terça-feira, 24 de março de 2015

O dirigismo estatal na crise dos estaleiros – Editorial / O Globo

• Os problemas, com a Sete Brasil no epicentro, repetem histórias antigas em que o Estado acha que tudo pode e, no final, os prejuízos terminam pagos pelo contribuinte

Os estaleiros passam por crises cíclicas no Brasil. Antes da atual, houve a dos anos 1980, ainda na ditadura militar, quando explodiu um programa ambicioso lançado no governo Ernesto Geisel a fim de se construir uma enorme frota no Brasil, para armadores nacionais e exportação. Havia subsídios, reserva de mercado, garantias típicas que o Estado oferece quando resolve usar a mão forte para substituir importações. Três décadas depois, está em curso mais uma crise, com características semelhantes: ainda na gestão Lula, a confirmação de grandes reservas de petróleo no pré-sal inspirou a visão estatista que o Planalto tem do país, e o governo, de que Dilma Rousseff era chefe da Casa Civil, decidiu ir pelo mesmo caminho de Geisel.

Diante da previsível grande demanda por sondas de perfuração pela Petrobras — transformada em monopolista nas operações no pré-sal —, fundou-se uma empresa, a Sete Brasil, para financiar a construção de estaleiros aos quais encomendaria 29 equipamentos, entre navios-sonda e plataformas, a serem alugados à Petrobras.

Negócio bilionário, mas de baixo risco, porque contaria com o respaldo do BNDES e de um forte e único cliente. Pois esse enorme castelo começou a desmoronar com o petrolão e a consequente suspensão dos desembolsos pela Petrobras. Para piorar, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco, em delação premiada ao Ministério Público, disse que também havia cobrança de propinas a estaleiros fornecedores da Sete Brasil, de que ele era diretor. Com mais outro complicador: nos estaleiros há empreiteiras do cartel que atuou no assalto à Petrobras e com as quais a empresa está proibida de fazer negócios.

Neste quadro dantesco, o BNDES, que já não concedera um primeiro crédito de US$ 5 bilhões à Sete Brasil, em 2013, como prometera, fechou os cofres. Bancos privados, alguns deles sócios da empresa — Bradesco, Santander — fizerem empréstimos-ponte, e não têm perspectiva de reaver o dinheiro. Tanto que pelo menos um dos bancos, o inglês Standard Chaterer, deseja executar as garantias do crédito.

Informa-se, porém, que se negocia empurrar para frente o problema: segundo o jornal “Valor”, os sócios da Sete Brasil poderão injetar mais algo entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão na empresa, enquanto se negocia uma prorrogação de 90 dias para o vencimento dos tais empréstimos-ponte.

Caminha-se para um desfecho já visto no Brasil. Voluntarioso, o Estado acha que tudo pode, induz o surgimento de estaleiros, sem maiores preocupações com custos e produtividade. Em algum momento, a operação foge do controle, não é mais possível recuar e, como sempre, os prejuízos vão para a conta da Viúva. Mesmo sem petrolão, tratava-se de um negócio fadado a não dar certo, como ensina a História.

E era esperado que surgissem escândalos nessa conjugação entre poder absoluto de uma corrente política dentro da estatal e recursos públicos fartos. São ingredientes clássicos da corrupção.

Apagão de confiança – Editorial / Folha de S. Paulo

• Ganham força previsões de que um racionamento de eletricidade será inevitável, o que multiplica dúvidas sobre os rumos da economia

Não bastassem as incertezas nascidas do tumulto na política e nas contas do governo Dilma Rousseff (PT), a economia nacional enfrenta também o espectro da insegurança energética. Se a escassez de eletricidade não derrubar ainda mais o PIB de 2015, é provável que faça tropeçar o de 2016.

Cresce entre especialistas a expectativa de que o Planalto se veja forçado a decretar um racionamento. Consultorias ouvidas por esta Folha situam entre 60% e 95% o risco de um corte no fornecimento de ao menos 5% ao longo de 2015.

O nível dos reservatórios de hidrelétricas no Sudeste e no Centro-Oeste, que geram mais de 70% da energia do país, iniciou março na marca de 20,6%, abaixo da média histórica. De 2009 a 2014, a quantidade de água estocada esteve entre 35% e 80% nesta altura do ano.

A apreensão existe porque abril faz a transição do período úmido para o seco, que segue até outubro. Algumas projeções indicam que o sistema chegará a novembro abaixo do nível de segurança de 10%.

O cálculo político leva a presidente Dilma a se apegar a cenários menos sombrios e a postergar a decisão traumática e impopular de racionar energia. Um corte de ao menos 10% no abastecimento, como pede Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobras no governo Lula, pode abater 0,5 a 1,5 ponto percentual do PIB de 2015, que já seria mesmo negativo.

O Poder Executivo parece confiar nas chuvas de março e na própria retração da economia para evitar a medida drástica. É uma aposta perigosa, pois implica empurrar o risco para 2016, quando se espera que a atividade econômica comece a reagir (isso na hipótese otimista de que o ajuste recessivo ora iniciado não venha na dose errada, para mais ou para menos).

O Brasil, afinal, vive um paradoxo. O PIB encolheu 0,15% em 2014, segundo prévia do Banco Central, mas o consumo de energia subiu 2,2%, em média. Ele só diminuiu no setor industrial; no comércio e nos domicílios, permaneceu em alta, e com taxas superiores a 4%.

Se já tinha motivos suficientes para adiar investimentos, o empresariado encara a perspectiva incerta de um racionamento --quando? de que tamanho?-- como incentivo adicional para encurtar as rédeas.

Dilma não pode fazer chover, por certo. Mas pode evitar o comportamento temerário de governadores como o paulista Geraldo Alckmin (PSDB), que levaram o abastecimento de água à beira do colapso.

Sua obrigação é, no mínimo, dar previsibilidade aos agentes econômicos. A presidente precisa definir desde já, sem margem para ambiguidade, com qual nível dos reservatórios no início da estiagem terá de decretar um racionamento.

Míriam Leitão - A culpa pela crise

- O Globo

Os jornais estão cheios de notícias sobre demissões que ocorrem em meio aos desdobramentos da Operação Lava-Jato. Muitos vão culpar a investigação em si, quando ela é a melhor chance que o país tem de mudar o ambiente de negócios no Brasil. Foram tomadas decisões temerárias na economia. Bancos, empresas e o governo assumiram riscos que não deveriam ter assumido.

Várias das empresas que estão com problemas já estavam com desequilíbrios entre ativos e passivos, como a OAS. Ou cresceram dependentes da abundância do dinheiro que saía do BNDES, como a Engevix. Só para citar um caso: a Engevix construiu uma hidrelétrica no Rio Pelotas que começou com uma fraude ambiental. Na usina de Barra Grande, o Estudo de Impacto Ambiental dizia que o lago ocuparia o lugar que tinha uma vegetação que foi descrita como "capoeirão". E, na verdade, era um riquíssimo pedaço de Mata Atlântica, com cinco mil araucárias, uma espécie em extinção. A fraude foi descoberta na hora de tirar a vegetação. Na época, entrevistei a então ministra Dilma Rousseff, que admitiu o erro do licenciamento feito no governo Fernando Henrique. A mata foi alagada, por decisão da ministra, alegando-se que a barragem já estava pronta. Mesmo sendo uma empresa que fazia negócios desta maneira, ela prosperou e chegou até a vencer o consórcio do Aeroporto de Brasília.

A Sete Brasil foi criada como empresa independente para que a Petrobras não aumentasse seu endividamento. E lá, como em todos os outros empreendimentos, foram instalados os fundos de pensão das estatais - Previ, Petros, Funcef, - e até o FI-FGTS. Um grupo de bancos fez um empréstimo-ponte à Sete Brasil, no pressuposto de que sairia um empréstimo do BNDES. E, pelo contrato original, o BNDES assumiria o risco Sete Brasil, informou o "Valor" de ontem. Só que não. Agora que há riscos de que as sondas não sejam compradas pela Petrobras, o banco não quer mais o risco.

Os negócios estavam sendo feitos assim no Brasil. O Tesouro se endividava e repassava o dinheiro a custo subsidiado ao BNDES. O Banco financiava tudo o que era considerado prioritário para o governo, sem fazer análises do risco como devia. Chegou a admitir, certa vez, ter liberado R$ 10 bilhões à refinaria Abreu e Lima sem que houvesse o estudo de viabilidade econômico-financeira do empreendimento. Os fundos de pensão de estatais entravam para garantir qualquer projeto. O Comperj tinha vários erros originais, inclusive de localização. Tudo estava sendo feito com um grau de risco elevadíssimo, passando por cima, muitas vezes, de alertas dos técnicos de órgãos envolvidos.

Agora os riscos se materializam e todo o discurso que começa a ser preparado é de culpar a Operação Lava-Jato pelo desemprego e dificuldades financeiras das empresas. É preciso separar os casos. Há situações em que a empresa só sobreviveria na dependência dos contratos ilícitos, dinheiro barato e risco jogado sobre os fundos das estatais. Algumas das empresas jamais fizeram uma diluição do seu risco, jamais fizeram um planejamento estratégico olhando possíveis cenários negativos. E há casos de empresas boas, capitalizadas, mas que agora têm que enfrentar os rigores da investigação sobre supostas propinas pagas para conseguir fazer negócios com empresas estatais. Mesmo sendo boas, empresas assumiram o risco de fazer negócios ilícitos e precisam pagar por isso.

