Revista Será?
Na justa luta contra o preconceito e o
desrespeito à diversidade, o movimento Politicamente Correto comporta-se como
um dos baluartes da intolerância, com condenações a priori e desproporcionais
ao que se consideram crimes de racismo ou homofobia. As redes sociais deste
movimento se transformaram em fogueiras contemporâneas de purificação dos
hereges, com massacres morais a qualquer desvio do seu padrão de correção
política. Condenam e partem para o ataque, sem julgamento, a falas e atitudes
que deveriam ser apuradas e analisadas com base na legislação brasileira que
define e pune crime de racismo e homofobia. Cadeia, se for o caso. Mas a
guerrilha do politicamente correto prefere partir direto para criminalizar,
demonizando e, se possível, destruindo.
A mais recente investida da sua rede inquisitória foi contra o jogador profissional de vôlei, com uma intensa pressão moral que provocou seu afastamento do clube que defendia e da seleção brasileira. O atleta está sendo trucidado moralmente por supostas declarações homofóbicas. Ele pode até ser homofóbico, mas o que está sendo condenado foi um comentário do jogador à foto de um novo “Superman” beijando um homem: “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa, que vai ver onde vamos parar”. A frase contém uma referência negativa a certa tendência de glamourização da homossexualidade e não uma rejeição ou agressão à homossexualidade. Como se tivesse pensado, com certa ironia, que “do jeito que as coisas vão, daqui a pouco o heterossexual vai ser visto com desconfiança, talvez até desprezo, quem sabe mesmo como uma aberração”. Mais ou menos como diz uma amiga homossexual, também com ironia, “o heterossexual é uma espécie em extinção”.
O linchamento moral das milícias virtuais
do politicamente correto, não apenas na questão de gênero, está criando um
clima de desconfiança nas relações sociais e afetivas, gerando medo até de
eventuais questionamentos das suas manifestações de intolerância. O pior é que
estas fogueiras inquisitórias não ajudam em nada a acabar com o preconceito e o
desrespeito às diferenças, a superar o racismo e a homofobia na sociedade
brasileira. Muito pelo contrário, a motivação justa e correta de combate à
homofobia e ao racismo pode estar levando ao seu oposto, os métodos
desqualificando os honrosos objetivos. Simplesmente porque não se constrói uma
sociedade tolerante através da intolerância, do ódio e da agressão às pessoas
classificadas como criminosas pela métrica própria de qualquer movimento ou
tendência política.
Embora seja o oposto político e ideológico das milícias virtuais bolsonaristas – racistas e homofóbicas – a guerrilha politicamente correta se assemelha ao extremismo desta ultradireita, na precipitação do julgamento e na virulência da condenação dos hereges. Os dois lados desta polarização preferem as agressões morais (e até físicas) ao diálogo e à troca saudável de ideias, recorrem ao cancelamento no lugar da argumentação e do convencimento. Com objetivos nobres, o movimento politicamente correto está sendo conduzido por esta guerrilha virtual que se confunde com o que há de pior na sociedade brasileira. As maiores vítimas são a democracia e os valores civilizatórios. Não será surpresa se o articulista que ousa assinar este artigo for jogado também na fogueira.
*Economista com mestrado em sociologia,
professor da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em
cenários e desenvolvimento regional e local, sócio da Multivisão-Planejamento
Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta-Consultoria, Estratégia e
Competitividade. É sócio fundador da Factta Consultoria. Fundador e membro do
Conselho Editorial da Revista Será? É membro do Movimento Ética e Democracia.
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