sexta-feira, 30 de agosto de 2019

César Felício*: Bolsonaro, entre a cruz e a espada

- Valor Econômico

Fraquejada pode gerar oposição à direita

Na brecha que se abre entre o bolsonarismo e o lavajatismo, situações há pouco tempo inimagináveis começam a ganhar concretude. Estudiosa há seis anos do perfil dos manifestantes de rua no Brasil, a antropóloga Isabela Kalil, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp) identificou no domingo traços de que ganha corpo um núcleo que está à direita de Jair Bolsonaro.

Sim, no universo ultraconservador brasileiro, há os que pensam que o presidente não é radical o suficiente. Isabela já havia apontado a existência deste núcleo nos últimos meses, em entrevista à repórter Carolina Freitas publicada no Valor no mês passado. Ele ganhou um desenho mais nítido com a sequência de acontecimentos nas últimas semanas que levaram o presidente a reduzir notavelmente seu nível de atrito com o presidente do Supremo Tribunal Federal e com os presidentes das casas legislativas, em um contexto em que Sergio Moro foi enfraquecido com a perda do Coaf e a intervenção branca na Polícia Federal.

As manifestações do domingo foram mais discretas do que as anteriores. Não foram registradas em todos os Estados, como as demais, por exemplo, mas em 21 deles. A vertente anti-institucional, a favor do fechamento do Supremo e da tal intervenção militar constitucional, lá estava. O grupo de faixa etária mais baixa, menos ideologizado e centrado na veneração do "mito" teve representação menor.

Uma parcela importante de quem ficou na rua até agora defende mais ideias e não uma pessoa. A sanção presidencial do projeto de lei de abuso de autoridade, que deverá vir acompanhada de alguns vetos, ganha assim importância direta na engrenagem bolsonarista.

Maria Cristina Fernandes: A cruzada do papa pelos povos da floresta

- Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

"Nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora". O presidente Jair Bolsonaro ainda não tinha nem mesmo campanha na rua quando Jorge Bergoglio fez este profético discurso em 19 de janeiro de 2018. Naquele dia, o papa Francisco, reunido com lideranças indígenas em Porto Maldonado, no Peru, deu início aos preparativos para o Sínodo da Amazônia, em outubro próximo, no Vaticano.

O encontro pode fazer do papa o maior anteparo à política de Bolsonaro para a Amazônia. Ao contrário do presidente francês, Emannuel Macron, contido por seus rivais europeus na comedida reunião do G-7, Jorge Bergoglio contará, no sínodo, com bispos de oito países (Brasil, Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Guianas e Suriname) afinados em sua cruzada pela região.

Órgão consultivo do papa, o sínodo discute as ações da Igreja Católica em missões por ele definidas. A nuance de exército eclesiástico é relativizada pelo formato. O papa não participa do encontro e não está obrigado a seguir suas recomendações. No tema em questão, porém, somam-se bispos comprometidos com a região e um papa que, desde o início do seu pontificado, identificou, na questão ambiental, um tema transversal às disputas de cunho moral que dividem o clero.

Com habilidade, o papa cuida para que seu discurso não seja facilmente carimbado. Não se alinha à tese de "pulmão do mundo", que seria engrossada pelo presidente francês mais de um ano depois. Em Porto Maldonado, mostrou-se disposto a "romper com o paradigma histórico que considera a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados, sem ter em conta os seus habitantes".

Para isso, deu nome a quase todos os bois da floresta, desde a "pressão de grupos econômicos por petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais" quanto o interesse de movimentos que, "a pretexto de conservar a floresta, se apropriam de grandes extensões de terra e a tornam inacessível aos povos nativos".

O sínodo, cujas reuniões preparatórias já entraram no radar da Agência Brasileira de Informações (Abin), não se limita às fronteiras da floresta. Ao fincar estaca no discurso ambiental, o papa também firma sua liderança contra a nova direita mundial e seus principais porta-vozes.

O mais estridente deles, Steve Bannon, conselheiro do bolsonarismo, disse, em entrevista recente ao "National Catholic Register", jornal católico e conservador dos Estados Unidos, que o papa transformou a Igreja Católica num partido político: "Ele [Jorge Bergoglio] hoje é parte do sistema global contra mudança climática. Não é nem mesmo um centro-esquerda, é da esquerda radical. Seu partido político apoia os Verdes, que, para mim, são, essencialmente, um movimento teológico".

José de Souza Martins*: O fogo e o queimador

Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

Quando governantes acham que consumir o meio ambiente com as chamas é lícito e que disso depende o PIB, confessam que dinheiro de poucos é mais importante do que a vida de todos 

A transformação da questão ambiental em vômito de ignorância no templo da natureza preocupa a parte humana do mundo cujo cérebro não foi corroído pelos gases tóxicos da voracidade incondicional de lucros incendiários. Os obtidos à custa do presente e do nosso futuro. Justificar a transformação da Amazônia em dinheiro súbito, porque o país se tornou um entreposto de commodities, não é próprio de verdadeiros empresários e menos ainda de competentes governos. O tempo do desenvolvimento econômico e social não é o tempo do imediato, é o tempo histórico da prudência. Sem consciência do futuro, o atual é pressa tola.

No Brasil, no entanto, não é incomum que o governo e as autoridades, que devem fiscalizar e reprimir os crimes e as atividades antissociais, tenham sempre uma desculpa para o indesculpável. É o caso em relação às queimadas destrutivas do meio ambiente. Este é um momento particularmente significativo dessa violação do dever governativo.

Quando governantes acham que consumir o meio ambiente com a motosserra e as chamas é lícito, para assegurar os ganhos dos poucos em prejuízo dos muitos, e que disso depende o PIB, confessam que o dinheiro de poucos é mais importante do que a vida de todos. Quando dizem que o trabalho escravo, um item amazônico, não é escravo, confessam que a liberdade não é um valor essencial desta sociedade. O que dessa liberdade faz mera liberdade condicional.

Quando proclamam e asseguram que possam armar-se os que quiserem, especialmente no meio rural, onde é alta a violência dos que podem contra os que não podem, revogam o princípio de que é das Forças Armadas o monopólio da violência, para cumprir as leis e assegurar os direitos de todos. E os da própria nação, como sujeito coletivo da nacionalidade.

Marina Silva e João Paulo Capobianco*: O joio e o trigo no agronegócio brasileiro

- O Estado de S.Paulo

É chegada a hora de o segmento mais moderno e responsável do setor mostrar suas diferenças

O agronegócio brasileiro enfrentará grandes desafios nos próximos anos. Serão tempos de turbulências causadas pelo chamado “fogo amigo”, ou seja, por seus próprios pares.

Depois do salto propiciado por um ciclo vitorioso de desenvolvimento no campo que permitiu superar seu desenvolvimento tardio, o Brasil deixou a posição de importador de alimentos para se tornar um dos mais dinâmicos produtores e exportadores de produtos da agropecuária do mundo. Nas últimas quatro décadas, a produtividade cresceu a uma taxa anual média de 3,43%, muito superior à americana, de 1,38% ao ano. Nesse período, a produção de grãos saltou de 40,6 milhões para 237,8 milhões de toneladas, contribuindo para garantir o equilíbrio da balança comercial do País.

A façanha que colocou o agronegócio brasileiro na vanguarda da produção mundial se deu, no caso da produção de grãos, em parte pela incorporação das chamadas tecnologias cristalizadas, aquelas que estão nas sementes melhoradas, em equipamentos de precisão e insumos mais eficientes. Entretanto, destacam os maiores especialistas na área, mais importante do que elas foram as tecnologias conhecidas como não cristalizadas (ou não materializadas em produtos de prateleira). Para Eliseu Alves, um dos fundadores e ex-presidente da Embrapa, “o conhecimento sobre sistemas de produção impactou mais a agricultura brasileira do que equipamentos, máquinas e sementes”.

