DEU EM O GLOBO
O governo Dilma deve evitar o erro de considerar que a queda do desmatamento nos últimos anos torna o assunto resolvido. Como se sabe, a área ambiental nunca foi o forte da presidente. Mesmo com a queda na taxa anual de perda de florestas, os riscos continuam e ficam cada vez mais complexos. Algumas obras do PAC são indutoras de desmatamento, por isso o problema pode voltar a crescer.
Uma impressionante reportagem de Marta Salomon, no "Estado de S.Paulo", domingo passado, mostra como é complexa a questão do desmatamento no Brasil. Ela conta que um proprietário que respeitou a lei na Amazônia de Mato Grosso e manteve os 80% de floresta vai ser desapropriado pelo Incra porque a terra foi considerada "improdutiva". Acampados por perto, já à espera do desfecho da briga, os sem-terra já se preparam, inclusive com serrarias no local.
A fazenda Mandaguari foi classificada como "grande propriedade improdutiva", apesar de ter pecuária, apenas porque o proprietário não desmatou 50%, que teria direito adquirido de desmatar, na estranha opinião do superintendente do Incra em Mato Grosso. Uma velha lei permitia a derrubada de 50% da floresta. Esta lei foi mudada pelo ex-presidente Fernando Henrique, elevando a proteção para 80%. O fazendeiro obedece a lei em vigor, mas não deveria, pelo visto. O líder do acampamento dos sem-terra avisou que, se puder, terá uma serraria, e as madeireiras locais já fazem as contas de quanto há de mogno, cedro, ipê e angelim, entre outras madeiras nobres, na terra que será desapropriada. Tomara que agora que está confirmada no cargo, a ministra Izabella Teixeira queira impedir esse crime ambiental, porque hoje assentamentos e desmatamentos em áreas pequenas são uma parte substancial da perda de florestas no país.
O conflito de visão entre o Incra e o Ibama se arrasta há anos. O caso mostrado pela reportagem é emblemático, mas não é o único. Numa visita que fiz a Amazônia, fui apresentada pelo Ibama do Pará a documentos autuando o Incra por queima de castanheira, uma árvore protegida.
A confusão do desmatamento no Brasil é que a fronteira entre mocinhos e bandidos nunca foi clara. Há assentamentos de sem-terra em conluio com grandes proprietários para que a terra seja desapropriada e os donos embolsem grandes indenizações. O financiamento público a atividades que desmatam nunca foi interrompido. O próprio governo que tenta coibir é o que incentiva financeiramente a atividade predatória. Cada bioma tem a sua complexidade e todos têm fragilidades. Até a Mata Atlântica tem perdido cobertura apesar de só restarem fragmentos. Se não entender tudo isso, e ficar dormindo sobre os números de queda, o novo governo pode enfrentar um aumento do ritmo de desmatamento.
Até porque, os números revelam sinais de riscos crescentes. O Imazon mostrou que o desmatamento na Amazônia Legal, em novembro, foi de 65 km, 13% menor do que o de novembro de 2009. Porém, no mesmo período, o aumento da degradação - que é normalmente uma prévia do desmatamento - foi de 256% e atinge 2.805 km. A maior taxa de perda de florestas ocorre exatamente em Mato Grosso.
O cientista florestal Paulo Barreto, do Imazon, conta que, apesar das restrições aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional ao financiamento de atividades que desmatam, o nível de crédito rural não foi afetado.
- Em 2008, o ano que começaram a valer as restrições ao crédito, o valor total dos financiamentos a atividades agropecuárias na Amazônia caiu apenas 1% em relação a 2007. Em 2009, o crédito rural na região subiu 11%. Parte desta subida se deu porque o governo aumentou os limites para o crédito para amenizar os efeitos da crise financeira. É importante notar que as restrições do CMN focaram principalmente nos imóveis acima de quatro módulos (entre 200 e 400 hectares). Os imóveis menores continuam tendo acesso ao crédito - diz Barreto.
Outras reportagens têm mostrado que o BNDES é grande financiador de frigoríficos que ainda não conseguiram fazer a sua parte no pacto contra o desmatamento, feito com supermercados e ONGs: não conseguem provar que compram apenas de quem não desmatou recentemente.
Paulo Barreto, do Imazon, acha que a maior derrota para a Amazônia é o governo insistir em certos projetos:
- Alguns são desastrosos, como o asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, outros são duvidosos, como Belo Monte. Isso mostra que o governo não teve e não tem um projeto coerente e inovador para a região. Responde a emergências, de um lado, atende a demandas pontuais de aliados, de outro, e investe no modelo antigo.
