terça-feira, 28 de outubro de 2014

Raymundo Costa - Diálogo começa pelos governadores eleitos

• Dilma quer votar novo indexador da dívida até dezembro

- Valor Econômico

Da retórica à prática, a presidente Dilma Rousseff começou ontem mesmo a telefonar para os governadores eleitos com os quais deve tratar, no início do próximo ano, do compartilhamento da gestão de serviços públicos, especialmente segurança e saúde, conforme promessa de campanha.

Segundo o ministro Miguel Rossetto, um dos integrantes da coordenação da campanha da presidente à reeleição, "as eleições acabaram". Pode parecer óbvio, mas significa que a presidente deixou para trás o embate eleitoral e está disposta a iniciar o prometido diálogo, inclusive com adversários na disputa que acabou em 26 de outubro.

Diálogo com o Congresso, com o Judiciário, com os movimentos sociais e até com aqueles que mais reclamaram de seus ouvidos moucos, os empresários e o sistema financeiro. Não há previsão de uma conversa com Aécio Neves, o candidato derrotado do PSDB.

O discurso surpreendeu positivamente as alas mais moderadas do PT. Numa tradução livre, Dilma falou que entendeu o recado de mudança enviado pelas urnas, que lhe deram a menor vantagem já obtida por um presidente eleito do PT, e que vai mudar inclusive pessoalmente.

Mudança no governo, mudança pessoal e diálogo. Nos termos de seu slogan de campanha, o "Mais Mudanças"

De acordo com Rossetto, o fim das eleições determina também o fim dos alinhamentos automáticos, o que permite à presidente procurar os governadores eleitos, sejam quais forem seus partidos, sem nenhum constrangimento. "Ela está ligando para todos. No tempo adequado vai chamá-los para uma reunião".

O encontro deve ser feito mais à frente, pois os atuais governadores ainda têm quase dois meses de mandato a cumprir. Com estes Dilma deve tratar do projeto que muda o indexador da dívida dos Estados. A ideia é votá-lo até dezembro, antes do recesso de fim de ano do Congresso

Rossetto, que deixou o Ministério do Desenvolvimento Agrário para se tornar uma espécie de sombra da presidente, durante a campanha eleitoral, conta que a intenção de Dilma é "qualificar a relação federativa". De imediato ela deve tratar com os governadores da emenda constitucional que enviará ao Congresso tratando da gestão compartilhada da segurança pública.

Atualmente a segurança pública é uma atribuição constitucional dos Estados. União e Estados costumam se recriminar mutuamente, sobretudo nos períodos eleitorais, pela crise no setor. O fato é que o crime não tem fronteiras estaduais nem internacionais e o modelo brasileiro para tratar da segurança é obsoleto, para dizer o mínimo. Há um consenso de que precisa mudar.

Com os governadores a presidente deve tratar também do compartilhamento da gestão da saúde. O modelo deve sair da discussão da União com os Estados. A reforma que já tem as bases assentadas é a reforma política. O desenho é o projeto que a presidente propôs como resposta às manifestações de junho de 2013.

À época o projeto não foi bem recebido pelo Congresso, mas o ministro Miguel Rossetto deixa entrever que há um largo espaço para a negociação. Não só com os partidos e o Congresso. A presidente Dilma também pretende ouvir as iniciativas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB.

"O básico, para o governo, é acabar com o financiamento empresarial que produz campanhas extremamente caras", diz o ministro. Em sua opinião, "há um consenso de que o atual modelo se esgotou. É uma fonte de corrupção e produz uma relação ruim das empresas com a estrutura pública. Essa é a base da cultura da corrupção".

O financiamento empresarial parece com os dias contados no Supremo Tribunal Federal (STF), onde seis ministros já votaram por sua extinção. Mas pode voltar, mesmo depois de uma decisão do Judiciário, por meio de uma legislação congressual. É nesse terreno que o governo deve se movimentar para viabilizar o financiamento público.

"A democracia não pode ser vista como investimento econômico no país", insiste Miguel Rossetto.

O ministro considerou a eleição "difícil, polarizada e politizada" talvez como nenhuma outra desde a redemocratização. "Que eleição discutiu a independência do Banco Central, juros, inflação, superávit primário, emprego e renda, violência contra mulher, bancos públicos e programas sociais como esta"? Segundo o ministro, "a campanha repassou todos os temas da agenda nacional, o que a distingue das outras, e dela saiu uma agenda de reformas e mudanças".

Apesar da estreita diferença de votos em relação à oposição, o ministro Rossetto diz que a presidente da República "sai fortalecida para chamar o diálogo com os movimentos sociais, o Congresso, o Judiciário para negociar uma agenda eleita. Isso o processo eleitoral teve". Nessa agenda, evidentemente, está o tema da "corrupção e eficiência da máquina administrativa".

Pelo que fala Rossetto, o projeto de regulação da mídia pode caminhar num segundo governo Dilma, mas com cautela e sem ferir a liberdade de expressão. O ministro usa palavras duras contra a revista 'Veja', que às vésperas da eleição publicou reportagem sobre o suposto aval de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um esquema de cobrança de propina na Petrobras.

"Todos devem avaliar seu desempenho, todas as estruturas, buscando aperfeiçoar", diz. "Há um fato grave produzido pela editora para manipular a decisão dos eleitores. O TSE considerou ilegal. As decisões foram desconsideradas. A utilização de meios de comunicação social para burlar e fazer campanha é um fato que preocupa e precisamos compreender o que aconteceu, a dimensão dessa 'Operação Abril'. É inaceitável no regime democrático. É um tema que deve ser avaliado", afirma Rossetto.

Para o ministro, a eventual lei dos meios de comunicação tem de levar em conta dois marcos. O primeiro é "a liberdade de expressão e restrição a qualquer tipo de censura à imprensa". O segundo "é o direito à informação democrática e plural fora de um regime de monopólio da imprensa - entre esses dois modelos há uma espaço para discussão", arremata o ministro. Com Rossetto só não há diálogo sobre o que será no futuro governo. Está cotado para a Secretaria Geral da Presidência da República. Mas sobre isso o ministro não fala. Nada.

José Roberto de Toledo - Pela volta do fusível

- O Estado de S. Paulo

O 3.º turno começou, e não tem nada a ver com doleiros e diretores da Petrobrás. Por enquanto, é entre Aloizio Mercadante e Luiz Carlos Trabuco. Não é uma disputa de fato, é só o jeito que o mercado financeiro preferiu para simbolizar a escolha da nova equipe econômica de Dilma Rousseff (PT). A hipotética polarização entre o ministro-chefe da Casa Civil e o presidente do Bradesco pela vaga de Guido Mantega é o novo 26 de outubro.

É uma disputa muito improvável, mas embute uma ideia importante e que poderia fazer muita diferença na tranquilidade da presidente e do País. A adoção de um fusível econômico.
Ao longo do primeiro mandato, sobrou pressão, dentro e fora do governo, de dentro e fora do Brasil, para Dilma demitir Mantega. Afora o fato de a presidente traduzir cada uma dessas pressões como um motivo a menos para demitir seu subordinado, havia uma razão mais importante para que isso não acontecesse, como explica o professor Delfim Netto: "Pra quê? Pra nada."

Dilma era a inspiradora, fiadora e - dirão alguns - a autora das medidas econômicas mais fundamentais da gestão Mantega, como segurar o preço da gasolina e diminuir os juros na raça. Logo, demiti-lo só teria algum efeito prático se, junto com o ato de demissão do ministro de direito, Dilma assinasse também uma carta renunciando ao cargo de ministro da Fazenda de fato. E esse foi, talvez, o principal problema político de sua gestão.

Até Fernando Henrique Cardoso assumir a Fazenda, lançar o Plano Real e controlar a inflação, o cargo sempre serviu como fusível para o presidente da República. Mesmo Itamar Franco só transferiu FHC do Itamaraty para a Fazenda por falta de opção. Já tinha trocado três fusíveis queimados, sem sucesso.

Com José Sarney e Fernando Collor já havia sido assim, uma sucessão de nomeações e demissões à medida que novos planos econômicos eram lançados e fracassavam. Foram 13 ministros da Fazenda durante a ditadura (contando os interinos); quatro durante o governo Sarney; dois durante o governo de Collor, o breve; seis durante o governo Itamar.

O tira e põe ministro da Fazenda só terminou quando Fernando Henrique virou presidente. Ele assumiu com Pedro Malan, em 1.º de janeiro de 1995, e foi com ele até o fim do segundo mandato, em 31 de dezembro de 2002. Foram oito anos de mandarinato econômico malanês que tiveram o mérito de dar estabilidade à sempre turbulenta economia brasileira.