Essa é uma questão central que deve ser considerada quando discutimos o futuro da agropecuária no Brasil. As tecnologias que tratam dos modelos de produção inovadores, como o manejo de pragas, plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta e outras técnicas de agricultura de baixo carbono, por exemplo, são produzidas pelas instituições de pesquisa e encontram dificuldades para chegar aos seus destinatários no campo. Principalmente quando as limitações orçamentárias afetam seu desenvolvimento e a extensão rural.

O desafio do setor, que se encontra no limiar de ruptura com os atuais sistemas de produção no campo por causa da pressão da sociedade, está na incorporação dos novos padrões sustentáveis de produção, e não simplesmente no uso de algum insumo milagroso ou máquina ultramoderna. A cada dia se exige maior conhecimento e respeito às condições de produção de nossos espaços naturais – que incluem o solo, o clima, as fontes de água e a biodiversidade – e o melhor aproveitamento da área que já está disponível para a agropecuária pela remoção da cobertura vegetal original. Há milhões de hectares nessa condição que estão subutilizados, enquanto o desmatamento segue em ritmo extremamente acelerado, como é o caso da pecuária extensiva, responsável por cerca de 80% do desmatamento e uma produtividade muito baixa, de apenas uma cabeça animal por hectare.

Eliane Cantanhêde: O efeito Macron

- O Estado de S. Paulo

Francês deu a Bolsonaro o discurso aglutinador de ‘soberania’ e ‘patriotismo’

Ao falar em internacionalização da Amazônia, o francês Emmanuel Macron mexeu com os brios brasileiros e deu ao presidente Jair Bolsonaro um discurso poderoso e aglutinador baseado em duas palavras mágicas: soberania e patriotismo. Mesmo antibolsonaristas convictos caíram nessa. Mexeu com a pátria, mexeu comigo.

Com esse discurso, Bolsonaro deu voz unida e reuniu novamente os militares do seu governo em torno dele. Ordem, disciplina, patriotismo. E não se fala mais de demissões de generais nem de medalha para o guru que os tratava aos palavrões.

Com o escorregão de Macron, todos perfilaram, bateram continência e respiraram aliviados por ter bons motivos para reverenciar o capitão que virou “comandante em chefe.” Ele manda, eles obedecem. Ele cobra soberania e patriotismo, eles adoram. Ele grita “a Amazônia é nossa”, eles fazem coro. O resto é passado.

Se une os militares, o presidente também usa Macron e a Amazônia para animar a sua tropa real e virtual e deve estar se divertindo à beça com os “inimigos” que tanto falaram mal de suas posições devastadoras sobre o meio ambiente e agora se sentem obrigados a reconhecer que Macron passou do ponto, é um atrevido.

Enquanto os três Poderes dão tratos à bola para reunir recursos para proteger a Amazônia e o governo toma medidas práticas contra desmatamento e queimadas, Bolsonaro vai tirando proveito político da crise e cobra pedido de desculpas de Macron, que o chamou de “mentiroso”, apesar de ele ter atacado primeiro, com a “live” cortando o cabelo na hora marcada para o chanceler francês.

Luiz Carlos Azedo: Moro, o imexível

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A saída de Moro do governo seria um desastre, porque o ministro carregaria consigo a bandeira da Lava-Jato e se tornaria forte candidato a presidente da República”

A palavra imexível é uma criação do ex-ministro do Trabalho e Previdência Social Antônio Rogério Magri, por ocasião do lançamento do chamado Plano Collor, em 1990. Sindicalista, o então ministro referia-se ao direito de greve. O termo acrescenta o prefixo negativo latino in ao adjetivo mexível, o que é chamado de neologismo léxico. A expressão foi ridicularizada, mas não tinha nada de errado e, por isso mesmo, entrou para o dicionário político nacional. É usada toda vez que um ministro tem muito prestígio e não pode ser exonerado pelo governante, sem que isso cause grande desgaste político e o defenestrado vire um concorrente natural.

É o caso do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que estava sendo fritado pelo presidente Jair Bolsonaro por se opor à decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que suspendeu todas as investigações que estavam sendo feitas pela Polícia Federal com base em informações fornecidas sem autorização judicial pela Comissão de Controle de Operações Financeiras (Coaf). A liminar fora requerida pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República, que estava sendo investigado no caso do seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Moro articulava a derrubada da liminar pelo plenário do Supremo; Bolsonaro ficou sabendo.

A reação de Bolsonaro foi muito dura. Transferiu o Coaf do Ministério da Justiça para o Banco Central, cujo presidente, Roberto Campos Neto, substituiu o chefe do órgão por um funcionário de carreira da instituição. O presidente da República também exigiu mudanças nos quadros da Receita Federal e da Polícia Federal no Rio de Janeiro, cujo superintendente será substituído, sob pena de demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Apesar do mal-estar criado entre os delegados federais, a mudança acabou aceita. Moro recuou, e Bolsonaro manteve o ministro, antes que as críticas ao seu comportamento tirassem a bandeira do combate à corrupção das suas mãos.

Esse é o busílis da questão. A bandeira da Lava-Jato é mais de Moro do que de Bolsonaro. O prestígio popular de Moro, apesar da crise causada pela revelação de suas conversas com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato pelo site Intercept Brasil, permanece inabalável na opinião pública, apesar de ter queimado o filme no mundo jurídico. A imparcialidade do juiz é um valor cultivado entre magistrados, porém, a troca de figurinhas entre juízes e promotores durante as investigações é mais frequente do que se imagina. Além disso, a opinião pública adora o linchamento moral dos políticos, ou seja, quer mais é que o juiz “prenda e arrebente”.

Reinaldo Azevedo: Filhos de Januário, pais de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Temos de decidir se a Lava Jato se subordina à Constituição ou o contrário

Vários grupos do Telegram, nos quais procuradores da República comemoravam o funeral do Estado de Direito e debochavam dos funerais de parentes de Lula, chamavam-se “Filhos de Januário”.

Filhos de Januário, sim, mas pais de Jair Bolsonaro. No momento, essa família moral está em litígio. Seus integrantes disputam a primazia do Estado policial. Deixo este fio aqui para ser retomado mais tarde. Preciso ir ao Supremo.

O pleno do tribunal acabará decidindo que destino terá um fundamento da Constituição que é pilar das democracias na preservação dos direitos individuais em face da pretensão punitiva do Estado.

Refiro-me ao Inciso LV do Artigo 5º da Constituição: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Com base nesse fundamento, a Segunda Turma da Corte, por 3 votos a 1, anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, e devolveu o processo para a primeira instância.

Aproveito para saudar o reencontro com uma Cármen Lúcia comprometida com os direitos fundamentais e com o devido processo legal. Também votaram com a Constituição Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

É incrível! A dita Carta Magna estava sendo violada a céu aberto, e não nos dávamos conta.

Como era possível que um réu delator e um réu delatado entregassem ao mesmo tempo suas alegações finais quando o primeiro está a fornecer elementos contra o segundo, sem que este tenha chance de se defender das acusações?

