quinta-feira, 17 de setembro de 2015

José Roberto de Toledo - O jogo do impeachment

- O Estado de S. Paulo

O jogo do impeachment funciona mais ou menos assim. Os deputados abertamente a favor lançam movimento, fazem abaixo-assinado e encontram advogados desinibidos que formalizem o pedido – para dar uma cara de movimento da sociedade. Mas eles não têm os 342 votos necessários para derrubar a presidente. Nem têm certeza de com quantos podem contar na hora H. Os deputados sabem que, se o impeachment falhar, quem tiver se exposto pode ser retaliado.

Por isso, os pró-impeachment montaram uma estratégia por etapas. Para ir sondando o terreno enquanto tentam somar apoios ao longo do processo. O primeiro passo é tentar emplacar a narrativa de que “ruim com impeachment (porque demora e pode haver reação, greves, conflito), pior sem ele”.

Para tanto, tentam persuadir empresários e parlamentares que estão no muro de que o governo não conseguirá estabilizar a economia. Nem agora nem nunca. “Não podemos ficar do jeito que estamos por muito tempo”, traduz FHC.

É condição necessária garantirem o fracasso do plano de ajuste fiscal apresentado pela equipe econômica. Nem precisam se esforçar muito, porque o governo tratou de colocar o carro na frente da récua. Em vez de fazer os cortes primeiro, para só então tentar recriar e aumentar impostos, subverteu a lógica, aumentou o atrito e ainda deu tempo para os adversários. Na política, a ordem dos fatores atrapalha muito o produto.

Ao mesmo tempo, a vanguarda pressionará o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), a dar logo uma resposta ao pedido de impeachment. Nada o obriga a responder, mas como Cunha poderia resistir a ter o mandato de Dilma Rousseff praticamente em suas mãos? Se ele se calar, nada acontece. Se ele indeferir, o recurso imediato da vanguarda será ao plenário. Quem tiver maioria simples leva. Será o primeiro teste real da força dos pró-impeachment. Contam seus votos e ainda criam fato político.

Qual a chance de a oposição ganhar essa votação? Vai depender de quão atentos e mobilizados estiverem os governistas. Segundo o “Vai Passar?”, do Estadão Dados, se o PSDB e a minoria orientarem a favor, o PT e o governo orientarem contra, tudo fica nas mãos das lideranças do PMDB e do PSD. Eles são o melhor termômetro do que vai pela cabeça do plenário. Se ambos ficarem neutros, ou seja, liberarem suas bancadas, há 73% de chance de os pró-impeachment terem sucesso. Mas se PMDB e PSD forem contra, a chance de o pedido vingar é muito baixa.

Se vencer essa primeira votação, o impeachment deixa de ser possibilidade e passa a ser uma probabilidade. Em poucas sessões a Câmara teria que decidir se abre ou não o processo contra Dilma. Abertura do processo implica afastamento automático da presidente e, na prática, a perda do mandato. O resto é formalidade. Collor renunciou após a Câmara aprovar a abertura.

Mas essa segunda votação é muito mais difícil. O quórum é qualificado (seria melhor dizer quantificado, mas deixa estar). São necessários dois terços dos 513 deputados, ou 342 votos. Para chegar nesse número, os pró-impeachment precisariam ter o apoio explícito do líder do PMDB e, de preferência, do PSD – que assinaram “manifesto” a favor da soberania do voto popular e, na prática, contra o impeachment. Mas isso não quer dizer muito.

Na frase atribuída a Magalhães Pinto, “política é como nuvem: você olha e ela está de um jeito, olha de novo, e já mudou”. Se forem de tempestade, então… A despeito do que digam, lideranças do PMDB e do PSD vão flutuar ao vento nos próximos dias e semanas. Se o ajuste econômico falhar novamente no Congresso, a ventania soprará contra Dilma e enfunará as velas da oposição.

Enquanto isso, o PMDB perde a cerimônia. Oficializa a doação oculta de campanha e ainda manda recado para a presidente: “se vetar, vai dar mais problema”. Rima com “coragem”, mas o nome é outro.

Rogério Gentile - Impasse, o pior dos mundos

- Folha de S. Paulo

O Brasil vive um impasse. Em meio a uma crise econômica grave, a presidente da República perdeu o vigor político necessário para governar e é improvável que consiga recuperá-lo. Por outro lado, não há na mesa um motivo robusto e evidente para o impeachment –decisão que seria hoje muito controversa. Não há um Fiat Elba; não existe uma Casa da Dinda.

O pacote de maldades que o Brasil precisa adotar para ajustar suas contas, que passa por um drástico corte de despesas e aumento de impostos, exige liderança política para implementá-lo. Somente um governo com base sólida, mesmo assim suando muito, consegue fazer rolar algo que desagrada a tanta gente: empresários, classe média, servidores, movimentos sociais etc.

Dilma não tem hoje o controle do Congresso. Mal consegue fazer com que o seu partido atue em consonância com as suas prioridades. O próprio Lula não faz mais questão de esconder suas divergências, atacando o ajuste.

A presidente encontra-se nas mãos do PMDB de Michel Temer e Renan Calheiros, que não tem mais interesse em socorrê-la e só consegue pensar em outra coisa. O partido se enxerga na iminência de assumir o poder e apenas aguarda uma oportunidade para desenrolar o processo de impeachment.

Nem mesmo um banho de espírito público faria o PMDB, depois que o partido sentiu o gostinho do poder, mudar de rota para ajudá-la a tirar o país da enrascada econômica. Quer inviabilizar o ajuste agora para ter a possibilidade de implantá-lo depois.

A presidente Dilma, antes de tentar aprovar qualquer plano no Legislativo, precisaria reconstruir sua base política, uma tarefa que hoje é extremamente difícil, se é que ainda dá.

De qualquer modo, de um jeito ou de outro, em algum momento, o país terá de sair desta condição de impasse e paralisia. Até lá, no entanto, não há como imaginar que a situação não vá se agravar ainda mais.

Luiz Carlos Azedo - Sob domínio do medo

• Dilma teme que a não aprovação do pacote fiscal que encaminhou ao Congresso para fechar o Orçamento de 2016 abra caminho para o impeachment, pois revelaria a sua incapacidade de governar

- Correio Braziliense

A presidente Dilma Rousseff está assombrada com possibilidade de deixar o poder por uma via constitucional antes do término do seu mandato. Caiu a ficha de que o governo não pode tudo, embora seja sempre a forma mais concentrada de poder, e de que está realmente na corda bamba.

A proposta de impeachment deixou de ser apenas uma das bandeiras das ruas contra o governo, agitada nas redes sociais por movimentos de oposição descolados dos partidos, desde as gigantescas manifestações de 15 de março passado.

Agora é uma possibilidade real, em razão do agravamento da crise econômica e da desagregação de sua base política, uma vez que as forças de oposição e setores governistas já articulam o seu afastamento do cargo por decisão do Congresso.

Dilma acusou o golpe, literalmente. Em Presidente Prudente, no interior paulista, ao fazer a entrega de 2,3 mil moradias do programa Minha Casa, Minha Vida, disse que “qualquer forma de encurtar o caminho da rotatividade democrática é golpe”.

Mais cedo, em entrevista à Rádio Comercial, emissora local, passara recibo de que teme o processo de impeachment: “Qualquer forma de encurtar o caminho da rotatividade democrática é golpe, sim. É golpe! Principalmente, quando esse caminho é feito só de atalhos, de atalhos questionáveis”.

Dilma tem razão em ter medo de ser afastada do poder. Na gaveta do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, há mais de dez pedidos de abertura de processo de impeachment, além dos quatro que já foram rejeitados por ele.

Um deles, porém, assusta mais os governistas: é o pedido do jurista e ex-deputado Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que foi encampado pelos partidos de oposição. Bicudo, que está com 91 anos, se afastou do PT em meio ao escândalo do mensalão.

O impeachment
Na terça-feira, o plenário da Câmara virou um pandemônio porque os partidos de oposição apresentaram uma questão de ordem à mesa da Câmara pedindo esclarecimentos sobre a tramitação dos pedidos.

Assinada pelos líderes Carlos Sampaio (PSDB-SP), Mendonça Filho (DEM-PE), Arthur Oliveira Maia (SD-BA), Arnaldo Jordy (PPS-PA), André Moura (PSC-SE), Cristiane Brasil (PTB-RJ) e Bruno Araújo (PSDB-PE), a oposição fez uma série de perguntas sobre a tramitação do impeachment no Congresso.

Quer saber se a decisão sobre a abertura não deveria ficar com o plenário e quem pode recorrer contra a eventual rejeição do pedido, além de indagar se o presidente da República pode sofrer processo de impeachment por atos cometidos durante o mandato imediatamente anterior.

