de 50% da floresta. Esta lei foi mudada pelo ex-presidente Fernando Henrique, elevando a proteção para 80%. O fazendeiro obedece a lei em vigor, mas não deveria, pelo visto. O líder do acampamento dos sem-terra avisou que, se puder, terá uma serraria, e as madeireiras locais já fazem as contas de quanto há de mogno, cedro, ipê e angelim, entre outras madeiras nobres, na terra que será desapropriada. Tomara que agora que está confirmada no cargo, a ministra Izabella Teixeira queira impedir esse crime ambiental, porque hoje assentamentos e desmatamentos em áreas pequenas são uma parte substancial da perda de florestas no país.
O conflito de visão entre o Incra e o Ibama se arrasta há anos. O caso mostrado pela reportagem é emblemático, mas não é o único. Numa visita que fiz a Amazônia, fui apresentada pelo Ibama do Pará a documentos autuando o Incra por queima de castanheira, uma árvore protegida.
A confusão do desmatamento no Brasil é que a fronteira entre mocinhos e bandidos nunca foi clara. Há assentamentos de sem-terra em conluio com grandes proprietários para que a terra seja desapropriada e os donos embolsem grandes indenizações. O financiamento público a atividades que desmatam nunca foi interrompido. O próprio governo que tenta coibir é o que incentiva financeiramente a atividade predatória. Cada bioma tem a sua complexidade e todos têm fragilidades. Até a Mata Atlântica tem perdido cobertura apesar de só restarem fragmentos. Se não entender tudo isso, e ficar dormindo sobre os números de queda, o novo governo pode enfrentar um aumento do ritmo de desmatamento.
Até porque, os números revelam sinais de riscos crescentes. O Imazon mostrou que o desmatamento na Amazônia Legal, em novembro, foi de 65 km, 13% menor do que o de novembro de 2009. Porém, no mesmo período, o aumento da degradação - que é normalmente uma prévia do desmatamento - foi de 256% e atinge 2.805 km. A maior taxa de perda de florestas ocorre exatamente em Mato Grosso.
O cientista florestal Paulo Barreto, do Imazon, conta que, apesar das restrições aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional ao financiamento de atividades que desmatam, o nível de crédito rural não foi afetado.
- Em 2008, o ano que começaram a valer as restrições ao crédito, o valor total dos financiamentos a atividades agropecuárias na Amazônia caiu apenas 1% em relação a 2007. Em 2009, o crédito rural na região subiu 11%. Parte desta subida se deu porque o governo aumentou os limites para o crédito para amenizar os efeitos da crise financeira. É importante notar que as restrições do CMN focaram principalmente nos imóveis acima de quatro módulos (entre 200 e 400 hectares). Os imóveis menores continuam tendo acesso ao crédito - diz Barreto.
Outras reportagens têm mostrado que o BNDES é grande financiador de frigoríficos que ainda não conseguiram fazer a sua parte no pacto contra o desmatamento, feito com supermercados e ONGs: não conseguem provar que compram apenas de quem não desmatou recentemente.
Paulo Barreto, do Imazon, acha que a maior derrota para a Amazônia é o governo insistir em certos projetos:
- Alguns são desastrosos, como o asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, outros são duvidosos, como Belo Monte. Isso mostra que o governo não teve e não tem um projeto coerente e inovador para a região. Responde a emergências, de um lado, atende a demandas pontuais de aliados, de outro, e investe no modelo antigo.
O ministro dos Transportes do novo governo é o mesmo Alfredo Nascimento que tentou fazer da BR-319 uma plataforma para a sua eleição ao governo do Amazonas. Derrotado, voltará ao cargo. A área energética continua com aliados de José Sarney. As vitórias que produziram queda no desmatamento são em grande parte derivadas de medidas iniciadas na gestão Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente e, depois, com Carlos Minc. Mas a ambiguidade do governo Lula continuará no governo Dilma.
O aumento da degradação, mostrado pelo Imazon, é um indicador antecedente de desmatamento. As obras mais ameaçadoras foram colocadas na agenda nacional por pressão direta da própria presidente Dilma, quando chefe da Casa Civil. O conflito entre agências do governo, com o Incra e o Ibama, produzem fatos absurdos como o mostrado na reportagem sobre a Fazenda Mandaguari, punida por respeitar a lei do país.
Pior que o WikiLeaks:: Rubens Ricupero

Há mais de um século, um telegrama diplomático quase levou a Argentina e o Brasil às vias de fato
Um telegrama diplomático brasileiro interceptado e violado por agentes do governo argentino provocou, há pouco mais de um século, grave crise que gerou clima de quase guerra entre os dois países.