Hélio Schwartsman: Guinada antilavajatista

- Folha de S. Paulo

É estranha a decisão do STF anulando sentença de Moro que condenou o ex-presidente da Petrobras

É estranha a decisão da segunda turma do STF que anulou a sentença do então juiz Sergio Moro que condenara Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras. Devemos aguardar novos julgamentos para entender melhor o alcance da guinada antilavajatista, mas já está claro que o ímpeto condenatório da Justiça arrefeceu. Um ano atrás, a chance de o Supremo anular uma sentença de Moro com base num argumento técnico plausível, mas não irrefutável, teria sido mínima.

O ingrediente principal da reviravolta é político. A divulgação de diálogos de Moro com procuradores da Lava Jato feriu seriamente a imagem das autoridades envolvidas na operação. Como se isso fosse pouco, Moro, agora no Ministério da Justiça, vem sofrendo sabotagens sistemáticas do presidente Bolsonaro.

Bruno Boghossian: Saidão da milícia

- Folha de S. Paulo

Em defesa de policiais em serviço, presidente pode acabar beneficiando criminosos

O policial militar Adriano da Nóbrega foi preso três vezes antes de ser expulso da corporação, no Rio, em 2014. Nesse tempo, foi acusado de assassinar um guardador de carros e de trabalhar como segurança de um bicheiro. Em sua carreira, ele recebeu duas homenagens do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Uma medalha foi concedida quando o PM estava na cadeia.

Adriano era suspeito de usar a farda para cometer crimes. Ficou um ano e meio atrás das grades por matar um homem que havia denunciado policiais por extorsão. Foi solto depois que a sentença foi revertida em segunda instância.

Se Jair Bolsonaro estivesse no poder à época, talvez ele nem tivesse ficado preso por muito tempo. O presidente anunciou que vai conceder indulto a “colegas policiais que estão presos injustamente pelo Brasil”. Em sua transmissão semanal ao vivo pelas redes sociais, pediu que o público mandasse nomes para que ele pudesse “botar na rua” esses agentes.

A intenção é ampliar sua campanha para reduzir a punição a policiais que matarem em serviço. O saidão de Bolsonaro vai libertar agentes que atuaram em confrontos com criminosos, mas também pode ajudar milicianos e esquadrões da morte.

Pedro Doria: O que é pior neste governo

- O Globo

Muitas características fazem, do governo atual, ímpar. Gosta de romper com políticas de Estado consolidadas há décadas, por exemplo. Tem dificuldades de lidar com os limites constitucionais impostos ao Poder Executivo. Não se envergonha de nepotismo e tem orgulho de ser obscurantista. Mas, quando passar —e todo governo passa —, uma destas características poderá custar muito, muito caro ao Brasil. É o obscurantismo. Ou, em outras palavras, a repulsa à ciência.

A repulsa à ciência aparece de muitas formas. Quando ministros põem em dúvida aquilo que é consenso entre cientistas, como as mudanças climáticas, é um caso. Ou, então, quando o governo enxerga ideologia em números do IBGE, do Inpe, certamente outros exemplos virão. De uma forma mais ampla, porém, esta recusa da ciência põe em perigo o futuro econômico do Brasil. De duas formas.

A era digital, na qual entramos, é em essência aerada matemática. Os dois braços de avanços tecnológicos nos quais estamos mergulhando —em biotecnologia e em inteligência artificial —têm por pedestal uma matemática muito sofisticada. É ama temática do DNA e ama temática por trás dos softwares capazes de aprender.

Não bastasse, a conclusão de que vivemos um tempo de violentas mudanças climáticas se baseia em modelos matemáticos.

Nunca o Brasil precisou tanto de gente que conhece em profundidade matemática. E isso ocorre justamente quando temos um presidente da República que encontra, nos números, ideologia.

Bernardo Mello Franco: Os procuradores diante do luto

- O Globo

Nos grupos da Lava-Jato, oito procuradores ironizaram as mortes da mulher, do irmão e do neto de Lula. Desde que as mensagens vieram à tona, só uma pediu desculpas

Em janeiro de 2017, Marisa Letícia sofreu um derrame. No grupo dos procuradores da Lava-Jato, Deltan Dallagnol escreveu que ela chegou ao hospital “sem resposta, como vegetal”. Januário Paludo comentou: “Estão eliminando as testemunhas...”. A ex-primeira-dama morreria dez dias depois. Deixou marido, quatro filhos e seis netos.

Durante o velório, circulou no chat nota sobre a agonia de Marisa após a operação da PF em sua casa. “Ridículo... Uma carne mais salgada já seria suficiente para subir a pressão... ou a descoberta de um dos milhares de humilhantes pulos de cerca do Lula”, reagiu Laura Tessler. “Sempre tive uma pulga atrás da orelha com esse aneurisma. Não me cheirou bem”, emendou Paludo.

Na manhã seguinte, Antônio Carlos Welter comentou: “A morte da Marisa fez uma mártir petista e ainda liberou ele pra gandaia sem culpa ou consequência politica”. Thaméa Danelon reclamou da ida de outra procuradora ao velório: “É como um colega ir ao enterro da esposa do líder de uma facção do PCC”.

Merval Pereira: No mesmo tom

- O Globo

Polarização continua em plena atividade, e redes sociais trabalham no limite da falta de responsabilidade de ambos os lados

A polarização política continua em plena atividade, e as redes sociais trabalham no limite da irresponsabilidade de ambos os lados. Na mesma semana em que surgiu a reprodução de diálogos de alguns procuradores da Lava-Jato em Curitiba ironizando o luto do ex-presidente Lula na morte de dona Marisa, o próprio Lula deu uma entrevista à BBC Brasil colocando em dúvida que o presidente Bolsonaro tenha realmente sido esfaqueado na campanha eleitoral de 2018.

Para os petistas, os comentários dos procuradores denotam ódio a Lula. Para os bolsonaristas, o comentário de Lula sobre a facada em Bolsonaro demonstra que, para o ex-presidente, nada é mais importante que a disputa política.

Os comentários de alguns dos procuradores são lamentáveis, e a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann foi ao Twitter para condenar, afirmando dramaticamente: "Diálogos de procuradores mostram a pior face do ser humano".

Pode ser exagerado, mas sem dúvida a ironia numa hora dessas é descabida, e revela frieza diante de tragédias pessoais que pode chocar almas mais sensíveis como a da presidente do PT.

Tanto que a procuradora Jerusa Viecili, a mais irônica nos diálogos, pediu desculpas ao ex-presidente Lula por ter feito chacota de seu luto: "Errei. E minha consciência me leva a fazer o correto: pedir desculpas à pessoa diretamente afetada, o ex-presidente Lula", disse, também através do Twitter.

Dora Kramer: Moro se faz de morto no jogo de gato e rato com Bolsonaro

- Revista Veja

De bobo e burro Sergio Moro não tem nada, ou não teria saído do anonimato de uma vara da Justiça 

Federal em Curitiba para a cena nacional como a grande estrela da operação que desmontou o esquema de corrupção na Petrobras e fez a casa de Lula cair. Portanto, requer prudência a avaliação recorrente de que o ministro da Justiça estaria se submetendo inocente e inutilmente a humilhações impostas pelo presidente Bolsonaro.

Cobra-se de Moro uma reação enérgica, que peça demissão ou ao menos responda ao chefe que lhe solapa a autoridade. É possível que estejam corretas as suposições de que o ex-juiz tenha se arrependido de ter trocado o certo pelo duvidoso, mas está feito e não lhe resta opção a não ser bancar o jogo e seguir adiante.

