segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Carlos Pereira – Amarras da equidade

O Estado de S. Paulo

Orçamento secreto e execução igualitária de emendas quebram o presidencialismo de coalizão

O presidencialismo multipartidário requer “moedas de troca” entre o Executivo e o Legislativo para alcançar funcionalidade. Um presidente é incapaz de construir e manter uma coalizão majoritária sem uma “caixa de ferramentas” sob sua inteira discricionariedade. A execução de emendas parlamentares é uma das principais ferramentas desse jogo, já que gera governabilidade com baixa interferência em políticas de perfil universal.

Esse jogo de trocas estava em equilíbrio até o governo Dilma. Como consequência da má gerência de suas coalizões e de sua fragilidade política no processo de impeachment, Dilma preferiu “perder os anéis para preservar os dedos”, ao aceitar tornar impositivas as emendas individuais. Já Temer, sob ameaça de dois pedidos de impeachment, permitiu que as emendas coletivas também se tornassem impositivas.

A obrigatoriedade na execução das emendas individuais e coletivas, em vez de ter sido um avanço nas relações entre Executivo e Legislativo, engessou o jogo e o tornou mais caro. No momento em que os legisladores perceberam que não precisavam mais votar de forma consistente com o Executivo para que suas emendas fossem executadas, o presidente teve de encontrar moedas alternativas de recompensa.

‘O presidente Jair Bolsonaro é nocivo à economia do Brasil’

The Economist / O Estado de S. Paulo

Ímpeto por reformas deu lugar à corrida por dinheiro para comprar apoio e popularidade

Em setembro de 2019 Paulo Guedes, ministro da Economia do Brasil, disse ao Congresso que poderia “fazer história” mantendo o Orçamento sob controle, acrescentando que “a classe política não deveria correr atrás dos ministros, implorando por dinheiro”. Agora, Guedes está apoiando uma dissimulada tentativa do governo de contornar o limite constitucional para os gastos públicos estabelecido em 2016, que foi um passo crucial para endireitar as finanças do país. Ele e Jair Bolsonaro, o presidente, conduzem o país não apenas a um retorno à incontinência fiscal, como também a outras mazelas econômicos que têm castigado o Brasil: aumento da inflação, altas taxas de juros e baixo crescimento. E as travessuras orçamentárias, por sua vez, criaram incerteza sobre o futuro do principal programa social do país.

Nas eleições de 2018, a aliança de Bolsonaro com Guedes, economista do livre mercado, contribuiu muito para persuadir empresários a apoiarem um ex-oficial do exército de extrema direita que nunca antes havia mostrado interesse pela economia liberal. Guedes prometeu uma reforma radical do inchado e ineficiente Estado brasileiro. Mas essa promessa resultou apenas em alguma economia no setor previdenciário, autonomia legal para o Banco Central e pequenas simplificações regulatórias. Agora o ímpeto por reformas deu lugar à corrida de Bolsonaro por dinheiro para comprar apoio político e popularidade.

Marcus André Melo* - Orçamento de rabo curto

Folha de S. Paulo

O orçamento secreto restaura discricionariedade do executivo no processo orçamentário

Já escrevi sobre o Orçamento rabilongo da República Velha. O apelido deveu-se à longa cauda de emendas estranhas à matéria que a lei orçamentária continha. Mas o que é mais relevante não é apenas a exclusividade ou pureza do orçamento que não deve conter matéria estranha às finanças públicas. O que escapou a muitos analistas é que o orçamento expressava uma certa impotência do executivo face ao legislativo. O atual protagonismo do legislativo sugere que estaríamos de volta ao Orçamento rabilongo, mas se trata do contrário.

Antes da reforma constitucional de 1926, o presidente detinha apenas a prerrogativa do veto total: ou vetava a lei orçamentária in totum, ou a aceitava, o que o enfraquecia. O imbróglio das emendas de relator aponta para algo bem distinto: o rabo curto do orçamento, sua intransparência. Com elas, deparamo-nos com uma espécie de restauração do status quo criado pós 1926, e que vigiu até a introdução do orçamento impositivo (EC 86/2015) e EC 100/2019).

Celso Rocha de Barros - Moro, a esta altura do campeonato?

Folha de S. Paulo

O 'punitivismo' de que precisamos agora, depois dos crimes da pandemia, é outro

Se Sergio Moro tivesse se candidatado a presidente em 2018, teria sido eleito com a maior votação da história. Parece um grande feito até você lembrar quem foi o sujeito que ganhou. O ano de 2018 não foi um pico glorioso na história da inteligência brasileira.

Agora Moro tenta o que Luciano Huck desistiu de fazer: concorrer em 2022 como se fosse 2018. Não é fácil.

O candidato Moro é um time que tem chances de vencer o campeonato, mas não depende dos próprios resultados. Com alguma sorte e habilidade, talvez cruze a linha dos 10% de intenção de voto com o que sobrou de eleitorado lava-jatista e uma parte do ex-bolsonarismo.

Daí em diante, torceria para que ninguém mais decolasse, Bolsonaro despencasse e o voto útil começasse a chegar. Chegando no segundo turno, ainda precisaria que Lula estivesse tão isolado quanto o PT estava em 2018. Nada disso é impossível, mas, para dar certo, os adversários de Moro precisam tropeçar.