Muito mais sério que o do WikiLeaks tanto pela autoria oficial da violação como das potenciais consequências, o episódio se passou na segunda metade de 1908.Seus personagens foram o barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores, e Estanislao Zeballos, recém-demissionário da Chancelaria argentina que vinha de ocupar pela terceira e última vez.
Durante mais de 30 anos, os dois rivais se haviam digladiado como os heróis da novela "Os Duelistas", de Conrad ou os pitorescos quadrinhos da série "Spy vs. Spy".
O primeiro embate ocorreu em 1875, quando um enviado argentino se retirou do Rio de Janeiro sem despedir-se do imperador em meio a outra crise entre os dois países.O então jornalista e futuro barão escreveu que não se tratava de afronta ao Brasil, apenas de uma "gaucherie", isto é, uma deselegância. Confundindo a expressão com "gauchada", Zeballos revidou que isso era uma "macacada de má lei", aduzindo com racismo: "É melhor ser gaúcho do que macaco"...
Em 1895, os dois voltariam a se confrontar em Washington como adversários na questão limítrofe de Palmas, submetida à arbitragem do presidente Cleveland, dos EUA, e ganha de modo cabal pelo Brasil.
O ato final se daria em 1908, ano marcado pelos temores argentinos diante do programa de rearmamento naval brasileiro.
Zeballos, ainda ministro, havia interceptado e mandado decifrar o telegrama nº 9 enviado pelo Itamaraty à missão do Brasil no Chile, via Porto Alegre e Buenos Aires.
Pela versão argentina, Rio Branco estaria intrigando os países sul-americanos contra a Argentina, acusada de desígnios sinistros sobre o Paraguai, o Uruguai, a Bolívia e o Rio Grande do Sul.
A mensagem conteria até ofensas gratuitas contra o caráter "volúvel" dos argentinos, sua falta de estabilidade e comentário hoje irônico, pois dirigido com frequência aos nossos atuais dirigentes.
O de que "a ambição de ser protagonista os desmoraliza, sacrificando o mérito, com o descrédito de seus estadistas e prejuízos derivados da falta de seriedade que os caracteriza"...
Desafiado a submeter o telegrama a uma corte de plenipotenciários, o Barão contra-atacou de modo fulminante: publicou o texto cifrado, a tradução falsa e a autêntica, totalmente diversa, bem como o código diplomático brasileiro, que se tornou inutilizável.
Liquidou assim a questão com triunfo esmagador.
Esse não foi o único antecedente do WikiLeaks em termos de correspondência diplomática americana relativa ao Brasil. Convém lembrar também os arquivos secretos do presidente Lyndon Johnson, reveladores, em meados dos anos 1970, do grau de envolvimento de Washington com o golpe de 1964 por meio da Operação "Brother Sam".
Rio Branco teria lições a ensinar e não só aos americanos. Refratário a comentários ofensivos gratuitos a outros países, compreendia que o mais impenetrável dos códigos tem como limite a fragilidade dos seres humanos, sobretudo em tempos de crise do consenso interno sobre política exterior.
Quem devassa devassado será :: Eliane Catanhêde

BRASÍLIA - Sua privacidade é devassada quando você vai ao banco, ao supermercado, ao shopping, ao próprio escritório, ao apartamento de um amigo, ao consultório médico, a uma repartição pública, a uma embaixada, e até quando simplesmente anda pela rua.
As câmeras estão por toda a parte, desde a portaria até corredores e salas dos prédios, e raramente faltam no elevador. Até suas partes íntimas estão à mostra em alguns aeroportos de países que se acham donos do mundo.
Essas câmeras indiscretas têm lá sua serventia. Num exemplo doméstico e recente, foram elas que derrubaram a versão dos vândalos que espancavam jovens na Paulista e reconstituíram a verdade para a polícia, para a Justiça e até para as famílias desorientadas.
Contra imagens, não há argumentos.
Portanto, segurança é bom e todo mundo gosta. Mas, se bisbilhotam nossas rendas, nossas contas, nossas digitais, nossas companhias, nossas falas, nossos atos e nossos passos, nós também temos o direito de bisbilhotar quem nos bisbilhota.
Governos e organizações invadem nossa privacidade, e nós queremos invadir a privacidade deles. O que eles sabem e o que decidem nos dizem respeito diretamente.
Imagine só o que o cidadão do mundo ficaria sabendo se o WikiLeaks tivesse quebrado o sigilo dos telegramas e das mensagens do Pentágono e do Departamento de Estado dos EUA à época da invasão do Iraque... Muitos abusos e principalmente muitas mortes poderiam ter sido evitados.