Pelo jeito, ele escolheu atuar conforme os ensinamentos de A Arte da Guerra, usando a força do inimigo para derrotá-lo sem lutar. No popular brasileiro, dando corda para o adversário se enforcar. Isso se o plano do ministro da Justiça chegar a algum lugar. Nesta altura Moro não iria a parte alguma demitindo-se ou exigindo um respeito que Bolsonaro não tem nem se dispõe a dar a ninguém de fora de seu círculo familiar e/ou bajulador.

Ricardo Noblat: Racha na direita

- Blog do Noblat | Veja

MBL rompe com Bolsonaro e seus filhos por causa de projeto de lei contra fake news

Ninguém disposto a seguir aliado ao governo chama o filho do presidente da República de rato, moleque, mentiroso, covarde, “leãozinho de Twitter” que só posa de macho nas redes sociais, e de parlamentar relapso que vota projetos de lei sem tê-los lido.

De tudo isso o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi chamado pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), em discurso na Câmara. Eduardo estava em Brasília, mas preferiu não pôr os pés no plenário.

O discurso de Kataguiri marcou o rompimento oficial do MBL com o bolsonarismo. E foi avalizado, mais tarde, pelo coordenador do movimento, Renan Santos: “Os líderes bolsonaristas são tão autoritários quanto o petismo na esquerda”.

O MBL foi o agrupamento de direita mais importante na convocação de manifestações de ruas que respaldaram o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. No segundo turno da eleição do ano passado, recomendou o voto em Bolsonaro.

Desde então começou a se afastar do presidente e dos seus filhos por discordar de muitas de suas posições. “O bolsonarismo quer que todo mundo seja vaquinha de presépio, igual o lulismo fez com a esquerda. Querem botar cabresto em todo mundo”, acusa Santos.

A explosão de cólera de Kataguiri, que durou 12 minutos, teve a ver com as críticas que Eduardo lhe fez nas redes sociais por causa da aprovação pelo Congresso do projeto que aumentou a pena para quem distribuir notícias falsas nas eleições.

Bolsonaro vetara o projeto. O Congresso derrubou o veto com o apoio de Kataguiri e de outros nomes do MBL. No Twitter, Eduardo ironizou o deputado: “Parabéns por ter viabilizado esse instrumento que vai calar aqueles que não divulgam fake news. A esquerda agradece”.

Quando Kataguiri já não estava mais no plenário da Câmara, Eduardo apareceu por lá e atacou-o em discurso. Disse que a esquerda dispõe de uma “bem aparelhada equipe de advogados que ninguém do lado conservador tem”. E advertiu, para espanto dos que o ouviram:

– Sabe quem é que vai se dar mal com essa lei aqui? Vai ser Allan dos Santos, Bernardo Küster, o Luiz, Olavo de Carvalho, de repente a família Bolsonaro, porque eles [a esquerda] não têm escrúpulos, eles não respeitam a liberdade de expressão.

Allan dos Santos, Bernardo Küster e Luiz são youtubers de direita que apoiam Bolsonaro. Olavo de Carvalho é o autoproclamado filósofo guru dos Bolsonaros. Ora, se eles não disseminam falsas notícias, por que serão prejudicados? Não é verdade?

Eduardo não foi o único Bolsonaro a rebelar-se contra a decisão do Congresso. Na última quarta-feira, Carlos, o vereador, já protestara no Twitter:

“Congresso derruba veto em projeto que tentavam e conseguiram imputar fakenews a quem interessa. Quem ditará o que é fakenews ou não? Já sabemos! A liberdade de expressão sendo cerceada sob pretexto de palavras bonitas. Brasil virando Venezuela!”

Justiça à sombra de Lula

Míriam Leitão: Sinais de melhoras em meio a ruídos

- O Globo

Melhor um resultado positivo no trimestre do que nada. Ainda mais quando ele vem puxado pela indústria de transformação, o setor de construção e o investimento. Não é, contudo, o início da aceleração da economia. Os primeiros dados do terceiro trimestre são fracos, a situação internacional é complicada, a Argentina se aprofunda na crise, o governo entregou menos do que prometeu e o presidente continua sendo uma fonte de instabilidade e tensão. Falta foco ao governo Bolsonaro.

Os dados não enganam. A economia brasileira está passando pelo mais longo e penoso processo de estagnação. Nas recessões anteriores, no vigésimo trimestre após o início da crise, o PIB já estava muito acima do ponto pré-crise. Ou seja, a economia havia recuperado as perdas e subido para outro patamar. Agora, tanto tempo depois do início da crise, o país conseguiu recuperar apenas 42% do que perdeu.

No lado da boa notícia, dois economistas com quem eu conversei esta semana disseram que tinham sinais, das conversas com empresários, de que a construção residencial estava melhorando. Tanto José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, quanto Gustavo Loyola, da Tendências Consultoria, disseram esperar que isso viesse no PIB. O movimento é mais forte em São Paulo, mas o índice registrou 1,9% de alta nesse setor no país. A indústria de transformação subiu 2%, enquanto a extrativa mineral ainda tenta se recuperar da tragédia de Brumadinho. Há nos dados do segundo trimestre números positivos, só não se tem é certeza de que esse movimento vai continuar. Uma das razões é a crise em si que se realimenta, na opinião da economista Laura Carvalho, da USP:

Vinicius Torres Freire: O país em que o PIB é gorjeta de 1%

- Folha de S. Paulo

'Surpresa positiva' do crescimento da economia no segundo trimestre é conversa fiada

Houve uma conversa fiada de que o crescimento do PIB no segundo trimestre foi uma “surpresa positiva”. É sintoma de que as pessoas ocupadas com essa numeralha se acostumaram a discutir migalhas, troco miúdo e gorjeta ruim.

Escapamos por ora de nova recaída na recessão? Grande dia! Só que não. O fato é que a economia brasileira cresce ao ritmo anual de 1,2% desde o final de 2017. Casas razoáveis do ramo precário da previsão econômica ainda estimam que o PIB cresça apenas 0,8% neste 2019 —estando certas, isso significa que o crescimento no resto do ano vai desacelerar. Outros dão o chute informado de que se pode chegar a 1%. Os otimistas, 1,2%. Essas diferenças são troco.

Parte do resultado menos lamentável do trimestre se deveu à construção de casas, porque obras de instalações produtivas (indústria, logística, comércio etc.) ou de infraestrutura (estradas etc.) estão ainda na miséria.

O PIB da construção ainda é negativo, nos últimos quatro trimestres, mesma balada em que vem desde a metade de 2014. Foi o setor mais destruído pela Grande Depressão. O nível de atividade no ramo está mais de 28% abaixo do registrado no segundo trimestre de 2014.

O que se pode esperar de recuperação de curto prazo? Que a taxa de juro básico real caia a perto de zero. Quem sabe assim, com os rendimentos zerados das aplicações financeiras, os brasileiros remediados e ricos invistam em imóveis ou mesmo a torrar o dinheiro que têm guardado em carros, TVs e eletrodomésticos. Sim, é quase sarcasmo.

Além dos nossos famosos problemas estruturais, os economistas dizem que o fracasso recente da retomada mínima do crescimento se deveu a choques, que levaram uns décimos ou centésimos percentuais de aumento do PIB. Houve o caminhonaço dos amigos de Jair Bolsonaro em 2018, a crise argentina, que prejudicou a indústria de carros, a piora das condições financeiras (juros e dólar) devida à eleição, odesastre assassino da mina de Brumadinho, os ataques de Nero Trump ao comércio e à sanidade mundiais.