A investigação do crime não pode ser responsabilizada pelos efeitos econômicos decorrentes dos fatos revelados. O oposto seria manter tudo irregular, conviver com os crimes, porque o combate a eles provoca distúrbios econômicos. Esta visão é inaceitável.

O governo precisa estudar profundamente os desdobramentos econômicos da Operação Lava-Jato, que serão muitos, para saber o que fazer diante de cada problema. Os casos são diferentes, a situação das empresas, também. O perigo é o desemprego ser usado como fonte de pressão para que o governo salve empresas que não podem ser salvas ou tente encobrir o que tem que ser revelado. É preciso critério e informação acurada sobre a situação de cada uma das companhias afetadas, direta ou indiretamente, pelos desdobramentos da investigação.

Celso Ming - Mistura crítica

- O Estado de S. Paulo

Este é o momento em que a crise econômica mais se mistura com a crise política. A economia patina porque a política está encrencada; a política está encrencada porque a economia patina.
As pessoas se perguntam até que ponto, num ambiente desses, dá para confiar numa política econômica que se baseia no ajuste das contas públicas, se o próprio governo vacila, sente que o chão lhe some debaixo dos pés, não diz coisa com coisa e quase não governa mais.

Até agora, por exemplo, não foi capaz de explicar nem à população nem ao próprio PT aonde desembocará esse programa de aperto de cintos e de farta distribuição de contas à população. Garante que a crise é passageira, mas não mostra em que se baseia esse diagnóstico. É por coisas assim que nem chegou ao terceiro mês de seu segundo mandato e vê esfarinhar-se seu capital de votos.

Nessas condições, apenas uma política de fortalecimento dos seus fundamentos da economia seria capaz de dar suporte às novas relações de poder. O governo Dilma não tem estratégia. Não se encontra nem na defensiva, porque até mesmo a defensiva exigiria um plano consistente de ação.

Arrasta-se a reboque dos fatos e reage a esmo. Não pode mais distribuir favores e subsídios, porque o Tesouro é uma teta murcha. Às manifestações e aos panelaços, responde com propostas mal costuradas, como as de reforma política ou de leis requentadas contra a corrupção. Como sente o solapamento de sua base de apoio no Congresso e nas ruas, ora acena para o MST, ora para sindicatos que, no entanto, só podem oferecer velharias descoladas do interesse da sociedade.

Paradoxalmente, o vácuo de poder que está empurrando o PMDB para o miolo do governo pode dar mais consistência política ao programa de ajuste fiscal. Como precisa dar firmeza e sustentabilidade ao crescimento econômico, o PMDB, na contramão de pelo menos metade do PT, entendeu que não há futuro sem fortalecimento das contas públicas.

Também ao contrário do que alguns comentaristas vêm dizendo, a nova proposta do PMDB de reduzir o número de ministérios dos atuais 39 para pelo menos 20 não é um projeto de redução de despesas. É apenas um jeito de recusar o jogo político desempenhado pelo PT.

Aparentemente, o PMDB começa a enjeitar a política tradicional de cooptação, baseada no toma lá dá cá, prática da qual a distribuição de ministérios é parte integrante. E passou a exigir participação efetiva nas decisões de governo.

O forte recuo das cotações do dólar no câmbio interno nos dois últimos dias úteis pode ter várias causas, mas também deve refletir esse sentimento de que a crise política tende a empurrar em direção ao fortalecimento do ajuste das contas públicas. Como foi nas primeiras semanas de janeiro? Por que se sentiu alijado das decisões nacionais, o PMDB colocou obstáculos às propostas de ajuste. À medida que se sentir integrado ao governo, tenderá a apressar sua aprovação.

Em todo o caso, não dá para ignorar que este é um tempo de crise. Como todas as crises, a gente sabe como começa, mas não sabe como termina.

Arnaldo Jabor - O lado bom da crise

• Ela nos ensina mais Freud do que Marx

- O Globo

A crise é boa. Nada melhor do que uma crise para nos dar a sensação de que a vida muda, que a História anda, que a barra pesa. A crise nos tira o sono e nos faz alertas. A crise nos faz importantes, nós, a opinião pública, nós, o “povo”, nós, os ex-babacas que viviam na sombra, na modorra e que de repente saíram batendo panelas nas ruas. Na crise no Brasil, a política fica visível para a população. 

A crise nos lembra a maldição chinesa: “que você viva em tempos interessantes” — por “tempos interessantes” se entenderia uma época de calamidade, guerras e instabilidade. A crise é boa porque acabaram as antigas crises cegas, radiofônicas, anos 1950. Hoje as crises são on-line, na internet, nos celulares com todos as roubalheiras ao vivo, imediatas, na velocidade da luz. A crise é uma aula, quase um videogame. 

A crise é um thriller em nossas vidas. A crise nos permite ver a verdade. Mas como — se todos mentem o tempo todo? A crise nos ensina a ver a verdade de cabeça para baixo, nos ensina que a verdade é o contrário de tudo o que dizem os depoentes, testemunhas e réus. A verdade está em tudo o que os políticos negam.

A crise é boa para conhecer tipos humanos. Temos de tudo — uma galeria de personas, de máscaras, de bonecos de engonço, temos um reality show sobre o Brasil, temos o desfile de caras, de bocas, de mãos trêmulas, temos as vaidades na fogueira, os clamores de honradez, os falsos testemunhos, a lama debaixo das dignidades, temos os intestinos, os nós nas tripas, os miasmas que nos envenenam, sujeiras escorrendo pelas frestas da lei.

E tudo vai diplomando o povo em Ciência Política. A crise é boa para acabar com a crença de que um operário tem uma aura de santidade e mostra que para ser presidente tem, sim, que estudar e ter competência. E nos mostra também o mal que um sujeito egoísta e deslumbrado pode fazer a um país.

A crise nos mostra que o crime político não é um defeito, mas uma instituição. A crise nos espanta: como um partido consegue esquecer qualquer resquício de grandeza e contaminar as instituições? A crise nos ensina o horror do narcisismo totalitário. A crise nos ensina que os velhos “revolucionários” ficaram iguais aos piores políticos oligárquicos — ambos trabalham na sombra, na dissimulação, no cabresto dos militantes. 

A crise nos lembra que a burrice é uma “força da natureza’, como os ciclones e terremotos. Crise também é cultura. A crise é Brecht, Shakespeare e revista “Caras”. A crise acabou com a mistificação de que o PT era o partido dos “puros”, como muitos intelectuais acreditaram e continuam acreditando, com a fé inquebrantável do “mesmo assim”— quebraram a Petrobras e o país, mas “mesmo assim”, continuam acreditando, como religiosos: “Credo quia absurdum”(Creio mesmo sendo absurdo). A crise nos mostra que o petismo maculou as ideias de uma verdadeira esquerda no país, sequestraram as palavras, a linguagem romântica d’antanho. 

A crise prova que a velha esquerda ancorada no petismo não tem programa, nem projeto; tem um sonho que vira pesadelo. A crise acaba com os fins justificando os meios. A crise acaba com o “futuro” e nos traz o doce, o essencial presente. 

A crise nos ensina que ninguém se define apenas como “companheiros”, “comandantes”, “aventureiros”, “guerreiros do povo brasileiro”, pois as pessoas são compulsivas, agressivas, invejosas, narcisistas, fracassadas e com problemas sexuais. A crise nos ensina mais Freud do que Marx. A crise ensina que revolução no país tem de ser administrativa e não de ruptura e utopia.

A “contemporaneidade”, esse “faz-tudo” do novo vocabulário, inventou a “utopia da distopia”. Nada como uma boa distopia para saciar nossa fome de certezas. A crise ensina que não adianta mostrar apenas os horrores da miséria dos desvalidos; a verdadeira miséria está nos intestinos da própria política.

A crise nos mostra que existem fascistas de direita e de esquerda, que a verdadeira esquerda está em tudo o que é profundo e que a direita está em tudo o que é superficial — logo, o PT é de direita.

A crise nos revela que o país (e a vida) é mais complexo do que a divisão “opressores e oprimidos” e que o capitalismo não é uma pessoa malvada para conscientemente nos destruir; capitalismo não é um regime político — é um modo de produção.

A crise nos ensinou que a corrupção de hoje não é um pecado contra a lei de Deus — é um sistema, uma ferramenta de trabalho. A crise nos mostra que não há mais inocentes em Brasília — todos são cúmplices. E aprendemos que mesmo com terríveis expectativas para 2015, as ruas provaram que a história é intempestiva (Nietzsche) e marcha no escuro, quando nós dormimos. A crise nos lembra a frase de Baudrillard tão citada por mim: “O comunismo hoje desintegrado tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de disfuncionamento e de desestruturação da vida social”, vide o estrago do PT e o novo eixo do mal da América Latina. A crise está abrindo nossos olhos.

Ouso dizer que por vielas escuras e mal frequentadas a crise fará bem ao Brasil. A crise também é útil porque nos dá uma porrada na cara para deixarmos de ser bestas.

Timoneiro - Paulinho da viola

Paulo Mendes Campos -Translúcido

Rosas rara se alçavam puras.
Eu sonho que vivi sempre exaltado.