Luiz Inácio Lula da Silva percebeu as vantagens que isso implicava e segurou o quanto pôde Antonio Palocci na Fazenda. Só sacou-o quando não deu mais, por causa do escândalo do caseiro. Colocou Mantega na Fazenda em 27 de março de 2006, e deixou-o lá até entregar as chaves do Palácio do Planalto a Dilma. A presidente manteve Mantega por mais quatro anos.

No total, terão sido quase nove anos de Mantega como ministro da Fazenda. É o mais longo período contínuo de uma pessoa no cargo. Durante a maior parte do tempo, Mantega contribuiu para manter o clima de estabilidade econômica. Mas quando os indicadores começaram a piorar e as políticas foram mantidas, a impossibilidade de tirar o ministro produziu o efeito oposto ao de um fusível. Virou ligação direta entre crise e presidente.

A única maneira de isolar a presidente das altas e baixas do PIB e das taxas de inflação e, assim, preservá-la dos choques econômicos é dar autonomia ao novo ministro da Fazenda, seja ele quem for. Para funcionar como fusível, o sucessor de Mantega precisará de liberdade para fazer o que acha mais adequado. Só assim poderá ser responsabilizado pelas consequências de suas decisões e, eventualmente, substituído. Caso contrário, Dilma continuará sendo o para-raios da economia.

Assim, o papel do novo ministro é mais importante do que seu nome. E isso só ficará claro no decorrer do segundo mandato.

Luiz Carlos Azedo - O enigma da Fazenda

• A escolha do novo ministro tornou-se fundamental para uma mudança nas relações entre o governo e a própria presidente da República com os setores produtivos do país

- Correio Braziliense

Os mercados reagiram negativamente à eleição da presidente Dilma Rousseff (PT), com a Bolsa de São Paulo despencando, principalmente por causa da queda das ações da Petrobras e de outras estatais. Estava escrito nas estrelas que isso ocorreria. Dilma, no discurso da vitória, não sinalizou claramente o que pretende na economia. E o ministro Guido Mantega, da Fazenda, não tem muito o que fazer, a não ser arrumar as gavetas e, melancolicamente, esperar o substituto. O problema é que ninguém sabe quem será esse cara.

Ontem, a bolsa de apostas quanto ao futuro do cargo estava agitada. Havia nomes para todos os gostos, desde o do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, ao do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que vinha sendo o porta-voz de Dilma durante a campanha nos temas econômicos. Especulava-se também com os nomes do ex-presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles e do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que seriam supostamente os favoritos do ex-presidente Lula. Outros nomes cotados são os do ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa; do presidente do BNDES, Luciano Coutinho; e do empresário Josué Gomes da Silva, da Coteminas.

Apesar de muito radicalizada, a campanha eleitoral produziu alguns consensos entre Dilma e a oposição: as conquistas sociais precisam ser mantidas, a corrupção na administração pública deve ser contida, é preciso reduzir a inflação e voltar a crescer, a educação precisa de um salto de qualidade, urge um basta à violência, as questões ambientais, climáticas e energéticas devem ser consideradas mais seriamente, vide o problema da seca no Sudeste, principalmente em São Paulo. O problema é que os recursos públicos para isso são limitados e as mágicas contábeis do secretário do Tesouro, Arno Augustin, não resolvem isso.

Sendo assim, a escolha do novo ministro da Fazenda tornou-se fundamental para uma mudança nas relações entre o governo e a própria presidente da República com os setores produtivos do país. Haveria dois caminhos a seguir: o predomínio de uma política econômica centrada no “mais do mesmo” — câmbio flutuante, meta de inflação e superavit fiscal — ou os experimentos da “economia política”, com manutenção da rota intervencionista no mercado adotada no primeiro mandato. A retórica da campanha eleitoral foi uma afirmação da segunda opção, mas o resultado apertado sugere ao governo ir mais devagar com o andor e trilhar a segunda.

O plebiscito
Um fator político pode ser complicador para o governo no Congresso: a tese de um plebiscito para fazer a reforma política. Há muitas restrições a esse tipo de solução entre os constitucionalistas — a começar pelo vice-presidente, Michel Temer (PMDB). O PT tentou várias vezes aprovar propostas como o voto em lista e o financiamento público de campanha, mas não conseguiu convencer os próprios aliados de que essa seria a melhor alternativa. A proposta do plebiscito surgiu durante as manifestações de junho do ano passado, no bojo de várias articulações do Palácio do Planalto com lideranças dos jovens que participaram dos protestos. Eleitoralmente, foi uma estratégia bem-sucedida, principalmente no segundo turno, quando esses líderes declararam apoio à reeleição de Dilma.

Ocorre, porém, que a representação desses setores no Congresso é irrisória, mesmo se considerando a taxa de renovação de 39%. Dos 513 deputados federais, 290 são políticos reeleitos e 25 deputados estão voltando à Casa. Entre os 138 novos deputados, a maioria é formada por políticos tradicionais (ex-prefeitos e ex-deputados estaduais), e alguns novatos são herdeiros de velhos clãs políticos. Não será fácil para Dilma articular a base do governo para fazer a reforma. E o tema do plebiscito não unifica os partidos aliados.

Mesmo que a presidente Dilma não goste disso, o país saiu das urnas dividido. A derrota de Aécio Neves (PSDB), em termos de votação, é autoexplicativa: a votação imprevista em Minas Gerais. O estado é um mosaico da realidade econômica e social do país. A vitória de Dilma em Minas desequilibrou a balança. Mas, independentemente disso, o político mineiro é agora um líder nacional, ao lado de outros oposicionistas, como José Serra, Geraldo Alckmin e Marina Silva. Durante o segundo turno, essas lideranças caminharam juntas. Construíram uma agenda comum que pautará atuação da oposição, e Dilma deveria levar isso em conta.

José Casado - Descida rápida

- O Globo

A vida real insiste em bater à porta de Dilma Rousseff. Em sua mesa, no domingo da reeleição, acumulavam-se informes e relatórios recentes sobre as aflições governamentais provocadas pela seca, inflação, recessão e evidências de fragilidades no sistema financeiro.

Não haverá "pacote", expressão há muito banida do léxico governamental. Vêm aí "ações localizadas, em especial na economia" - ela anunciou na noite de domingo, ao celebrar a vitória, seguindo sugestão da equipe de propaganda. Arrematou: "Antes mesmo do início do meu próximo governo."

Por trás dessa dezena de palavras está um governo atormentado pelos efeitos da seca na maior parte do Brasil. Na sexta-feira, por exemplo, chegou ao Palácio do Planalto a previsão de estoque de água durante esta semana nos reservatórios das hidrelétricas. No Sudeste e Centro-Oeste, 18%, nas usinas do Nordeste, 15%.

Pela régua do Operador Nacional do Sistema Elétrico, a situação hoje seria mais grave do que aquela de 2001, no governo Fernando Henrique, quando o armazenamento nas usinas era de 21% e o consumo precisou ser racionado.

A crise no abastecimento de energia só não aconteceu neste ano eleitoral porque a indústria, maior consumidora, está em recessão há 12 meses. "Vamos dar mais impulso à atividade econômica em todos os setores, em especial no setor industrial", prometeu Dilma, no discurso.

Desta vez, não haverá "racionamento" - outra palavra banida do vocabulário oficial. Vem aí uma "racionalização" do consumo, se Dilma decidir agir e, nesse caso, adotar a proposta vocabular do serviço de propaganda pós-eleitoral.

Em qualquer hipótese, as contas domésticas de luz devem atravessar 2015 sob bandeira vermelha, código de aviso ao consumidor sobre como a coisa está feia no sistema gerador. Por causa dos desequilíbrios, naturais ou governamentais, ele deverá pagar uma taxa extra.

Os efeitos da seca se espraiam pelo sistema de preços de uma economia estagnada. A saída com anabolizantes no consumo já não existe, porque esgotou-se a capacidade de endividamento familiar. O crédito deixou de fluir na praça, apesar das ações emergenciais do Banco Central, que atravessou os últimos quatro meses da campanha eleitoral liberando R$ 17 bilhões mensais aos bancos.

O alto custo do dinheiro, em tempos de inflação crescente e taxa de câmbio incerta, gelou o ritmo de negócios. Os maiores bancos ampliaram as restrições ao crédito de grandes clientes. Principalmente, daqueles que fornecem à Petrobras e têm sido obrigados, na melhor das hipóteses, a renegociar valores de contratos arguidos nas múltiplas investigações sobre as traficâncias na empresa estatal.