O regimento interno da Câmara não estipula prazo para Cunha dar uma resposta à questão. A estratégia da oposição é forçá-lo a indeferir o pedido de Hélio Bicudo e, depois, apresentar ao plenário um recurso contra a decisão.

Para que o recurso seja aprovado, bastará maioria simples dos votos dos deputados. Se isso acontecer, estará dado o pontapé inicial para a tramitação do processo de impeachment. Ou seja, bastariam 247 deputados a favor do impeachment para o processo deslanchar. São 513 no total.

A discussão exaltou os ânimos dos governistas e deixou Dilma Rousseff preocupada, daí os comentários de ontem: “Eu acredito que tenham ainda no Brasil, infelizmente, pessoas que não se conformam que nós sejamos uma democracia sólida, cujo fundamento maior é a legitimidade dada pelo voto popular”, disse ela.

Dilma teme que a não aprovação do pacote fiscal que encaminhou ao Congresso para fechar o Orçamento de 2016 abra caminho para o impeachment, pois revelaria a sua incapacidade de governar o país por falta de apoio político no Congresso. Sua base social já está perdida, inclusive no Nordeste, devido à desaprovação de seu governo.

Entre a cruz e a caldeirinha, Dilma aposta tudo na recriação da CPMF, que alavancaria a arrecadação federal para garantir seus programas sociais. Entretanto, a proposta não tem apoio suficiente no Congresso. A articulação com os governadores para pressionar a bancada governista não deu resultados até agora.

A outra opção de Dilma seria cortar investimentos e gastos sociais, principalmente os programas Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, que são compromissos de campanha. O segundo é a herança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teria um motivo para romper publicamente com o governo. Os dois programas são “imexíveis”.

Além de não conseguir apoio robusto para o pacote fiscal, nem do PT nem do PMDB, Dilma tem dificuldades para fazer a reforma administrativa, que deve reduzir o número de ministérios. Ontem, comentava-se que o ministro chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, deixaria o cargo na reforma ministerial. Seria uma exigência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de setores do PMDB que apoiam o governo.

Bernardo Mello Franco - O bloco de FHC tem dono

- Folha de S. Paulo

Em artigo recente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu que "a solução da crise não decorrerá apenas da remoção do obstáculo mais visível a um reordenamento político, simbolizado por quem exerce o Executivo e pelo partido de apoio ao governo, mas da formação de um novo bloco de poder".

A primeira parte da frase deixa claro que o tucano aderiu ao grupo que deseja "remover" a presidente Dilma do Planalto. A segunda sugere o desejo de ver seus aliados na base de um eventual governo Michel Temer.

O bloco almejado por FHC começou a se formar nesta terça, quando o deputado Mendonça Filho apresentou questão de ordem sobre o impeachment. O documento foi subscrito por dirigentes de seis partidos que apoiaram Aécio Neves no segundo turno da eleição presidencial: PSDB, DEM, PTB, SD, PPS e PSC.

A lista de assinaturas permitiu aos petistas repetir que o grupo do senador, derrotado nas urnas, agora tenta virar a mesa no tapetão da Câmara. No entanto, a bancada aecista contabiliza apenas 116 deputados. Faltariam 226 votos até os 342 necessários para afastar a presidente.

Os números indicam que o "novo bloco" terá obrigatoriamente um outro dono, que não pertence à oposição oficial. O único político com força para assumir o papel e entregar a Presidência a Temer é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Além de comandar a ala anti-Dilma do PMDB, ele tem concentrado o assédio sobre três siglas de centro-direita que apoiaram a reeleição de Dilma por conveniência: PP, PSD e PR.

Se o plano de FHC passa obrigatoriamente pela liderança de Cunha, o ex-presidente poderia escrever um novo artigo para responder duas perguntas. Se ele quer derrubar a presidente para tirar a economia do buraco, como dará aval a uma aliança com o comandante da "pauta-bomba" na Câmara? Se o mote for o combate à corrupção, como aceitará entregar o "novo bloco de poder" a um político denunciado na Lava Jato?

Jarbas de Holanda - Pacote da “última chance”. E o dilema de Lula

 Em menos de duas semanas, um zigue-zague de 8 a 80. Do enorme déficit primário de mais de R$ 30 bilhões na proposta do orçamento de 2016, classificado de “realista e transparente” pela presidente e pelo ministro do Desenvolvimento Nelson Barbosa (a rigor, objetivando o reinício de estímulos ao populismo consumista), até o pacote de caráter ortodoxo, liderado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, voltado para a retomada de um superávit primário de 0,7% por meio de aumento de impostos, preponderante, e do corte de gastos, puxados respectivamente pela recriação da CPMF e pelo adiamento do reajuste do funcionalismo federal. Entre os dois polos de opções tão contraditórias, a perda do grau de investimento do país pela Standard &Poor’s, seguida pela de 36 grupos empresariais brasileiros (entre eles a Petrobras) e pela ameaça de rápida sequência de decisões semelhantes pelas outras duas grandes agências de classificação de risco. Bem como pelo adensamento da erosão do que resta de governabilidade e das pressões políticas e sociais pelo impeachment. Tal rendição representando, assim, para Dilma Rousseff – como destacou o editorial da Folha de S. Paulo, na capa da edição de domingo, intitulado “Última chance” – a alternativa restante a ter de “abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o mandato”.

 Só que as medidas anunciadas no final da tarde de anteontem (cuja articulação de uma parte delas com reformas estruturais se inseriria numa consistente reorientação macro e microeconômica do país) estão sendo corretamente avaliadas como respostas tardias e insuficientes diante das enormes proporções do rombo fiscal e de suas causas; destituídas de credibilidade para os agentes econômicos; e sem viabilidade institucional, em face da extrema precariedade das relações com o Congresso de um Executivo dividido e fragilizado por sua incompetência e pelo estreito envolvimento de seu núcleo político, petista, com a operação Lava-Jato. Quanto à viabilidade institucional das medidas do referido pacote, cabe começar assinalando que a decisiva para aumento de receita, a recriação da CPMF, deve ser objeto de mais um dos sucessivos bloqueios legislativos contrapostos a tentativas anteriores com o mesmo objetivo. A principal medida de economia, o adiamento do reajuste dos servidores da União, será rejeitada pela oposição, por grande parte das bancadas do PMDB e também pelas do PT e de seus aliados esquerdistas, sob a pressão de uma escalada de grevismo. E outra medida com esse objetivo, o corte de gasto de R$ 4,8 bilhões no programa Minha Casa Minha Vida, com a substituição dele por recursos de emendas parlamentares ou será rechaçada por inteiro ou terá de oferecer alternativa a essa substituição, pois deputados e senadores vão querer dar uso diferente para a maior parte de tais emendas, agora de caráter impositivo.

 Ou seja, o enfrentamento dos problemas do descalabro fiscal e das graves distorções estruturais (criadas a partir de 2009 pelo intervencionismo estatal e pela exacerbação do populismo assistencialista) será tarefa praticamente inviável de ser conduzida por uma presidente como Dilma Rousseff. Podendo ter seu início tentado, com alguma possibilidade de sucesso, por um governo alternativo, como o do peemedebista Michel Temer. E reclamando, pela profundidade e amplitude desses problemas e distorções, para ser efetivamente implementado, a negociação de um amplo pacto reformista que seja legitimado pelo apoio majoritário da sociedade, numa eleição presidencial.

A virada ortodoxa do Palácio do Planalto diante da crise fiscal – assumida por Dilma Rousseff (e seu estado-maior) quando caiu a ficha da iminência de perda do mandato, abandonando de repente a opção do déficit “realista e transparente”, combinada com o ex-presidente Lula – esse zigue-zague teve complicadas implicações para ele. Sua flexibilidade de “metamorfose ambulante” (que tomou emprestado de música de Raul Seixas para justificar a incoerência de suas posturas) foi posta em xeque: como combinar a manipulação dos “movimentos sociais” ultraesquerdistas em favor do “volta Lula” em 2018, ou ao menos para retirar o PT do “volume morto”, a que foi rebaixado pela implosão do populismo assistencialista e pelo megaescândalo do petrolão, com as medidas neoliberais do governo Dilma? Como manter a articulação deles contra a crescente demanda popular de impeachment da presidente num contexto de greves contra as medidas “neoliberais” do governo? Esse xeque, de defesa praticamente impossível, pode estar compelindo Lula a avaliar a conveniência de uma substituição de Dilma pelo vice-presidente Temer. Troca que lhe possibilitaria, ou possibilitará, partir para outra volta – ao antigo radicalismo oposicionista do PT. O que poderia, ou poderá, incluir – nos desdobramentos da crise política e econômica em outubro ou novembro, até para evitar oimpeachment iminente – o aconselhamento a Dilma para a renúncia.
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Jarbas de Holanda é jornalista

Maria Cristina Fernandes - Assim que possível

• As vantagens de se estender o prazo de validade de Dilma

- Valor Econômico

O presidente da Câmara dos Deputados deu o título acima como prazo para analisar a consulta da oposição sobre o rito do impeachment. É possível que o Brasil seja outro quando Eduardo Cunha decidir que é chegada a hora de mandar Dilma Rousseff para casa.