Justamente por isso Julian Assange, do WikiLeaks, foi eleito "homem do ano" do "Le Monde" francês e do próprio mundo. Ele humilhou a maior potência, expôs o ridículo da correspondência diplomática e principalmente equilibrou o jogo de esconde-esconde.
Quem devassa devassado será. Isso vale para nós, meros mortais, e passa a valer para eles, que se julgam os deuses do Universo.
Uma rede chamada humanidade:: Alberto Dines

Papai Noel não desceu pela chaminé, baixou pela Internet. Na lista de presentes que distribuiu neste Natal houve mais eletrônica do que joalheria, mais gadgets do que sedas, mais Steve Jobs do que Dior.
Mais ilusões do que realidades: tudo à nossa volta revela uma absurda premência em matéria de apetrechos e equipamentos, corremos esbaforidos atrás dos últimos lançamentos sem perceber que a obsolescência vem junto, brinde obrigatório. Cada nova maquineta nas vitrines é mais uma geringonça a caminho do lixo não-orgânico.
Cansamos de ser humanos, esta é a verdade, preferimos ser operadores de sistemas. Apoiados em pequenos manuais de instrução somos inseridos facilmente nas redes do sucesso, ditas “sociais” – fazemos parte, ganhamos um perfil, rosto, visibilidade. Afinal, chegamos ao status de expoentes embora próximos da nulidade.
Mais complicada, menos sedutora, é a percepção de que a corrida atrás das inovações é enganosa. O ideal iluminista do homem racional, autônomo, livre de dogmas e preconceitos, acabou produzindo em apenas 200 anos – um ninharia na história da civilização – legiões globais de escravos das modas.
O futuro já não é o que era – miragem inalcançável, desafio invencível, sonho, esperança. Representava um salto, ascensão, agora com um clique (re)baixa-se da rede. O futuro era transcendental, agora, uma banalidade de última geração em formato de história em quadrinhos onde os protagonistas são fantásticos equipamentos e os humanos, meros acessórios.
O inglês H.G. Wells tornou-se mais conhecido por suas quimeras científicas do que por seus escritos sobre socialismo e pacifismo. O fatalismo tecnológico transfere para os países desenvolvidos a função de nos abastecer de ferramentas cada vez mais sofisticadas enquanto nos mantém na condição de usuários passivos de suas inovações. Idolatramos um vago e imponderável mundo melhor, esquecidos de algo comezinho: preparar gente melhor para torná-lo viável. Ao menos, capaz de separar os benefícios dos malefícios colaterais.
A modernidade caminha em alta velocidade para tornar-se um retrocesso. Não venceu a intolerância nem o fanatismo como prometera e ainda conseguiu o milagre de fazer da religião um agnosticismo e, deste, uma religião. A modernidade convive com as mentiras, a corrupção, a arbitrariedade e a barbárie graças às infindáveis e anestésicas repetições em tempo real.
Sem consistência, em questão de dias as vanguardas se dissolvem em réplicas, platitudes, reciclagens, híbridos, chavões. Indolor, inodora e inaudível – graças ao barulho ensurdecedor que provoca – a modernidade é uma pirataria desenfreada e invencível.
Tecnologia não liberta ninguém, escreveu recentemente o historiador Timothy Garton Ash. Também não emancipa. Quem liberta, emancipa e transforma são as ideias e as ideias são produzidas pela incerteza nesta arcaica e formidável rede chamada humanidade.
» Alberto Dines é jornalista
O mau sinal do governo que nem começou:: Elio Gaspari

A futura ministra da Pesca cobrou indevidas hospedagens e o do Turismo, despesa de motel
A permanência do deputado Pedro Novais (PMDB-MA) no Ministério do Turismo e da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) no da Pesca são um mau presságio para um governo que nem começou. Revelam ligeireza com o dinheiro da Viúva, onipotência e descaso pela opinião pública.
Novais recebeu da Câmara R$ 2.156 por conta de nota fiscal do Motel Caribe, de São Luís, relacionada com despesas feitas no estabelecimento durante a noite de 28 de junho.
A senadora, que recebe R$ 3.800 mensais para custear sua moradia na capital, cobrou à Viúva R$ 4.606 referentes a diárias de hospedagens no hotel San Marco, de Brasília, entre janeiro e dezembro deste ano.
Descobertos, ambos atribuíram as cobranças a "erros" praticados por assessores e informaram que devolveriam o dinheiro.
Pedir desculpas à patuleia, identificando publicamente os responsáveis, nem pensar.