Claudia Safatle: Reflexos do juro baixo na taxa de câmbio

- Valor Econômico

Vendas de swaps ou de reservas têm igual impacto fiscal

Três fatos explicam o movimento de câmbio financeiro negativo de US$ 18,16 bilhões neste ano. São eles: a queda dos ganhos de arbitragem decorrentes da redução do diferencial entre as taxas de juros internas e externas, com o corte da taxa Selic para 6% ao ano; as incertezas domésticas que se retroalimentam com a sucessão de crises produzidas pelo presidente Jair Bolsonaro; e, não menos importante, a tensão em torno da briga comercial entre os Estados Unidos e a China e a crescente aversão à risco.

Sazonalmente o fluxo cambial é positivo no primeiro semestre, sobretudo pelas exportações agrícolas, e perde força nos últimos meses do ano, período marcado pelas remessas de lucros e dividendos das empresas estrangeiras no país.

O fluxo comercial tem sido positivo e, entre janeiro e agosto, abateu em US$ 12,55 bilhões a posição deficitária do financeiro, encerrando o periodo com uma saída líquida pequena, de US$ 5,6 bilhões, segundo dados até o dia 23 de agosto.

O Banco Central entendeu que há um problema de escassez de liquidez em dólares e acentuou as intervenções no mercado de câmbio. Começou com leilões diários de até US$ 550 bilhões com a venda de dólar à vista e simultânea oferta de swap reverso (que corresponde à compra de dólar no mercado futuro).

Nesta semana, porém, o BC surpreendeu ao vender dólares das reservas cambiais no mercado à vista - operação que ele não fazia desde o dia 3 fevereiro de 2009 (durante a crise financeira global). As iniciativas levantaram a suspeita de que a direção do BC decidiu aproveitar o momento de desvalorização do real para começar a reduzir as reservas internacionais.

Os últimos dados oficiais indicam que as reservas somavam US$ 381,203 bilhões anteontem. Essa posição reflete as intervenções feitas pelo BC até segunda. Mas dirigentes do BC salientam que o que importa mesmo são as reservas líquidas, ou seja, depois de abatidos os quase US$ 69 bilhões de contratos de swap e acrescido o saldo positivo de linhas de crédito. Por esse conceito, as reservas cambiais caem para a casa dos US$ 320 bilhões. Esse seria o valor sobre o qual se calcula o impacto fiscal do carregamento de reservas internacionais.

Elena Landau*: A foto e o filme

- O Estado de S.Paulo

Negar avanços de governos anteriores, só nos faz perder tempo

O recente anúncio das privatizações do governo, oito meses depois de empossado, surpreende pela timidez. Nesse ritmo não vai dar trilhão.

A Constituição autoriza a privatização de quase tudo ao tratar a presença do Estado na economia como exceção. Seguindo o comando do art.173, talvez só tenha razão legal de existir umas dez estatais. Se isso for ousado demais para este governo, há outra opção para quem se elegeu com votos anti-PT: simplesmente fechar as mais de 40 estatais criadas nos governos petistas.

A foto não anima, mas o filme é bom. E o final ainda está por ser escrito. As privatizações foram iniciadas como política de governo com o Programa Nacional de Desestatização (PND), criado por Collor, e foram mantidas por Itamar Franco.

O PND começou priorizando a retirada do Estado das atividades econômicas que poderiam ser assumidas pelo setor privado, com maior eficiência e maior retorno para a sociedade. Depois foi ampliado para incluir concessões de serviços públicos e de infraestrutura. Nesse período, foram privatizadas as empresas de siderurgia, petroquímica e fertilizantes. A venda da CSN enfrentou enorme resistência e protestos, mas em nenhum momento houve recuo.

FHC, primeiro como ministro, mas especialmente como presidente, deu um novo impulso à venda de estatais. Logo que assumiu, colocou Vale, Eletrobrás e Telebrás na lista das empresas a serem leiloadas. Seria equivalente hoje a incluir Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa no PND de uma tacada só. Também comandou a privatização de bancos estaduais e avançou nas de distribuidoras estaduais de energia elétrica.

Até mesmo o governo petista, que suspendeu a venda de estatais e ainda criou novas, deu continuidade à outorga de concessões com leilões de energia elétrica, linhas de transmissão, óleo e gás e infraestrutura.

Muitas dessas vendas foram mal desenhadas e tiveram de ser revistas pelo governo Temer, que melhorou a qualidade institucional e regulatória do processo. Com ele foi retomada a desestatização, tendo reduzido em duas dezenas o número de estatais.

Temer também anunciou a capitalização da Eletrobrás e deu início à política de desinvestimentos das estatais, com a venda da TAG – que só ocorreu neste governo porque uma liminar no STF impedia a conclusão do negócio. Gerou R$ 33 bilhões, que corresponde a um terço de tudo que se pretende arrecadar este ano.

A possibilidade de hoje se discutir abertamente a venda da Petrobrás é resultado de um processo iniciado nos anos 90. A história não começou agora.

O que pensa a mídia - Editoriais

Recuperação se firma e ritmo lento deve prevalecer: Editorial | Valor Econômico

Temores de uma reversão de expectativas já rebaixadas sobre o comportamento da economia ficam para trás com o avanço de 0,4% do Produto Interno Bruto no segundo trimestre. O recuo do primeiro trimestre foi revisto de -0,2% para -0,1% e tanto a comparação deste trimestre com o mesmo em 2018 e a taxa acumulada em 4 trimestres apontam expansão de 1% - a melhor expectativa até agora entre os analistas para o PIB este ano. O resultado não muda muito a perspectiva de que a recuperação atual continuará sendo a mais lenta em relação a todas as anteriores, mas sugere pelo menos que a perspectiva mais provável é a de mais, e não menos, crescimento.

Há nuvens escuras, especialmente no horizonte externo - o agravamento da crise argentina, a guerra comercial e a desaceleração da economia global - que podem mudar o ímpeto da expansão já no curto prazo.

A novidade, que deu grande empurrão às atividades no segundo trimestre foi o desempenho da construção civil (peso de 4,5% no PIB), com avanço de 1,9% sobre o trimestre anterior - o primeiro número positivo após 20 trimestres de queda. Com forte peso também na formação bruta de capital fixo, a demanda da construção ajudou a puxar para cima esse indicador, que cresceu 3,2% no período. As atividades imobiliárias (peso de 9,9% no PIB), também tiveram um arranque, de 0,7% sobre o trimestre anterior e de 2,8% no semestre ante o mesmo período de 2018.

Poesia | Vinicius de Moraes - O verbo no infinito

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito…

Música | Paulinho da Viola - O ideal é competir

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Michel Temer*: A pacificação do País

- O Estado de S.Paulo

Recorde-se o Pacto de Moncloa. Promova-se um Pacto do Alvorada

Pacificar o País significa vê-lo unido. Não nas ideias, nem nos desejos e aspirações de cada setor da nacionalidade. Pacificar não significa que não haja situação e oposição. Não significa que não haja disputas corporativas. Significa, contudo, que todos terão objetivo único: o crescimento do País e o desenvolvimento do seu povo.

Essa afirmação autoriza diferença de conduta, mas nunca da ação. Esta há de ser unitária em defesa do País. Aliás, uma das notas que caracterizam o Estado é a soberania. E esta é definida pela vontade do povo, único titular do poder, para traçar o seu destino.

Para chegar a esse desiderato o primeiro passo é cumprir o disposto na Constituição federal. Afinal, o Direito existe para regular as relações sociais e para que cada um saiba quais são os seus direitos e deveres. É daí que decorre a chamada segurança jurídica. E o que é que a Constituição estabelece como ordem imperativa para todos os nacionais?