Há uma pauta de mudanças em curso que se impõe sobre uma presidente da República nas cordas. O impasse da CPMF sugere uma falsa paralisação do Congresso. Tramitam pelos mesmos gabinetes os votos da cassação e a negociação de demandas empresariais há muito represadas.

Entre esses projetos, há desde mudanças estruturais como a do regime de exploração do pré-sal, tema que mobiliza de governadores a funcionários de carreira, até pautas localizadas como a indenização de proprietários de terras indígenas.

Uma parte delas está na Agenda Brasil. Outras integram o cotidiano de liberações do Orçamento, minutas que engordam a margem de retorno de concessões e garantias ampliadas para as parcerias privadas com o Estado.

Noutra frente, avançam projetos que rifam a já escassa transparência no financiamento eleitoral ou a possibilidade de responsabilizar dirigentes partidários por irregularidades nas contas de campanha.

O mesmo Congresso que, nos últimos anos, aprovou avanços como a delação premiada e a lei anticorrupção, age sem consonância com os rumos reivindicados pela maioria que foi à rua em 2013 e por muitos daqueles que continuam a ocupá-la na expectativa de que a derrubada da presidente passará o país a limpo.

Romero Jucá (PMDB-RR) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, aparecerem nos fóruns da semana com um discurso afinado. Líder de todos os governos nos últimos 20 anos, Jucá só rivaliza com o presidente da Casa, Renan Calheiros, na intimidade com os escaninhos do poder.

Numa mesa de debates promovida pela OAB em São Paulo, o senador atribuiu à sociedade a capacidade de tirar os políticos e o empresariado do que chamou 'zona de conforto'. Dois dias depois, o ex-presidente, no instituto que leva seu nome, também disse que o bloco de poder necessário ao impeachment ainda não cativou as ruas. Basta olhar a pauta parlamentar que hoje move este bloco para entender por que.

Fernando Henrique acredita que o agravamento do desemprego possa vir a dar ao bloco do impeachment o verniz social de que carece. Jucá, em dueto, apostou que a economia ainda vai piorar para que o fundo do poço venha a aparecer.

Não é a depauperação das condições de vida, no entanto, que leva à mobilização popular, mas a frustração de expectativas. Este governo frustrou muitas delas, e a parcimônia do pacote fiscal em cortar programas sociais pode não ser suficiente para blindar a presidente contra o agravamento do desemprego. A pauta do bloco de poder que busca respaldo social, no entanto, tampouco enleva as ruas.

É preciso muito capital político para pedir que uma população que teve sua conta de energia majorada em 50% este ano, pague mais impostos. Mas é igualmente uma aposta de alto risco dar cheque em branco a um bloco patrocinador de projetos como aquele que retira do Executivo a prerrogativa de elaborar as normas para a fiscalização das leis trabalhistas.

FHC e Jucá têm em comum o receio de que a pauta do ajuste desgaste não apenas este governo como também aquele que vier a sucedê-lo. A extensão do prazo de validade de Dilma pode ser encarada como uma maneira para se reduzir o passivo a ser deixado para o sucessor. Parte do apoio que o ministro Joaquim Levy desfruta junto a setores empresariais e da oposição deriva desse cálculo. Tanto medidas necessárias para o reequilíbrio fiscal quanto aquelas patrocinadas pelo oportunismo de plantão podem ser debitadas na gordura de um dígito em que se consome a popularidade da presidente.

No fim do debate no Ifhc, um convidado indagou Armínio Fraga, um dos palestrantes, sobre o cenário para investimentos. O economista disse que optara por não tomar riscos e jogar na defesa. "O investidor tem essa opção, os políticos, não", interveio Fernando Henrique.

A iniciativa política ainda depende da coesão das lideranças de plantão, mas esta não é a única diferença entre este processo e aquele que derrubou Collor. A maior delas, nominada pelo ex-presidente, é a Lava-jato. Não citou o presidente da Câmara e talvez não se lhe restrinja, mas não poderia ter sido mais claro ao dizer que a operação deixa o cenário mais indefinido por envolver quem tem a missão de conduzir o processo.

Eduardo Cunha não parece ter pressa em responder à questão de ordem sobre o processo de impeachment. Ganha tempo para enredar o maior número possível de agentes da política e da economia na teia de proteção com a qual espera contar na eventualidade de se tornar réu no Supremo Tribunal Federal.

Se a delação do operador do PMDB, Fernando Baiano, revelar os vínculos do presidente da Câmara com os fornecedores da Petrobras, há também de expor a teia de relações generosas que mantinha com seus pares - e não apenas de seu partido - em campanhas eleitorais.

Se o processo de impeachment for, de fato, deflagrado, com a autorização da Câmara para que o Senado julgue a presidente, Dilma terá que se afastar da Presidência. Já Cunha manobra para ter a seu lado uma maioria capaz de mantê-lo no cargo, ainda que sob investigação. Age para sobreviver não apenas à presidente da República mas ao governo que vier a sucedê-lo.

O retorno de Fernando Collor à mira da Justiça mostrou que seu afastamento da política não apagou os vínculos construídos à época de seu governo. Na Lava-jato o senador é acusado de se valer de um ex-ministro (Pedro Paulo Leoni Ramos) para articular contratos na BR Distribuidora.

O presidente da Câmara tem ainda maiores chances de sucesso do que seu antigo chefe. Com a pauta que, desde o início do ano, pôs em curso na Câmara, manteve ao seu lado as bancadas da bala, dos evangélicos e dos ruralistas. Mas Eduardo Cunha não é deputado de nicho. A celeridade que o presidente da Câmara dá ao projeto que muda o regime de exploração do pré-sal mostra que, além de atender ao apelo de governadores, o presidente da Câmara ainda preserva interesses em temas que estruturam o país.

* Eugênio Bucci - O futuro de uma desilusão

- O Estado de S. Paulo

Antes que o improvável leitor pergunte se desilusões têm futuro, e desde quando, talvez seja mais ajuizado tratar inicialmente das ilusões. Estas, sim, têm futuro promissor (em mais de um sentido).

Para encontrá-lo e conhecê-lo um pouco melhor devemos viajar ao passado, pois é lá que ele começa.

Façamos a viagem pelo roteiro mais seguro (e mais óbvio): o livro O Futuro de uma Ilusão, que Sigmund Freud escreveu em 1927. A leitura é prazerosa até hoje. Freud acreditava que a civilização reduziria gradativamente a influência dos deuses sobre a Terra. Afirmava que todas as religiões eram ilusões infantis – ainda que muito eficazes para dar conforto psíquico aos homens assombrados pelo desamparo e pela morte – e, como ilusões, deveriam ser vencidas. “Os homens não podem permanecer crianças para sempre”, escreve o médico psicanalista, convencido de que a humanidade seria menos infantil e menos neurótica se fosse menos religiosa.

O leitor de O Futuro de uma Ilusão se vê convidado a imaginar um mundo sem altares e sem paraísos celestiais, como viria a cantar John Lennon, algumas décadas mais tarde. Freud contenta-se com outro poeta. Nas páginas finais, cita dois versos de Heinrich Heine: “Nós deixaremos o céu/ Para os anjos e os pardais”. Deixando o céu, deixaríamos as ilusões para lá e apostaríamos na civilização, a utopia freudiana.

Freud acertou ou errou? Nem uma coisa, nem outra. Por vezes, olhando as guerras entre fundamentalismos extremistas, temos a impressão de que errou. Mas no chamado mundo democrático o balanço é menos negativo. Depois do trauma da 2.ª Guerra o Estado de Direito se fortaleceu e ficou mais inclusivo, mais impessoal e mais laico. Nas sociedades livres os agnósticos já não são estigmatizados como antes e, de modo geral, as pessoas convivem melhor com a “sensação de insignificância ou impotência diante do universo”, sem ter de ir à igreja em busca de alívio. A religiosidade já não se baseia em “pontificar” sobre isso e aquilo e ninguém mais causa escândalo se disser que Deus não existe. De todo modo, a humanidade ainda não desocupou o céu “para os anjos e os pardais”. O futuro da tal ilusão continua sendo uma questão em aberto – divinamente aberta por Freud.

Isto posto, voltemos ao Brasil, onde o céu é do urubu. Aqui, a laicidade nunca foi esporte nacional.

Nossos ateus mais ousados são aqueles que juram em prosa e verso ter visto milagres incríveis na Bahia de todos os santos. O problema civilizatório destas terras não passa pelo declínio das ilusões religiosas. Passa antes por saber o que virá depois da grande desilusão política que nos pegou por traição.