Culpar o sistema financeiro pode ser útil à retórica, mas é inócuo. Como dizia o industrial Antonio Ermírio de Moraes, guarda-chuva de banco só abre quando faz sol. Além disso, uma em cada cinco das 100 maiores casas bancárias brasileiras fechou o balanço dos primeiros nove meses com exuberantes prejuízos - um pedaço teve origem em dívidas não pagas de fornecedores da Petrobras envolvidos nos escândalos petro-partidários.

Dilma Rousseff será obrigada a descer do palanque bem mais rápido do que previa.

Rubens Barbosa - O dia seguinte

- O Estado de S. Paulo

Na disputa entre dois modelos distintos de governo, a maioria mais apertada desde 1945 optou pelo do PT. O governo vai ter de cumprir os principais compromissos assumidos pela presidente reeleita, como medidas para estabilizar a economia, ajustes na política econômica para reduzir a inflação, volta do crescimento para manter o nível de emprego e reforma política para permitir o avanço das mudanças de que tanto o país necessita. Por outro lado, espera-se o prometido combate à corrupção e o restabelecimento dos princípios éticos com a punição dos culpados pelo assalto aos cofres públicos que tanto prejuízo causaram à maior e mais prestigiosa empresa brasileira.

As oposições que saem derrotadas têm de se reinventar e atuar de forma diferente da dos últimos 12 anos para melhor defenderem o modelo e as políticas que expuseram na campanha, e cobrarem resultados do governo nas áreas política, econômica e social.

O ardor da disputa eleitoral em diversos momentos fez com que o país emergisse, depois da eleição, dividido eleitoralmente entre Norte/Nordeste e Sul/Sudeste, e socialmente, entre pobres e ricos, povo e elite, entre "nós e eles".

A insistência na divisão, tão explorada pelo PT para manter-se no poder, é uma receita perigosa para a preservação da democracia e da tranquilidade no país.

Se a tática de divisão entre "nós e eles" continuar, a radicalização política e o enfrentamento derivado das opções que serão adotadas vão gerar uma situação de conflito que não deveria interessar a ninguém.

Desde o início do novo governo PT, teremos de estabelecer pontes e canais de comunicação para evitar que a radicalização e a polarização dos últimos meses da campanha eleitoral se mantenham fracionando nossa sociedade.

Algumas das políticas e medidas prometidas pela então candidata, agora presidente reeleita, têm um grande potencial de gerar o aprofundamento das divisões internas: o plebiscito para a reforma política, o controle social da mídia, o controle econômico das empresas de comunicação, a revisão da Lei de Anistia, a criação da política nacional de representação social, para mencionar apenas algumas. Caso o governo reconduzido queira aplicá-las, haverá, sem dúvida, o aprofundamento da divisão interna e um novo inevitável choque de consequências imprevisíveis para a democracia e a estabilidade do país.

Embora o discurso da presidente Dilma após o anúncio oficial dos resultados no domingo tenha conclamado "todos os brasileiros e todas as brasileiras sem exceção" para a união e o diálogo, não houve um gesto em relação à oposição, nem qualquer referência, como de praxe, ao seu opositor que a havia cumprimentado pouco antes. O grande desafio que o país vai enfrentar nos próximos meses será como estabelecer as referidas pontes para evitar a radicalização e procurar deixar as diferenças de lado. Não será tarefa fácil.

Governo e oposição têm responsabilidade compartilhada para evitar que a divisão se agrave, se aprofunde e leve a uma crise institucional.

Míriam Leitão - A hora dos sinais

- O Globo

Há uma lista de tarefas a fazer para melhorar o clima econômico desde já e abreviar o tempo da incerteza que tem feito muito mal à economia brasileira. O governo precisa anunciar nomes da composição da equipe econômica, nova diretriz e correções de rumo. Ninguém, evidentemente, votou pela continuidade da estagnação com inflação, mas com esperança de que isso possa ser mudado.

A ação da Petrobras despencou ontem por razões óbvias. A empresa está enfrentando ataques em dois flancos: de um lado, uma política de preços que a levou a ficar descapitalizada e com alto endividamento; de outro, um escândalo de proporções oceânicas. As denúncias feitas pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef mostram, além dos crimes em si, um gravíssimo problema de governança e de perda de rentabilidade. Se em cada negócio, cada lote de tubos e conexões, cada refinaria, cada importação, fretamento de navio, havia sobrepreço para pagar o "comissionamento aos agentes políticos" - como Youssef relatou -, tudo fica mais caro. Em alguns casos, como se viu, os preços são proibitivos. A Petrobras perde competitividade em relação às outras empresas do mundo no setor. Por melhor que seja a companhia, ela fica sob suspeição dos investidores se seu acionista controlador não demonstrar que sabe como tirá-la do fundo do poço.

O mercado acionário tem um comportamento conhecido. Com o preço da ação ficando muito baixo, aparecerão compradores e ela vai subir. Mas eles carregarão os papéis até o ponto de venda e a ação cairá de novo. É preciso restabelecer a confiança na governança da companhia. A ação da empresa ontem bateu em R$ 14,2. A maior cotação do ano havia sido R$ 24,9, em setembro, quando saiu a pesquisa com Marina Silva à frente. Houve altas que acompanharam as subidas de Aécio Neves. Em 2008, o papel valia R$ 41,2.

Em moeda local, a Petrobras já chegou ao valor de R$ 510 bilhões e hoje vale R$ 181 bilhões. Os grandes que entraram e saíram, vendendo na alta e comprando na baixa, lucraram com a desdita da companhia. Mas o pequeno ficou segurando a ação na mão.

A comparação com seus pares globais dá uma tristeza enorme. A Ecopetrol, estatal colombiana, que tem reservas bem menores - de 1,9 bilhão de barris contra 16,6 bilhões da brasileira - valia ontem US$ 57 bi, enquanto o valor da brasileira era US$ 72,8 bilhões. De acordo com o levantamento da corretora Mirae, a Exxon vale US$ 399 bilhões; a Shell, US$ 277 bilhões; a Chevron, US$ 218 bilhões. Qualquer que seja a medida, a maior empresa brasileira, cuja ação mergulhou ontem de novo, está com valor muito abaixo do que deveria.

Em relação à economia em geral, há uma queda generalizada dos índices de confiança do empresário. Eles vêm caindo há muito tempo. É preciso atuar nesse ponto. Se o governo der horizonte para as empresas - e não apenas um novo pacote de benefícios localizados e temporários - a confiança pode começar a ser restabelecida, aumentando a chance de mais investimento. O problema é que os sinais são de mais um pacotezinho de ajuda a empresário. Ontem, alguns estavam sendo chamados a Brasília.

Há uma chance de o segundo mandato ser melhor do que o primeiro na economia, até porque a base de comparação será baixa. O crescimento médio anual não deve superar 1,6% no primeiro mandato de Dilma. E a inflação ficou o tempo todo roçando o teto da meta. Mas essa melhora não virá por inércia. Terá que ser construída e quanto mais cedo o governo agir, melhor.

O Tesouro terá que pedir ao Congresso, nos próximos dias, para diminuir a meta fiscal porque não vai cumpri-la. Adianta pouco jogar palavras ao vento como se ainda se estivesse no palanque. Ninguém se convence com declarações como a do ministro Guido Mantega ontem de que a meta fiscal do ano que vem será maior do que a de 2014. Menor não poderia ser, porque hoje na prática nem superávit primário há nos oito meses terminados em agosto.

Com a força que recebeu das urnas, é hora de a presidente dizer como pretende fazer a economia sair da lamentável situação em que está. A demanda é por otimismo, mas é preciso que a presidente demonstre que se cercará de uma equipe capaz de corrigir os rumos e retomar o crescimento.

Carlos Matheus - A lentidão das mudanças

- O Estado de S. Paulo

A recente campanha eleitoral revelou uma contradição entre a forte expectativa de mudança de grande parte do eleitorado e a mesmice do resultado das urnas. Esse aparente paradoxo está presente em tudo o que sempre aconteceu no Brasil e, talvez, em todo o mundo. Na História do Brasil, mudanças sempre ocorreram lentamente. Depois que Cabral deixou as praias da Bahia, foram necessários quase 200 anos para os brasileiros descobrirem que eram brasileiros, e não mais portugueses.

Ao tomarmos consciência de nossa nacionalidade, tivemos de sofrer um século de perseguições violentas dos portugueses, passando por Felipe dos Santos até Tiradentes, para conseguirmos nossa tardia e tão sonhada independência. Independentes, nossos antepassados precisaram de quase um século para acabar com a escravidão no País. O tenentismo já proclamara o envelhecimento da Primeira República quando Vargas tomou o poder. E este também envelheceu tão rápido a ponto de implantar uma ditadura para permanecer mais longamente no poder.