Amo os danos do mundo, quero a chama
Do mundo, vós, paixões do mundo. E penso:
Estrangeiro não sou, pertenço à terra.

Um céu abriu as mãos sobre o meu rosto.
Barcos de prata cantam vagamente.

Pensando, desço então pelas veredas
Do mar, do mar, do mar !
Sinto-me errante.

Que faz no meu cortejo essa alegria ?
O tempo é meu jardim, o tempo abriu
Cantando suas flores insepultas.
Canta, emoção antiga, meus amores,
Canta o sentido estranho do verão,

Canta de novo para mim que fui
Vago aprendiz de mágico, abstrata
sentinela do espaço constelado.
Conta que sempre sou, quem fui, menino.

A pantera do mar da cor de malva
Uivava sobre a vaga chamejante.
Eu sonho que vivi sempre exaltado.
Meu pensamento forte é quase um sonho.
Nos meus ombros, o pássaro final.

Íntimo, atroz, lirismo a que me oponho.
Quando a manhã subir até meus lábios
Suscitarei segredos novos. Ah!
Esta paixão de destruir-me à toa.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Opinião do dia – José de Souza Martins

A multidão não precisa ter a identidade adivinhada. Ela não é o eleitor da última eleição, não é o branco da desqualificação proposta pela facção do governo, descabida numa sociedade que historicamente se reconhece como mestiça de múltiplas mestiçagens. A multidão é a multidão, identidade temporária e provisória que esgota sua significação e sua função na fração de tempo em que se manifesta nas ruas e no modo como se expressa. É um sujeito que se dissolve no fim da festa.

Pela frequência e pelas peculiaridades de suas demandas, vai ficando claro que a multidão é novo sujeito da sociedade brasileira. Novo sujeito do processo político em conflito com os velhos sujeitos, os da política como ação de estereótipos, os do cidadão aprisionado na camisa de força de conceitos rígidos forjados ainda na cultura da luta de classes. Mas multidão não é classe nem é raça. A multidão desconstrói o regime político dualista das facções antagônicas que a tendência antirrepublicana inaugurada em 2003 impôs ao País como ideologia dos pobres contra os ricos, dos negros contra os brancos, das elites contra o povo. São meias verdades de um pensamento partidário fundado num senso comum pseudossociológico que explica e justifica o que convém e descarta o que não convém.

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José de Souza Martins é sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e autor, entre outros, De linchamentos - a justiça popular no Brasil (Contexto)

Metade da lista de investigados já é alvo de ações

Pendências além da Lava-Jato

• Metade dos políticos investigados é alvo de outros inquéritos no STF ou de ações penais

Sérgio Roxo e Silvia Amorim – O Globo

Escândalos da Petrobras

SÃO PAULO - Metade dos políticos investigados na Lava-Jato é alvo também de outros inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) ou réu em processos criminais ou de improbidade administrativa. Estão nessa situação 24 dos 50 nomes encaminhados ao STF pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no início deste mês, suspeitos de envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras.

Há casos dos mais diversos: de crimes eleitorais a irregularidade em licitações, passando por contratação de empresa de amigo, embriaguez ao volante e agressão contra a ex-mulher. Alguns dos inquéritos se referem a fatos ocorridos há mais de 15 anos.

Foro privilegiado
Oito dos integrantes da lista já são réus, ou seja, foram denunciados pelo Ministério Público e tiveram a acusação aceita pela Justiça. Faz parte desse grupo o deputado federal Arthur Lira, que responde a ação por uma suposta agressão à ex-mulher. Por causa do foro privilegiado, que atinge deputados e senadores, o processo corre no STF. Lira não quis se manifestar.

Do 50 nomes investigados na Lava-Jato, 35 têm o benefício de só responderem a processo ou serem investigados no Supremo. Dentro do grupo, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) é o que responde ao maior número de ações penais no STF: quatro. Em três delas, ele é acusado de ter cometido irregularidades na gestão de recursos no tempo em que foi governador do estado de Rondônia, entre 1995 e 1998. Raupp é réu por crimes contra o sistema financeiro e peculato. A defesa do senador diz que a Procuradoria Geral da República já pediu a absolvição do parlamentar em dois processos, e o terceiro estaria prescrito. Raupp ainda responde por crime eleitoral porque uma das empresas apontadas como doadora de sua campanha à reeleição ao governo de Rondônia, em 1998, declarou oficialmente não ter contribuído. A equipe do senador garante que a doação existiu.

Já o deputado Roberto Britto (PP-BA) responde a uma ação criminal por captação ilícita de votos quando prefeito de Jequié, a 365 quilômetros de Salvador. Ele não se manifestou sobre o caso. O também deputado Dilceu Sperafico (PP-PR) é acusado por apropriação indébita e não foi localizado.

A ex-deputada Aline Corrêa está às voltas com um processo que envolve a empresa do ex-marido. Seu processo deve deixar o STF e ser enviado para a primeira instância, porque Aline não foi reeleita. Ela se diz inocente. O também ex-parlamentar Carlos Magno (PP-RO) é réu por peculato e crime da Lei de Licitações.

Condenado e preso por envolvimento no caso do mensalão, o ex-deputado federal Pedro Henry (PP-MT) é acusado pelo Ministério Público de pagar com verba de seu então gabinete na Câmara um piloto para seu avião particular. O advogado do parlamentar, Luiz Alberto Derze, alega que o piloto foi contratado para prestar serviços de interesse do mandato de Henry.

O tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, é processado desde 2010 na Justiça de São Paulo sob a acusação de desvio de recursos da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop). Muitos cooperados pagaram por apartamentos que nunca receberam. Há suspeita de que o dinheiro tenha sido usado para fins eleitorais.

A maioria dos casos na Justiça contra os integrantes da lista da Lava-Jato ainda está em fase de investigação. São pelo menos 32 inquéritos envolvendo 14 políticos. Ao final das apurações, o Ministério Público pode apresentar denúncia ou pedir o arquivamento do procedimento. Caso o procurador opte pela primeira alternativa, os ministros do STF decidem se transformam o investigado em réu.

Um deles é o senador Gladson Cameli (PP-AC), flagrado dirigindo embriagado e que também é alvo de acusações de crimes contra a Lei de Licitações, assim como as do ex-ministro Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e do deputado Vander Loubet (PT-MS). Cameli foi pego por uma blitz da Lei Seca em 2012. O inquérito está suspenso desde o fim do ano passado, após um acordo: ele terá que doar a uma entidade assistencial um salário mínimo a cada dois meses, como punição pela infração. Segundo a assessoria do parlamentar, uma doação foi realizada até agora.

Já o deputado sul-mato-grossense tem quatro inquéritos no STF por denúncias de irregularidades em licitação quando foi secretário de governo do estado. Aguinaldo Ribeiro está sendo investigado por ter dispensado de licitação a contratação de uma empresa para controlar um surto epidêmico de febre aftosa quando titular da Secretaria de Agricultura da Paraíba.

O integrante da lista que responde a mais inquéritos é o senador Lindbergh Farias (PT-RJ): nove. Todos os casos têm relação com a sua passagem pela prefeitura de Nova Iguaçu, entre 2005 e 2010. Lindbergh é acusado de irregularidades em contratações, com favorecimento a empresas e uso inadequado de verbas públicas. Procurado, o senador informou que todos os questionamentos relacionados à sua gestão já analisados no Supremo foram rejeitados. De 19 procedimentos apresentados pelo Ministério Público, dez foram arquivados, de acordo com o parlamentar. Lindbergh disse ainda ter certeza que os demais inquéritos terão o mesmo destino.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é alvo de dois inquéritos, acusado pelos crimes de peculato, tráfico de influência e falsidade ideológica. Em um dos inquéritos, que trata do chamado "caso dos bois", a Procuradoria Geral da República chegou a apresentar, em 2013, denúncia, que ainda não foi apreciada pelo STF. Renan teria usado dinheiro do lobista de uma empreiteira para pagar as despesas do seu filho com a jornalista Monica Velloso. Para justificar que tinha condições de arcar com os gastos, o senador apresentou notas fiscais de vendas de bois, que, para a Polícia Federal, poderiam ser frias. O escândalo levou Renan a deixar a presidência do Senado em 2007. Procurado, o senador não quis comentar a situação dos inquéritos contra ele.

"Acusações levianas e sem fundamento"
Outro senador de destaque, o ex-líder do governo Romero Jucá (PMDB-RR) aparece em três inquéritos no STF, em que é suspeito de crime eleitoral, falsidade ideológica e apropriação de contribuição previdenciária. Ele não respondeu às acusações.

Um suposto pagamento feito a empresa de um amigo com verba indenizatória de seu gabinete levou o senador Ciro Nogueira (PP-PI) a também ser investigado no Supremo. O senador informou, por meio de sua assessoria, que as "acusações levianas e sem fundamento estão sendo contestadas na Justiça". Segundo ele, "o próprio Ministério Público Federal registrou, em despacho, que não há indícios concretos do envolvimento do senador".

Já o deputado federal Sandes Júnior (PP-GO) está sendo investigado por suspeita de ter feito negócios com o contraventor Carlinhos Cachoeira, acusado de ser líder de uma organização criminosa que explorava máquinas caça-níqueis em Goiás. Também de Goiás, Roberto Balestra (PP) é alvo de um inquérito que apura crimes eleitorais.