Nossa desilusão sobreveio à morte de uma utopia. Não era uma utopia grandiosa e universal como a ideia de uma “civilização adulta”, mas também foi arrebatadora: reduzir as desigualdades sociais do Brasil, a partir de um projeto político igualitário, democrático e libertário, que gerasse um novo modelo de desenvolvimento econômico, social e humano. Foi então que a utopia se esboroou como se nunca tivesse passado de farsa. Desmantelou-se. A utopia petista dos anos 80 e 90, que ingressou no século 20 como a esperança que venceria o medo, agora sai de cena sem honra e sem elegância. O burlesco se confunde com o trágico, heróis se revelam palhaços, a epopeia se dissolve em bazófia.

A desilusão é tamanha que faz corar até os adversários. Ninguém, nem os antagonistas mais raivosos, desejava um ocaso tão degradante para uma promessa que tinha sido tão bonita. O apagar da estrela desmotiva a Nação inteira. Uns ainda tentam gritar: “Eu avisei!”. Não adianta. São bufões, como os demais, no meio da rua.

A notícia não seria tão ruim se estivéssemos vivendo um epílogo, mas o infortúnio não acaba aqui.

Não estamos lidando com uma desilusão qualquer, dessas que só têm passado. Diante dela, não basta perguntar: “Como fui me iludir?”. O maior problema é o que ainda está por vir. A utopia morta ainda vai ainda ficar por aí, ocupando o espaço (não apenas o céu) por um bom (mau) tempo. O pior é que essa é uma desilusão que tem futuro.

E seu futuro não vai ser luminoso. Trará a recidiva das mentalidades mais atrasadas, que aprisionaram por tanto tempo a sociedade brasileira à selva, à lei do mais forte travestida de norma institucional. Vai fazer com que o preconceito de que um presidente sem diploma só poderia conduzir o País à corrupção adquira o estatuto de verdade testada e comprovada. Os porta-vozes do reacionarismo vão dizer, com escárnio, que o líder operário não fez bobagem na entrada, mas estragou tudo na saída. Vão dizer que a esquerda é a mãe de toda a corrupção e, embora a História do Brasil exponha com fatura a corrupção da direita e das oligarquias feudais, será difícil mostrar que estão errados.

Mas o pior, o pior de tudo, é que a culpa pelo futuro que terá muito de treva, insensibilidade e violência – além de um grave estreitamento das alternativas políticas – não poderá ser imputada aos reacionários ou aos supostos golpistas. Não. A culpa é dos assassinos da velha utopia, que não são outros senão alguns de seus primeiros profetas. Eles a mataram com suas próprias mãos – leves.

Estes ainda tentarão sobreviver à sombra do imenso cadáver ideológico que fabricaram, inventando falsos inimigos e falsas divindades. Tentarão, como já vêm tentando, erguer uma religião política para substituir a utopia que mataram. Vão se converter em mercadores de ilusões, ilusões religiosas da pior espécie, puro charlatanismo populista, sem nenhum laço com a experiência concreta dos seres humanos.

O futuro dessa desilusão brasileira será, por fim, o fanatismo vulgar, que então se dissolverá sem dor. A travessia será bíblica, eis o toque de ironia, mas não haverá nenhum Moisés a conduzi-la.
Um Michel Temer, será? Ou, quem sabe, os pardais?

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* Eugênio Bucci é jornalista, é professorda ECA-USP

Carlos Alberto Sardenberg - Quem quer ajuste?

• O aumento de receitas tem mínima chance de passar no Congresso e chance nenhuma no tamanho em que está

- O Globo

Tirante o ministro Levy, quem mais no governo e na sua base quer mesmo fazer o ajuste fiscal? Ninguém — é a resposta que vai se formando.

Comece pelos cortes propostos no pacote de ajuste. Dividem-se em dois grupos: ou são de difícil aplicação, como os que tiram salários e benefícios dos funcionários público, ou são mera simulação.

Dá a impressão, mas uma forte impressão, de que a coisa se passou assim: Dilma e o ministro Nelson Barbosa, gestores daquele primeiro desastroso orçamento com déficit, que derrubou o grau de investimento, resolveram que precisavam atender, por ora, a bronca de Wall Street. Montaram de última hora aquele pacote que antes era impossível fazer.

Reparem: quem manda no corte de gastos é o ministro do Planejamento, Barbosa. Levy, da Fazenda, fica com o aumento da receita.

A medida que, em tese, economiza mais dinheiro é o adiamento do reajuste salarial do funcionalismo de janeiro para agosto e a eliminação de outros benefícios. Mas os sindicatos de servidores, muitos deles em campanha salarial, estão na base política da presidente Dilma, mobilizados contra o impeachment. Aliás, estão nisso, na defesa do mandato, com os movimentos sociais, que não perdem oportunidade de condenar o ajuste fiscal.

Ou seja, ali onde é possível fazer uma boa economia, a presidente está contrariando setores decisivos de sua sustentação política.

Outras medidas cortam vento. O governo ainda não decidiu quais ministérios vai cortar, nem disse como seria esse enxugamento, nem quanto pessoal seria dispensado. Mas prevê uma economia de R$ 2 bilhões no ano que vem em despesas administrativas e de custeio (viagens, táxis, cafezinho etc...). Parece crível??

Também diz o governo que vai economizar com a suspensão de concursos. Não é um corte de despesa corrente, mas uma promessa de que não vai gastar o que pretendia gastar. Vento, que irrita funcionários e concurseiros.

Mais: o pacote tira R$ 5 bilhões do Minha Casa Minha Vida, dinheiro que seria aplicado pelo Tesouro, mas recolhe a mesma quantia no FGTS e passa para o Minha Casa. Em manobra idêntica, o plano retira R$ 7,6 bilhões do PAC e da Saúde, e aloca exatamente o mesmo valor com base nas emendas parlamentares.

Não é preciso pensar muito para concluir que tudo isso faz sentido com o discurso original da presidente Dilma — o de que não mexeria nos seus programas prediletos. O pacote seria, assim, uma manobra dispersiva, algo para impedir que outra agência de classificação de risco reduza a nota brasileira já neste ano. Ganha tempo, enquanto a presidente recupera prestígio e salva o mandato. É o que devem ter pensado os estrategistas, incluindo Dilma.

Dirão: mas é simplista. Pode ser. Mas eles não acharam que não teria nada demais apresentar um orçamento com déficit?

No outro lado do pacote, o das receitas, a parte do ministro Levy, tem dinheiro grande. A nova CPMF sozinha daria R$ 32 bilhões, metade do que o governo precisa arranjar para alcançar um superávit para 2016. Especialistas também estão descobrindo que algumas “mexidinhas” — como na cobrança de impostos sobre juros de capital próprio e na garfada no dinheiro do Sistema S — podem dar mais recursos que o estimado oficialmente.

A CPMF, que o ministro Levy sempre defendeu, curiosamente atende à base esquerda da presidente Dilma. Como esse pessoal acha que tudo se resolve com aumento de gasto, a CPMF traz o dinheiro necessário para, por exemplo, esquecer ou adiar essa conversa sobre reforma da Previdência.

Mas há uma ampla e variada maioria contra a CPMF no Congresso. Assim como nos meios empresariais, que andaram apoiando o mandato da presidente Dilma, há uma clara irritação com a nova onda de impostos.

Então ficamos assim: os cortes anunciados são, no mínimo, duvidosos, e certamente de difícil implementação.

O aumento de receitas tem mínima chance de passar no Congresso e chance nenhuma no tamanho em que está. Mesmo quem é a favor do ajuste fiscal — nos meios políticos, econômicos e sociais — esperava que fosse uma “ponte”, como diz o ministro Levy, para ultrapassar a turbulência e iniciar um programa de reforma estrutural do setor público.

Mas o que se vê do outro lado da ponte?

Nada, nem uma reforminha da Previdência.

O que nos leva ao desfecho: o ajuste fiscal não sai; outras agências tiram o grau de investimento; Levy cai fora, claro, pois ele estava ali para fazer o ajuste; Nelson Barbosa assume a Fazenda e, com Dilma, volta à matriz de aumento de gastos e estímulos ao consumo.

Vai aumentar a dívida e a inflação, mas e daí? O grau de investimento já estará perdido — e aliás é uma coisa de neoliberais. Nem precisa procurar muito para encontrar economistas para endossar isso.

A questão é saber quanto Dilma se aguenta com mais inflação, mais recessão e mais desemprego. Sem contar a Lava-Jato.
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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Um desafio à coragem – Editorial / O Estado de S. Paulo

Dilma Rousseff é uma presidente da República com escasso apoio popular e político que mal consegue manter-se formalmente no comando do governo. Sendo impensável a geração espontânea de uma onda nacional que restaure o prestígio da presidente em decadência, qualquer ação que ela adote para promover um ajuste fiscal que estanque a crise econômica só terá alguma possibilidade de sucesso se Dilma Rousseff descer do palanque e assumir de peito aberto, sem meias palavras, os erros cometidos e a disposição de corrigi-los em benefício dos interesses nacionais considerados a partir de uma perspectiva mais ampla e plural do que aquela imposta pelo projeto de poder do PT.