Ao tomar posse em 1955, Juscelino tentou apressar a História com seu projeto de realizar "50 anos em 5" em seu governo, mas tudo ficou incompleto. Jânio, em 1960, teve a mesma pressa. Não suportou o ritmo e desistiu logo. A tentativa parlamentarista de colocar lentidão na vida política brasileira também malogrou e a pressa com que João Goulart pretendeu realizar suas chamadas "reformas de base" trouxe de volta a ditadura. E foram necessários mais 20 anos para os militares tomarem consciência do engano que cometeram.

Escreveu Hegel que as mudanças na História amadurecem com o amanhecer: antes do primeiro raio de sol surgem os sinais prematuros do dia que desponta no horizonte. Assim também tem sido na História do Brasil. A República já amanhecia enquanto a monarquia fazia sua festa na Ilha Fiscal e as ditaduras envelheciam enquanto o sentimento democrático germinava. A deposição de Vargas em 1945 foi como um fruto maduro ou um ocaso melancólico de um regime esgotado. A campanha pelas eleições diretas iniciada em 1984 também anunciava o mesmo esgotamento da ditadura militar.

A partir de 1985 os brasileiros tiveram de reinventar a democracia. Os que haviam lutado contra a ditadura foram chamados para construir o futuro, que começou a ser escrito por Ulysses Guimarães, com sua "Constituição cidadã". Ulysses foi preterido pela História e lançado ao mar, deixando em seu lugar Tancredo Neves, a quem a História também não deu lugar. Tempos de transição se seguiram, em busca de um regime mais bem ajustado à realidade brasileira.

Foram necessários mais dez anos para que o Brasil encontrasse um novo rumo em direção à democracia. Entre 1984 e 1994 os governantes foram sendo sucessivamente devorados pela inflação e pela improvisação política. Exemplos emblemáticos desse período foram o congelamento dos preços e a escolha apressada de um obscuro "caçador de marajás", dos quais só restaram a frustração e o aprendizado. Novo, nesse período, foi o aparecimento do PT. Seu líder, Lula, perdeu por muito pouco a eleição de 1989. Perdeu, mas saiu vitorioso: uma vitória em que nem mesmo ele acreditou. Precisou perder mais duas outras eleições para descobrir que representara o novo em 89.

A lentidão das mudanças prosseguiu a partir de 1995. O governo de FHC, com o combustível da estabilidade da moeda, permaneceu oito anos no poder graças ao artifício da mudança constitucional, mas também envelheceu. Os brasileiros demoraram para notar que a inflação permanecia e recorreram ao que já fora novo nos tempos de Collor. Acreditando já ser possível "viver sem medo de ser feliz", aderiram à bandeira do PT. Certo deslumbramento nacional e até mundial envolveu a figura do operário que se tornara presidente da República, criando a falsa impressão de no Brasil haver grande mobilidade social. Estaria ele preparado para governar?

Claro que não, mas isso pouco importava, já que seu partido assumiria a tarefa. Muita improvisação e alguns êxitos levaram o PT a permanecer no poder oito anos com Lula e, agora, mais oito com Dilma. Os sinais de mudança que despontaram em 2013 anunciaram o envelhecimento do que já fora novo. A eleição de 2014 revela o confronto entre o que envelheceu sob a figura de quem venceu em contraste com o novo que se busca na imagem de quem perdeu.

Há algo de inegável sob a lógica dos dados: Aécio Neves sai vitorioso pelo fato de representar o novo e Dilma Rousseff sai derrotada porque representa o que envelheceu.

No Brasil, tudo o que é novo cresce do Sul para o Norte ou do Sudeste para o Nordeste. Assim foram as revoluções do período colonial, assim começou a rebeldia de Vargas contra a Primeira República e assim cresceu o antigo MDB contra a Arena durante o período militar. E assim também cresceu o PT, expulsando o PMDB para o Norte e o Nordeste. As eleições de 2014 mostraram o mesmo processo. Não foi o PSDB que cresceu: foi o novo que empurrou o PT para o mesmo Nordeste onde o PMDB desfalece e onde a resistência à República havia gerado a rebelião de Canudos.

O Brasil é um país espacialmente extenso e temporalmente lento. A distância que separa suas elites intelectuais do semialfabetismo popular é colossal. É necessária uma grande revolução educacional que reduza no tempo o que atualmente a internet consegue reduzir no espaço para que o País possa ajustar-se ao ritmo das mudanças que ocorrem no mundo.

Essa distância no tempo está presente sob a herança de Tancredo Neves: tendo sido o primeiro dos primeiros-ministros antes da ditadura militar e, depois desta, o primeiro presidente eleito, parece herdar seu nome quem traz consigo a tarefa de ser o porta-voz das mudanças que os brasileiros do Sul pretendem oferecer aos do Norte.

*Carlos Matheus foi diretor do Instituto Gallup e professor titular de Ética e Filosofia Política da PUC-SP.

Arnaldo Jabor - Burrice e ignorância

- O Globo / Segundo Caderno

A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma força da natureza (Nelson Rodrigues).

A ignorância quer aprender. A burrice acha que já sabe. A burrice, antes de tudo, é uma couraça. A burrice é um mecanismo de defesa. O burro detesta a dúvida e se fecha.

O ignorante se abre e o burro esperto aproveita. A ignorância do povo brasileiro foi planejada desde a colônia. Até o século XIX era proibido publicar livros sem licença da Igreja ou do governo. A burrice tem avançado muito; a burrice ganhou status de sabedoria, porque com o mundo muito complexo, os burros anseiam por um simplismo salvador. Os grandes burros têm uma confiança em si que os ignorantes não têm. Os ignorantes, coitados, são trêmulos, nervosos, humildemente obedecem a ordens, porque pensam que são burros, mas não são; se bem que os burros de carteirinha estimulam esse complexo de inferioridade.

A ignorância é muito lucrativa para os burros poderosos. Os burros são potentes, militantes, têm fé em si mesmos e têm a ousadia que os inteligentes não têm. Na percentagem de cérebros, eles têm uma grande parcela na liderança do país. No caso da política, a ignorância forma um contingente imenso de eleitores, e sua ignorância é cultivada como flores preciosas pelos donos do poder. Quanto mais ignorantes melhor. Já pensaram se a ignorância diminuísse, se os ignorantes fossem educados? Que fariam os senhores feudais do Nordeste em cidades tomadas como Murici ou o município rebatizado de cidade Edson Lobão, antiga Ribeirinha? A ignorância do povo é um tesouro; lá, são recrutados os utilíssimos "laranjas" para a boa circulação das verbas tiradas dos fundos de pensão e empresas públicas.

Como é o "design" da burrice? A burrice é o bloqueio de qualquer dúvida de fora para dentro, é uma escuridão interna desejada, é o ódio a qualquer diferença, a qualquer luz que possa clarear a deliciosa sombra onde vivem. O burro é sempre igual a si mesmo, a burrice é eterna como a Pedra da Gávea (NR). De certa forma eu invejo os burros. Como é seu mundo? Seu mundo é doce e uno, é uma coisa só. O burro sofre menos, encastela-se numa só ideia e fica ali, no conforto, feliz com suas certezas. O burro é mais feliz.

A burrice não é democrática, porque a democracia tem vozes divergentes, instila dúvidas e o burro não tem ouvidos. O verdadeiro burro é surdo. E autoritário: quer enfiar burrices à força na cabeça dos ignorantes. O sujeito pode ser culto e burro. Quantos filósofos sabem tudo de Hegel ou Espinoza e são bestas quadradas? Seu mundo tem três ou quatro verdades que ele chupa como picolés. O burro dorme bem e não tem inveja do inteligente, porque ele "é" o inteligente.

Mesmo inconscientemente, aqui e lá fora, a sociedade está faminta de algum tipo de autoritarismo. A democracia é mais lenta que regimes autoritários. Sente-se um vazio com a democracia - ela decepciona um pouco as massas. Assim, apelos populistas, a invenção de "inimigos" do povo, divisão entre "bons" e "maus" surtem efeito. Surge, na política, a restauração alegre da burrice. Isso é internacional. Bush se orgulhava de sua burrice. Uma vez ele disse em Yale: "Eu sou a prova de que os maus estudantes podem ser presidentes dos USA". E, aí, invadiu o Iraque e escangalhou o Ocidente. E está impune, quando deveria estar em cana perpétua. Aqui, também assistimos à vitória da testa curta, o triunfo das toupeiras.

O bom asno é sempre bem-vindo, enquanto o "pernóstico" inteligente é olhado de esguelha. A burrice organiza o mundo: princípio, meio e fim. A burrice dá mais ibope, é mais fácil de entender. A burrice dá mais dinheiro; é mais "comercial".