Catarina Rochamonte - O impacto Sergio Moro

Folha de S. Paulo

Ex-juiz apresentou um belo esboço de projeto para o Brasil

A solenidade de filiação de Sergio Moro ao Podemos, indicando possível candidatura a presidente, estremeceu o cenário político; especialmente por causa do discurso do novo presidenciável, que surpreendeu a todos, entusiasmando os adeptos e desnorteando os adversários. Indo além da questão do combate à corrupção, Moro apresentou um belo esboço de projeto para o Brasil, cuja efetiva construção irá requerer a adesão de muitas mãos.

A entrada de Moro no xadrez eleitoral despertou a esperança de uns e atiçou o ódio de outros. O amplo arco de interesses em defesa da impunidade que atira flechas no ex-juiz vai desde um ministro do STF, Gilmar Mendes, até políticos condenados por corrupção, como Eduardo Cunha.

Ruy Castro - Boas falsas histórias

Folha de S. Paulo

Garrincha não chamava ninguém de João e Dolores não escreveu com batom num lenço de papel

Diz a lenda que, ao passar por Tom Jobim ao piano, Dolores Duran perguntou-lhe que beleza era aquela que ele estava tocando. "É uma canção em que estou trabalhando", disse Tom. Daí Dolores teria tirado da bolsa seu batom e escrito, de primeira, num lenço de papel: "Ah, você está vendo só/ Do jeito que eu fiquei/ E que tudo ficou...". Ok, agora tente você escrever não uma obra-prima do samba-canção, como "Por causa de você", mas qualquer coisa com batom num lenço de papel. Na vida real, Dolores escreveu a letra em casa, no maior sossego, talvez com uma Parker.

Outra história é a de que Tom e Vinicius de Moraes, bebendo num botequim em Ipanema, viram uma moça passar e ali mesmo fizeram "Garota de Ipanema". Seria assim tão fácil? Além disso, era proibido tocar violão no Veloso, como o botequim então se chamava. A moça passou mesmo por lá, mas Tom fez a música ao piano em seu apartamento e Vinicius, a letra, na casa de Lucinha Proença, sua mulher na época, em Petrópolis. Levaram um mês para terminá-la.

Também não é verdade que o violonista Baden Powell, ao receber um convite para tocar na Casa Branca, em Washington, em 1963, tivesse dito: "Não posso. Nesse dia tenho show no Zum-Zum". Imagine alguém recusar a Casa Branca pelo Zum-Zum, uma humilde boate em Copacabana —nem o desligado Baden faria isso. Para completar, os fatos não batem: os convites da Casa Branca eram feitos com meses de antecedência, e os shows do Zum-Zum, decididos de véspera.

Fernando Gabeira - Um país do passado

O Globo

Umas coisas estranhas estão acontecendo no Brasil de hoje, e tenho até certa dificuldade de descrevê-las. Em muitos artigos, renascem as citações de alguns grandes intérpretes do país, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Victor Nunes Leal.

São quase sempre destinadas a enfatizar os velhos defeitos do Brasil que, apesar dos tempos, reaparecem com força: o conluio das elites políticas para transformar o Tesouro nacional em patrimônio de alguns, a associação com as elites regionais para preservar seu poder.

Parece que o Brasil ficou velho de repente e que não se deu conta. A jovem democracia se olha no espelho como Dorian Gray, personagem de Oscar Wilde, que vê no retrato as deformações da idade, de seu súbito envelhecimento. É tão perturbador que, às vezes, me pergunto se é apenas o velho ou o eterno Brasil que se revela diante de nós.

O fantástico exemplo do orçamento secreto é um sintoma de como viajamos para o passado. Foi denunciado há alguns meses, mas só agora as instituições brasileiras se dão conta de que quase R$ 20 bilhões de dinheiro público são gastos sem a necessária transparência. Como foi possível um mecanismo tão perverso durar tanto tempo?

Demétrio Magnoli - Xi, a lei da História

O Globo

‘Quem controla o passado controla o futuro’, citou Winston, obediente, como queria O’Brien, antes de completar: “Quem controla o presente controla o passado”. Xi Jinping deve ter lido Orwell, pois o lema do Partido Interno de 1984 inspirou o 6º Pleno do Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC). O PCC, no seu centésimo aniversário, ganhou uma história oficial com força de lei. Torna-se, por meio dela, uma entidade perfeita.

Xi não deixa a China e não recebe nenhum líder estrangeiro desde janeiro de 2020,quando a pandemia açoitava Wuhan. O líder chinês não compareceu ao G20 ou à COP26. Sua prioridade absoluta era a missão historiográfica agora concluída.

Sucesso: ele inscreveu na pedra duas “verdades” invioláveis. De um lado, foi nomeado Líder Essencial, numa galeria composta somente de mais dois personagens: Mao Tsé-Tung, o pai fundador da China comunista, e seu rival e sucessor, Deng Xiaoping, que deflagrou a abertura econômica no anoitecer da década de 1970. De outro, apagou a crítica a Mao escrita em tinta vermelha na História oficial prévia, produzida por Deng.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A República resiste

O Estado de S. Paulo

Apesar da ofensiva bolsonarista a vários princípios da República, observa-se uma notável capacidade desse regime de se manter firme como ideia e realização

Perante bolsonarismo e desinformação, instituições republicanas reagem.