Para provocar verdadeiro impacto, Dilma precisaria anunciar uma medida radical, emblemática da determinação de fazer o que está ao alcance da Presidência da República para reconquistar a confiança do País sem a necessidade de conchavos e aliciamento fisiológico de “aliados”: uma reforma ministerial para valer, que muito mais do que contribuir para a redução das despesas públicas implique a mudança radical da qualidade dos homens e mulheres que compõem o primeiro escalão da administração pública federal. A Nação requer um governo composto por pessoas sérias, honestas e capazes, que não transijam quando diante do interesse nacional e do imperativo da correção pessoal.

Dilma Rousseff tentou fazer, logo nos primeiros meses de seu primeiro mandato, uma “faxina” no Ministério que montara sob influência de seu antecessor. Poucos meses depois tudo voltara ao que era antes, e a precariedade moral voltou a ser a característica deste governo. Ela cedera, nessa questão fundamental, à ingerência direta de seu criador, Lula.

Agora, o que está em jogo é mais do que a convivência em bons termos entre ela e Lula. É a sobrevivência de seu governo e, em última análise, a estabilidade do regime. E se, naquela época, ela sabia escolher entre o certo e o errado – ainda que passando de um para o outro sem grandes dramas de consciência –, tem agora toda as razões para afastar a tigrada que se serve do poder, colocando em seus lugares brasileiros não apenas moralmente íntegros, mas técnica e politicamente competentes – pois a um ministro de Estado não basta ser um bom técnico.

Dizer que o primeiro escalão governamental precisa ser composto por pessoal moralmente íntegro, além de ser uma obviedade, não significa que todos os ministros do atual governo não sejam honestos. Significa que predomina naquele grupo a mentalidade do poder como um fim em si mesmo, em benefício de interesses pessoais, de grupos ou de partidos. A “articulação política” que se faz no Palácio do Planalto é um mero toma lá dá cá. A Administração Pública tornou-se sinônimo de aparelhamento partidário. Os cofres públicos são o pasto de administradores inescrupulosos, empresários gananciosos e aventureiros de todo naipe. Isso é que é preciso mudar. E não se diga que as coisas “são assim” e é impossível fazer política e governar de outro modo. Não estamos falando de fenômenos da natureza, mas da capacidade de arbítrio como característica essencial da condição humana. Ser safado é uma opção pessoal. Ser honesto também.

Está previsto para a quarta-feira da próxima semana o anúncio oficial da reforma ministerial como contribuição do governo ao corte de despesas públicas. É uma história que não convence. Para começar, propagandeiam os governistas a versão mendaz do corte de pelo menos “10 Ministérios”. Encenação pura. Pelo menos metade desses cortes significa apenas a subtração do título de ministro dos responsáveis por secretarias e agências do governo. Continuarão “intocáveis”, entretanto, secretarias elevadas à condição de ministério por representarem “bandeiras” do PT.

Nada do que se faça nessa área e com esse espírito contribuirá para o ajuste fiscal e muito menos para o aumento da eficiência administrativa da máquina pública. Livre-se a presidente da gentalha de quem se cercou no governo e fora dele – há exceções, é claro – e recomponha o seu conselho com gente de bem – de bem sentir, de bem pensar e de bem fazer –, e a Nação saberá reconhecer seu esforço e sua coragem. Pois sem esforço e coragem ninguém se liberta das correntes malignas que se apoderaram da política e dos negócios públicos.

Erro duplo na reinvenção da CPMF para a Previdência – Editorial / O Globo

• Não só o imposto é de má qualidade, por onerar bastante toda a cadeia produtiva, como a solução dos déficits do INSS não se dará por via tributária

Consultar o passado sempre ajuda a entender melhor o presente, uma regra simples e sensata que se aplica com perfeição à tentativa do governo Dilma de ressuscitar a CPMF, sob a justificativa de cobrir o elevado e crescente déficit da Previdência.

A eliminação pelo Senado, em dezembro de 2007, do “imposto do cheque” suprimiu R$ 40 bilhões das contas de receitas previstas para 2008, no governo Lula. O discurso oficial tentou traçar um panorama de tragédia no SUS, a partir do fim da CPMF.

Mas nada ficou pior do que já estava no sistema publico de saúde. O governo, com rapidez, aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em várias transações e elevou a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) do setor financeiro. E também, como a economia crescia e, com ela, a coleta geral de impostos, por volta de junho de 2008 aqueles R$ 40 bilhões haviam sido repostos, em termos nominais, ao Erário.

Assim, recriar a CPMF não visa a recuperar receitas perdidas pela União. Como provam os números, aqueles R$ 40 bilhões foram logo recuperados, em questão de meses.

O novo imposto significará, de fato, um peso a mais na carga tributária. Calcula-se um acréscimo de 0,57% do PIB sobre uma carga total estimada em 35,47% pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Em perigoso contrassenso, numa economia em recessão eleva-se o bolo dos impostos para 36,2% do PIB. Dificulta-se, assim, a retomada do crescimento, apenas para se financiar as contas de um governo que, devido a razões políticas e ideológicas, se recusa a ir fundo nos cortes e a fazer as reformas que ataquem os desequilíbrios estruturais do Orçamento.

Recriar a CPMF, não importa sob qual nome, é um erro em si. Pela conjuntura recessiva, em que os contribuintes não devem ser mais pressionados do que já são pelo Erário, e por ser um imposto de má qualidade, como sabe a própria economista Dilma Rousseff. Ele atinge todos indistintamente, ricos e pobres — em termos relativos, mais os pobres — e pune as empresas com acréscimos de custos bem maiores que sua singela alíquota, por incidir sucessivamente em todas as fases da produção e comercialização dos bens e serviços.

O segundo erro é usá-lo para abater o déficit da Previdência. É o mesmo que combater câncer terminal com analgésico — será inútil. O déficit aumenta por questões estruturais, devido ao perfil demográfico da população. O economista Marcos Lisboa afirmou ao GLOBO que, se este é o objetivo, será preciso mais uma CPMF a cada ano.

O problema da Previdência só será equacionado com a reforma da fixação da idade mínima para a obtenção do benefício — com reflexo imediato na percepção do mercado sobre a solvência do país. E, para efeito a curto prazo, com a desindexação do benefícios do INSS pelo salário mínimo. Querer jogar o tema para o tal fórum que debate a crise previdenciária é tentar escapar do enfrentamento da questão com seriedade.

Marisa Monte - Alta Noite

João Cabral de Melo Neto - Fábula de um Arquiteto

A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e tecto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.

Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Opinião do dia – Beto Richa

A ideia de dividir o percentual com estados e prefeitos me parece mais uma tentativa de dividir o ônus político da criação de um novo imposto, do que desejo de ajudar os administradores. Não dá para penalizar o contribuinte com mais taxas.
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Beto Richa é governador do Paraná. O Globo, 16 de setembro de 2015

Aprovar o ajuste será mais difícil do que governo previa

Por Ribamar Oliveira – Valor Econômico

BRASÍLIA - As medidas de ajuste do Orçamento de 2016 enfrentarão grande resistência no Congresso. Em especial, a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), com a qual o governo espera arrecadar R$ 32 bilhões em 2016. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já disse que é impossível aprová-la neste ano.

O fim do abono de permanência concedido aos servidores que adiam a aposentadoria é visto como "erro grosseiro" por consultores do Senado e da Câmara. Conhecido como "pé na cova", equivale ao valor da contribuição previdenciária paga pelo funcionário. Quem adia a aposentadoria recebe o abono, um estímulo para permanecer no serviço público. Tirá-lo seria um "tiro no pé" porque vai estimular pedidos de aposentadorias.

Com a medida, o governo ganharia no curto prazo economia de R$ 1,2 bilhão em 2016, mas teria despesas crescentes no médio e longo prazos por causa das novas aposentadorias. Além disso, com os pedidos de aposentadoria, perderia a elite do funcionalismo, os mais experientes. O governo estima haver 101 mil servidores nessa condição apenas no Executivo. O fim do abono de permanência terá que ser feito por emenda constitucional, o que torna muito difícil sua aprovação.

O uso de emendas parlamentares para cobrir o corte de R$ R$ 3,8 bilhões nos gastos com saúde e R$ 3,8 bilhões no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é outra missão considerada impossível. A Emenda Constitucional 86 tornou obrigatória a execução das emendas parlamentares ao Orçamento, em montante correspondente a 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, metade para ações e serviços públicos de saúde e a outra metade de livre destinação de deputados e senadores. O total de R$ 7,6 bilhões corresponde ao valor previsto para emendas em 2016, mas não há como obrigar parlamentares a pôr o dinheiro nas ações de saúde e do PAC que o governo deseja.