Em nossa cultura, achamos que há algo de sagrado na ignorância dos pobres, uma "sabedoria" que pode desmascarar a mentira "inteligente" do mundo. Só os pobres de espírito verão a Deus, reza nossa tradição. Existe na base do populismo brasileiro uma crença lusitana, contrarreformista, de que a pobreza é a moradia da verdade.

No Brasil, há uma grande fome de "regressismo," de voltar para a "taba" ou para o casebre com farinha, paçoca e violinha. E daí viria a solidariedade, a paz, num doce rebanho político que deteria a marcha das coisas do mundo, do mercado voraz, das pestes e, claro, dos "canalhas" neoliberais. É a utopia de cabeça para baixo, o culto populista da marcha à ré.

Nosso grande crítico literário Agripino Grieco tinha frases perfeitas sobre os burros. "A burrice é contagiosa; o talento não" ou "Para os burros, o "etc" é uma comodidade..." ou "Ele não tem ouvidos, tem orelhas e dava a impressão de tornar inteligente todos os que se avizinhavam dele", "Passou a vida correndo atrás de uma ideia, mas não conseguiu alcançá-la", "Ele é mais mentiroso que elogio de epitáfio", "No dia em que ele tiver uma ideia, morrerá de apoplexia fulminante".

Vi na TV um daqueles bispos de Jesus, de terno e gravata, clamando para uma multidão de fiéis: "Não tenham pensamentos livres; o Diabo é que os inventa!". Entendi que a liberdade é uma tortura para desamparados. Inteligência é chata; traz angústia, com seus labirintos. Inteligência nos desorganiza; burrice consola. A burrice é a ignorância ativa, é a ignorância com fome de sentido.

Nosso futuro será pautado pelos burros espertos, manipulando os pobres ignorantes. Nosso futuro está sendo determinado pelos burros da elite intelectual numa fervorosa aliança com os analfabetos.

Como disse acima, a liberdade é chata, dá angústia. A burrice tem a "vantagem" de "explicar" o mundo.

O diabo é que a burrice no poder chama-se "fascismo".

Paulinho da Viola - Bebadosamba

Ferreira Gullar - Poema Sujo

turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos

menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia

(Trecho de “Poema Sujo”, de Ferreira Gullar)

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Opinião do dia – Aécio Neves

Minha primeira palavra é de profundo agradecimento a todos os brasileiros que participaram desta festa da democracia.

Agradecimento especial aos mais de 50 milhões de brasileiros que apontaram o caminho da mudança. Serei eternamente grato a cada um de vocês, que me permitiram voltar a sonhar e a acreditar na construção de um novo projeto. As cenas que vivi ao longo destes últimos meses jamais sairão da minha mente e do meu coração.

Mais vivo do que nunca, mais sonhador do que nunca, eu deixo esta campanha, ao final, com sentimento de que cumprimos o nosso papel. E repito, para encerrar, mais uma vez, São Paulo, que é o que retrata para mim de forma mais clara o sentimento que tenho hoje na minha alma e no meu coração. "Combati o bom combate, cumpri minha missão e guardei a fé". Muito obrigado a todos os brasileiros.

Aécio Neves, senador (MG) e candidato derrotado a presidente da República, em pronunciamento conhecido o resultado das eleições de 26 de outubro de 2014.

Reeleita, Dilma prega união e reforma política

• Dilma é reeleita no pleito mais disputado da história do país e assume compromisso de dialogar com a oposição

Chico Otavio – O Globo

Com uma diferença de apenas 3,3 pontos percentuais, a presidente Dilma Rouseff (PT) foi reeleita ontem e enfrentará um país rachado em seu segundo mandato. Na mais disputada eleição presidencial da história do país, ela ganhou mais quatro anos de mandado com 51,64% dos votos (54,5 milhões de eleitores) contra 48,36% (51 milhões) dados a Aécio Neves. No primeiro pronunciamento após a vitória, fez um apelo à união e ao entendimento, afirmando não acreditar que o país esteja dividido. A presidente assumiu como primeiro compromisso do segundo mandato o diálogo com a oposição:

- Conclamo brasileiros e brasileiras a nos unir em favor do futuro da pátria, do país e do nosso povo. Não acredito que essas eleições tenham dividido o país ao meio. Entendo, sim, que mobilizaram ideias e emoções às vezes contraditórias, mas movidas pela busca de um sentimento comum: um futuro melhor para o país. Em lugar de ampliar divergências e criar um fosso, tenho forte esperança de que a energia mobilizadora tenha preparado um bom terreno para construção de pontes.

Agressividade igual só em 1989
Desde 1989, quando Fernando Collor venceu Lula com uma diferença 4,9 pontos percentuais no segundo turno, o país não via uma eleição tão agressiva, marcada pelo intenso tiroteio verbal entre os dois candidatos. Além dos ataques ostensivos de ambas as partes, a disputa também foi marcada pela guerra subterrânea e apócrifa nas redes sociais. Dilma, agora, quer juntar os cacos:

- O calor da disputa deve ser transformado agora em energia construtiva de um novo momento para o país. Com a força este sentimento mobilizador, é possível encontrar pontos em comum e construir uma boa base de entendimento para fazer o país avançar. Algumas vezes, na história, resultados apertados produziram resultados mais fortes e mais rápidos do que vitórias muito amplas. É essa a nossa esperança.

Foi a terceira vez consecutiva que os brasileiros reelegeram um presidente. E a quarta vitória do PT, que completará 16 anos no poder. Dilma venceu em 15 estados, principalmente no Norte e Nordeste, enquanto Aécio bateu a petista em 12, concentrados no Sul e Centro-Oeste. O Sudeste rachou. São Paulo e Espírito Santo deram vitória ao tucano, enquanto Minas e Rio de Janeiro optaram pela petista. A maior diferença entre os dois foi registrada no Maranhão: 78,75% para Dilma e 21,25% para Aécio.

Um país com baixo crescimento e inflação em alta espera respostas urgentes do futuro governo. Pelas projeções do mercado financeiro, o Brasil só avançará 0,27% este ano e, no ano que vem, as estimativas não ultrapassam 1%. A inflação é outro nó: preços estão subindo no topo estipulado pelo governo. Em setembro, Dilma avisou que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não fica. Outras mudanças são aguardadas. "Governo novo, equipe nova", garantiu a presidente durante a campanha.

Outro desafio urgente será enfrentar a seca histórica nos rios e represas que formam o Sistema Cantareira (SP). Se as chuvas abundantes do verão não vieram, a crise será desastrosa, obrigando o rodízio no abastecimento.

Dilma fez a campanha da desconstrução, misturando o discurso técnico - comparação de números - com a virulência. No primeiro turno, ameaçada por Marina Silva, acusou a adversária do PSB de incoerência ao trocar de partido três vezes e a mudar constantemente de posição. No segundo, a artilharia da presidente voltou-se principalmente para o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), acusou os tucanos de preconceito com os pobres, e no desempenho de Aécio em Minas no primeiro turno, quando o candidato foi derrotado pelo PT na própria casa.

Leis mais rigorosas contra caixa dois
Aécio tentou empurrá-la para a lona com a munição produzida pelos depoimentos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, os deladores do esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava-a-Jato. Para reduzir os danos, ela prometeu aprovar leis mais rigorosas, como o projeto que pune os agentes públicos que enriquecem sem justificativa e o que transforme em crime a prática de caixa dois.

Para governar, Dilma terá de negociar com um Congresso que terá no senador Aécio Neves a principal referência da oposição. Na Câmara, tomarão assento 28 partidos, a maior parcela constituída de siglas médias e pequenas. PT e PMDB continuam com as maiores bancadas no Congresso Nacional, mas perderam algumas cadeiras. Em pauta, projetos importantes como a reforma política, apontada pela candidata vitoriosa como prioridade.

Aécio disse que telefonou para Dilma, para cumprimentá-la pela vitória.

- E ressaltei à presidente que a maior de suas prioridades deve ser unir o Brasil em torno de um projeto honrado e que dignifique a todos os brasileiros. Mais vivo do que nunca, mais sonhador do que nunca, deixo essa campanha com sentimento de que cumprimos nosso papel - afirmou o tucano.

O resultado de ontem, com a vitória decidida no fio do bigode, é o última de uma sucessão de emoções que o país tem vivido desde de junho do ano passado, quando o Movimento Passe Livre (MPL) convocou um protesto em São Paulo contra o aumento nas tarifas do transporte público municipal que incendiou as ruas do país. Nestes 16 meses, os brasileiros se assustaram com os black blocs, envergonharam-se com a derrota da seleção para a Alemanha por 7 a 1 e se chocaram com a morte de Eduardo Campos em acidente aéreo no dia 13 de agosto.