Cobrança de parte da presidente eleita que acabara de indicá-los para o ministério, muito menos. Preservou-se o padrão de casa-grande dos maganos de Brasília. Ao pessoal da senzala restou o alívio da descoberta do avanço sobre seu dinheiro, feita pelos repórteres Leandro Colon, Matheus Leitão, Andreza Matais e José Ernesto Credendio.
O deputado Novais, um maranhense octogenário que vive no Rio de Janeiro e chegou ao Ministério do Turismo por indicação do senador José Sarney, do Amapá, foi imediatamente defendido pelo líder de seu partido, Henrique Eduardo Alves: "Ele está esclarecendo de forma competente".
Em seguida, pelo futuro ministro da Articulação Política, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ): "O Pedro Novais é um parlamentar experiente e, pela história dele, precisamos dar crédito à sua versão".
Num primeiro instante, a reação de Novais foi típica dos senhores de escravos: "Pare de encher o saco. Faça o que você quiser".
Depois, apresentou uma explicação que tem muito de experiente e pouco de competente: "Indignei-me como parlamentar e homem público, mas, acima de tudo, como cidadão e marido. A acusação leviana tenta atingir minha moral e a firmeza de minha vida familiar.
Sou casado há 35 anos. Na noite de 28 de junho, data da emissão da nota fiscal, pelo estabelecimento, estava em casa, ao lado de minha mulher. Não posso aceitar que essa falha seja usada para acusações irresponsáveis à minha pessoa".
Mesmo que na noite de 28 de junho o deputado estivesse na Igreja Evangélica Brasileira, que fica na rua do Amor, nas cercanias do Motel Caribe, isso não teria qualquer importância.
Foi seu gabinete que apresentou à burocracia da Câmara a nota fiscal do motel. Ademais, uma funcionária do Caribe informou que houvera reserva em seu nome.
Admitindo-se que tudo não passou de um erro, Novais deveria ser grato ao repórter Leandro Colon, pois ele permitiu que expurgasse de sua longeva biografia e de seu firme matrimônio a sombra de uma despesa de R$ 2.156 num motel.
Em 2002, a nação petista sabia que o tesoureiro Delúbio Soares ia além de sua chinelas nas mágicas financeiras que fazia com o publicitário Marcos Valério. Acharam que dava para segurar.
Em 2003, o poderoso José Dirceu sabia como operava seu assessor Waldomiro Diniz. Achou que dava para segurar. Depois que as acrobacias confluíram no mensalão, Nosso Guia deu-se conta de que deveria ter substituído Dirceu logo depois do caso de Waldomiro.
Em todos os episódios, o governo comprou o risco da crise porque tolerou malfeitos que lhe pareciam toleráveis. Isso, supondo-se que Dilma Rousseff não fazia ideia das atividades da família Guerra quando patrocinou a ascensão da doutora Erenice à chefia da Casa Civil da Presidência.
A senadora Salvatti e o deputado Novais foram preliminarmente exonerados pela teoria do "erro", sempre praticado por assessores jamais identificados e nunca disciplinados.
Repetindo: nem desculpas pediram. Passou-se adiante o pior dos sinais: "Vamos em frente, não tem problema".
O ciclo Lula dá adeus :: Gaudêncio Torquato

Daqui a seis dias, no final da tarde de sábado, Luiz Inácio Lula da Silva descerá a rampa do Palácio do Planalto, deixando a condição de mandatário-mor do País. Nesse momento, as cortinas descerão sobre um palco aberto em 1.º de janeiro de 2003, onde peças sempre bem aplaudidas exibiram a performance do mais prestigiado líder do Brasil contemporâneo, um dos raros a combinar dois celebrados conceitos de Maquiavel: a virtú e a fortuna. Ao maximizar seu prestígio junto às massas, reforçado por um perfil carismático, Lula administrou, de maneira exemplar, as circunstâncias de um tempo pleno de aspirações, atingindo, por consequência, o grau de maior provedor das necessidades do povo que governou. A sorte que bafejou o governante, soprada por ventos que revigoraram o ambiente econômico, foi usada por ele de maneira eficaz para estreitar as distâncias entre as classes sociais. Ajudou-o nessa tarefa a alma intuitiva de um brasileiro que saiu do andar mais baixo do edifício nacional. Alma plasmada pelas carências das populações mais sofridas. Esse tempero fez a diferença de estilo.