A quarta medida, que geraria economia de R$ 800 milhões, é uma lei que disciplina a implementação do teto remuneratório do serviço público - pela Constituição, o subsídio mensal de ministro do Supremo Tribunal Federal. Mas cada Poder tem um entendimento sobre o que entra no teto. Só um governo com base parlamentar sólida conseguiria aprovar a lei rapidamente.

Base se nega a dar apoio a pacote fiscal, e Dilma recua

Planalto cogita diminuir vigência da CPMF de quatro para dois anos

Aliados e empresários se opõem a pacote de Dilma

• Planalto aceita rever propostas para driblar resistência encontrada no Congresso

• Líder do PMDB diz que será impossível convencer deputados a abrir mão de emendas para ajudar o governo

Marina Dias, Ranier Bragon, Débora Álvares, Valdo Cruz e Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dia depois de anunciar seu novo pacote fiscal, a presidente Dilma Rousseff montou uma operação para convencer deputados e senadores aliados a aprová-lo, mas recebeu sinais de que eles resistirão a aprovar a principal medida, a criação de um imposto sobre operações financeiras como a antiga CPMF.

Em duas reuniões no Palácio do Planalto nesta terça (15), Dilma ouviu de sua base críticas à ideia de recriar o chamado imposto do cheque e à retirada da autonomia que os parlamentares têm hoje para destinar a obras em redutos eleitorais os recursos de suas emendas ao Orçamento.

"A CPMF não é suportável e vai causar problemas na economia", resumiu o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

A insatisfação com o destino das emendas foi expressada pelo líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). Para ele, será impossível convencer os deputados a destinar os recursos somente para obras de interesse do governo no PAC.

Após as críticas, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, indicou a parlamentares que o governo vai recuar na sua proposta de usar as emendas para cobrir o corte de R$ 3,8 bilhões em obras do PAC.

Sobre a CPMF, a presidente conta com o apoio de governadores, com quem esteve na noite de segunda (14). Ela espera arrecadar com o novo imposto R$ 32 bilhões.

Sem dinheiro em caixa, os governadores vão sugerir elevar a alíquota proposta pelo governo para o imposto de 0,20% para 0,38%. A diferença iria para os cofres de Estados e municípios. O governo está disposto a reduzir o prazo de vigência do tributo, batizado por eles de CPPrev, de quatro para dois anos.

Em evento no Palácio do Planalto, Dilma antecipou sua disposição de negociar diante das reações negativas. "O governo não aprova a CPMF, quem aprova é o Congresso."

Seu tom foi uma resposta a deputados e senadores aliados que estiveram reunidos com ela e saíram fazendo críticas ao seu pacote fiscal, que depende do Congresso para ser aprovado –15 das 16 medidas têm de ser votadas no Legislativo.

"A CPMF não é o caminho. Aliás, nenhum imposto é", afirmou o líder do PTB, deputado Jovair Arantes (GO). "Quando o governo está bem é difícil aprovar uma medida como essa [CPMF]. Imagina num momento desses", disse o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).

O próprio Eduardo Cunha desdenhou: "Eu acho que 0,20% ou 0,38% é só o tamanho da derrota. Eu não acredito que passe nem com uma nem com outra".

O governo também enfrentará resistência do empresariado. O presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson Andrade passou o dia pedindo apoio contra medidas do pacote que atingem o setor.

"Liguei para parlamentares governistas e da oposição para derrubar ou mudar a proposta que retira 30% das verbas do Sistema S, o que pode levar ao fechamento de cursos profissionalizantes em funcionamento", afirmou.

Ministério
Assessores presidenciais acham que Dilma errou ao anunciar o pacote sem informar os presidentes dos partidos aliados antes. Agora, eles esperam que ela corrija o problema com a reforma ministerial que promete anunciar até a próxima quarta-feira (23).

Os aliados querem que ela nomeie alguém com peso político para negociar com o Congresso a aprovação das medidas fiscais.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PMDB defendem que ela troque o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, mas Dilma resiste à ideia.

A Folha apurou que Mercadante ligou para Temer, que está em viagem à Rússia, para consultá-lo em nome de Dilma sobre a possibilidade de Giles Azevedo, assessor especial e homem de confiança da presidente, assumir a Secretaria de Relações Institucionais (que hoje está vaga e perderia o status de ministério). Assim, ele tocaria o dia a dia da articulação política. Temer disse não ver problema.

A deputados Mercadante repetiu o discurso sobre Giles e disse que Ricardo Berzoini, hoje nas Comunicações, também ajudaria na articulação política. Outra fusão cogitada é a da Secretaria de Portos com a de Aeroportos, pastas hoje com o PMDB.

Base rejeita pacote; Cunha diz que CPMF fica para 2016

Cunha diz ser ‘impossível’ votar novo tributo este ano e base rejeita proposta

• Após o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ter atribuído ao Congresso a culpa pelo rebaixamento do Brasil por agência de risco, presidente da Câmara afirma que Legislativo foi desrespeitado e que não há tempo suficiente para a Casa aprovar novo imposto

Daniel Carvalho, Erich Decat e Bernardo Caram - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff tentou nesta terça-feira, 15, buscar apoio da base aliada para levar adiante no Congresso a recriação da CPMF (tributo conhecido como imposto do cheque), mas os líderes da base aliada e da oposição criticaram o pacote do Executivo. Para complicar ainda mais as relações entre os Poderes, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou ser “impossível” a votação do novo tributo este ano no Legislativo.

A presidente comandou duas reuniões com parlamentares no Palácio do Planalto. Os encontros foram tensos e tiveram direito a bate-boca com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ampliando ainda mais a crise entre Executivo e Legislativo. Das 17 medidas anunciadas pelo governo em seu pacote para zerar o déficit orçamentário para 2016, apenas uma não precisa passar pelo Congresso.
Apesar dos apelos da presidente, os congressistas mantiveram-se irredutíveis em não apoiar medidas polêmicas como a volta da CPMF por quatro anos, com uma alíquota de 0,2% - que pode chegar a 0,38% para contemplar também Estados e municípios.

“Eu acho 0,2% ou 0,38% é só o tamanho da derrota (para o governo), eu não acredito que passe nem com 0,2% nem 0,38%”, disse Cunha. “A CPMF é que é insuportável. A CPMF é que vai causar problema na economia, que tem impacto não só na inflação, mas no conjunto de preços. Ela entra em toda cadeia produtiva simultaneamente, em cascata. Então, ela realmente é perniciosa”, afirmou ele.

Um dos focos da rejeição foi o fato de o Palácio do Planalto querer engessar das emendas parlamentares. O governo quer que deputados e senadores destinem os recursos que utilizam para irrigar suas bases eleitorais à Saúde e a obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “De repente, o parlamentar não quer colocar recursos na duplicação da BR-101, mas quer na estrada vicinal de seu município”, exemplificou o líder do PSD, Rogério Rosso (DF).

“Se você tem que jogar os recursos no orçamento (de obras do PAC), vira uma gota d’água no oceano”, disse o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ). “Isso desarruma o debate na partida. Cria um pandemônio desnecessário”, avaliou Picciani.

Com o direcionamento da aplicação das emendas, o governo espera economizar R$ 7,6 bilhões no ano que vem. Alguns líderes entendem que um recuo do governo neste ponto pode abrir espaço para apoio às demais medidas. Eduardo Cunha discorda. “É apenas menos uma derrota”, afirmou.
Senado. O retorno da CPMF também gerou críticas na cúpula do Senado, mas apenas nos bastidores. Há o sentimento de que, caso ela passe pela Câmara, o texto deverá ser alterado, estabelecendo um prazo máximo para a sua vigência. Também foi considerado “irrisório” o esforço do Planalto em relação ao corte de ministérios, que deve ser anunciado por Dilma na próxima quarta-feira, 23.

Apesar das críticas veladas, integrantes da cúpula do Senado deverão manter, estrategicamente, o discurso de “responsabilidade com o País”, mas sem se comprometerem a apoiar propostas consideradas impopulares. O cálculo feito por parte das lideranças da Casa é de que é desnecessário criar um desgaste prematuro com as respectivas bases eleitorais tendo em vista que as propostas poderão ser enterradas na Câmara, onde inicia a tramitação.

“O que vai acontecer na tramitação da CPMF não cabe ao presidente do Congresso Nacional dizer. O Congresso Nacional tende a melhorar todas as medidas que por aqui tramitam”, limitou-se o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

O governo admite dificuldade. “Quando o governo está bem, com uma base social forte, uma base parlamentar forte, já é difícil aprovar uma medida como essa, imagina num momento como este que estamos passando por algumas dificuldades. Mas vamos trabalhar e vamos ver”, disse o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).