Nos últimos anos, têm sido frequentes as violações ao princípio da igualdade de todos perante a lei. Também se verifica a deterioração do chamado regime de leis, com tentativas de exercício do poder estatal além dos limites institucionais, isto é, além dos limites republicanos.

Seria ingênua a pretensão de que não haja ameaças contra o regime republicano. O poder sempre tende a se expandir. A atuação humana produz invariavelmente algum nível de atrito com o princípio da igualdade. Por isso mesmo, a República e seus princípios estruturantes são tão importantes. Não são ornamentos, mas uma necessidade.

De toda forma, nos últimos anos, observam-se dois fenômenos especialmente preocupantes contra a República. O primeiro refere-se ao governo federal. Desde que chegou ao Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro afronta o regime republicano. Não tolera a liberdade de imprensa. Não consente que as instituições funcionem de maneira independente, dentro de suas respectivas atribuições.

Não admite plena vigência ao princípio da separação dos Poderes.

Não é mera questão de estilo pessoal. Por exemplo, causa dano à República que o presidente da República trate toda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contrária a seus interesses como uma afronta à sua pessoa ou uma violação das prerrogativas do Executivo. Agindo assim, Jair Bolsonaro transforma a atuação do Judiciário, institucional e dentro das regras do jogo, em suposto abuso da vontade popular e da Constituição, gerando enorme confusão. Poucas vezes na história do País viu-se uma decisão do STF pacífica e perfeitamente aderente ao texto constitucional – como a que reconheceu a competência compartilhada dos três níveis federativos a respeito da saúde pública – ser tão insistentemente distorcida pelo Executivo federal.

Poesia | Vinicius de Moraes - Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - Amor, o dono do meu caminho

 

domingo, 14 de novembro de 2021

Merval Pereira - Geleia tucana

O Globo

PSDB e PT, que disputaram a liderança política do país durante 20 anos, até 2014, podem voltar a ser decisivos na eleição de 2022, em situações paradoxais muito próprias da geleia geral partidária brasileira.

Uma chapa com Lula para presidente e Geraldo Alckmin para vice deixou de ser “impensável” para ser “possível”, o que pode influir decisivamente no resultado final. O ex-presidente Lula, aproximando-se de Alckmin, dá passos largos em direção ao centro, mesmo que seja apenas um gesto político, que dificilmente se transformará em mudança de seu programa de governo.

O PT deve continuar sendo estatizante e controlador de áreas estratégicas, como a informação e comunicação, a cultura, a educação. Assim como o governo Bolsonaro de início deixou a área econômica com o “Posto Ipiranga” liberalizante e acabou controlando o setor com intervenções estatais e visão estatizante.

Mas a hoje possível, mas não provável, ida de Alckmin para um partido aliado do PT, a formar uma chapa presidencial, teria inicialmente o condão de mexer com a briga interna do PSDB, que caminha para uma prévia fratricida. O partido teria em São Paulo, sua principal base política, uma cunha importante com os adeptos de Alckmin querendo derrotar o governador, que consideram um traidor.

Bernardo Mello Franco – A segunda via de Moro

O Globo

Jair Bolsonaro tem muitos defeitos, mas não é bobo. Rapidamente, farejou o apetite de Sergio Moro por sua cadeira. Em dezembro de 2019, o presidente tentou amarrar o ministro a um plano mais modesto: ser seu vice na campanha à reeleição. “Seria uma chapa imbatível”, cortejou.

No mês seguinte, Moro foi questionado sobre a possibilidade de concorrer à Presidência. “Não tenho esse tipo de pretensão”, despistou. Como a resposta soou evasiva, ele ressaltou sua condição de subordinado. “Evidentemente, os ministros do governo Bolsonaro vão apoiar o presidente”, garantiu.

O capitão, que não é bobo, continuou desconfiado. Os dois se distanciaram, e a advogada Rosangela Moro parou de repetir que seu marido e Bolsonaro seriam “uma coisa só”. Na manhã de 24 de abril de 2020, o presidente disse a aliados que o ex-juiz queria seu lugar. Horas depois, Moro deixou o governo com ataques ao ex-chefe.

A filiação de Moro ao Podemos não marcou apenas o lançamento de um novo presidenciável. Entrou em cena, agora sem disfarces, um candidato a tirar Bolsonaro do segundo turno. O ex-juiz se apresentou como alternativa para o eleitorado de direita. Reciclou, em outro tom, o discurso vitorioso em 2018.

Elio Gaspari - O PT de salto alto

O Globo / Folha de S. Paulo

O comissariado petista subiu num salto alto e teve uma recaída do negacionismo que já lhe custou a perda do mandato de uma presidente

A um ano da eleição, Lula lidera com folga as pesquisas e vive uma maré de sorte, com a desidratação de Bolsonaro e uma terceira via que tem sobra de nomes e escassez de ideias. Prever resultado eleitoral antes que a campanha imponha sua dinâmica é algo como buscar sinais de vida em Marte. Apesar disso, o comissariado petista subiu num salto alto e teve uma recaída do negacionismo que já lhe custou a perda do mandato de uma presidente.