Doações registradas a 15 políticos são investigadas

• Para procuradoria, repasses seriam propina de firmas suspeitas na Lava Jato

• Ministério Público vai fazer varredura em ao menos R$ 62,6 milhões de contribuições feitas também a partidos

Felipe Bächtold – Folha de S. Paulo

Petrolão

CURITIBA - A Procuradoria-Geral da República (PGR) vai fazer uma varredura em ao menos R$ 62,6 milhões de doações eleitorais declaradas à Justiça para verificar se dinheiro desviado da Petrobras foi destinado por empreiteiras para abastecer campanhas.

A suspeita é que parte da propina de empresas a políticos e a partidos tenha sido paga por meio de doações registradas para campanha. Os recursos, na verdade, viriam de contratos superfaturados de obras da Petrobras.

A apuração será realizada nas prestações de contas de 2010 de siglas e de políticos que tiveram pedido de investigação autorizado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Nos pedidos, a PGR questionou R$ 32,8 milhões de contribuições de empreiteiras para o PMDB, R$ 9,8 milhões ao PT e R$ 9 milhões ao PSDB.

Também suspeita das doações oficiais recebidas diretamente por ao menos 15 políticos, em valores que somam cerca de R$ 11 milhões.

Em sua delação premiada, o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa disse que doação eleitoral é "a maior balela" que existe no país: "Seja oficial ou não oficial, não são doações, são empréstimos. A empresa está emprestando pro cara e depois vai cobrar".

Também em delação, o doleiro Alberto Youssef listou congressistas e partidos como beneficiários de propinas disfarçadas de doações legais.

Nas petições ao STF, a PGR usa termos contundentes para insinuar a ligação de políticos com doações suspeitas.

Nos casos dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os pedidos dizem que os diretórios do partido receberam "vultuosos valores" de empresas envolvidas em "corrupção de parlamentares".

Num trecho sobre a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), pede-se para que a "autoridade policial" pesquise doações de empreiteiras recebidas por ela e pela sigla.

A menção ao PSDB aparece no trecho que aborda a suposta ação da oposição, por meio do senador Sérgio Guerra (morto em 2014), para enterrar uma CPI sobre a Petrobras em 2009. A PGR diz que os R$ 9 milhões doados pela Queiroz Galvão à direção e ao comitê financeiro tucanos "merecem registro".

As insinuações da PGR não recaem sobre todos que receberam doações de firmas investigadas na Lava Jato.

Os senadores Edison Lobão (PMDB-MA) e Ciro Nogueira (PP-PI), por exemplo, receberam doações de empreiteiras suspeitas, mas elas não foram citadas pela PGR no pedido de investigação.

Em dois episódios detalhados por Youssef, as doações de campanha apontadas pelo doleiro como propina estão formalmente declaradas à Justiça Eleitoral.

Em um deles, o delator dá detalhes sobre um e-mail obtido pela investigação em que um diretor da Queiroz Galvão solicita recibos de doações de até R$ 500 mil para quatro candidatos e quatro diretórios partidários. Na lista, estão repasses para o deputado Nelson Meurer (PP-PR) e para o ex-deputado Mário Negromonte (PP-BA).

O presidente do PMDB, Valdir Raupp (RO), é citado como beneficiário de uma doação de R$ 500 mil para o diretório da sigla em Rondônia.

Em outra ocasião, Youssef disse que conseguiu R$ 400 mil em doação para o senador Benedito de Lira (PP-AL). Segundo ele, o repasse, feito pela empresa Constran, do mesmo dono da UTC, foi "abatido" do caixa de contratos da área de abastecimento da Petrobras.

Uma dificuldade na apuração é o fato de a receita da campanha de 2010 de muitos dos envolvidos ser formada por repasses do caixa dos partidos, sem origem identificada. Eram as chamadas "doações ocultas", hoje abolidas.

No pedido de investigação sobre o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), a PGR mira em R$ 9,8 milhões repassados a ele pela direção do PT. Além disso, o petista recebeu outros R$ 2,5 milhões diretamente.

Rombo do Postalis chega aos empregados

• Cada servidor dos Correios pagará 25,9%do salário para cobrir déficit de R$ 5,6 bi

Murilo Rodrigues Alves, Andreza Matais - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Funcionários dos Correios tentam evitar por meio de uma batalha judicial e de greves que os participantes do Postalis, fundo de pensão da estatal, tenham redução de um quarto nos seus salários a partir de abril de 2015 pelo período de 15 anos e meio.

A conta é resultado de um déficit atuarial de R$ 5,6 bilhões no Postalis, controlado pelo PT e PMDB, provocado por investimentos suspeitos, pouco rentáveis ou que não tiveram ainda rendimento repassado ao fundo (leia texto ao lado). Também sob influência dos dois partidos políticos, o Funcef, dos empregados da Caixa Econômica Federal (CEF), e a Petros, da Petrobrás, contabilizam prejuízos bilionários.

Partiu do conselho deliberativo do Postalis a decisão de impor aos funcionários a contribuição extra que terá forte impacto sobre os salários. No primeiro momento, ficou definido um corte de 25,98% nos contracheques. O déficit será reavaliado a cada ano a partir do retorno dos investimentos e da expectativa de vida dos participantes. Um funcionário que tem salário de R$ 10 mil, por exemplo, receberá R$ 2.598,00 a menos no final do mês apenas para cobrir o déficit, além o valor da contribuição definida. Vão pagar o porcentual extra os funcionários mais antigos, aqueles que entraram nos Correios até 2008. Isso equivale a 75% do pessoal da empresa.

Integrantes do fundo argumentam que o déficit bilionário é resultado da má administração dos investimentos dos últimos anos. Também acusam os Correios de não terem pago a dívida que têm com o Postalis. Por isso, a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (Fentect) entrará nesta segunda-feira com duas ações na Justiça Federal. A primeira contra a ECT para que a empresa reconheça que deve R$ 1,150 bilhão ao fundo e abata esse valor do cálculo do déficit que precisa ser equacionado. No outro processo, a federação quer que a estatal assuma o pagamento do déficit integralmente por entender que a responsabilidade pela má gestão dos ativos do fundo é da patrocinadora.

"Esse novo reajuste repassa para nós a culpa da má administração do fundo", afirmou José Rodrigues dos Santos Neto, presidente da Fentect. Ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a federação diz reunir 30 sindicatos, que representam 74 mil trabalhadores dos 120 mil dos Correios.
Na semana passada, carteiros de ao menos dez Estados brasileiros fizeram paralisação para protestar contra a contribuição extra definida pelo conselho deliberativo do Postalis.

A Adcap (Associação Nacional dos Profissionais dos Correios) também irá ingressar com medida judicial. "Entendemos que os Correios deixaram de pagar essa dívida com o Postalis para maquiar o balanço e apresentar resultado positivo no ano passado", afirmou Luiz Alberto Menezes Barreto, presidente da entidade, que representa os profissionais de nível médio, técnico e superior.

Extras. Os funcionários dos Correios e a empresa já fazem contribuições extras ao plano desde 2013 para cobrir o déficit de R$ 1 bilhão dos dois anos anteriores. Nesse período, foi descontado mensalmente do contracheque 3,94% do valor da aposentadoria, da pensão ou do valor previsto para o benefício - no caso dos servidores da ativa.

As contribuições extras, que subiram de 3,94% para 25,98%, são para equacionar o plano de benefício definido do Postalis, sob o risco de o banco e os dirigentes do fundo serem punidos pelo órgão regulador. Na conta foi incluída uma dívida dos Correios com o Postalis de 2008, da época em que o plano de benefício definido foi saldado.

Os Correios fizeram o pagamento dessa dívida, em parcelas, de 2001 até março de 2014, mas interrompeu o pagamento por determinação do Ministério do Planejamento e do Tesouro Nacional. Os órgãos de controle concluíram que a estatal saldou integralmente sua parte com o término do plano definido. O R$ 1,150 bilhão restante, segundo o governo, constitui déficit atuarial e deve ser dividido a patrocinadora (Correios) e os funcionários.

Ação. O Postalis tem um entendimento diferente. O fundo entrou com ação com pedido de tutela antecipada (liminar) contra os Correios para cobrança desse montante relativo às obrigações sobre o tempo de trabalho dos participantes antes da criação do plano.

Os Correios informaram, por meio de nota, que contrataram consultoria especializada para avaliar se o Postalis ou o governo tem razão.

Mercado prevê inflação de 8,12% em 2015 e recuo de 0,83% do PIB

• Após alta de 1,24% do IPCA-15 de março, analistas mexeram novamente em suas projeções para a inflação

Célia Froufe - O Estado de S. Paulo

Com a alta de 1,24% do IPCA-15 de março, analistas do mercado financeiro mexeram novamente em suas projeções para a inflação para cima. A previsão para 2015 sobre o IPCA, o índice oficial de inflação, ultrapassou pela primeira vez o patamar de 8%, de 7,93% para 8,12%. O teto da meta de inflação é 6,5%. O grupo de economistas que mais acerta as previsões também espera um furo da meta e vê a inflação a 8,33%. Para o final de 2016, a mediana das projeções para o IPCA foi levemente ampliada de 5,60% para 5,61%.

Os analistas também pioraram suas previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) e preveem uma retração de 0,83% da atividade econômica, contra 0,78% na semana anterior. Para 2016, a expectativa segue um pouco mais otimista, apesar de também ter sido diminuída. A previsão de alta de 1,30% foi substituída pela de 1,20%.