Tenso. Uma declaração do ministro Joaquim Levy ampliou o fosso criado pela crise política entre o Planalto e o Congresso. Em um bate-boca com Rogério Rosso durante a reunião desta terça Levy disse que a agência de classificação de risco Standard & Poor's tirou o grau de investimento do Brasil por causa do Congresso.

Rosso havia recomendado que Levy “tirasse férias de 30 dias” e colocasse em seu lugar “um desenvolvimentista”. Para o parlamentar, a política econômica de Levy “não está funcionando” e, por isso, o ministro deveria ir mais a “chão de fábrica”. “O ministro é o líder da política econômica e tem que ter humildade de ouvir sugestões”, afirmou Rosso.

Cunha reagiu ao comentário com indignação. “Isso, ao invés de ajudar, vai atrapalhar ainda mais o trâmite das medidas dele”, disse Cunha. “Acho um absurdo ele falar isso. É até um desrespeito ao Congresso. Tudo o que ele mandou de proposta de ajuste fiscal foi aprovado no Congresso”, disse Cunha. “Se eles não têm capacidade de buscar o equilíbrio fiscal, não culpem o Congresso que não recusou nada até agora. Não usem isso como elemento para tentar constranger o Congresso a aprovar algo que o Congresso não esteja disposto a aprovar”, afirmou o presidente da Câmara. / Colaborou Isadora Peron

Em reunião com Dilma, aliados criticam pacote

• Líderes governistas resistem à volta da CPMF e a adiar reajuste de servidor

Presidente da Câmara, Cunha diz que proposta de novo imposto sobre movimentações financeiras só deve ser votada no ano que vem e é ‘ insuportável’; parlamentares também reagem a uso de emendas para Saúde e PAC

Empenhada em convencer o Congresso a aprovar o pacote de cortes de despesas e aumento de impostos, com a volta da CPMF, a presidente Dilma ouviu ontem dos líderes aliados que enfrentará dificuldades tanto na Câmara como no Senado. Além da resistência à recriação da CPMF, governistas reclamaram do adiamento do reajuste dos servidores e das propostas de usar emendas parlamentares para financiar projetos na Saúde e no PAC. Dilma anunciou que a reforma ministerial será divulgada até a próxima quarta- feira.

Resistência até na base

• Aliados criticam pacote fiscal; Cunha diz ser impossível votar CPMF este ano

Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut, Júnia Gama, Isabel Braga, Evandro Éboli, Bárbara Nascimento, Washington Luiz e Simone Iglesias - O Globo

- BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff recebeu ontem um recado claro dos líderes dos partidos da base aliada sobre a dificuldade para aprovar as medidas do pacote fiscal, anunciado na segunda-feira. Durante dois encontros, com as bancadas da Câmara e do Senado, Dilma ouviu relatos sobre a dificuldade de aprovar aumentos de impostos em momento de crise econômica, e críticas pelo adiamento do reajuste dos servidores e pelas propostas de utilizar verbas de emendas parlamentares para cumprir obrigações da União na Saúde e no PAC.

A presidente disse aos líderes que vai se empenhar pela aprovação da nova CPMF e que não tinha outra alternativa para reverter o déficit fiscal, já que um aumento da Cide ( contribuição sobre combustíveis), aventado pelo vice Michel Temer, impactaria a inflação, que começa a dar sinais de controle. Ao sair do evento de entrega do prêmio Jovem Cientista, a presidente defendeu as medidas e nomeou a nova CPMF de CPPrev, já que será voltada a corrigir o rombo da Previdência:

— A proposta que o governo fez é de uma contribuição provisória para a Previdência, uma CPPrev. O governo não aprova a CPMF, quem aprova a CPMF é o Congresso. Como será feito no Congresso é um outro processo de discussão. Nós nos empenharemos bastante para aprovar essas medidas, que são necessárias porque passamos por um momento em que é fundamental que saiamos dessa situação de restrição fiscal o mais rápido possível.

O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral ( PT- MS), resumiu o estado de espírito dos líderes no encontro com Dilma:

— Se falássemos ( que aprovar a CPMF) era fácil, não estaríamos falando a verdade. Ela ( Dilma) tem noção clara das dificuldades que vamos enfrentar. Agora, é dialogar muito. É barriga no balcão e conversa.

Segundo aliados, a presidente disse estar “focada” nas negociações e que tem consciência de que o maior problema está na Câmara, por causa das resistências do presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha ( PMDB- RJ).

— Vou me envolver e buscar pessoalmente consolidar a fidelização das bancadas. O presidente Obama, no momento de crise, também teve que tomar medidas amargas e fazer opções, cortou salários e até verbas de programas de segurança — disse Dilma, avisando que não abre mão de manter os programas sociais.

Na reunião, os deputados aliados comentaram que qualquer aumento de imposto seria um tema difícil, mas se propuseram a discutir com suas bancadas o assunto.

— A proposta de ajuste dificulta muito a recomposição da base. Com a criação da CPMF, o governo está enfurecendo mais ainda a população e isso vai ter impacto na Câmara. O PR vai discutir, mas é majoritariamente contra a CPMF — disse o líder do partido, Maurício Quintella ( AL).

À tarde, Cunha, que chamou a CPMF de “insuportável”, afirmou ser “impossível” a Câmara votar este ano a criação do tributo. O presidente da Câmara disse que um eventual apoio dos governadores não terá influência sobre os deputados. Perguntado sobre quanto tempo levaria a tramitação da CPMF, deixou claro que será um longo período:

— A desvinculação de receitas está há três meses na CCJ, não saiu de lá ainda. Tem um rito. Ela ( a CPMF) vai primeiro para a CCJ, depois para a comissão especial, lá tem 40 sessões, e não são 40 dias, podem ser até 80 dias. Só depois vai para o plenário. Este ano é impossível votar.

Líder do PSD discute com Levy
Pouco depois de a presidente deixar a sala, o líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso ( DF), teve uma discussão acalorada com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Rosso defendia que o governo optasse por uma política mais desenvolvimentista, no que foi retrucado pelo ministro, que apontou o Congresso como um dos responsáveis pelo rebaixamento da nota de crédito do Brasil. A discussão precisou ser interrompida pelo chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

O presidente da Câmara respondeu ao ministro da Fazenda em entrevista no fim da tarde:

— Se eles não têm capacidade de buscar o equilíbrio fiscal, não culpem o Congresso, que não recusou nada até agora, e não usem isso como elemento para constranger o Congresso a aprovar algo que não esteja disposto a aprovar, que é um aumento de carga tributária.

Ao contrário do presidente da Câmara, o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDBAL), disse que será preciso esperar as medidas amadurecerem no Congresso.

— Deixa o pacote assentar. Agora, temos que esperar as medidas chegarem ao Congresso, que vai fazer a sua parte para melhorar essas medidas. Não quero aprofundar a discussão de mérito das propostas até porque não vou predizer o que o Congresso vai fazer ou não. 

FH diz não acreditar na aprovação da CPMF

• Ex- presidente afirma que pelo Congresso ‘ nada passa sem força política’

Silvia Amorim- Globo

- SÃO PAULO- O ex- presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem que não acredita na aprovação da CPMF pelo Congresso Nacional. Para ele, faltaria à presidente Dilma Rousseff “fibra política” necessária para obter apoio ao pacote de ajuste fiscal apresentado anteontem pela equipe econômica.

— Eu não acredito que vão aprovar. Basta ver as declarações feitas pelos líderes políticos. É muito difícil sair desta situação se não resolver a crise política — afirmou o ex- presidente, que evitou se posicionar a favor ou contra a recriação do “imposto do cheque”, criado durante a sua gestão, alegando que ainda não sabia detalhes da proposta.

O ex- presidente participou ontem de um seminário em seu instituto em São Paulo para discutir as crises política e econômica no país. Estavam na mesa de debate o ex- presidente do Banco Central Armínio Fraga e o cientista político Sérgio Abranches.

Além da CPMF, FH mostrou pouco otimismo com a implantação do pacote de propostas para enfrentar a crise fiscal:

— A última proposta que apresentaram ontem ( anteontem) é muito difícil que o Congresso aprove, e todo mundo sabe que é difícil. Para passar no Congresso, é preciso ter força política. Nada passa sem força política porque fazer reformas é enfrentar interesses enraizados. Para atravessar isso, é preciso ter fibra política e convicção. Ela ( referindo- se às medidas) vai cair daqui a pouco.

O ex- presidente disse que “a solução para o país hoje é muito mais do que apertar o cinto e fazer corte”, referindo- se à instabilidade política. Nesse cenário, considerou difícil a retomada do controle do país por Dilma:

— Pode haver possibilidade da presidente voltar a ter controle da situação? É difícil. Em tese pode, mas é difícil.

“Quem vai dar as cartas?”
Ao GLOBO, ele adotou um tom ainda mais cético. Para ele, a queda do atual governo é uma “questão de tempo”:

— Se ela não der uma virada, é uma questão de tempo. E eu não vejo como ela possa dar uma virada porque ela está perdendo a base do partido dela.