Vamos ao seu preâmbulo, onde é dito que o Estado democrático visa a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, especialmente a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Focalizo a palavra fraterno, que não tem significado familiar, entre irmãos, mas o significado que lhe emprestou a Revolução Francesa quando cunhou o dístico “liberdade, igualdade e fraternidade”.

Fraternidade significa pessoas que se harmonizam, que estão juntas para promover o bem comum. Nunca para litigar, mas sim a busca de coincidências nas ações que pratiquem. É no preâmbulo que se diz que esta sociedade deve fundar-se na harmonia social. Harmônico é aquilo que é bem ordenado entre as partes de um todo, é a concórdia, é a paz e amizade entre pessoas.

Mais ainda: é no preâmbulo que se determina a solução pacífica das controvérsias na ordem interna e internacional. Portanto, nele a palavra paz é usada em dois momentos, já que harmonia tem o significado de concórdia.

Abandonemos o preâmbulo. Examinemos, ainda que rapidamente, as várias passagens da Constituição que indicam ser o Brasil país vocacionado para a paz e harmonia, interna e internacionalmente. O artigo 3.º, inciso IV, manda promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Seja: unam-se todos sem divisões. E é dessa unidade que falamos no início do artigo, até porque a eliminação do preconceito significa fraternização e paz entre pessoas. Significa a paz interna do País.

Eugênio Bucci*: Taca fogo

- O Estado de S.Paulo

Tochas glorificando Hitler agora são carregadas contra a Floresta Amazônica

Consta que o documentário russo-soviético O Fascismo de Todos os Dias, de Mikhail Romm, lançado em 1965, foi visto por mais de 40 milhões de espectadores. Se a plateia foi mesmo tão grande, é merecido. Montado a partir de imagens cinematográficas originais da propaganda nazista, o filme reconstitui a formação do que chama “fascismo alemão” e consegue um resultado tão esclarecedor quanto apavorante.

Preliminarmente, cabe aqui um reparo sobre o título da obra. Classificar como “fascismo” a tirania liderada por Adolf Hitler talvez não prime pela melhor precisão histórica. O horror promovido pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães não foi a mesma coisa que a autocracia de Mussolini. Muitos estudos – os de Hannah Arendt entre eles – já detectaram distinções estruturais entre nazismo e fascismo. O primeiro implementou o genocídio como procedimento administrativo do Estado; o segundo, não. No primeiro, o Estado de vigilância total era empregado para eliminar desafetos na cúpula do regime; no segundo, o Estado policial estacionou em estágios mais rudimentares. O primeiro foi a encarnação paradigmática do totalitarismo, interpelando cada cidadão como um agente de segurança a serviço do Terceiro Reich; o segundo realizou-se como exacerbação do autoritarismo.

Entretanto, a despeito das dessemelhanças, os dois modelos guardam em comum traços essenciais. Tanto no nazismo como no fascismo, pulsam as tradições regressivas do cesarismo e do bonapartismo, com forte ojeriza aos marcos civilizatórios do Ocidente e virulenta negação das liberdades e dos direitos humanos. Principalmente, nos dois as massas inflamadas se encarregam de oprimir os dissidentes.

Nessa perspectiva, o título que Mikhail Romm deu ao seu documentário tem pertinência. “O fascismo de todos os dias” significa algo como “o fascismo dos comuns”, “o fascismo ordinário” ou “o fascismo cotidiano”. O foco do cineasta – que atua também como narrador, sempre em off – está na conversão das massas em promotoras ativas dos ideários obscurantistas que seus ditadores adorados procuraram transformar em lei fundamental da humanidade. Vistos por essa lente, nazismo e fascismo são irmãos, análogos, equivalentes. Portanto, Romm pode ter razão.

William Waack: A próxima campanha de Sérgio Moro

- O Estado de S. Paulo

Para efeitos práticos, neste momento Jair Bolsonaro está freando o lavajatismo

Ao anular uma condenação proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro no âmbito da Lava Jato – a que atingia o ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine –, a Segunda Turma do STF apenas deu uma mãozinha no que já é uma tempestade perfeita para os principais expoentes da campanha anticorrupção.

A primeira anulação de uma sentença de Moro abre possivelmente caminho para outras contestações jurídicas, embora prever resultados de disputas no campo do Direito no Brasil seja tão difícil quanto prever a política – a determinante em boa parte do que se decidiu nesse grande embate simbolizado pela Lava Jato. Ocorre que a atmosfera atual tem marcada presença da noção de que se tornou necessário fiscalizar o fiscal, controlar o controlador, frear os procuradores.

Portanto, é um momento claramente contrário à Lava Jato entendida aqui como a capacidade de atuação coordenada de um grupo de juízes, procuradores, delegados e investigadores para manter o ímpeto e a eficácia de suas ações políticas (não quer dizer que tenham perdido a capacidade operacional de investigar, prender e punir corruptos).

Moro já entrou num paradoxo relativamente comum na política: o de que excelentes resultados relativos de popularidade nas pesquisas não garantem resultados práticos à mesma altura dessa popularidade. No campo escorregadio da política Moro não tem sido capaz de ditar agenda, peitar adversários ou levar adiante o que considera essencial, como seu pacote anticrime, por exemplo.

Leandro Karnal: A fala do inimigo

- O Estado de S.Paulo

Muitos não querem ouvir o que se afasta da zona da crença. Não é um debate, é um cala-boca

A Democracia é uma invenção grega aperfeiçoada por acontecimentos e ideias como a Magna Carta Inglesa, o “habeas corpus” (também britânico), as Revoluções Gloriosa e Francesa, a Independência das 13 colônias, o movimento Cartista do século 19 (pelo voto universal masculino) e por pressões de trabalhadores, mulheres e negros que forçaram a ampliação da noção de voto e de participação. Ela é sempre imperfeita e por isso rica e complexa: a Democracia está fadada ao conceito de construção permanente. A ideia democrática também tem uma sina: corre perigo permanente por causa das suas virtudes e... dos seus equívocos. Como advertia Aristóteles, pode degenerar em demagogia ou, termo mais estranho e muito importante, oclocracia, a multidão nas praças controlando os rumos de um Estado de acordo com oscilações passageiras.

Um dos maiores privilégios da Democracia é a liberdade de expressão. Ela se torna central para estimular pensamento crítico, evitar conchavos reservados e escusos, manifestar a diferença de uma sociedade e a heterogeneidade natural do humano. Incluída na “Bill of Rights” fundamental dos EUA, dominante na Declaração dos Direitos Universais do Homem da ONU e defendida na nossa Constituição de 1988, a liberdade de expressão é eixo definidor de todo o resto. Ilimitada? O próprio texto constitucional já imagina seu abuso nas figuras jurídicas da calúnia, da difamação e da injúria. Mas, importante, a afirmação continua livre, a lei maior apenas garante defesa a quem se sentir prejudicado pelo ataque de outrem.

Celso Ming: Limites políticos à guerra comercial EUA-China?

- O Estado de S.Paulo

Donald Trump pode inviabilizar a sua reeleição se continuar produzindo trombadas tão relevantes em sua estratégia política

Grandes perdas sempre são levadas a sério. C0mo produz incertezas e estragos importantes em todo o mundo, a guerra comercial, especialmente a que acontece entre Estados Unidos e China, está sendo levada muito a sério.

No entanto, são tantos seus efeitos nocivos para todos, e também para os Estados Unidos, que fica difícil imaginar que poderá ser prolongada ou aprofundada indefinidamente.