Aos fatos:

No último domingo, o presidente Daniel Ortega, da Nicarágua, reelegeu-se pela quarta vez. Tem a mulher como vice, e durante a campanha o governo prendeu sete postulantes. Nos últimos anos, o regime sandinista produziu centenas de mortos e milhares de expatriados. Coroando esse processo, conseguiu 76% dos votos.

Na segunda-feira o secretário de relações internacionais do PT, Romênio Pereira saudou o evento dizendo o seguinte:

“Os resultados preliminares, que apontam para a reeleição de Daniel Ortega e Rosario Murillo, da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), confirmam o apoio da população a um projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário.”

Em agosto passado, quando Ortega começou a baixar o chanfalho na oposição, Lula se afastou do companheiro, defendendo a alternância de governantes no poder. Parecia que o comissariado se dissociaria das ditaduras de esquerda, mas a nota mostrou que há no PT correntes que vão no sentido oposto. Até aí, seria o jogo jogado, com um secretário de relações internacionais pensando de um jeito, e o guia pensando de outro.

Eliane Cantanhêde - Como o diabo gosta

O Estado de S. Paulo

PSDB foca em Bolsonaro, esquece Lula e quer a centro-direita contra PT

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, aproveitou o debate dos candidatos às prévias do partido, no Estadão, para dizer a mais pura, e melancólica, verdade: “Todos os partidos perderam controle na relação direta com as suas bancadas”. Tradução: o bolsonarismo produziu, ou aprofundou, um estouro da boiada no Congresso.

Os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS), candidatos às prévias tucanas, faziam malabarismo para se descolar do fato de que 22 dos 31 deputados federais tucanos votaram a favor da PEC dos Precatórios, ou “PEC da Reeleição” (do presidente Jair Bolsonaro, óbvio).

ACM Neto, presidente do DEM e futuro secretário-geral do União Brasil (DEM-PSL), poderia dizer: “Viram? Não fui só eu”. Exemplo da perda de controle das bancadas, ele não conseguiu manter os votos democratas no deputado Baleia Rossi para a presidência da Câmara.

Marcos Lisboa* - Cavalo de Troia do patrimonialismo ameaça o futuro

Folha de S. Paulo

Eleições serão afetadas pelo embate entre política velha e o Estado de Direito

Conflitos que ocorriam nas sombras em Brasília vieram a público nas últimas semanas. Não se trata de coisa pequena.

As eleições de 2022 serão afetadas pelo desfecho do embate entre o patrimonialismo da política velha, que se apropria dos recursos públicos para atender seus interesses paroquiais, e o Estado de Direito, que deve garantir as regras do jogo democrático, incluindo a concorrência na política.

O patrimonialismo acena aos mais pobres com uma mão, enquanto garante seu butim com a outra. A PEC dos Precatórios tem como justificativa a obtenção de recursos para o Auxílio Brasil, cerca de R$ 47 bilhões que não caberiam no Orçamento em razão do teto de gastos.

Não é bem assim. O Auxílio Brasil serviu de cavalo de Troia para muitos interesses. A PEC permite um gasto adicional entre R$ 106 bilhões e R$ 115 bilhões, a depender da inflação no fim do ano, mais de duas vezes o necessário para viabilizar o programa social.

Parte da folga tem como destino o aumento do fundo eleitoral, emendas de congressistas e diversos benefícios para grupos de pressão, como caminhoneiros e setores beneficiados com a desoneração da folha.

O acesso privilegiado de alguns congressistas a recursos públicos para fazer obras em suas paróquias, sobretudo em ano eleitoral, resgata as práticas do Brasil velho.

O poder discricionário de distribuir verbas compromete a concorrência política, favorece os aliados dos novos coronéis e restringe a divergência, tema da coluna do dia 9 de outubro.

Governos enfrentam dilemas e deveriam fazer escolhas antecipando suas consequências. Seria possível uma ampliação significativa do Bolsa Família sem furar o teto, desde que fossem eliminados programas pouco eficientes ou não destinados aos mais pobres.

Bruno Boghossian - Bolsonaro 2: a missão

Folha de S. Paulo

Autocrata com mandato renovado nas urnas pode ser tão perigoso quanto golpista bem-sucedido

Os arranjos que Jair Bolsonaro fez para sobreviver no cargo, proteger seus aliados e disputar a reeleição têm potencial para multiplicar o estrago que ele deve fazer se conquistar um segundo mandato. O contrato político com o centrão, as nomeações para tribunais e a ocupação de espaços na máquina do governo serão ferramentas exploradas pelo presidente numa insistente tentativa de ampliar seus poderes.

O acordo de Bolsonaro com o PL é mais do que o aluguel de uma casa para a campanha. Se conseguir mais quatro anos no cargo, o presidente terá uma sociedade consolidada com um bloco disposto a articular a aprovação de projetos do Planalto em troca de acesso a dinheiro público e dividendos políticos.