FH também usou a noção de tempo ao se referir às alternativas para a crise política.

— Qualquer processo de solução política não é rápido, é custoso, e hoje nem se sabe quem fará esse jogo. Em política, tem que saber a hora. Tem que saber calar.

Sobre a possibilidade de o PMDB ser a alternativa política em caso de saída de Dilma, FH preferiu um discurso cauteloso.

— Temos que ver o que a LavaJato vai significar nisso tudo. Enquanto isso não ficar mais claro, não há o que fazer. Quem vai dar as cartas no partido ( PMDB)? É uma situação muito difícil.

O ex- presidente tem defendido junto a outros líderes do PSDB que recolham neste momento suas pretensões políticas individuais e busquem unidade. Ontem, ele reforçou o discurso:

— Um quer que a Dilma saia hoje. Outro que tenha nova eleição. Outro que ela fique até 2018. Até entendo que todo político tenha seus interesses pessoais, mas tem hora em que temos que entender que há algo maior em jogo, o país.

CUT ataca pacote do governo, e sindicalistas invadem o MEC

• Fórum de servidores planeja marcha em Brasília contra ajuste

Jessica Moura* Renata Mariz - O Globo

- BRASÍLIA E SÃO PAULO - Um dia depois de o governo anunciar medidas para contenção de gastos, os presidentes das duas maiores centrais sindicais do país — Central Única dos Trabalhadores ( CUT) e Força Sindical — criticaram duramente o pacote de ajuste fiscal. Em ato pela campanha salarial unificada de diversas categorias, realizado ontem na capital paulista em frente à sede da Federação das Indústrias de São Paulo ( Fiesp), Vagner Freitas, presidente da CUT, entidade alinhada ao governo, considerou “lamentável” o pacote de ajuste, que em sua visão vai penalizar ainda mais os trabalhadores.

— É um pacote recessivo, que imputa a culpa da crise aos trabalhadores e vai contra as propostas que a CUT tem apresentado — disse Freitas.

Em nota, Miguel Torres, presidente da Força Sindical, disse que o pacote transfere “de forma nefasta” aos trabalhadores o ônus dos erros da política econômica. “O governo fez uma opção errada de política econômica, e nós, trabalhadores, não estamos dispostos a pagar esta conta”, disse Torres. Para ele, a ideia de congelar os salários dos servidores federais é “absurda”.

Em comunicado divulgado ontem no site da CUT, Freitas disse ainda que as medidas estão “na contramão das necessidades do país e dos trabalhadores, pois onera a atividade econômica e reduz gastos sociais em um momento que a recessão atinge a todos”.

“Nenhuma das medidas aponta para a retomada do crescimento e geração de empregos, que são os problemas mais urgentes e graves que enfrentamos no país”, disse o presidente da CUT no site, informando que pedirá uma audiência à presidente Dilma Rousseff para apresentar “nossas propostas”.

Também em reação ao pacote do governo, servidores técnicos das universidades federais ocuparam por sete horas a Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação ( MEC). Só saíram após interferência de parlamentares petistas e a promessa de serem recebidos no Ministério do Planejamento.

A categoria reivindica um aumento de 9,5% nos salários no próximo ano e 5,5% para 2017. O MEC ofereceu um reajuste de 10,8% que seria pago em duas parcelas a partir de janeiro de 2016. Contudo, com o anúncio do pacote de medidas do ajuste fiscal anteontem, o reajuste só seria pago em agosto do ano que vem.

A greve atinge 63 universidades federais e tem a adesão de 180 mil trabalhadores, segundo o sindicato da categoria, a Fasubra. Para o coordenador- geral da entidade, Gibran Jordão, não há perspectiva para encerrar a greve.

Em nota, o Ministério da Educação afirmou que os servidores foram recebidos “normalmente” no ministério para debater a pauta de reivindicações da categoria. Segundo a pasta, quando os servidores disseram que iriam ocupar o terceiro andar, “imediatamente foram recebidos pelo secretário executivo”.

Para discutir medidas contra o pacote do governo, mais de 20 entidades sindicais, que compõem o Fórum dos Servidores Públicos Federais, se reuniram ontem em Brasília. As categorias planejam uma marcha sexta- feira, em São Paulo, onde pretendem reunir cerca de 20 mil pessoas, como um primeiro passo rumo a uma possível greve geral.

Segundo Paulo Rizzo, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, a proposta governista já não atendia aos anseios dos servidores públicos federais, que exigiam um reajuste mais próximo da inflação, de cerca de 10%, no ano que vem. No entanto, explicou, a promessa foi de 5,5% em 2016 e 5% em 2017. O pacote de medidas do governo adiou essa correção de janeiro para agosto.

Ontem, em entrevista ao canal oficial do governo, NBR, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se referiu ao adiamento do reajuste do funcionalismo. Ele disse que seria “natural distribuir um pouco esse esforço ( fiscal)”.

(* Estagiária sob supervisão de Francisco Leali)

Servidores querem barrar medidas no Congresso

Por Edna Simão e Camilla Veras Mota – Valor Econômico

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Os servidores públicos federais vão tentar barrar no Congresso Nacional o adiamento do reajuste salarial, suspensão de concursos e o fim do abono permanência que fazem parte do pacote de medidas anunciadas o governo para reduzir gastos para conseguir reverter um déficit primário de 0,34% do Produto Interno Bruto (PIB) do setor público consolidado em um superávit de 0,7% no ano que vem. Somente com essas três medidas, a equipe econômica terá uma economia de R$ 9,7 bilhões. O valor sobe para R$ 10,5 bilhões se o governo conseguir implementar o teto remuneratório do serviço público.

Apesar da indignação do funcionalismo público, o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, destacou que ainda é cedo para se falar em greve geral. Até porque, essa negociação também teria que envolver os sindicatos que representam a iniciativa privada.

Silva admite, no entanto, que as negociações salariais para que os servidores em greve voltem ao trabalho poderão ser comprometidas. No caso dos servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a greve foi iniciada em julho e compromete os serviços prestados à população. Segundo o secretário-geral da Condsef, a tendência era que os funcionários públicos aceitassem a proposta de reajuste de 10,8%, dividida em dois anos a partir de janeiro. Agora, as medidas anunciadas pelo governo terão que ser rediscutidas.

Novas assembleias serão realizadas no fim de semana para definir qual a será a resposta da categoria para as medidas anunciadas pelo governo. Ontem à noite também foi realizada uma reunião do Fórum dos Servidores Públicos e o assunto também seria tratado. Somente com o adiamento do reajuste dos servidores, a equipe econômica terá uma economia de R$ 7 bilhões. A implementação depende de negociação com o funcionalismo público e envio de projeto de lei ao Congresso Nacional.

"Estamos no momento de se fazer o debate. Existe uma nova realidade de adiamento do reajuste de janeiro para agosto, retirada de ditos e suspensão de concursos. Os servidores públicos levaram uma paulada", disse Silva. "Estávamos chegando a um consenso em torno dos 10,8%, mesmo estando muito aquém."

O último acordo firmado entre governo e servidores públicos foi em 2012, quando as categorias receberam 15,8% de reajuste distribuído nos anos de 2013, 2014 e 2015. Para garantir os reajustes em 2016, os funcionários públicos precisam chegar a um consenso com o governo para garantir recursos no Orçamento.

Além do adiamento do reajuste salarial, os servidores estão confiantes que conseguirão impedir o fim do abono permanência. A avaliação é de que dificilmente o governo conseguirá votos necessários para aprovar Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Com essa medida, a equipe econômica pouparia R$ 1,2 bilhão.

As medidas que afetam os servidores foram as mais criticadas pelo movimento trabalhista. Em ato ontem na capital paulista, o presidente da CUT, Vagner Freitas, disse que a entidade deve continuar realizando mobilizações para que o "trabalhador não pague pela crise". A Força Sindical colocou sua estrutura à disposição dos sindicatos que realizarem protestos. A CSP-Conlutas fará manifestação na sexta-feira em São Paulo, conforme Atnágoras Lopes, da diretoria da entidade.

Cerca de 25 sindicatos de servidores federais reuniram-se ontem à noite em Brasília. O encontro, segundo Pedro Armengol, da Condsef, foi marcado antes do anúncio do pacote fiscal, para discutir a campanha salarial, mas também incluiria as novas medidas. Até o início da reunião, entretanto, não havia deliberação sobre possível greve geral.

Segundo dados do Ministério do Planejamento, a despesa líquida com pessoal somou R$ 77,6 bilhões de janeiro a abril, o que representa 5,5% do PIB e 30,9% da Receita Corrente Líquida (RCL). Em 2014, esse gasto foi de R$ 220,6 bilhões (4,3% do PIB e 34,4% da RCL).