Comecemos pelas contradições, digamos, retóricas. O presidente americano, Donald Trump, já afirmou que o presidente da China, Xi Jinping, é inimigo dos Estados Unidos e fez um apelo para que as empresas americanas abandonassem a China. Na última sexta-feira, ele disse que o presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA), Jerome Powell, é ainda maior inimigo dos Estados Unidos do que Xi porque se recusa a despejar incentivos monetários ou a baixar os juros no nível pretendido por ele próprio, Trump. Mas nem por isso sugeriu que os bancos ou as empresas americanas iniciassem algum movimento de boicote ao Fed.

Mais contraditória ainda é a atitude. Trump alardeia que a economia americana vai muito bem, que há pleno-emprego e bom crescimento econômico, uma ficha que o resto do mundo não consegue exibir. Mas cobra do Fed a derrubada dos juros como se a economia americana estivesse no meio de uma crise catastrófica.

Ontem, o articulista do jornal The New York Times Peter Goldman fez uma observação irrefutável: “Trump pode combater a China ou expandir a economia. Não pode fazer as duas coisas”. Ou seja, se quer que a economia mundial retome o crescimento hoje ameaçado, não pode condenar a China, derrubar sua atividade produtiva e reduzir suas encomendas ao resto do mundo e, assim, contribuir para o início de uma recessão global.

O calendário eleitoral dos Estados Unidos começa, também, a impor sua lógica. Há duas semanas, suspendeu a vigência de sobretaxas impostas a importações da China sob a justificativa de que não poderia azedar o Natal dos americanos com o encarecimento de produtos made in China. E na sua edição desta quarta-feira, o mesmo New York Times mostrou que os agricultores dos Estados de Iowa, Minnesota e Wisconsin, grandes eleitores de Trump, começam a externar sua insatisfação com os efeitos da guerra comercial com a China, na medida em que Pequim desvia para outros países as compras de produtos agrícolas feitas antes aos Estados Unidos.

Zeina Latif*: As dificuldades da intervenção no dólar

- O Estado de S.Paulo

Ativismo excessivo em um mercado tão fluido e com um leque de fatores não é boa ideia

São comuns manchetes apontando a maior valorização ou o maior enfraquecimento do real na comparação com demais moedas. Ocorre que o real é das moedas mais voláteis do mundo, devido à sua relevância nos mercados globais e à própria instabilidade da economia brasileira.

Procurar conter a elevada volatilidade do real é decisão acertada do Banco Central, pois ela prejudica o funcionamento da economia. Dificulta as decisões de importação e exportação, investimento e planejamento das empresas.

Estabelecer limites para a oscilação do dólar – sonho de muitos – seria, porém, grande equívoco. Não é possível ter meta de inflação e de taxa de câmbio ao mesmo tempo. Já utilizamos no passado regimes de administração da taxa de câmbio e eles se mostraram insustentáveis, enquanto o regime de metas de inflação tem sido bem-sucedido.

O que os bancos centrais procuram fazer é suavizar a oscilação da moeda, sem estabelecer limites e sem buscar alterar seu ciclo. Este último é, em boa medida, determinado por fatores externos, ou seja, pelo próprio ciclo do dólar no mundo. Grosso modo, em momentos de tensão ou quando a economia norte-americana vai melhor que o resto do mundo, o dólar se fortalece, como agora.

Ascânio Seleme: Bolsonaro, líder parlamentarista

- O Globo

Na votação da Previdência, presidente já foi colocado de lado

Nunca um presidente da República trabalhou tanto pelo parlamentarismo quanto Jair Bolsonaro. Claro que de modo involuntário, Bolsonaro adora mandar. Por essa razão também, por gostar de mandar mas não saber exatamente como fazê-lo, é que cada vez mais o Congresso vai ganhando importância em detrimento do Palácio do Planalto. Na primeira experiência de entendimento com o Congresso, na votação da reforma da Previdência, Bolsonaro já foi colocado de lado, e a bola rolou sem sua interferência. Foi assim na Câmara e está sendo assim no Senado.

O presidente faz tanta lambança ao lidar com o poder que a cada dia parece mais inadequado para liderar o país. Um líder não despreza a nação como faz Bolsonaro. Eleito, a primeira medida deveria ser a de atrair os que lhe fizeram oposição nas urnas. Bolsonaro não apenas se lixou para estes como se afastou até mesmo daqueles que votaram nele apenas para evitar o outro. E assim segue desfazendo a política. Há algumas semanas rodou na internet uma fake dando conta de que o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, elaboravam “um golpe parlamentarista”. Era bobagem. Mas uma hora poderá deixar de ser.

O Brasil já foi parlamentarista uma vez para evitar dar a um vice-presidente o poder do titular que renunciara. João Goulart só tomou posse, com a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, depois de aprovada uma emenda parlamentarista. A história do Brasil deveria servir de lição. Mas o governo Bolsonaro não gosta de lições, julga-se pleno. Goulart era um político de esquerda. Temia-se que, detendo o poder, transformasse o Brasil num satélite soviético. Por isso, ele quase não assumiu, e só o fez quando o Congresso lhe confiscou o poder. Depois acabou deposto, mas esta é outra história.

Hoje, temos um presidente de extrema direita, anacrônico, que se orgulha do seu anacronismo. E, mais do que isso, não passa um dia sequer sem exercitar com todas as cores e todos os verbos essa condição. O grave nesse caso nem são as bobagens que repete sempre que pode. O que importa é que ele atrapalha, e muito, o governo do Brasil, pátria amada. Nesse episódio das queimadas na Amazônia, deixou de cabelo em pé mais da metade de seu Ministério. Apenas os que o seguem de maneira cega e incondicional repetiram ou endossaram sua retórica.

Bernardo Mello Franco: Guia do terraplanista ambiental

- O Globo

O terraplanista ambiental não acredita no aquecimento global. Para ele, as mudanças climáticas são uma invenção do marxismo cultural

O terraplanista ambiental não acredita no aquecimento global. Em maio, ele foi a Roma e precisou tirar o sobretudo do fundo da mala. Assim percebeu que os estudos científicos estavam todos errados. Eram parte de uma conspiração politicamente correta para enganá-lo.

Para o terraplanista ambiental, as mudanças climáticas não passam de uma falácia. Foram inventadas por ideólogos do marxismo cultural, que dominam as Nações Unidas, as ONGs e a fundação do George Soros.

O terraplanista ambiental não acredita nas universidades, velhos redutos de esquerdopatas, maconheiros e viúvas do Fidel. Ele também não lê jornais e duvida de tudo o que sai na imprensa. Prefere se informar pelo WhatsApp e pelo curso on-line do professor Olavo.

Nem as imagens das queimadas convenceram o terraplanista ambiental de que a Amazônia está em risco. Ele viu no Facebook que as fotos são manipuladas e que os satélites do Inpe foram programados pela Venezuela. Na verdade, as árvores nunca estiveram tão verdes e saudáveis. Quem insiste em dizer o contrário só pode ter sido doutrinado pelo método Paulo Freire.

Merval Pereira: Criatividade da Segundona

- O Globo

Segunda Turma do Supremo exerceu o direito de errar por último, como Rui Barbosa definiu ser prerrogativa do STF

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal exerceu o direito de errar por último, como Rui Barbosa definiu ser prerrogativa do STF. Mas o Supremo é composto por 11 ministros, onze ilhas, na definição de Sepulveda Pertence, “Os Onze” retratados com maestria pelo livro desse nome dos jornalistas Felipe Recondo e Luis Weber.

Portanto, os três votos que inovaram a interpretação da lei para anular o primeiro julgamento da Lava-Jato, usando uma criatividade que até o momento era atribuída apenas ao “direito de Curitiba”, na expressão jocosa do ministro Gilmar Mendes, não representam a opinião do pleno, e em algum momento o caso deverá ser enfrentado pelo conjunto do Supremo.