A produção industrial continua como referência para a confecção das previsões para o PIB em 2015 e 2016. No boletim Focus, a mediana das estimativas do mercado para o setor manufatureiro revela uma expectativa de queda de 2,19% para este ano, a mesma previsão de baixa vista na semana passada - quatro semanas atrás, estava em -0,35%. Para 2016, as apostas de expansão para a indústria foram mantidas em 1,68%. Mesmo assim, a mediana está mais baixa do que a vista há quatro edições da pesquisa Focus: 2,00%.

Curto prazo. Ainda sobre os preços, os analistas esperam mais descontrole da inflação no curto prazo. Depois da alta de 1,24% de janeiro, revelada pelo IBGE, e de 1,22% em fevereiro, a projeção para a taxa em março, também segue acima de 1%. De acordo com o boletim Focus, a mediana das estimativas passou de 1,31% para 1,40% - um mês antes, estava em 0,79%. Algum refresco para a inflação mensal é aguardado apenas para abril, quando o índice deve ter alta de 0,62%. Esse indicador, na semana anterior, porém, estava em 0,60% e quatro edições da Focus atrás, em 0,57%.

O Banco Central trabalha com um cenário de alta para o IPCA nos primeiros meses deste ano. A expectativa é a de que a pressão dos preços administrados fique circunscrita ao primeiro trimestre deste ano. De qualquer forma, o foco do BC em relação à meta é apenas 2016, quando promete entregar uma inflação de 4,5%.

Selic. O mercado financeiro está dividido em relação à próxima decisão do Comitê de Política Monetária (Copom). Em março, o colegiado aumentou a taxa básica de juros dos atuais 12,25% ao ano para 12,75%, conforme o esperado. Agora, a pesquisa Focus mostra uma alta de 13,13% para o encontro do mês que vem, o que revela uma incerteza sobre uma nova alta de 0,50 ponto porcentual, para 13,25%, ou de redução do ritmo de elevação, para 0,25 pp, o que levaria a taxa para 13,00%.

Para o final deste ano, a mediana das previsões foi mantida em 13,00%. Há um mês, no entanto, a estimativas era de que a Selic encerrasse 2015 em 12,75% ao ano. Apesar do congelamento das estimativas, a taxa média do ano foi ampliada de 12,88% ao ano para 13,03%. Isso embute a perspectiva de que o Copom elevará mais a Selic ao longo de 2015 para depois reduzi-la ao final do ano. Quatro semanas antes, essa taxa média estava em 12,84% ao ano.

Para o fim de 2016, a mediana das projeções também foi mantida em 11,50% ao ano de uma semana para outra. Esta é a décima segunda semana consecutiva que a taxa está estacionada neste patamar. Apesar disso, a previsão mediana para a Selic média do ano que vem subiu de 11,74% ao ano para 11,83% - a taxa observada há um mês era de 11,61%.

No caso dos economistas que mais acertam as projeções para o rumo da taxa básica de juros, o grupo Top 5 de médio prazo, a Selic encerrará este ano em 13,75% ao ano, ante perspectiva anterior de 13,50%, e 2016, em 12,00% ante 11,50% da semana anterior.

FT prevê que situação do Brasil fique 'ainda pior'

• Para jornal britânico, questão é se instituições vão se manter

- O Globo

Em editorial publicado ontem, o jornal "Financial Times" destaca a crise vivida pelo Brasil, com demonstrações de descontentamento - em relação à fraqueza da economia, à escassez de água e à corrupção na Petrobras - e queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff a seu menor nível, 13%, enquanto o Planalto culpa fatores externos pelas mazelas. "Parece que ainda ontem o país estava com a bola toda. Mas sua queda tem sido especular. Infelizmente, a situação deve ficar ainda pior. A questão central é se as instituições do Brasil vão se manter."

Na análise, o jornal lembra que o país foi favorecido pelo ciclo de valorização das commodities, que permitiu aumento das receitas do governo, da massa de renda da população e do crédito doméstico. Mas, sem disciplina, o processo está se revertendo. "O colapso da moeda, com queda de um terço em seis meses, está reprecificando dramaticamente a economia", enquanto as taxas de juros sobem para combater a inflação e compensar o risco dos investidores internacionais - afinal, o país precisa de capital estrangeiro para financiar seus déficits fiscal e corrente. Além disso, a Petrobras é alvo de ação judicial nos EUA por conta das perdas decorrentes da corrupção.

Para enfatizar a responsabilidade do Brasil pelo mau momento, o "FT" lembra que os vizinhos Chile, Colômbia e Peru, com economias orientadas para o mercado, passaram incólumes pelo fim do ciclo das commodities e estão crescendo com força. Pelo menos, enfatiza o jornal britânico, o país está longe da hiperinflação. Sobretudo, analisa a publicação, as instituições - especialmente o Judiciário - estão atravessando a turbulência com estabilidade. "É um progresso para o "país do futuro", como diz o clichê".

Em crise, indústria naval demite quase 5 mil no Rio

Principal polo naval do país, Rio revive temor dos anos 80

• Com demissões nos principais estaleiros no Estado, projeto de navipeças do governo é cancelado

Bruno Rosa, Ramona Ordoñez e Henrique Gomes Batista – O Globo

Fora de prumo

Um dos setores mais estratégicos do Rio desde o Barão de Mauá no século XIX, a indústria naval vive um novo momento de crise e incertezas. No estado, que concentra metade dos estaleiros no país, o número de demissões já chega a 4.900 nos últimos meses e outras 4.200 vagas correm o risco de desaparecer. A crise, reflexo da paralisia dos investimentos da Petrobras por causa dos casos de corrupção, freou também um dos principais projetos do governo estadual, o polo de navipeças, que seria em Duque de Caxias. Especialistas veem a indústria em encruzilhada semelhante à vivida nos anos 1980, quando houve a derrocada dos estaleiros: ou o setor se moderniza e sobrevive com competitividade, sem subsídios públicos, ou está fadado a encolher.

O professor Floriano Carlos Martins Pires Junior, da Coppe/UFRJ, um dos maiores especialistas do país no setor, afirma que essa indústria vive uma encruzilhada igual à dos anos 1980:

- A crise da Petrobras antecipou um problema que ocorreria: o setor estava precisando de um ajuste estrutural, estava superdimensionado, projetos que não se sustentam sem o subsídio do governo. O momento agora é da busca da eficiência e da competitividade. A indústria naval brasileira poderia até exportar: 85% do mercado mundial é dominado por China e Coreia do Sul. O Brasil poderia brigar por parte desses 15%, sobretudo em equipamentos de maior tecnologia embarcada.

Mauro Osório, professor de economia da UFRJ, afirma que os estaleiros respondem por 5% dos empregos industriais do Rio, cerca de 30 mil postos, e têm salários acima da média das demais indústrias:

- O Rio pode até ganhar neste momento se conseguir alcançar um novo patamar de competitividade, por ser um Cluster mais consolidado.

Alexandre dos Reis, diretor de Relacionamento de Mercado da Firjan, lembra que metade da indústria do setor está no Rio: são 22 estaleiros e 260 empresas de navipeças. Ele afirma que, para o setor sobreviver, serão necessários aperfeiçoamentos em gestão, qualificação e cadeia de suprimentos organizada:

- Apesar dos problemas momentâneos, ainda existe demanda. Estimamos em 150 navios de apoio necessários até 2020.

Com os estaleiros do Rio em situação crítica, o polo de navipeças - anunciado em 2012 e com previsão de geração de cinco mil empregos com a atração de investimentos privados de R$ 1,5 bilhão - foi cancelado. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento do Rio, o polo, que seria instalado em Duque de Caxias, "teve sua localização tornada virtual". Por isso, o polo será compreendido em um conceito que não se restringe a um só local.

- As empresas estão em diversos pontos do estado. Há muitos distritos industriais no Rio - disse o subsecretário de Energia, Logística e Desenvolvimento Industrial do Rio, Marcelo Vertis.

Estaleiros preveem mais demissões
Rogério Lima da Silva, niteroiense de 43 anos, trabalha há 15 em estaleiros. Após mudar de emprego em 2013, acabou demitido do estaleiro Camorim em abril de 2014 e não consegue emprego:

- Fiz cursos no Pronatec para virar soldador e, enquanto não acho um emprego no setor, vou usando o conhecimento que ganhei na construção civil e na parte de eletricidade fazendo bicos - disse ele, que sonha com um novo emprego em estaleiro.

Mas isso parece cada dia mais distante:

- Todos os estaleiros estão desmobilizando. A Petrobras falou que as obras em andamento não iriam parar, mas não é isso que está acontecendo - afirmou Edson Rocha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói.

Entre os estaleiros, as demissões assustam executivos do setor. Após desligar cerca de mil operários, o estaleiro Brasa - cujo sócio é a holandesa SBM, proibida de ser contratada pela Petrobras em função do escândalo de corrupção - pode ter que cortar mais dois mil operários, dizem os sindicatos, com o fim da construção de módulos para duas plataformas (Maricá e Saquarema). Do outro lado, o estaleiro admite que "o adiamento de licitações e a suspensão de projetos pode, sim, acarretar mais demissões no setor naval".