Confirmado o resultado, Dilma iniciou o discurso da vitória citando o ex-presidente Lula, que estava a seu lado e participou ativamente da campanha petista no segundo turno. Porém, ao contrário de 2010, quando Lula a escolheu para disputar a sucessão e praticamente assumiu o comando da campanha, Dilma desta vez chamou para si o enfrentamento dos adversários. Ela quer provar que o "poste", como era chamada há quatro anos, tem agora luz própria.

Desafio é reverter o desânimo na economia

• Presidente prometeu resgatar confiança e implantar novo ciclo de desenvolvimento
 
Rafael Moraes Moura e Tânia Monteiro – O Estado de S. Paulo

Com a reeleição da presidente Dilma Rousseff, a ordem no Palácio do Planalto é tentar resgatar a confiança em torno da economia brasileira, promover um novo ciclo de desenvolvimento e aprofundar conquistas sociais. Ela terá pela frente, porém, um cenário de desacerto das contas públicas, dificuldade de relação com o Congresso Nacional e uma investigação que atinge partidos da base aliada e na qual seu próprio nome já foi citado, a Operação Lava Jato, que apura corrupção na Petrobrás, maior estatal do País.

Dilma pretende se concentrar na parte administrativa e afastar as suspeitas do Palácio do Planalto a partir da imposição de sua agenda. Ela quer dedicar o segundo mandato a implantar uma série de medidas anunciadas no horário eleitoral como “ideias novas”. A maioria delas, no entanto, são ideias repaginadas, que já haviam sido prometidas na primeira eleição de Dilma, foram anunciadas pelo próprio governo antes da campanha eleitoral, já estão em tramitação no Congresso ou se encontram em fase inicial de implantação.

O caso mais emblemático de “ideia nova” reciclada é a promessa de implantar uma reforma política no País, compromisso que já constava no programa de governo lançado na campanha de 2010. Essa bandeira foi retomada pelo Palácio do Planalto como resposta às manifestações de junho de 2013 e relançada nesta eleição, após a resistência do Congresso à convocação de um plebiscito sobre o tema. Para se blindar dos escândalos de corrupção, o PT e o governo têm batido na tecla de acabar com o financiamento empresarial de campanha.

Promessas. O “Banda Larga Para Todos” é outro compromisso repaginado que Dilma tentará implantar no segundo mandato. Em 2010, o programa de governo da petista já previa a “extensão da banda larga para todo o País”. A promessa, agora, de acordo com a campanha do PT, é promover uma parceria público-privada para levar fibra ótica a 90% dos municípios brasileiros, oferecendo financiamentos baratos ao setor privado.

Na área de educação, Dilma apresentou como “ideais novas” a ampliação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e a implantação de um eixo focado nos jovens aprendizes, medidas que já haviam sido anunciadas pelo próprio governo meses atrás. A reforma curricular do ensino médio, outro compromisso apresentado durante a campanha, está prevista em resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em maio de 2011. Desde 2009, o Ministério da Educação (MEC) conta com o programa Ensino Médio Inovador, que apoia o desenvolvimento de mudanças curriculares. Durante a campanha, Dilma falou em “dar estímulos ao professor”, mas o tema não foi aprofundado.

Impunidade. Em meio à sucessão de escândalos de corrupção envolvendo a Petrobrás, a presidente reeleita lançou durante a campanha um pacote com cinco iniciativas contra a impunidade, como modificar a Lei das Eleições e tornar crime a prática de caixa dois. Ao menos três delas correspondem, integral ou parcialmente, a propostas que já tramitam no Congresso.

Entre as ideais novas apresentadas pela candidata, estão a promessa de implantar o Mais Especialidades, que criará uma rede de clínicas e serviços especializados para o atendimento da população. A iniciativa dá prosseguimento aos esforços para melhorar a saúde pública no País, uma das áreas mais mal avaliadas do governo.

N a área da segurança, a petista ainda pretende criar centros de comando e controle em todas as capitais brasileiras, replicando a experiência nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo.

Mudanças em ministérios serão feitas a médio prazo

• Fazenda, Casa Civil, Comunicações e Minas e Energia são pastas com prováveis substituições, além do BNDES

Agora reeleita, a presidente Dilma Rousseff terá que se debruçar na montagem de seu novo ministério, mas interlocutores do governo dizem que ela ainda deve demorar um pouco para anunciar o seu novo time.

Especulações em torno dos nomes do ministro licenciado da Casa Civil, Aloizio Mercadante; do presidente do BNDES, Luciano Coutinho; do empresário Josué Gomes da Silva (Coteminas), e do economista Nelson Barbosa para substituir o ministro da Fazenda, Guido Mantega, circulam em Brasília.

A escolha de um ministro-empresário, porém, como Josué, é vista como uma aposta arriscada, já que à frente do Ministério da Fazenda ele teria acesso a informações privilegiadas de empresas concorrentes, além de ter sob sua responsabilidade medidas que poderiam beneficiar o seu ramo de negócios. O convite para Josué é mais provável para o Desenvolvimento.

Mercadante não está fora do jogo para assumir o ministério da Fazenda, mas também pode preferir permanecer na Casa Civil, mais próximo da presidente e com domínio sobre toda a Esplanada dos Ministérios.

Luciano Coutinho, embora também cotado para a Fazenda, tem chance de continuar no BNDES, mas com mudanças na diretoria para o segundo mandato. Paulo Rogério Caffarelli, secretário executivo do Ministério da Fazenda, é um dos mais cotados a ocupar a presidência do Banco do Brasil (BB) ou a do BNDES. Ele é o principal interlocutor com os bancos públicos e privados para os projetos de concessão de infraestrutura.

O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, tem chances de ficar no cargo com a reeleição de Dilma, pelo menos nos primeiros meses de 2015, fazendo a transição da gestão da política fiscal. Depois, ele deve continuar no governo em outra função, mesmo sendo uma das autoridades mais criticadas pelo mercado.

Já o ministério de Minas e Energia deve ser alvo de grande disputa. Citado pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa como membro do esquema de desvio de recursos da Petrobrás, o atual ministro, Edison Lobão, não deve permanecer no cargo. Ganhou força o grupo do PMDB de Alagoas, liderado pelo senador Renan Calheiros. No Ministério das Comunicações, a percepção é de que o tempo de Paulo Bernardo na pasta está chegando mesmo ao seu fim. O ministério pode deixar de figurar como um posto estratégico do PT e voltar ao balcão de negociação com a base aliada.

Primeiros sinais serão decisivos para retomada da confiança

• Questão fiscal é prioritária; País pode ficar sem trégua do investidor no início do mandato se não houver estratégia sustentável

O baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) colocou a economia brasileira no pronto-socorro, o que exigirá uma agenda de emergência durante o período da transição para afastar o horizonte de crise. O novo governo terá de resolver questões sensíveis que ficaram na geladeira nos últimos meses para não prejudicar a campanha eleitoral.

Os sinais que o governo emitirá logo de início são considerados decisivos para aplacar as incertezas sobre o cenário econômico e abrir caminho para a recuperação do crescimento nos primeiros meses de 2015. De acordo com integrantes das duas campanhas, a recuperação da confiança geral no País é tida como “prioridade número 1”.

A agenda inclui, de imediato, o ataque à questão fiscal, um dos pontos de maior fragilidade do País diante da ameaça real de as contas públicas fecharem o ano com o pior resultado dos últimos 17 anos. Não está descartado o risco de se chegar ao fim de 2014 com superávit próximo de zero ou até mesmo déficit.

Levantamento feito pelo Estado lista pelo menos 15 problemas que precisam de solução até dezembro. Dependendo da velocidade de encaminhamento dessas matérias pendentes, a economia pode iniciar 2015 melhor ou pior.

Como efeito em cascata, o fraco desempenho do PIB impediu a alta da arrecadação, tornando complexas as promessas tanto de Dilma quanto de Aécio de “apertar o cinto”. Será preciso negociar a votação do Orçamento num quadro de previsão de crescimento menor (economistas do mercado esperam alta de apenas 1% em 2015). As receitas terão de ser recalculadas. E o impacto das medidas adotadas nos meses de eleição precisará entrar na conta.

Trégua. Sem uma estratégia sustentável, o próximo governo pode perder a trégua que sempre é dada pelos investidores em início de governo, apontam os especialistas. O risco será de um novo rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de rating, o que afastaria o ingresso de capital externo.

Será preciso tomar decisões sobre duas reformas no campo tributário: ICMS e do PIS e Cofins. Outro ponto em suspenso é o reajuste dos combustíveis. A despeito das dificuldades financeiras da Petrobrás, o governo adiou o aumento da gasolina para depois das eleições.

