- O Globo
A vida real insiste em bater à porta de Dilma Rousseff. Em sua mesa, no domingo da reeleição, acumulavam-se informes e relatórios recentes sobre as aflições governamentais provocadas pela seca, inflação, recessão e evidências de fragilidades no sistema financeiro.
Não haverá "pacote", expressão há muito banida do léxico governamental. Vêm aí "ações localizadas, em especial na economia" - ela anunciou na noite de domingo, ao celebrar a vitória, seguindo sugestão da equipe de propaganda. Arrematou: "Antes mesmo do início do meu próximo governo."
Por trás dessa dezena de palavras está um governo atormentado pelos efeitos da seca na maior parte do Brasil. Na sexta-feira, por exemplo, chegou ao Palácio do Planalto a previsão de estoque de água durante esta semana nos reservatórios das hidrelétricas. No Sudeste e Centro-Oeste, 18%, nas usinas do Nordeste, 15%.
Pela régua do Operador Nacional do Sistema Elétrico, a situação hoje seria mais grave do que aquela de 2001, no governo Fernando Henrique, quando o armazenamento nas usinas era de 21% e o consumo precisou ser racionado.
A crise no abastecimento de energia só não aconteceu neste ano eleitoral porque a indústria, maior consumidora, está em recessão há 12 meses. "Vamos dar mais impulso à atividade econômica em todos os setores, em especial no setor industrial", prometeu Dilma, no discurso.
Desta vez, não haverá "racionamento" - outra palavra banida do vocabulário oficial. Vem aí uma "racionalização" do consumo, se Dilma decidir agir e, nesse caso, adotar a proposta vocabular do serviço de propaganda pós-eleitoral.
Em qualquer hipótese, as contas domésticas de luz devem atravessar 2015 sob bandeira vermelha, código de aviso ao consumidor sobre como a coisa está feia no sistema gerador. Por causa dos desequilíbrios, naturais ou governamentais, ele deverá pagar uma taxa extra.
Os efeitos da seca se espraiam pelo sistema de preços de uma economia estagnada. A saída com anabolizantes no consumo já não existe, porque esgotou-se a capacidade de endividamento familiar. O crédito deixou de fluir na praça, apesar das ações emergenciais do Banco Central, que atravessou os últimos quatro meses da campanha eleitoral liberando R$ 17 bilhões mensais aos bancos.
O alto custo do dinheiro, em tempos de inflação crescente e taxa de câmbio incerta, gelou o ritmo de negócios. Os maiores bancos ampliaram as restrições ao crédito de grandes clientes. Principalmente, daqueles que fornecem à Petrobras e têm sido obrigados, na melhor das hipóteses, a renegociar valores de contratos arguidos nas múltiplas investigações sobre as traficâncias na empresa estatal.
Culpar o sistema financeiro pode ser útil à retórica, mas é inócuo. Como dizia o industrial Antonio Ermírio de Moraes, guarda-chuva de banco só abre quando faz sol. Além disso, uma em cada cinco das 100 maiores casas bancárias brasileiras fechou o balanço dos primeiros nove meses com exuberantes prejuízos - um pedaço teve origem em dívidas não pagas de fornecedores da Petrobras envolvidos nos escândalos petro-partidários.
Dilma Rousseff será obrigada a descer do palanque bem mais rápido do que previa.
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