Janio de Freitas A contramão de outras vias

Folha de S. Paulo

Bolsonaro no PL leva governo a centrão-militar no chamado, com impropriedade, 'velha política'

Um jato de originalidade. Assim foram os últimos dias, literalmente uma primavera política à brasileira. Novidades eleitorais capazes de instalar mais situações sem precedentes e sem destino presumível.

Não é o caso da entrada formal, em si mesma, de Sergio Moro na política, afinal um projeto evidenciado desde seu início há mais de sete anos. A originalidade, no caso, está na peculiaridade que o pré-candidato traz como futuro: Moro seria portador de uma condição única, diante da tarefa de governar.

Está aí o escândalo do R$ 1,2 bilhão (levantamento do competente Gil Castello Branco no site "Contas Abertas"), investido por Bolsonaro para comprar a aprovação do projeto dos Precatórios na Câmara. Se esse método é local, a dependência dos governos ao Legislativo é comum aos regimes não ditatoriais. Tendo-a, para Moro governante a saída pela corrupção seria a melhor das situações possíveis. Por ser, ao menos, saída.

Míriam Leitão - O retrato eleitoral e a economia

O Globo

O país está a dez meses e 18 dias do primeiro turno das eleições, o centro da preocupação dos brasileiros deslocou-se da pandemia para a economia, e o presidente Bolsonaro perdeu apoio até entre os que votaram nele. A economia dificilmente virá em socorro de Bolsonaro, porque as projeções mostram que em 2022 haverá um declínio do ritmo de crescimento, chegando ao negativo no terceiro e quarto trimestres. O desconforto econômico não desaparecerá porque nada indica uma mudança para melhor na conjuntura.

O ex-presidente Lula cresceu mesmo em silêncio, mas ele terá que se expor mais. Nos últimos dias, o PT fez nota cumprimentando Daniel Ortega, ditador da Nicarágua, por “ganhar” uma eleição fraudada, em que ele prendeu sete concorrentes e na qual a abstenção foi de 80%. Depois o PT voltou atrás, desautorizou a nota, mas não renegou seu conteúdo. O PT insiste em defender ditadores latinos.

Vinicius Torres Freire - Brasil no pódio global da energia cara

Folha de S. Paulo

Alta de preços é a segunda maior entre as economias relevantes do mundo

A inflação da energia no Brasil é uma das maiores do mundo. Dá para dizer que é a segunda mais alta entre as maiores ou mais ricas economias, aquelas que, juntas, fazem uns 97% do PIB mundial. Perde apenas para a da rica, pacata e grande produtora de energia Noruega.

Na média dos países da OCDE, o preço da energia aumentou 15,8% em um ano, até setembro. O Brasil não tem uma estatística imediatamente comparável, mas os preços dos combustíveis domésticos (como gás) subiram 33%, os de energia elétrica 28,8% e os de combustíveis para veículos 43,7%. É medalha de prata.

Samuel Pessôa - Voos da galinha

Folha de S. Paulo

Nossa democracia não tem sustentado ciclos longos de crescimento

Nas últimas semanas, alguns textos de pessoas ligadas ao grupo político petista têm avaliado a experiência do PT no governo.

O argumento é que o desempenho foi muito bom, com algumas dificuldades no primeiro mandato de Dilma, até que a Operação Lava Jato, a recusa de Aécio em aceitar o resultado eleitoral e a reversão dos preços das commodities nos jogassem em uma profunda crise econômica.

Assim, para debater nosso passado, o petismo considera que o agravamento da crise em 2015 e 2016 nada tem a ver com as políticas adotadas pelo Executivo. A conta do governo petista para o petismo termina em 2014, de acordo com a minha interpretação daqueles textos e de outras manifestações
vindas desse grupo político.

Meu argumento é que o melhor momento que vivemos desde a redemocratização, os oito anos da presidência de Lula, teve política econômica não sustentável a partir de 2006. Mais cedo ou mais tarde testaríamos os limites. Estes foram testados no primeiro mandato de Dilma. O fato de ela ter dobrado a aposta a partir de 2012 explica em grande medida a gravidade da crise.

Rolf Kuntz* - O desmonte

O Estado de S. Paulo

A PEC do Calote pode ser mais um instrumento a serviço da política destruidora conduzida pelo presidente Jair Bolsonaro

Vinte milhões de pobres serão abandonados pelo poder federal, sem acesso ao novo Bolsa Família e sem ajuda emergencial, admitiu o senador Fernando Bezerra, líder do governo e relator da PEC do Calote, oficialmente conhecida como PEC dos Precatórios. O governo, segundo ele, acredita na retomada econômica, sobretudo no setor de serviços, grande gerador de emprego informal. No Ministério da Economia, acrescentou, ainda se espera um crescimento na faixa de 1,5% a 2% no próximo ano. Faltou explicar como um desempenho tão miserável poderá gerar empregos para acomodar a multidão em busca de ocupação e de algum sustento para a família. Salve-se quem puder, danemse os outros e parem de incomodar o governo, poderia ter concluído o senador, se quisesse usar a linguagem do presidente Jair Bolsonaro. Mas preservou a compostura e o tom formal.