Ou então a própria Segunda Turma, diante da má repercussão da medida na opinião pública, pode explicitar no acórdão que os efeitos da decisão só se produzem nos processos posteriores, não tendo efeito retroativo para os casos em que a defesa não alegou cerceamento em recurso ainda na primeira instância.

Essa interpretação de que os réus delatores são parte da acusação, e por isso o réu delatado deve ter o direito de se defender por ultimo, deve servir para basear pedidos de anulação de uma série de processos, pois nunca os juízes separaram delatores e delatados, sempre considerados réus igualmente.

A anulação com base nessa nova interpretação da Segunda Turma, porém, só seria possível em situações como a de Bendine, em que a defesa dos réus pediu que falassem depois dos delatores. Os que assim fizeram, antes da primeira condenação, tiveram seus recursos negados pelo juiz de primeira instância, pelo TRF-4 e pelo STJ, e agora podem ser beneficiados.

Míriam Leitão: O trilhão duvidoso da Previdência

- O Globo

Reforma da Previdência foi enfraquecida no Senado e contará com aumento de receitas por meio de outra PEC que ainda começará do zero

A proposta do Senado desidratou o projeto à vista e reidratou a prazo. E um prazo duvidoso. Portanto, o número vistoso que parece tão próximo do trilhão sonhado pelo ministro Paulo Guedes pode não se confirmar. Só ocorrerá se forem aprovadas as reonerações de alguns setores hoje isentos. E isso terá que passar pela Câmara que, no caso do agronegócio, já derrubou uma vez. A retirada do BPC da Constituição aumenta o risco de judicialização.

As concessões feitas pelo relator Tasso Jereissati (PSDB-CE) reduziram a economia em 10 anos em quase R$ 100 bilhões, e uma parte por supressões feitas no texto da emenda original, que sendo aprovada vai para sanção. O relator argumenta que, em compensação, haverá um aumento de receita de R$ 155 bilhões. Só que isso está na PEC paralela que passará pela Câmara e, portanto, é mais duvidoso. O setor agropecuário exportador passaria a recolher contribuição previdenciária, que hoje não paga. Já se tentou isso na Câmara, mas foi derrubado. Além disso, o relator retirou a isenção das entidades filantrópicas de educação e saúde, e incluiu a obrigatoriedade de as empresas do Simples recolherem o correspondente ao custo do acidente de trabalho. Essa receita só virá se a PEC paralela for aprovada.

O texto do relatório usa argumentos fortes para defender o fim dessas isenções. “Não temos clareza sobre por que faculdades destinadas à elite da elite, hospitais que pagam salários de seis dígitos, ou bem-sucedidos produtores rurais não devam pagar INSS dos seus funcionários. A lógica é simples, se eles não pagam, alguém está pagando.” O que as entidades de ensino argumentam é que isso se reverte para a população mais pobre, porque eles têm que dar bolsa. Os exportadores do agronegócio dizem que não se pode exportar imposto. E até agora têm convencido os parlamentares quando essa proposta aparece.

Guga Chacra: O gol contra de Bolsonaro

- O Globo

Apostas da política externa ideológica do governo começam a dar errado. Salvini é o primeiro da lista a sofrer um revés

Apostas da política externa ideológica do governo Bolsonaro começam a dar errado. Aliados se enfraquecem e correm riscos. O italiano Matteo Salvini é o primeiro da lista a sofrer um revés. O líder da Liga, partido de extrema direita, tentou um golpe arriscado ao romper a coalizão de governo para chegar ao cargo de premier em eleições. Fracassou e viu seus antigos parceiros do anti-establishment Movimento 5 Estrelas se aliarem aos seus rivais pró-União Europeia do Partido Democrático, de centro-esquerda.

Salvini seria o pilar mais importante do movimento da “nova” direita formulado pelo charlatão Steve Bannon, se somando ao Brasil, Hungria e Polônia. Bolsonaro o tratava como grande aliado. A avaliação era de que aos poucos estes soberanistas, como gostam algumas vezes de serem identificados, pudessem se tornar uma força superior ao multilateralismo, que eles chamam de “globalismo”, de Emmanuel Macron e Angela Merkel.

Como ministro do Interior, Salvini ainda possuía restrita capacidade de se envolver nas grandes discussões globais. Como premier, teria alcance bem maior. Caso houvesse eleição, talvez atingisse esta meta. Mas não haverá. Voltará para a oposição e pode perder o “timing” quando ocorrer nova votação para o Parlamento no futuro. E seu inimigo Matteo Renzi, com posições próximas ao francês Macron, está de volta à coalizão de poder.

Luiz Carlos Azedo: Em busca da liberdade

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A defesa de Lula pretende anular as condenações nos casos do triplex do Guarujá, pelo qual está preso, e do sítio de Atibaia, julgado apenas em primeira instância”

A queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a força-tarefa da Operação Lava-Jato ganha contornos políticos dramáticos, desta vez por causa da derrubada da sentença condenatória do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Aldemir Bendine, pela Segunda Turma, por três a um, na terça-feira. Ontem, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular duas condenações e parte de um terceiro processo, com base nos mesmos argumentos da defesa do executivo que foram acatadas pela Corte, o que livraria Lula da cadeia até novo julgamento.

O pedido será analisado pelo relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Luiz Edson Fachin. O ministro pode decidir sozinho, levar o caso à Segunda Turma ou ao plenário do Supremo. Ontem mesmo, Fachin mandou o processo do caso do Instituto Lula de volta para a 13ª. Vara Federal de Curitiba, o que sinaliza uma tendência favorável à libertação de Lula e realização de novos julgamentos.

A decisão da Segunda Turma sobre o caso Bendine foi inédita. Pela primeira vez, o Supremo derrubou uma sentença condenatória do ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça. Os ministros entenderam que Bendine tem o direito de falar por último no processo no qual foi condenado, ou seja, depois dos réus delatores. Em todos os julgamentos da Lava-Jato, Sérgio Moro e outros juízes deram o mesmo prazo para todos os réus, como prevê o Código de Processo Penal, independentemente de serem delatados ou delatores.

A decisão no caso Bendine não tem aplicação imediata, cada caso deve ser examinado separadamente, daí o recurso da defesa de Lula, que pretende anular as condenações no caso do triplex do Guarujá, em primeira e segunda instâncias, pelo qual o ex-presidente está preso, e no caso do sítio de Atibaia, julgado apenas em primeira instância. Se o pedido for aceito, Lula ganhará a liberdade, a decisão terá grande repercussão jurídica e tende acirrar a polarização política no país.

A decisão também aumenta a tensão entre os procuradores da Lava-Jato e o Supremo. Votaram a favor da anulação do julgamento de Bendine os ministros da Segunda Turma Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármem Lúcia; o relator Edson Fachin votou contra, mas ontem já despachou requerimento seguindo o novo entendimento, ao remeter o caso do instituto Lula para a primeira instância. Fachin ordenou que a Justiça ouça primeiro os réus delatores e depois os réus delatados.

“Enfatizo, ademais, que não se trata de constatação de mácula à marcha processual. Nada obstante, considerando o atual andamento do feito, em que ainda não se proferiu sentença, essa providência se revela conveniente para o fim de, a um só tempo, adotar prospectivamente a compreensão atual da Corte acerca da matéria, prevenindo eventuais irregularidades processuais, até que sobrevenha pronunciamento do Plenário”, justificou.