- Encomendas estão sendo adiadas e canceladas. O setor sofre com essa falta de planejamento. O estaleiro EBE (do Grupo MPE, que também está proibido de ser contratado pela estatal por suposta formação de cartel) está demitindo todos os mil funcionários de sua unidade em Itaguaí, por causa do fim das encomendas da Modec - diz Alex Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio.

Procurada, a EBE, que aluga espaço da Nuclep, em Itaguaí, diz que a falta de projetos é o grande motivador das demissões. Mas a empresa diz manter a expectativa do surgimento de novas obras e o aproveitamento dos quase mil profissionais que estão sendo dispensados. O mesmo grau de incerteza atinge o estaleiro UTC, em Niterói. Segundo Edson Rocha, a empresa teve que demitir 600 operários que trabalhavam na construção de módulos para quatro plataformas, já que o estaleiro não obteve resposta de novas encomendas da Petrobras. Rocha diz que outros 150 funcionários podem ser demitidos. A Petrobras disse desconhecer novas encomendas para a UTC no Rio. A UTC não quis comentar.

No estaleiro Inhaúma, já foram demitidos 849 trabalhadores, mas o sindicato vê o risco de mais três mil demissões, já que a estatal teria decidido fazer parte da conversão de duas plataformas na China. A informação, porém, é negada pela Petrobras. Mas se muitos estaleiros promovem demissões em massa, alguns, como o Brasfels, em Angra dos Reis, estão mantendo os trabalhadores, na expectativa de que a situação seja resolvida.

- Os empresários estão tentando manter o quadro de pessoal, esperando que a situação seja resolvida o mais rapidamente possível. O governo tem que dar um direcionamento de como poderemos sobreviver - disse Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval, o sindicato dos estaleiros.

Ganho real fica distante, e sindicatos já reagem

• Demissões e aumento do índice de desemprego atingem negociações

• Com o término das desonerações e a economia mais fraca, indústria projeta acordos sem aumentos

Claudia Rolli – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com a expectativa de a inflação acumulada em 12 meses bater na casa dos 9% no segundo semestre deste ano, o aumento real deve ficar mais distante do bolso do trabalhador. A projeção da inflação foi feita por consultorias e considera o INPC, o indicador mais usado nas negociações salariais.

Sindicatos e centrais já se mobilizam em reação a esse cenário mais desfavorável.

Campanhas de diferentes categorias profissionais estão sendo unificadas, paralisações setoriais estão sendo planejadas, abonos e benefícios podem ser incluídos nos acordos salariais para ajudar a recompor o ganho real.

Não só a inflação mais elevada, mas o aumento de demissões e da taxa de desemprego devem dificultar as negociações entre empresários e trabalhadores.

"O fraco desempenho da economia deve bater mais forte no mercado de trabalho neste ano, sobretudo na indústria e na construção civil, pondo os sindicatos na defensiva", diz o economista Fábio Romão, da consultoria LCA.

No ano passado, o setor industrial perdeu 185 mil vagas com carteira assinada. Neste, deve fechar mais 100 mil a 150 mil vagas, segundo preveem alguns analistas.

"Com aumento de juros e energia, fim da desoneração da folha de pagamento e incertezas na crise hídrica, é bem difícil falar em aumento real", diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do departamento de competitividade da Fiesp e representante das indústrias do setor plástico.

Na construção civil, houve redução de 216 mil empregos entre janeiro deste ano e o mesmo mês de 2014.

Em fevereiro, o emprego na construção também sofreu impacto da operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção envolvendo a Petrobras e empresas que prestam serviços à estatal.

Os sindicatos que representam os trabalhadores da construção já discutem como manter direitos e avançar nos benefícios. "Este ano não será fácil para nenhum setor, e na construção não será diferente, com a atual situação do país. Mas não podemos abrir mão de direitos adquiridos", diz Antonio de Sousa Ramalho, que representa a categoria em São Paulo.

Em 2014, os ganhos reais (acima da inflação) superaram os de 2013, de acordo com o resultado de 716 acordos salariais analisados pelo Dieese.

"No ano passado, o desemprego se manteve baixo e havia disputa por mão de obra mais qualificada em alguns segmentos. Isso corroborou para que o rendimento médio real crescesse", diz o economista Fabio Silveira, diretor da consultoria GO Associados. Os rendimentos subiram 3,6% acima da inflação em 2014. A previsão neste ano é ficar ao redor de 1,4%.

A tendência para este ano, dizem os técnicos do Dieese, é haver um maior número de negociações que somente reponham a inflação.

No ramo farmacêutico, os sindicatos já receberam contraproposta dos empresários que prevê a correção dos salários somente com a inflação. São 25 mil empregados em São Paulo que pedem 5% de aumento real.

"Não adianta aprovar em assembleia uma pauta que pede 10%, 20% de aumento real e depois frustrar a categoria com aumento de 1%. As pautas têm de ser realistas e considerar a produtividade de cada segmento", diz Edson Dias Bicalho, secretário-geral da Fequimfar, federação que representa químicos e farmacêuticos.

Estratégias
Uma das alternativas já em discussão na Força Sindical para conseguir "arrancar" reajustes maiores é buscar unificar as campanhas de diferentes categorias e entre centrais sindicais.

"Se a previsão é ter inflação acumulada mais alta no segundo semestre, vamos propor mobilização conjunta entre as categorias com data-base nesse período, como os metalúrgicos", afirma Miguel Torres, que comanda a central.

Comerciários ligados a quatro centrais (CUT, Força, UGT e CTB), que representam cerca de 10 milhões de empregados no país, se reuniram na quinta-feira (19) para definir ações em conjunto para pedir piso salarial unificado e participação nos lucros, além de formas para buscar aumento real.

"O fim da isenção do IPI para produtos da linha branca e automóveis deve trazer impacto nas negociações", diz Nilton Neco, presidente do sindicato dos comerciários em Porto Alegre.

Cerca de 30 mil garis de 130 cidades paulistas ameaçam entrar em greve a partir desta segunda. Segundo a federação da categoria, ligada à UGT, o pedido é de 5% de aumento real. Os empregadores oferecem pagar a inflação.

Lava Jato e ajuste fiscal freiam obras e causam milhares de demissões

• Construção civil fechou 241.580 postos de trabalhos desde setembro do ano passado, quando as investigações da PF se intensificaram, segundo o Caged; governo atrasa pagamentos para as construtoras, que estão muito descapitalizadas

Renée Pereira - O Estado de S. Paulo

A combinação entre a Operação Lava Jato e o pacote de ajuste fiscal do Ministério da Fazenda, além de uma certa dose de burocracia e brigas contratuais, resultou num amontoado de obras paradas (ou em ritmo lento) pelo Brasil afora.

Uma sondagem feita pelo Estado,com sindicatos do setor de construção pesada, levantou quase 30 grandes projetos em ritmo extremamente lento e, muitos deles, com demissões em massa.
Só nos primeiros dois meses deste ano foram fechadas 35.552 vagas no setor de construção civil, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego. Se retroagir a setembro de 2014, quando as investigações da Operação Lava Jato se intensificaram, esse número sobe para 241.580. O cenário é completamente o oposto do início de 2014, quando o País vivia o chamado "apagão" da mão de obra.

Virada. Naquela época, com a carteira cheia de projetos, as empresas se viravam como podiam para conseguir preencher o quadro de funcionários - no primeiro bimestre de 2014, o setor abriu 63.113 vagas. Mas a maré boa do setor virou com o fraco desempenho da economia, o fim das obras da Copa e o envolvimento de dezenas de empreiteiras na Operação Lava Jato.

O Produto Interno Bruto (PIB) da construção civil, considerado um dos motores de crescimento do País, despencou 5,6% em 2014 e pode cair mais 5% neste ano, segundo cálculos da GO Associados a pedido da Associação Paulista dos Empresários de Obras Públicas (Apeop). A maior preocupação está na continuidade dos atrasos de pagamentos do governo federal aos construtores.

A prática começou no ano passado como instrumento para o governo fechar suas contas e foi mantida no início deste ano com a demora na votação da Lei Orçamentária e por causa do ajuste fiscal proposto pela Fazenda. Em situação normal, as empresas até conseguiriam suportar atrasos com empréstimos bancários, afirma a Apeop.

Cofres fechados. Mas, com o escândalo de corrupção nos contratos da Petrobrás, os bancos se retraíram e fecharam os cofres para novos créditos às empreiteiras. Sem dinheiro, as empresas optaram pelas demissões e mantiveram só alguns poucos trabalhadores nos canteiros de obras para não terem os contratos rompidos.

Nessa situação estão grandes projetos estruturantes - ou seja, que têm capacidade para desenvolver regiões e empregar grande quantidade de pessoas. A lista inclui trechos da transposição do Rio São Francisco, Ferrovia da Integração Oeste-Leste (Fiol), Cinturão das Águas do Ceará e Rodoanel Norte de São Paulo, além dos grande projetos da Petrobrás que estão em ritmo lento. "O Brasil está parado. As obras não avançam", reclama o presidente do Instituto de Engenharia, Camil Eid.

Pesadelo. O que era para ser oportunidade de desenvolvimento - já que o governo apostava em grandes obras para turbinar o crescimento - virou pesadelo. "Nas cidades onde estão grandes projetos, os pequenos empresários que investiram em restaurantes, hotéis e empresas de transporte estão endividados e sem dinheiro para pagar os bancos", afirma Irailson Warneaux, do Sindicato dos Trabalhadores nas indústrias da Construção da Bahia (Sintepav-BA).