Pedro S. Malan* - Competentes precisam se mobilizar pelo País

O Estado de S. Paulo

O Brasil não pode abandonar sua busca por um republicano Estado Democrático de Direito

A emenda constitucional aprovada pela Câmara dos Deputados tem como objetivo “abrir espaço” no teto para maiores gastos. O calote parcial dos precatórios e as mudanças casuísticas nos indexadores de gastos (para se beneficiar da maior inflação) abriram espaço superior a R$ 90 bilhões no antigo teto. É útil colocar em perspectiva essa iniciativa momentosa, que teve evidente apoio do Poder Executivo.

Em entrevista dada em novembro de 2014, logo após sua reeleição, Dilma Rousseff afirmou: “Ao longo do governo, você descobre que várias coisas estão desajustadas. Várias contas que podem ser reduzidas, (...) o que vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo, vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar”. Surpreendente declaração para alguém que naquele momento já vinha de cinco anos à frente da Casa Civil e quase quatro anos como presidente da República, apresentada que fora como a melhor gerente de que o País dispunha. Haviam se passado nove longos anos desde que, ministra-chefe da Casa Civil, havia tachado de rudimentar o embrião de proposta então em discussão na área econômica, de reduzir a velocidade de crescimento dos gastos primários do governo; e acrescentado seu famoso “gasto é vida”.

Cacá Diegues - Respeito à democracia

O Globo

Ela sempre foi mais que um regime de qualquer natureza, sendo uma forma de viver

Me encantei com a oradora indígena que representou o Brasil extraoficialmente na reunião de Glasgow sobre o meio ambiente. Os jornais informaram que ela é bissexual, fã de funk e estudante de advocacia. Mas o que mais me interessou em Alice Pataxó foi o que ela disse diante dos espertos participantes da COP26: as pessoas de poder no Brasil, inclusive o presidente da República, não se interessam pela luta contra o coronavírus, não podemos contar com nossas autoridades, elas estão em outra. Num inglês de aluna recente do IBEU, Alice fez questão de afirmar, com a força de sua juventude, que veio a Glasgow para desmentir as mentiras de Bolsonaro.

Ela tem razão. Segundo as despesas do governo, Bolsonaro autorizou que se gastasse mais com o lançamento recente da nota de 200 reais do que com a luta contra o coronavírus. Incluindo aí, claro, o custo das vacinas que já produziram visíveis resultados. Como diz em coro a “grande imprensa”, o dinheiro público deve servir sempre ao bem estar da população, né não?

Enquanto isso, nossa oposição explícita condena, por um lado, os gestos autoritários dos bolsonaristas; por outro, saúda com entusiasmo a “eleição” de Daniel Ortega, na Nicarágua, como “grande manifestação popular e democrática”. O ex-herói da luta histórica contra a ditadura de Somoza, no final da década de 1970, não vacilou em mandar prender, para se manter por mais um mandato no poder, os sete candidatos de oposição durante a campanha eleitoral. Nela, Ortega tinha sob controle o Legislativo, o Judiciário, as Forças Armadas e a justiça eleitoral, além de reprimir ou mandar matar os que se manifestavam contra ele.

Cristovam Buarque * - Sem Mandela nem De Klerk

Blog do Noblat / Metrópoles

Tanto o Brasil quanto a África do Sul se estruturavam com base na segregação e consequente exclusão, por renda ou por apartheid

O Brasil África do Sul são parecidos. Pode-se dizer que o Atlântico é um espelho que mostra um lado similar ao outro no sistema social e econômico de apartheid, com a diferença que o sistema deles separava brancos de negros, o nosso separa ricos de pobres. As escolas sulafricanas eram segregadas conforme a raça, da mesma forma que as nossas são segregadas conforme a renda. O fim do apartheid fez aquele belo país africano ainda mais parecido com o nosso.

Tanto a sociedade de um lado quanto do outro do Atlântico se estruturavam com base na segregação e consequente exclusão: por renda, no Brasil, com nossa apartação; ou por raça, na África do Sul, com o apartheid. De um lado e outro, estas sociedades se caracterizavam pela concentração de renda e de benefícios sociais, pela violência e instabilidade.

Sérgio C. Buarque* - As fogueiras virtuais

Revista Será?

Na justa luta contra o preconceito e o desrespeito à diversidade, o movimento Politicamente Correto comporta-se como um dos baluartes da intolerância, com condenações a priori e desproporcionais ao que se consideram crimes de racismo ou homofobia. As redes sociais deste movimento se transformaram em fogueiras contemporâneas de purificação dos hereges, com massacres morais a qualquer desvio do seu padrão de correção política. Condenam e partem para o ataque, sem julgamento, a falas e atitudes que deveriam ser apuradas e analisadas com base na legislação brasileira que define e pune crime de racismo e homofobia. Cadeia, se for o caso. Mas a guerrilha do politicamente correto prefere partir direto para criminalizar, demonizando e, se possível, destruindo. 