O ministro dos Transportes do novo governo é o mesmo Alfredo Nascimento que tentou fazer da BR-319 uma plataforma para a sua eleição ao governo do Amazonas. Derrotado, voltará ao cargo. A área energética continua com aliados de José Sarney. As vitórias que produziram queda no desmatamento são em grande parte derivadas de medidas iniciadas na gestão Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente e, depois, com Carlos Minc. Mas a ambiguidade do governo Lula continuará no governo Dilma.
O aumento da degradação, mostrado pelo Imazon, é um indicador antecedente de desmatamento. As obras mais ameaçadoras foram colocadas na agenda nacional por pressão direta da própria presidente Dilma, quando chefe da Casa Civil. O conflito entre agências do governo, com o Incra e o Ibama, produzem fatos absurdos como o mostrado na reportagem sobre a Fazenda Mandaguari, punida por respeitar a lei do país.
O governo Dilma deve evitar o erro de considerar que a queda do desmatamento nos últimos anos torna o assunto resolvido. Como se sabe, a área ambiental nunca foi o forte da presidente. Mesmo com a queda na taxa anual de perda de florestas, os riscos continuam e ficam cada vez mais complexos. Algumas obras do PAC são indutoras de desmatamento, por isso o problema pode voltar a crescer.
Uma impressionante reportagem de Marta Salomon, no "Estado de S.Paulo", domingo passado, mostra como é complexa a questão do desmatamento no Brasil. Ela conta que um proprietário que respeitou a lei na Amazônia de Mato Grosso e manteve os 80% de floresta vai ser desapropriado pelo Incra porque a terra foi considerada "improdutiva". Acampados por perto, já à espera do desfecho da briga, os sem-terra já se preparam, inclusive com serrarias no local.
A fazenda Mandaguari foi classificada como "grande propriedade improdutiva", apesar de ter pecuária, apenas porque o proprietário não desmatou 50%, que teria direito adquirido de desmatar, na estranha opinião do superintendente do Incra em Mato Grosso. Uma velha lei permitia a derrubada de 50% da floresta. Esta lei foi mudada pelo ex-presidente Fernando Henrique, elevando a proteção para 80%. O fazendeiro obedece a lei em vigor, mas não deveria, pelo visto. O líder do acampamento dos sem-terra avisou que, se puder, terá uma serraria, e as madeireiras locais já fazem as contas de quanto há de mogno, cedro, ipê e angelim, entre outras madeiras nobres, na terra que será desapropriada. Tomara que agora que está confirmada no cargo, a ministra Izabella Teixeira queira impedir esse crime ambiental, porque hoje assentamentos e desmatamentos em áreas pequenas são uma parte substancial da perda de florestas no país.
O conflito de visão entre o Incra e o Ibama se arrasta há anos. O caso mostrado pela reportagem é emblemático, mas não é o único. Numa visita que fiz a Amazônia, fui apresentada pelo Ibama do Pará a documentos autuando o Incra por queima de castanheira, uma árvore protegida.
A confusão do desmatamento no Brasil é que a fronteira entre mocinhos e bandidos nunca foi clara. Há assentamentos de sem-terra em conluio com grandes proprietários para que a terra seja desapropriada e os donos embolsem grandes indenizações. O financiamento público a atividades que desmatam nunca foi interrompido. O próprio governo que tenta coibir é o que incentiva financeiramente a atividade predatória. Cada bioma tem a sua complexidade e todos têm fragilidades. Até a Mata Atlântica tem perdido cobertura apesar de só restarem fragmentos. Se não entender tudo isso, e ficar dormindo sobre os números de queda, o novo governo pode enfrentar um aumento do ritmo de desmatamento.
Até porque, os números revelam sinais de riscos crescentes. O Imazon mostrou que o desmatamento na Amazônia Legal, em novembro, foi de 65 km, 13% menor do que o de novembro de 2009. Porém, no mesmo período, o aumento da degradação - que é normalmente uma prévia do desmatamento - foi de 256% e atinge 2.805 km. A maior taxa de perda de florestas ocorre exatamente em Mato Grosso.
O cientista florestal Paulo Barreto, do Imazon, conta que, apesar das restrições aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional ao financiamento de atividades que desmatam, o nível de crédito rural não foi afetado.