Para os trabalhadores, a situação não é diferente. Muitos deles estão desempregados e sem receber as indenizações a que têm direito. O representante do Sintepav-CE, Evandro Pinheiro, conta que as obras do Cinturão das Águas estão praticamente paradas. De dezembro pra cá, diz o sindicalista, cerca de 4,5 mil trabalhadores foram demitidos no projeto, que pretende atender 93% do Estado por meio de canais e túneis.

"O problema é que os consórcios subcontrataram outras empresas, que foram embora e não pagaram 13.º salário nem FGTS dos funcionários. Muitos continuam sem receber as indenizações e estão em situação delicada." A paralisia do projeto deve-se à redução do ritmo de repasses do governo federal ao Estado, diz a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará.

O Ministério da Integração Nacional afirmou, por intermédio de uma nota, que fez repasse de recursos neste mês. O órgão também é responsável pelas obras da transposição do São Francisco, mas garante que o fluxo de pagamento às empreiteiras do projeto está normal. Apesar disso, algumas empresas estão demitindo, afirma Pinheiro, do Sintepav-CE.

Segundo ele, a Serveng mantém apenas 600 do 1,8 mil funcionários que tinha no mês passado e a Mendes Júnior dispensou 2,8 mil trabalhadores. Mesmo negando problemas, o ministério afirmou que instaurou processo administrativo para apurar possíveis faltas cometidas pela Mendes Júnior na execução do contrato.

Em ritmo lento. A construtora também está tendo problema com as obras do Rodoanel de São Paulo. Segundo o diretor-presidente da Dersa - Desenvolvimento Rodoviário S.A,, Laurence Casagrande Lourenço, as obras do lote 1 estão num ritmo lento.

"A empresa está sendo punida e, se as respostas não forem positivas, poderemos romper o contrato. O fato de a empresa ter problema de capitalização não é um problema do governo do Estado. Hoje sou um cliente insatisfeito", afirmou o diretor- presidente da Dersa.

A Galvão Engenharia também tem tido dificuldade para tocar importantes obras, como a duplicação da BR-153 (TO/GO); Fiol (BA); e Anel Viário de Fortaleza (CE).

Fornecedores do setor de óleo e gás sofrem com calote de estaleiros e demitem 6 mil

• Cadeia produtiva

Ramona Ordoñez, Bruno Rosa – O Globo

Fora de prumo
Na esteira da crise naval, a indústria de máquinas e equipamentos também sente os efeitos da paralisação da Petrobras e dos problemas financeiros dos estaleiros por causa dos casos de corrupção da Operação Lava-Jato. Cerca de seis mil empregos de fornecedoras para o setor de óleo e gás foram cortados desde o início do ano passado, revela a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Sem encomendas e sofrendo com a falta de pagamento de estaleiros Brasil afora, as empresas fornecedoras já operam com 50% da capacidade. O setor de óleo e gás soma 15% do faturamento de R$ 80 bilhões anuais da indústria de máquinas e equipamentos. Segundo o presidente da Abimaq, José Velloso, cerca de 900 empresas fabricantes de materiais trabalham para a Petrobras direta ou indiretamente.

- O setor não sabe o que fazer. Estamos no escuro sem qualquer informação. Não existem mais previsões, ninguém planeja mais nada. A situação é muito grave - lamentou Velloso.

O coordenador do MBA Gestão de Negócios em Indústria Naval Offshore da Fundação Getulio Vargas, Alberto Machado Neto, acredita que, com o retrocesso do setor naval, a indústria de materiais e equipamentos continuará sendo afetada:

- Na medida em que a crise se aprofunda, aumentarão as demissões atingindo também o pessoal mais qualificado. O problema está deixando de ser conjuntural para ser estrutural. Não estou vendo nenhum movimento no sentido de atuar na recuperação da indústria naval. É preciso buscar iniciativas sólidas para colocar o braço na alavanca e começar a recuperação.

Henrique Gomes, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Pernambuco, lembra que no estado empresas que fornecem materiais para os estaleiros já enfrentam momentos de crise:

- Com a redução na atividade dos estaleiros de Pernambuco, alguns fabricantes já estão sem receber e têm de demitir. A crise se alastra por toda a cadeia.

Preocupação com polos
Especialistas se preocupam com a paralisação da construção dos polos navais no Brasil - que reúnem justamente os fornecedores da cadeia. Além da suspensão do polo de navipeças no Rio, outros empreendimentos foram interrompidos. É o caso do Polo 2 de julho, no interior da Bahia, em Maragojipe. O empreendimento previa investimentos entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões e a geração de oito mil a 12 mil empregos. A ideia do polo era atrair pequenas e médias empresas do setor.

No Sul, a crise na Petrobras e nos estaleiros também jogou por terra o crescimento do polo de Rio Grande - que surgiu em 2005. Executivos lembram que muitas empresas fornecedoras que tinham comprado áreas para se instalarem na região mas, com a redução na atividade dos principais estaleiros da cidade, acabaram desistindo. Em 2010, surgiu a ideia de criar um segundo polo no Rio Grande do Sul: em Chaqueadas. Porém, o projeto acabou sofrendo os impactos da crise que abate o setor. Uma das principais empresas do local, a Iesa Óleo e Gás - em recuperação judicial e proibida de ser contratada pela Petrobras por uma suposta formação de cartel - disse que fechou sua unidade e demitiu 1.023 trabalhadores.

- É uma falta de consideração da Petrobras que nos mobilizou, estimulou investimentos para atender a suas demandas, e agora sequer nos recebe. A Petrobras está pagando em dia seus compromissos em andamento, contudo, o grande problema é que não aceita pagar mais qualquer aditivo aos contratos - lamentou Velloso.

Procurada, a Petrobras disse que "está em dia com suas obrigações contratuais perante às contratadas e que todos os pagamentos de seus compromissos reconhecidos estão sendo realizados de acordo com a legislação vigente e com o estabelecido nos contratos".

Dilma vive crise aguda, avaliam especialistas

Jose Roberto Castro – O Estado de S. Paulo

Mais do que o baixo número de eleitores que aprovam o governo Dilma Rousseff - dados divulgados esta semana pelo Datafolha apontam que a avaliação ruim/péssima do governo subiu de 44% para 62% de fevereiro para cá -, o dado mais grave do levantamento, segundo a socióloga Fátima Pacheco Jordão, é a rapidez com que o quadro se deteriorou e a homogeneidade da insatisfação, que chega regiões e setores da sociedade mais próximos à presidente.

A especialista em pesquisas de opinião ressalta que a "aguda crise de opinião pública" não necessariamente reflete a situação do governo diante das crises que enfrenta na política e na economia, mas a avaliação que a população faz deste cenário. Segundo ela, a rapidez da mudança na opinião do brasileiro pode ser explicada, entre outros fatores, pela piora da situação econômica.

"Nem sempre crises políticas e econômicas são sentidas pela população, mas neste momento está afetando o bolso, de maneira diferente, de todas as classes", avalia.

A saída possível para o governo em uma situação delicada como a atual exige "respostas fortes". A professora concorda que elas ainda não foram apresentadas desde que os opositores do governo foram às ruas no último domingo, mas vê as medidas adotadas até aqui como um começo.
Fátima Pacheco Jordão avalia como boa para o governo a "abertura inédita" da presidente ao público e à imprensa, com entrevistas coletivas e falas em que admite erros. O plano anticorrupção, criticado por parlamentares, ainda não pode ser rejeitado na opinião da professora. "Tiraram de gaveta planos anticorrupção que os analistas dizem que não são suficientes. Mas é cedo para saber se não é suficiente", afirma.

Já de acordo com o professor da Fundação Getúlio Vargas Marco Antônio Carvalho Teixeira, a pesquisa Datafolha mostra que a situação do Congresso Nacional também é difícil. Com 9% de aprovação, o Congresso, apesar de não ter sido alvo direto das manifestações de domingo, terá de dar respostas à população e não poderá se dar ao luxo de travar projetos do Poder Executivo sob pena de "morrer abraçado" com o governo, avalia o cientista político.

"As manifestações evidenciam o Executivo, mas o Legislativo não está deixado de lado. O governo sai na frente com pacote anticorrupção e o Congresso não vai poder travar ações do Planalto. Tenho a impressão de que retórica não vai funcionar", avalia Teixeira.

Na visão do especialista, o governo terá de ser competente na comunicação para mostrar à população que está fazendo sua parte e que determinada medida não é aprovada por causa do Congresso. Caso consiga, coloca mais pressão no Legislativo para aprovar as respostas à população.

A análise do cientista político é de que as medidas anticorrupção anunciadas pelo governo Dilma Rousseff são uma resposta tardia, mas ainda uma resposta. O Congresso, que tem os presidentes de suas duas Casas citados na lista da Lava Jato, pode ser, na visão de Teixeira, o próximo alvo da insatisfação popular. "Não acredito que o congresso vá travar a pauta. Senão as manifestações de rua vão começar a cobrar o Congresso", avalia.