A mais recente investida da sua rede inquisitória foi contra o jogador profissional de vôlei, com uma intensa pressão moral que provocou seu afastamento do clube que defendia e da seleção brasileira. O atleta está sendo trucidado moralmente por supostas declarações homofóbicas. Ele pode até ser homofóbico, mas o que está sendo condenado foi um comentário do jogador à foto de um novo “Superman” beijando um homem: “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa, que vai ver onde vamos parar”. A frase contém uma referência negativa a certa tendência de glamourização da homossexualidade e não uma rejeição ou agressão à homossexualidade. Como se tivesse pensado, com certa ironia, que “do jeito que as coisas vão, daqui a pouco o heterossexual vai ser visto com desconfiança, talvez até desprezo, quem sabe mesmo como uma aberração”. Mais ou menos como diz uma amiga homossexual, também com ironia, “o heterossexual é uma espécie em extinção”. 

Dorrit Harazim - Lixo humano

O Globo

Alexander Lukashenko costuma ser astuto em sua desumanidade. Currículo para isso ele tem, como primeiro e único “presidente” da Bielorrússia desde que esse antigo Estado-satélite da União Soviética tornou-se república, em 1990. Na última das eleições fraudulentas realizadas no país — a de 2020, para um sexto mandato de Lukashenko —, ele proclamou ter obtido 80% dos votos. E foi logo avisando ao mundo democrático: “A menos que vocês me matem, não haverá mais eleições”. O cara vive às turras com a União Europeia (UE), que lhe aplica sanções múltiplas por seus modos ditatoriais, e alinha-se com fervor à Rússia de Vladimir Putin, o vizinho imperial da fronteira leste.

Em tempos recentes, Lukashenko encontrou a maneira mais infame de ostentar seu poder e azucrinar a Europa democrática. Passou a importar como gado humano milhares de errantes de nações desintegradas do Oriente Médio e da África do Norte, para socá-los na soleira da porta trancada da sonhada União Europeia — mais precisamente, nas fronteiras com a Polônia, a Lituânia e a Letônia, todos países-membros da UE.

Luiz Carlos Azedo - Dois filmes, duas histórias que se cruzam na resistência ao regime militar

Correio Braziliense / Estado de Minas

Marighella queria que a derrubada da ditadura resultasse na revolução socialista; para Giocondo a redemocratização exigia longa resistência de uma ampla frente política

Vale a pena ver o filme Marighella, dirigido por Wagner Moura, com Seu Jorge esbanjando talento na telona, no papel de Carlos Marighella, em 1969, no auge da atuação da Ação Libertadora Nacional (ALN), o grupo guerrilheiro que liderava e foi dizimado pelo delegado Sérgio Fleury.

Em contraponto, sugiro também o documentário Giocondo Dias, Ilustre Clandestino, de Vladimir de Carvalho, disponível no Canal Brasil, que reúne depoimentos sobre o líder comunista que substituiu Luiz Carlos Prestes na Secretaria-Geral do PCB. Ambos mostram um passado de radicalização política que não deve se repetir.

Moura dirigiu um blockbuster político, que utiliza os recursos da ficção e dos filmes de ação para fazer um recorte histórico da vida de Carlos Marighella, inspirada na excelente biografia de Mario Magalhães sobre o líder comunista carismático que arrastou para a luta armada jovens militantes do antigo PCB e um grupo de padres dominicanos.

Carvalho fez um garimpo de imagens, a partir dos depoimentos de militantes que participaram do resgate de Giocondo Dias, o líder comunista clandestino que havia ficado isolado, após o desmonte da estrutura do velho Partidão, em 1975, quando 12 integrantes do Comitê Central foram assassinados e milhares de militantes foram presos.

Marighella e Giocondo fizeram parte do chamado “grupo baiano”, que lideraria a reorganização do PCB no final do Estado Novo, em 1943, tecendo uma aliança pragmática com Getúlio Vargas para o Brasil entrar na II Guerra Mundial contra o Eixo: Armênio Guedes, Moisés Vinhas, Aristeu Nogueira, Milton Caíres de Brito, Arruda Câmara, Leôncio Basbaum, Alberto Passos Guimarães, Jacob Gorender, Maurício Grabois, José Praxedes, Osvaldo Peralva, Boris Tabakoff, Jorge Amado, João Falcão, Fernando Santana, Mário Alves e Ana Montenegro, nem todos baianos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A farsa se desvela

Folha de S. Paulo

Com o PL, Bolsonaro caminha para a sua matriz, o centrão, em união sem firmeza

A anunciada filiação do presidente Jair Bolsonaro ao PL de Valdemar Costa Neto, condenado por corrupção no mensalão, é mais um lance a desvelar a farsa, que só aos incautos iludiu, de que o capitão reformado do Exército renovaria os usos e costumes da política.

Se for confirmada a adesão, o Partido Liberal —não confundir significante com significado— será a nona sigla a abrigar Bolsonaro desde que ele entrou na política, no Rio da década de 1980, elegendo-se vereador e depois deputado federal por setes vezes seguidas.

Nesse período, constituiu em torno de seu núcleo familiar uma oligarquia provinciana, alimentada pelos votos e pelos interesses do corporativismo armado fluminense e financiada com dinheiro do contribuinte, por meios que as investigações sobre as chamadas rachadinhas vão deixando patentes.