- Em 2008, o ano que começaram a valer as restrições ao crédito, o valor total dos financiamentos a atividades agropecuárias na Amazônia caiu apenas 1% em relação a 2007. Em 2009, o crédito rural na região subiu 11%. Parte desta subida se deu porque o governo aumentou os limites para o crédito para amenizar os efeitos da crise financeira. É importante notar que as restrições do CMN focaram principalmente nos imóveis acima de quatro módulos (entre 200 e 400 hectares). Os imóveis menores continuam tendo acesso ao crédito - diz Barreto.
Outras reportagens têm mostrado que o BNDES é grande financiador de frigoríficos que ainda não conseguiram fazer a sua parte no pacto contra o desmatamento, feito com supermercados e ONGs: não conseguem provar que compram apenas de quem não desmatou recentemente.
Paulo Barreto, do Imazon, acha que a maior derrota para a Amazônia é o governo insistir em certos projetos:
- Alguns são desastrosos, como o asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, outros são duvidosos, como Belo Monte. Isso mostra que o governo não teve e não tem um projeto coerente e inovador para a região. Responde a emergências, de um lado, atende a demandas pontuais de aliados, de outro, e investe no modelo antigo.
O ministro dos Transportes do novo governo é o mesmo Alfredo Nascimento que tentou fazer da BR-319 uma plataforma para a sua eleição ao governo do Amazonas. Derrotado, voltará ao cargo. A área energética continua com aliados de José Sarney. As vitórias que produziram queda no desmatamento são em grande parte derivadas de medidas iniciadas na gestão Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente e, depois, com Carlos Minc. Mas a ambiguidade do governo Lula continuará no governo Dilma.
O aumento da degradação, mostrado pelo Imazon, é um indicador antecedente de desmatamento. As obras mais ameaçadoras foram colocadas na agenda nacional por pressão direta da própria presidente Dilma, quando chefe da Casa Civil. O conflito entre agências do governo, com o Incra e o Ibama, produzem fatos absurdos como o mostrado na reportagem sobre a Fazenda Mandaguari, punida por respeitar a lei do país.
2 comentários:
O Brasil é o que se vê todos os dias. E quem respeita a Lei se expõe ao absurdo como o que acontece com a Fazenda Mandaguari. O Governo através dos tempos tem sido o maior descumpridor de leis e mais, extorque do cidadão de várias formas. Apenas para lembrar mais uma: o caso dos precatórios. O Governo deve, não paga, compra e deve de novo, não paga e quando chega na total impossibilidade de pagamento (pelo volume da dívida) cria novas formas de desembolso, como a última que criou, em que empurra um deságio, etc. Joga a culpa no parlamento mas por trás do legislador está a vontade e o lobby do Governo Federal.
Comentário extraido de O Globo.
Prezada Jornalista,
Antes de classificar a atuação do INCRA na fazenda Mandaguari como absurda e se basear numa reportagem no mínimo tendenciosa, a senhora deveria ler um pouco as leis que regem a questão agrária tal como a lei 8629/93. Aliás tanto a senhora quanto a jornalista Marta Salomon. A tal fazenda foi desapropriada por não atender a dispositivos legais, senão vejamos. A citada lei traz em seu Art. 6º que propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. Sendo assim não basta manter a floresta em pé tem que fazê-la produzir ou averbar a reserva. Mas no MT quem se interessa manejar Sustentavelmente? A agricultura familiar eu respondo
Não havia exploração sustentável da floresta à época. Por que a área não foi transformada numa RPPN? Por que não houve averbação de reserva legal de 80% se o motivo era preservar? A lei permitia, só garantia um mínimo de 50%. Se a lei permitia averbar a reserva legal em 80%, criar uma RPPN, ou mesmo manejar a floresta e o proprietário não o fez, suponho que deveria ser pelo desejo de explorar de forma tradicional, ou seja, derrubando e botando boi no pasto para abanar rabo. E nesse caso a lei é clara, se quer explorar tem que atingir determinados graus de produtividade. E que fique bem claro: o manejo florestal é alternativa de exploração sustentável e conta como área produtiva.
Portanto, reafirmo que a área foi desapropriada pela falta de exploração, ou mesmo de averbação de área de proteção ambiental.
Informo ainda que o INCRA dispõe de modalidades de projetos ambientalmente sustentáveis que trabalham com práticas agrícolas de baixo impacto ambiental.
Mas confesso que para reportagens tendenciosas essas informações não valem de nada.
Fica o registro.
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