Dilma tira Mercadante da negociação com o Congresso após sofrer derrotas

• Ministro da Casa Civil, apontado como maior responsável por estratégia de confronto com o PMDB, deixa, na prática, de participar de articulação política, mesmo mantido no cargo; ministros da Fazenda e da Justiça ganham protagonismo

Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Aconselhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff colocou em prática o afastamento do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, da articulação política do governo. A movimentação de Lula iniciou-se no começo de fevereiro, logo após o Palácio do Planalto sofrer derrotas no Congresso que foram atribuídas por petistas e aliados à atuação do ministro petista.

As principais críticas a Mercadante referem-se a decisões vistas como de confronto com o PMDB. O governo estimulou o lançamento da candidatura do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que acabou eleito presidente da Câmara, em fevereiro.

Atribui-se também ao chefe da Casa Civil a ideia de criação de um novo núcleo governista, com a participação do ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), e do agora ex-ministro da Educação Cid Gomes (PROS). O que mais irritou pemedebistas foi a propalada ideia de criação de um novo partido, por Kassab, entendido como uma tentativa de reduzir poder do principal aliado do governo.
Até Lula pedir o afastamento de Mercadante das funções de coordenador político, o ministro agia ativamente para tentar aprovar no Congresso as propostas encaminhadas pelo Executivo. Chegou a se reunir com as bancadas do PMDB e do PSD para pedir apoio ao pacote fiscal formulado pela equipe econômica.

Mas essa função passou a ser exercida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy - especialmente depois que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), devolveu ao Executivo uma das medidas provisórias do ajuste fiscal, que reduzia a desoneração da folha de pagamento das empresas.

Desde o início do mês, Levy já esteve no Congresso reunido com Renan Calheiros e Eduardo Cunha para discutir as medidas do pacote, assim como com a bancada do PT na Câmara, com a qual ele se reuniu na última terça-feira. A ausência de Mercadante no encontro com seu partido não passou despercebida aos participantes da reunião.

Protestos. Após as manifestações do dia 15 de março contra o governo Dilma, que levaram milhares de pessoas às ruas, outros nomes da articulação política vieram a público responder pelo Palácio do Planalto. Coube aos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, falar ainda no domingo sobre os protestos. O resultado da entrevista foi considerado "um desastre" por petistas e aliados, principalmente pelo tom de confronto adotado por Rossetto.

No dia seguinte, houve a troca dos porta-vozes do governo. Dessa vez, Cardozo fez dobradinha com o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga (PMDB). Ambos participaram de coletiva de imprensa no Palácio do Planalto para, numa nova tentativa, apresentar uma resposta do governo aos protestos. Mercadante, mais uma vez, esteve ausente.

O chefe da Casa Civil até participou do lançamento, no Palácio do Planalto, do pacote anticorrupção, na quarta-feira passada. Mas foi o ministro da Justiça quem voltou a ser o protagonista na apresentação feita aos líderes do Congresso. Foi Cardozo também quem comentou a queda na aprovação de Dilma, que chegou a 13%, e a reprovação, a 62%, segundo o Datafolha.

O chefe da Casa Civil teve ainda participação discreta na apresentação da medida provisória da renegociação das dívidas dos clubes, lançada por Dilma e pelo ministro do Esporte, George Hilton, na última quinta-feira.

Confiança. Embora o afastamento de Mercadante da coordenação política já tenha sido posto em prática, integrantes da cúpula do PT e de partidos aliados apostam que dificilmente Dilma irá tirá-lo da Casa Civil, por se tratar de um cargo de confiança da presidente. O ministro da Defesa, Jaques Wagner,muito próximo de Lula, é o mais lembrado para assumir o posto por ser considerado mais habilidoso na condução política.

A presidente preferiu, até o momento, ampliar o núcleo da articulação política, com a inclusão dos ministros da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo (PCdoB), da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB), e de Gilberto Kassab.

Declaração de Dilma da semana passada, de que irá fazer mudanças "pontuais" em sua equipe, também foi interpretada por aliados como um sinal da indisposição da presidente em tirar Mercadante do Planalto.

Ele passou a ser o nome mais lembrado para voltar ao Ministério da Educação, em substituição a Cid Gomes, depois que um bate-boca com Eduardo Cunha no plenário da Câmara o levou à demissão. Mas já há, entre líderes políticos, quem aposte que Dilma irá optar por um "técnico" para tocar a pasta.

'Estatal não pode servir a um partido', diz jornalista

Daniel Bramatti – O Estado de S. Paulo

Presidente da Radiobrás no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o jornalista Eugênio Bucci qualificou como "o pior erro de comunicação da história do governo" o vazamento do documento da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, ocorrido na semana passada.

Bucci não critica apenas o vazamento em si, ou seja, o fato de uma avaliação interna do governo ter sido exposta no portal estadão.com.br e, a seguir, em outros meios de comunicação. Para alguém que marcou sua gestão na empresa estatal de comunicação pelo combate ao chamado jornalismo chapa-branca, marcado pelo oficialismo, foi uma enorme "decepção" ver a Agência Brasil citada no documento como integrante de uma rede de promoção do governo, no mesmo nível, por exemplo, do Facebook da presidente.

Bucci critica o uso da rede estatal de comunicação para a promoção do governo - mas faz a ressalva de que essa prática não é exclusiva do PT, e sim generalizada entre governantes de todos os partidos.
Em seu recém-lançado livro O Estado de Narciso - A comunicação pública a serviço da vaidade particular, ele também defende que o governo deve ser proibido de fazer propaganda. "O Estado não deve se comunicar com a sociedade por meio de compra de espaço publicitário em veículos privados."

O que o documento sobre as estratégias de comunicação do governo revela?

Trata-se de um texto muito caricato. De início, pensei que fosse um trote, que havia sido escrito por algum redator do Zorra Total (programa de humor da TV Globo). Não sabemos quem fez o documento, mas os sinais indicam que a área de comunicação do Palácio do Planalto não consegue diferenciar o governo do partido. É preciso compreender que são figuras diferentes, esferas diferentes, sujeitos diferentes. Se não conseguirmos separar um do outro, teremos um recuo civilizatório.

O PT tem dificuldade de fazer essa separação?

Esse tipo de mentalidade, com absoluta segurança, está presente em vários outros partidos e governos. É importante que se diga que isso não é exclusividade do PT. Para um número grande de pessoas que operam comunicação de governo, a propaganda é a disputa de uma guerra. Não é por acaso que usam figuras de linguagem bélicas, como "guerrilha", "soldados", "munição". Essa linguagem nos permite depreender que eles enxergam a sociedade como um campo de batalha, e não como um conjunto de cidadãos. Não há diálogo. O tom é de ocupação e de dominação. Até no Império Romano essa mentalidade seria atrasada.

Quem seriam os participantes dessa guerra?

Ao longo de todo o documento, a gente depreende a existência do "nós" e do "eles". O "nós" aglutina partido, militantes, ministros, Agência Brasil, Empresa Brasil de Comunicação. O "eles" são os que fazem panelaço, os que fazem manifestação contra o governo. Quando alguém sucumbe a essa lógica do nós contra eles, passa a indiferenciar partido e governo. O que vem depois disso é um descalabro.

O documento expõe uma visão de governo ou uma opinião pessoal?

O governo não repudiou até agora esse documento. Esse silêncio pode ser lido como um aval. Se não o nega, o governo assina o documento. Deveriam dizer que um texto desses é inaceitável dentro de uma repartição pública.

O texto sugere que a Agência Brasil deve ser colocada a serviço da defesa do governo. É esse o papel dela?

A Agência Brasil faz parte de uma empresa estatal, a Empresa Brasileira de Comunicação. Uma estatal não pode ser partidária. Quando se organiza a comunicação estatal, o princípio básico é que ela não pode estar a serviço de um partido. A definição do que é estatal está na Constituição, deve primar pelo princípio da impessoalidade. Não sei qual é o entendimento de estatal que está na cabeça dessa gente, mas parece que é outro.

O texto fala sobre o uso de "robôs" nas redes sociais pelas campanhas do PT e do PSDB.

Nas campanhas, todo mundo usa robôs. Há algoritmos tão sofisticados que até fecham operações no mercado de capitais. Não considero especialmente chocante o uso de robôs. O que choca é o contexto.

Também há menção ao uso de propaganda oficial em São Paulo para melhorar a popularidade do prefeito Haddad e, por tabela, da presidente Dilma.

O uso de publicidade para promover o governante é uma prática patrimonialista. Não deve existir propaganda oficial para melhorar imagem. Se alguém diz que o faz, está indo contra o que a Constituição preconiza. Está propondo o uso de recursos do Estado para fazer luta partidária. Quem faz esse tipo de proposta seguramente não entendeu o espírito da coisa pública.

A Constituição proíbe a propaganda que promova governantes, mas, em seu livro, o senhor mostra que quase todos se utilizam de brechas para ignorar essa regra. Como evitar que isso ocorra?

Essa iniciativa precisa partir dos cidadãos. É preciso proibir que o Estado seja anunciante, a não ser em situações excepcionalíssimas. Hoje em dia, todas forças políticas, no governo ou oposição, são unânimes ao tratar como normal o uso da estrutura de comunicação estatal para promover o governo ou o governante. Da mesma forma, há muitos jornais pequenos e médios, entre outros meios de comunicação, que dependem de verbas oficiais e que não estão interessados em mudar essa realidade. Não veem esse sistema como algo que corrompe a democracia.