O Globo / Folha de S. Paulo
O comissariado petista subiu num salto alto
e teve uma recaída do negacionismo que já lhe custou a perda do mandato de uma
presidente
A um ano da eleição, Lula lidera com folga
as pesquisas e vive uma maré de sorte, com a desidratação de Bolsonaro e uma
terceira via que tem sobra de nomes e escassez de ideias. Prever resultado
eleitoral antes que a campanha imponha sua dinâmica é algo como buscar sinais
de vida em Marte. Apesar disso, o comissariado petista subiu num salto alto e
teve uma recaída do negacionismo que já lhe custou a perda do mandato de uma
presidente.
Aos fatos:
No último domingo, o presidente Daniel
Ortega, da Nicarágua, reelegeu-se pela quarta vez. Tem a mulher como vice, e
durante a campanha o governo prendeu sete postulantes. Nos últimos anos, o
regime sandinista produziu centenas de mortos e milhares de expatriados.
Coroando esse processo, conseguiu 76% dos votos.
Na segunda-feira o secretário de relações
internacionais do PT, Romênio Pereira saudou o evento dizendo o seguinte:
“Os resultados preliminares, que apontam
para a reeleição de Daniel Ortega e Rosario Murillo, da FSLN (Frente Sandinista
de Libertação Nacional), confirmam o apoio da população a um projeto político
que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e
igualitário.”
Em agosto passado, quando Ortega começou a baixar o chanfalho na oposição, Lula se afastou do companheiro, defendendo a alternância de governantes no poder. Parecia que o comissariado se dissociaria das ditaduras de esquerda, mas a nota mostrou que há no PT correntes que vão no sentido oposto. Até aí, seria o jogo jogado, com um secretário de relações internacionais pensando de um jeito, e o guia pensando de outro.
Na quarta-feira, a presidente do partido,
Gleisi Hoffmann, publicou uma mensagem esclarecendo a questão em linguagem
telegráfica:
“Nota s/ eleições na Nicarágua ñ foi
submetida à direção partidária.
Posição PT em relação qq país é defesa da
autodeterminação dos povos, contra interferência externa e respeito à democracia,
por parte de governo e oposição.
Nossa prioridade é debater o Brasil c/ o
povo brasileiro.”
Piorou. A doutora tratou de um aspecto
burocrático da nota de louvor a Ortega. Ela não foi submetida “à direção
partidária”. E se fosse? Ademais, o secretário de relações internacionais tem
direito de falar sobre questões internacionais.
A última frase (“nossa prioridade é debater
o Brasil c/ o povo brasileiro”) não quer dizer nada. Quem glorificou Ortega foi
o comissário Romênio Pereira, e se a ditadura nicaraguense, corretamente, não é
uma prioridade para o PT, ele pode ficar calado. Tendo falado, ao colocar a
questão nesses termos, a doutora sugere que pretende blindar o tema.
Má ideia, sobretudo porque Lula está numa
viagem de dez dias à Alemanha, Bélgica, Espanha e França. “Nosso guia”
pretendia mostrar aos europeus que o Brasil não é Bolsonaro. Que não seja, mas
resta saber qual é o Brasil do PT. Que não é o de Daniel Ortega, isso se sabe,
pois ficou 13 anos no poder sem praticar os atentados contra as liberdades
públicas que Ortega praticou em poucos meses.
O Brasil de Lula desembocou na crise de
2016 porque o negacionismo do comissariado contaminou seu organismo. Flertando
com os Castro em Cuba, com Hugo Chávez na Venezuela e com Muammar Kadafi na
Líbia, o comissariado ajudou a produzir Bolsonaro. Subindo num salto alto um
ano antes da eleição, leva água para uma eventual reeleição do capitão.
Se o gabinete do ódio quisesse redigir duas
notícias falsas sobre a eleição da Nicarágua, não faria melhor.
Lira errou a mão
A colunista Malu Gaspar revelou que em suas
conversas com ministros do Supremo, Lira errou a mão ameaçando cortar verbas do
Tribunal. A coisa foi funda, o presidente da Câmara alienou a eventual simpatia
de ministros neutros e mutilou a capacidade de articulação de seu principal
aliado, o ministro Gilmar Mendes.
Lira tentou dançar forró numa missa.
O futuro do profeta
No seu discurso de filiação ao Podemos,
Sergio Moro repisou o bordão do “Brasil, país do futuro”. Esse é um lugar-comum
da retórica nacional. Noves fora o fato de que o futuro pode ser oferecido todo
dia, sem custo ou compromisso, há um mau-olhado no bordão.
Em 1941, o escritor austríaco Stefan Zweig
publicou seu famoso livro “Brasil, um país do futuro”. Ele não deve ter sido a
primeira pessoa a qualificar Pindorama dessa maneira, mas popularizou a ideia.
Zweig era um festejado escritor e em 1934, um ano depois da ascensão de Hitler
ao poder, ele deixou a Alemanha e vagou pelo mundo. Depois de vir para o Brasil
pela terceira vez, estabeleceu-se com a mulher em Petrópolis. Na noite de 22 de
fevereiro de 1942 os dois mataram-se. Ele tinha 60 anos.
Na nota que deixou, Zweig disse que havia
aprendido “a amar mais este país e não gostaria de ter que reconstruir minha
vida em outro lugar depois que o mundo da minha própria língua se afundou e se
perdeu para mim, e minha pátria espiritual, a Europa, destruiu a si própria.
(...)
Deixo saudações a todos os meus amigos:
talvez vivam para ver o nascer do sol depois desta longa noite. Eu, mais
impaciente, vou embora antes deles.”
A noite era pesada, a Solução Final do
extermínio de judeus tinha sido posta em movimento, mas os Estados Unidos haviam
entrado na guerra, os alemães haviam sido parados às portas de Moscou, e o
Brasil rompera relações com Berlim e Roma.
Vacâncias diplomáticas
As relações de Bolsonaro com o presidente
Joe Biden são glaciais. Para piorar, a embaixada dos Estados Unidos em Brasília
está vaga desde junho, e o chanceler Carlos França não se bica com Nestor
Forster, embaixador em Washington.
Se pudesse, já o teria trocado.
Moro, Davi e Golias
No seu discurso inaugural, Moro disse que
“se necessário, eu lutaria sozinho pelo Brasil e pela Justiça, seria Davi
contra Golias”. Esse bordão também é gasto.
Ninguém se oferece para o papel de Golias,
mas o juiz da Lava-Jato já viveu os dois papéis.
Como Davi, de sua vara de Curitiba,
emparedou grandes empresários e um ex-presidente da República. Como condestável
da Operação Lava-Jato, virou Golias: achou que podia tudo, interferiu no
resultado da eleição de 2018 e acabou marcado como juiz parcial pelo Supremo.
Foi abatido pela funda dos advogados de defesa de Lula.
Paulo Guedes
O ministro Paulo Guedes já tem problemas
demais sobre a mesa. Não precisa somar a esse pacote a percepção de que nutre
uma rivalidade obsessiva com Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central.
Campos Neto faz seu serviço como presidente
de uma instituição, já Guedes valoriza demais sua própria pessoa.
Nova encrenca
Como se as encrencas de Bolsonaro fossem poucas, sua piada ridícula com o bom dia que deu à mulher, Michelle, terá consequências. Quando ele disse que usava a verba parlamentar na cama, ganhou um gelo de dias.
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