Para reforçar a arrecadação, também está na mesa a possibilidade de aumento da Cide, tributo que incide sobre os combustíveis. O governo terá de buscar recursos para bancar o custo adicional de energia. Já se sabe que os R$ 9 bilhões previstos não serão suficientes.

Se não podem ter solução para já, outros problemas conjunturais terão de receber um norte, como a convergência da inflação para o centro da meta de 4,5% ao ano, a modulação da política monetária para equilibrar o crescimento do PIB e os preços sob controle, a intervenção no mercado de dólares, a crise da indústria e o apoio às exportações, para tirar a combalida balança brasileira do saldo comercial deficitário.

Dilma vence com margem apertada e promete diálogo

• Presidente ganha novo mandato e dá ao PT chance de ficar 16 anos no poder

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, BRASÍLIA e BELO HORIZONTE - Dilma Vana Rousseff, 66, foi reeleita neste domingo para um segundo mandato como presidente da República. Ao final da disputa presidencial mais acirrada da história brasileira, ela recebeu nas urnas 54,5 milhões de votos, o equivalente a 51,6% dos válidos.

Seu adversário, o senador mineiro Aécio Neves (PSDB), 54, obteve 51 milhões de votos, 48,4% dos válidos. A diferença entre os dois é a menor observada entre dois finalistas de uma eleição presidencial desde o fim da ditadura militar e a redemocratização do país.

A reeleição de Dilma representa um triunfo de ordem pessoal e outro de natureza política. Criticada por ministros do seu governo e dirigentes do próprio partido, o PT, a presidente venceu apesar do desempenho ruim na economia e ao final de uma campanha marcada pelo desejo de mudança da maioria do eleitorado.

A vitória de Dilma também é um troféu para o PT, que chegou ao poder com Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e agora ganhou o direito de ocupar o Palácio do Planalto por mais quatro anos, completando 16 anos no poder. Nenhuma outra força política do país alcançou essa marca desde a volta da democracia. Esta foi a sexta eleição presidencial em que petistas e tucanos se enfrentaram na final, e a quarta que o PT venceu.

"Esta presidenta está disposta ao diálogo e este é o meu primeiro compromisso", afirmou Dilma após a confirmação de sua reeleição, num discurso em que rejeitou a ideia de que o país saiu dividido da eleição por causa da agressividade da campanha eleitoral.

O maior desafio da presidente reeleita será recuperar a credibilidade de sua política econômica e reconquistar a confiança dos investidores. Outro será recuperar o apoio de partidos que a apoiavam no Congresso e se afastaram do governo durante a campanha.

As negociações ocorrerão em meio à tensão causada pelas investigações do escândalo na Petrobras, estimuladas pelos depoimentos de um ex-diretor da estatal e um doleiro que acusam o PT e seus aliados de montar um esquema para desviar recursos da empresa para os partidos que apoiam Dilma no Congresso.

Aécio diz que 'maior de todas as prioridades' é unir o país

• Tucano deseja sucesso a Dilma e afirma que sai da eleição "mais vivo do que nunca"

Maria Lima e Cristiane Jungblut – O Globo

BELO HORIZONTE - A primeira palavra do candidato do PSDB derrotado no segundo turno da eleição presidencial, Aécio Neves, foi um alerta de que a presidente Dilma Rousseff tem a tarefa de unir o Brasil rachado, numa votação apertadíssima. Cercado por aliados, ele fez um rápido pronunciamento para anunciar que sai da disputa "mais vivo do que nunca". O consenso na oposição é que, apesar de perder por uma margem muito pequena, em uma campanha de pesados ataques, o tucano recebeu 50 milhões de brasileiros que querem mudanças e sai como o maior líder da oposição no país.

- Cumprimentei agora há pouco, por telefone, a presidente reeleita. E desejei a ela sucesso na condução do seu próximo governo. E ressaltei: considero que a maior de todas as prioridades deve ser unir o Brasil em torno de um projeto honrado e que dignifique a todos os brasileiros

Segundo aliados tucanos, o próximo passo é esfriar a cabeça e articular uma dura oposição a PT e ao governo. Aécio iniciou sua fala agradecendo a sua votação no segundo turno:

- Minha primeira palavra é de profundo agradecimento a todos os brasileiros que participaram desta festa da democracia. Agradecimento especial aos mais de 50 milhões de brasileiros que apontaram o caminho da mudança. Serei eternamente grato a cada um de vocês, que me permitiram voltar a sonhar e a acreditar na construção de um novo projeto. As cenas que vivi ao longo destes últimos meses jamais sairão da minha mente e do meu coração.

O tucano fez um agradecimento especial a seu vice, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), chamado por ele de "um verdadeiro guerreiro". Aécio repetiu a passagem de São Paulo, inscrita no túmulo da avó Risoleta Neves, que, segundo ele, retrata o sentimento da sua alma e coração neste momento:

- Mais vivo do que nunca, mais sonhador do que nunca, eu deixo esta campanha, ao final, com sentimento de que cumprimos o nosso papel. E repito, para encerrar, mais uma vez, São Paulo, que é o que retrata para mim de forma mais clara o sentimento que tenho hoje na minha alma e no meu coração. "Combati o bom combate, cumpri minha missão e guardei a fé". Muito obrigado a todos os brasileiros.

O coordenador da campanha, Agripino Maia (DEM), disse que Aécio foi aplaudido pelos amigos e companheiros que acompanhavam a apuração com ele na residência da irmã, Andréia Neves.

- Fiz uma campanha honrada. Bola para frente. É isso mesmo. É o jogo - disse naquele momento.

Para os aliados, Aécio foi quem mais conseguiu chegar perto da vitória da oposição, nos últimos 12 anos, e conseguiu rearticular a oposição.

- Aécio foi um herói. O resultado das urnas mostram que Dilma começa um segundo mandato em contagem regressiva. O país está dividido ao meio e 50 milhões de brasileiros disseram que não aceitam mais a continuidade desse governo nos campos político, econômico e ético - disse Agripino.

Apesar do discurso de unidade de Aécio, o senador eleito José Serra (PSDB-SP) disse que a oposição não terá contemplação com os desvios do governo Dilma:

- É a oposição que não vai ter nenhuma contemplação com os desvios de natureza moral e de natureza administrativa. E sempre apontando caminhos. A oposição tem que atuar, combatendo e sempre olhando o interesse do futuro do país, a unidade do país. E não vamos atuar no quanto pior, melhor. O PSDB não tem essa natureza - disse Serra.

Serra acrescentou que a oposição sai fortalecida e tem estados como São Paulo no centro de sua atuação:

- Aquilo que se chama oposição no Brasil tem uma força muito grande, e vamos usar essa força em benefício do Brasil. Vamos jogar todo esse peso no enfrentamento dessas questões, especialmente da economia.

Serra critica métodos do PT
Serra criticou os métodos usados pelo PT nesta campanha eleitoral:

- Não foi a primeira que eles fizeram. Eles têm esse método de atuação, não só no governo, mas no processo eleitoral, mas saímos de cabeça erguida e com uma quantidade de votos maior ainda e com muita determinação de combatermos tudo aquilo que consideramos errado.

O deputado Geddel Vieira Lima (PMDB -BA) elogiou o desempenho da oposição:

- Não foi uma eleição da qual a gente tenha que se envergonhar.

Aécio chegou ao hotel para o curto pronunciamento ao lado de tucanos e democratas. Mais cedo, o clima no local onde ele acompanhou a votação passou da euforia à tristeza, depois da confirmação da vitória de Dilma, reeleita. Alguns eleitores abriram uma faixa com a frase: "Não vamos desistir do Brasil", dita pelo então candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, na entrevista ao "Jornal Nacional" na véspera de sua morte, em acidente aéreo.

Na saída do prédio da irmã, Aécio acenou de dentro do carro para o grupo de eleitores. Ele comentou com assessores que achara "simpática" a faixa. O tucano acenou, deu adeus com as duas mãos e fez até sinal de positivo.

PSDB não fará oposição destrutiva, afirma Serra

• Senador Álvaro Dias afirma que partido perdeu a batalha pela comunicação

• Políticos do DEM elogiam desempenho de Aécio; em São Paulo, derrota é recebida com lágrimas na sede tucana

Daniela Lima Lígia Mesquita e Paulo Peixoto - Folha de S. Paulo

BELO HORIZONTE - O ex-governador José Serra, eleito para o Senado, afirmou que o PSDB não fará nunca uma oposição "destrutiva, do tipo quanto pior, melhor" e que no Congresso o partido continuará combatendo "tudo o que combateu nesta campanha". Sobre o futuro, Serra disse que o que cabe "é colocar o país no rumo".