Numa conjunção de fatores que dificilmente se repetirá, da periferia do sistema representativo foi alçado diretamente à Presidência. Sem capacidade administrativa, projetos nem quadros, acabou presa dos oligarcas federais do centrão, aos quais cedeu o manche e abriu os cofres do governo em troca de não sofrer impeachment.

Poesia | Joaquim Cardozo* – Tarde no Recife

Tarde no Recife.
Da ponte Maurício o céu e a cidade.
Fachada verde do Café Maxime,
Cais do Abacaxi. Gameleiras.

Da torre do Telégrafo Ótico
A voz colorida das bandeiras anuncia
Que vapores entraram no horizonte.

Tanta gente apressada, tanta mulher bonita;
A tagarelice dos bondes e dos automóveis.
Um camelô gritando: — alerta!
Algazarra. Seis horas. Os sinos.

Recife romântico dos crepúsculos das pontes,
Dos longos crepúsculos que assistiram à passagem dos fidalgos
[holandeses,
Que assistem agora ao movimento das ruas tumultuosas,
Que assistirão mais tarde à passagem dos aviões para as costas
[do Pacífico;
Recife romântico dos crepúsculos das pontes
E da beleza católica do rio.

*In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.6-7

Música | Maria Bethânia - Frevo Nº 2 do Recife

 

sábado, 13 de novembro de 2021

Cristina Serra - Bolsonaro aparelha o Judiciário

Folha de S. Paulo

Ele vai nomear nada menos que 75 desembargadores para TRFs

Está em curso uma operação de aparelhamento do Judiciário pelo bolsonarismo, conforme alertou a colunista Mônica Bergamo nesta Folha.

Bolsonaro vai nomear nada menos que 75 desembargadores para os seis tribunais regionais federais, cortes subordinadas apenas ao STF e ao STJ no ordenamento da Justiça no Brasil. É um aumento de 50% em relação às vagas atuais.

Tamanho assalto será possível graças a dois projetos de iniciativa do Superior Tribunal de Justiça, aprovados por Câmara e Senado, que tramitaram com inusual rapidez durante a pandemia, sem ter qualquer urgência e bem longe de uma discussão sobre a real necessidade de expansão da estrutura existente. Um dos projetos aumentou o número de vagas em cinco TRFs. O segundo criou o TRF da 6ª região, exclusivo para o estado de Minas Gerais, que terá, de saída, 18 desembargadores.

Demétrio Magnoli - As vidas negras que não importam

Folha de S. Paulo

Polícia de Minneapolis, onde George Floyd foi assassinado, não será reformada

As taxas de homicídios nas grandes cidades dos EUA cresceram 30% em 2020 e, novamente, 24% nos primeiros meses de 2021. As taxas de aprovação do governo Biden retrocedem desde julho, caíram para zona negativa em agosto e, agora, situam-se ao redor de meros 43%. Inexiste correlação estatística direta entre os dois fenômenos, mas o primeiro, filtrado pelo discurso político, ajuda a iluminar o segundo.

"Cortem o financiamento da polícia" –o lema foi erguido pelo movimento Black Lives Matter ("Vida Negras Importam") durante as manifestações de protesto pelo assassinato de George Floyd, em Minneapolis, e adotado pela ala esquerda do Partido Democrata.

Nas eleições de 2020, Biden obteve mais de 70% dos votos na cidade que foi palco do crime notório. Há pouco, porém, a mesma cidade rejeitou em plebiscito uma proposta de substituição do departamento de polícia por um Departamento de Segurança Pública.

Uma folgada maioria de 56% votou contra a nova agência que "se necessário, poderia incluir" policiais. "O Império contra-ataca", tuitou D.A. Bullock, cineasta e ativista do movimento negro. De fato, porém, a proposta foi derrotada tanto nos bairros afluentes, majoritariamente brancos, quanto nos pobres, habitados por negros e latinos, onde se concentra a violência por armas de fogo. Nicole Drillard, que é negra e teme as arbitrariedades cometidas por policiais, explicou seu voto: "Precisamos de alguém para chamar –e, se não for a polícia, quem será? Já não temos policiais suficientes nas ruas."

Vários autores* - Desemprego e desindustrialização

Folha de S. Paulo

Retirada de direitos não traz modernização, mas sim políticas de fomento

Ao sancionar a reforma trabalhista em 13 de julho de 2017, o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o então deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN) posaram em frente a um painel onde se lia: "Modernização trabalhista, direitos garantidos e novas oportunidades". Mais de quatro anos depois, entretanto, o Brasil sofre com baixo crescimento econômico, com a contínua retirada de direitos e confirma sua condição de exportador de matéria-prima.

Muito já foi dito sobre os graves prejuízos que a reforma de 2017 impôs aos trabalhadores. Agora vamos tratar de outro ponto que mostra que a reforma não entregou o que prometeu: a desindustrialização.

O ambiente econômico caminha hoje no sentido contrário ao da propalada modernização, como mostram diversos estudos.

Dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido) mostram que entre 2005 e 2020 o Brasil passou do 9º para o 14º lugar no ranking de industrialização global.