Afinal, o que foi o ciclo Lula? Foi, sobretudo, a era de intensa dinâmica social, que propiciou a inserção de apreciável contingente ao mercado de consumo. A pirâmide das classes teve seu meio alargado com afunilamento da base, ou seja, tornou-se menos triangular e mais retangular. Esse constitui o maior feito do governo comandado pelo ex-metalúrgico. Além de 30 milhões de brasileiros que ascenderam à classe média (baixa), outro núcleo se movimentou da margem extrema da base para um degrau acima, ou, nos termos da estratificação social, subiram da classe E para a D. Abre-se, aqui, um parêntesis. A ascensão social foi, é e sempre será meta prioritária das esquerdas. Por consequência, o PT procurou validar o seu passaporte esquerdista - até para estabelecer um diferencial sobre outros partidos - a partir da política de inserção social da era Lula. Mas é arrematado exagero dizer que uma guinada esquerdizante passou por aqui. Há tentativas naquela direção - como criação de controles na área de comunicação e abordagens polêmicas na política de direitos humanos -, mas um sistema de freios tem segurado as intenções. Ademais, vale lembrar que o ciclo Lula caracteriza-se também por sediar uma teia de siglas insossas, inodoras e incolores. E mais: o sucesso do programa de distribuição de renda e acesso ao crédito teve uma semente plantada no passado.
Sob essa leitura se esvanece a tese de que o grid de largada do Brasil na pista internacional é coisa exclusiva do governo Lula. Na verdade, a montagem da corrida se deu lá atrás, quando o ciclo Itamar/FHC abria os tempos estáveis do Plano Real. Por isso, parcela ponderável da expressão cívico/ufanista do período que se encerra faz parte do enredo de autoglorificação. O verbo solto que se emprega para exalar os feitos contemporâneos chega a lembrar o ciclo militar, quando a harmonia social, flagrada nas imagens de crianças brincando em jardins, se fundia com o verde-amarelo da bandeira, enquanto um hino cívico enaltecia o Brasil Potência. Nem por isso se pode diminuir a inequívoca virtú do presidente Lula, exercida nos palanques populares e nos salões nobres e irradiando influência. Exemplo é a imagem externa do Brasil. Ficou mais forte, apesar de rompantes da diplomacia, ao cortejar países de inequívoca tradição repressiva, como o Irã. Não se imagina evento de magnitude no plano internacional sem a voz do Brasil.
Os êxitos do lulismo, como se aduz, se devem sobretudo ao gerenciamento da economia. Ali se desenvolveu uma política conservadora. Controle de câmbio e juros elevados. A habilidade do dirigente em aproximar os frutos econômicos do estômago das massas - entendendo-se que as camadas atendidas incluíram fortes estratos das classes médias - ganhou realce nos palanques da redundância, que deram ampliação aos fatos e versões. Portanto, na esfera da propaganda, o refrão "nunca antes na história deste país" pode ser considerado verdadeiro. Errado é usá-lo para comparações em alguns campos, eis que há cinco, seis ou sete décadas não havia parâmetros para medir programas governamentais.
Ademais, não se pode comparar um país de 195 milhões de habitantes, num mundo globalizado, com um território de 50, 60 ou 70 milhões num espaço cheio de fronteiras.
Já na seara política, a situação não avançou. Pode-se até concluir que Luiz Inácio usou com mais astúcia do que seus antecessores os meios de cooptação para formar sólida base de apoio ao governo. Passou perto dele o trem do mensalão, mesmo que defenda ter sido o fenômeno uma invenção da mídia. Ora, a Justiça provou que o processo ocorreu. A mesma sensação de que a coisa não andou ocorre nos campos da saúde, segurança, Previdência, tributos e trabalho. Viu-se, em compensação, um Judiciário mais solto e aberto, descendo de um altar inacessível para ficar mais próximo da sociedade. E tomou às mãos pautas da mais alta relevância. Cassou mandatos. E contou com o esforço de um batalhão de defensores da sociedade, arregimentados no Ministério Público. A corrupção não acabou, porém ficou mais exposta a controles.
Por último, a dúvida: com a descida da rampa, o ciclo Lula se encerra? Sem dúvida. A explicação para a resposta leva em consideração o fato de que os ciclos governamentais não se repetem, mesmo que antigos dirigentes sejam reconduzidos ao posto de comando.
Relembramos a velha lição do filósofo: "Um rio nunca corre duas vezes pelo mesmo lugar." Lula, como ele próprio já piscou, pode até voltar em 2014. Mas o ambiente deverá ser diferente. Outros movimentos aparecerão no cenário. A dinâmica social continuará em evolução, enquanto núcleos organizados energizarão a sociedade. É possível prever a migração do voto do bolso para o voto da cabeça. Bom sinal. O rio correrá por outros lugares.
Jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação
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