O senador Álvaro Dias (PSDB), reeleito no Paraná, disse que "o país ficou dividido politicamente. Quem ganhou, ganhou em função de detalhes e da arte da comunicação. Nós perdemos a batalha da comunicação e não conseguimos dar consistência no sentimento de mudança do país".

O governador eleito de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, lamentou a derrota em Minas: "Minas foi a grande surpresa. Era um Estado onde a gente esperava diferença bem maior". Disse: "Agora é tocar em frente".

Para o senador José Agripino Maia (DEM), um dos coordenadores da campanha de Aécio, o tucano seria eleito se o segundo turno tivesse uma semana a mais: "Aécio foi um gigante! Os números mostram que esse novo governo do PT começa com contagem regressiva. A oposição tem que ficar orgulhosa", afirmou.

Outro integrante do DEM, o prefeito de Salvador, ACM Neto, disse que Aécio termina esta eleição com "um capital político extraordinário". "Ele enfrentou uma das campanhas mais duras que já tivemos. Agora é ele quem lidera nossa oposição."

Lágrimas
A vitória da presidente Dilma Rousseff (PT) neste domingo (26) foi recebida com lágrimas e indignação na sede do PSDB em São Paulo. Após a derrota de Aécio Neves (PSDB) ser oficializada, pouco depois das 20h, o governador Geraldo Alckmin cancelou o pronunciamento público que faria na sede do partido.

Apesar disso, o coordenador de campanha de Alckmin, Edson Aparecido, destacou a grande votação de Aécio: "O PSDB teve seu melhor resultado nos últimos 12 anos, o que mostra que o partido está conectado com a sociedade e representa milhões de brasileiros".

A sede do PSDB ficou esvaziada desde o final da tarde, sem nenhuma liderança importante do partido. O presidente do partido em São Paulo, deputado Duarte Nogueira, disse depois que "avançamos na adversidade, e o PSDB cresceu com Aécio. Quem ganha governa, quem perde fiscaliza. Estamos prontos para isso". Já o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso preferiu ficar em seu apartamento, na zona oeste.

Cerca de cem militantes e simpatizantes do partido apareceram neste domingo na sede do PSDB. Eles vaiaram a petista e puxaram gritos anti-PT. "A nossa bandeira jamais será vermelha", cantavam em frente a um telão que mostrava o resultado final da apuração. Quando apareceram na TV, os números de Minas Gerais e Pernambuco foram bastante vaiados pelos presentes, que puxaram palmas para São Paulo

Dilma deve enfrentar governo difícil, diz FHC

• Ex-presidente cita Congresso dividido e oposição com mais força política

• Álvaro Dias afirma que partido perdeu 'batalha da comunicação'; em SP, derrota é recebida com lágrimas na sede tucana

- Folha de S. Paulo 

SÃO PAULO e BELO HORIZONTE - Principal fiador da candidatura de Aécio Neves (PSDB) à sucessão presidencial, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso previu neste domingo (26) um segundo mandato difícil para a presidente Dilma Rousseff (PT).

Segundo o tucano, a petista deve enfrentar nos próximos quatro anos um Congresso Nacional "dividido" e uma oposição com mais força política.

Na capital paulista, onde acompanhou em seu apartamento a apuração da disputa presidencial, o tucano considerou que a vitória apertada da presidente é resultado de uma demanda da população por mudança, um sinal para que o governo petista passe por reorientação de rumo.

"Isso deve dar um sinal à presidente Dilma Rousseff de que ela deve mudar de caminho. Esse caminho de ficar atacando e denegrindo só faz mal ao país", disse o tucano no edifício onde mora, no bairro de Higienópolis.

O ex-presidente atribuiu a derrota do PSDB a uma campanha eleitoral agressiva feita pela equipe da petista.

"Eu tenho experiência de vida política e nunca tinha visto um esforço de destruição de candidaturas como o que foi feito com a Marina [Silva] e com o Aécio Neves."

Para ele, o senador mineiro sai das urnas como uma importante força política, mas ainda é cedo para discutir uma eventual candidatura dele nas eleições de 2018.

Em Belo Horizonte, o ex-governador de São Paulo José Serra, eleito senador, também considerou que a presidente enfrentará uma oposição mais dura no Congresso Nacional. Segundo ele, o PSDB não fará uma oposição "destrutiva", mas continuará combatendo "tudo o que combateu nesta campanha".

Autocrítica
Em agradecimento ao resultado que obteve em São Paulo, 64% dos votos válidos, Aécio telefonou na noite do domingo (26) ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) e aos coordenadores de sua campanha eleitoral no Estado.

Alckmin, que se cacifou no primeiro turno como um nome forte para a disputa presidencial de 2018, não foi a Belo Horizonte e não fez pronunciamento público sobre o resultado da eleição.

A avaliação dos principais dirigentes tucanos é que o desempenho de Aécio em Minas Gerais, onde foi derrotado por Dilma, é um dos principais responsáveis pela sua derrota. "Infelizmente perdemos em Minas. Nós vamos com serenidade avaliar. Eu estou muito triste. Nem na nossa pior projeção nem na construção do pior cenário a gente pensaria em um resultado desse", disse o presidente do PSDB-MG, Marcus Pestana.

O senador Álvaro Dias (PSDB), reeleito no Paraná, disse que "o país ficou dividido politicamente. Quem ganhou ganhou em razão de detalhes e da arte da comunicação. Nós perdemos a batalha da comunicação e não conseguimos dar consistência no sentimento de mudança do país".

A vitória de Dilma foi recebida com lágrimas e indignação na sede do PSDB em São Paulo que ficou esvaziada desde o final da tarde, sem nenhuma liderança importante do partido.

Marina também prega necessidade de evitar divisões

• Sobre o seu futuro, ex-senadora diz que voltará a militar por suas causas "de cabeça erguida"

José Pinheiro – O Globo

RIO BRANCO - A ex-senadora Marina Silva, candidata do PSB à Presidência e terceira colocada no primeiro turno, prometeu voltar a militância, mas evitou falar sobre a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT). Pela manhã, no Acre, ela afirmou que o eleito precisa unir o Brasil:

- Independente do resultado, é fundamental que, depois dessas eleições, se tenha uma postura de unir o Brasil e não permitir que o nosso país seja dividido entre Norte e Nordeste, Sul e Sudeste.

À noite, quando foi divulgado o resultado da apuração, Marina preferiu desconversar:

- Ainda preciso pensar. Hoje não vou comentar sobre o assunto.

Marina apoiou o tucano Aécio Neves. Ela chegou à sede da Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Rio Branco, para a votação por volta de 9h, acompanhada do marido, Fábio Vaz e do pai, Pedro Augusto da Silva.

- Assim que terminar as eleições, volto para as minhas causas. Volto para a militância de cabeça erguida - disse.

"Fui muito atacada, desconstruída"

Em tom de desabafo, Marina disse que foi "desconstruída" nestas eleições, mas afirmou que não usou o ódio para atacar adversários políticos. Segundo ela, a decisão de apoiar Aécio se deveu ao compromisso dele de institucionalizar programas sociais como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família:

- Fui muito atacada nestas eleições, muito desconstruída nesta campanha. Não foi possível ganhar ganhando, mas perdemos ganhando porque não mentimos, não atacamos, mantivemos os princípios. Não desconstruímos ninguém. Não fizemos a campanha do ódio - disse a ex-candidata do PSB.

Sobre seu futuro político, Marina frisou que continuará sua luta em defesa do meio ambiente. Disse que não se prenderá às eleições e destacou que faz política por ideias. Ela também voltou a defender a reforma política.

- Precisamos melhorar a qualidade da política. Temos que governar com os melhores. É assim que se faz nas democracias desenvolvidas - salientou.

Críticas à política ambiental
Marina criticou a política ambiental brasileira do governo Dilma. Segundo ela, o desmatamento tem crescido no Brasil nos últimos dez anos. Ela, que foi ministra do Meio Ambiente no governo de Lula, disse que o número de terras indígenas e unidades de conservação é insignificante no governo Dilma.

- O desmatamento voltou a crescer no Brasil, depois de ter caído duramente dez anos. A proteção ao meio ambiente é o grande desafio para conter as mudanças climáticas. O Brasil precisa aumentar a produção por produtividade e não por expansão predatória da fronteira agrícola - ressaltou.

Marina comentou, ainda sobre os ataques à Editora Abril. Disse que defende a liberdade de expressão e que os fatos precisam ser apurados para que a Justiça possa julgar o caso:

- Sou favorável à liberdade de expressão e que a Justiça dê o seu veredito – completou.