segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Fernando Gabeira - Democracia brasileira, coitadinha

O Globo

Um relatório divulgado em Estocolmo pelo Idea (Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral) aponta a decadência da democracia brasileira.

Na semana passada, escrevi um longo artigo sobre isso. Reconheço que Bolsonaro é um dos principais responsáveis, da gestão da pandemia aos ataques à imprensa e ao STF. No meu entender, contudo, Bolsonaro não inventou a decadência da democracia brasileira. Apenas aproveitou-se dela para aprofundá-la ainda mais com seus impulsos autoritários.

Gostaria de anotar alguns pontos que escapam ao radar dos grandes observadores internacionais, coisas miúdas do cotidiano, que, de certa maneira, são o dínamo da decadência, pois têm o poder de arruinar o apoio popular à democracia.

O clima de Brasília mudou nos últimos tempos. Formou-se uma frente bastante ampla de parlamentares, e até setores da Justiça, destinada a favorecer a impunidade.

Durante muito tempo, vigorou o orçamento secreto, uma aberração no sistema democrático. Em menos de dois meses, surgiram duas propostas de emenda constitucional com o mesmo apelido: PEC da Vingança. Uma delas visava ao Ministério Público; a outra, ao próprio STF. Nesta última, então, a vingança parecia mais explícita: queriam aposentar exatamente a ministra Rosa Weber, que bloqueou o orçamento secreto.

Demétrio Magnoli - A alma do PT

O Globo

A nota infame do PT que descreveu a “eleição” de Daniel Ortega como “grande manifestação popular e democrática” foi retirada do site para não provocar ruídos eleitorais no Brasil. Mas ela expressa a posição do partido — e o desprezo de dois ex-presidentes, Lula e Dilma, ao sistema democrático.

“Por que Angela Merkel pode estar no poder por 16 anos e Ortega não?”, indagou Lula em entrevista ao jornal El País, reativando um paralelismo cínico que mobiliza desde sempre. Diante da resposta singela da entrevistadora — “ela não encarcerava os opositores”—, o candidato favorito a 2022 simulou recuar, apenas para insistir na falácia de fundo: “Se Ortega detém opositores para que não concorram às eleições, como fizeram comigo, está equivocado”.

A democracia brasileira propiciou que um retirante nordestino, sindicalista metalúrgico, fundador de um partido de esquerda alcançasse a Presidência por dois mandatos. A ditadura de Ortega aboliu a alternância no poder, prendendo as lideranças concorrentes, inclusive os antigos companheiros de esquerda da Frente Sandinista. No Brasil democrático, Lula foi preso por corrupção, mas um Judiciário independente revisou o processo, declarou parcial o juiz que o sentenciou e anulou as condenações. Na tirania nicaraguense, os juízes fazem o que Ortega determina. Mas, segundo Lula, é tudo igual.

Bruno Carazza* - A esquerda que enxerga além

Valor Econômico

Movimentações atuais miram o futuro sem Lula

Na recém-lançada biografia Lula: Volume I, o jornalista Fernando Morais conta que, após deixar a cela da PF em Curitiba, o petista se dirigiu aos manifestantes que o acompanharam em vigília nos 581 dias de prisão. Depois do discurso inflamado, “Lula dá um beijo cinematográfico em Janja, desce a escadinha do palanque e, sem precisar anunciar a ninguém, pisa no chão como candidato a presidente do Brasil”.

Morais estava certo. A anulação dos processos contra Lula automaticamente definiu a escolha da esquerda para 2022. Líder com folga nas pesquisas, o recente périplo internacional mostra o apetite do petista por obter um terceiro mandato e, assim, terminar sua carreira política por cima.

O retorno de Lula reenergiza a militância e pode reverter a tendência de queda de votos nesse campo observada desde que ele passou a faixa para Dilma Rousseff, em 2011.

Computando os votos para deputado federal, verificamos que o conjunto de partidos inclinados à esquerda (PT, PSB, PDT, Psol, PV, Cidadania, PC do B, Rede, PCB, PSTU e PCO) viu seu eleitorado subir de 17,1 milhões de votos em 1998 para 31,3 milhões com a primeira vitória de Lula, em 2002.

Sergio Lamucci - O difícil ambiente para a economia em 2022

Valor Econômico

Com Bolsonaro empenhado em se reeleger e o Congresso em manter a captura de uma fatia expressiva do Orçamento, o panorama fiscal deve permanecer nublado

A economia brasileira está em marcha lenta, e as perspectivas para os próximos meses são desanimadoras. A inflação segue elevada e os juros vão continuar a subir, num ambiente em que a atividade já dá sinais claros de fraqueza, como mostraram os resultados da indústria, do comércio e dos serviços em setembro. A um ambiente interno repleto de incertezas, somam-se agora as dúvidas quanto a uma nova variante da covid-19, a ômicron. Há temores de que nova cepa seja mais transmissível e resistente às vacinas existentes. O medo de uma nova variante que acelere o contágio da doença, dando um tranco na economia mundial, aumentou com força a aversão global ao risco na sexta-feira.

Celso Rocha de Barros - Ladrões ameaçam STF com fascismo

Folha de S. Paulo

A direita quer reduzir a idade de aposentadoria dos ministros do Supremo para 70 anos, de modo a permitir que Bolsonaro indique mais dois integrantes do tribunal

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a proposta da militante de extrema-direita Bia Kicis (PSL-DF), presidente da comissão, que revoga a "PEC da Bengala".

"PEC da Bengala" foi uma das inúmeras falcatruas cometidas pela direita brasileira em 2015-2016. Para evitar que Dilma Rousseff exercesse seu direito de indicar mais ministros para o STF, o Congresso ampliou a idade de aposentadoria compulsória dos ministros para 75 anos. Agora que a direita governa o país, a turma quer reduzir de novo a idade de aposentadoria para 70, de modo a permitir que Bolsonaro indique mais dois ministros.

O objetivo de Kicis e Bolsonaro é claro: seguir, no Brasil, o roteiro de desmonte da democracia implementado pelos governos autoritários que os inspiram, como os da Hungria e da Polônia. Os "novos autoritários" já descobriram faz tempo que o caminho mais curto para desmontar a democracia é o aparelhamento da Suprema Corte. A Suprema Corte decide o que a Constituição diz, quem controla a Suprema Corte diz o que é a Constituição.

Marcus André Melo - Ministérios e corrupção

Folha de S. Paulo

O que impede que coalizões não degenerem em acordos escusos?

Duas manchetes —uma internacional, outra doméstica— dão o mote para uma coluna sobre a formação de governos em contextos multipartidários. A primeira: "Alemanha finalmente escolhe o sucessor de Merkel". Pela primeira vez o país terá uma "coalizão semáforo" com três partidos: SPD, Verdes e Liberais (FDP). A segunda: "Minha reeleição na Câmara não depende da reeleição de Bolsonaro, diz Lira".

Sob o parlamentarismo, a formação de governos tipicamente envolve acordos formais programáticos como também a divisão de pastas ministeriais, como mostrei neste espaço em 14/2. Nos casos em que não se formam maiorias, o governo continuará minoritário, mas alguns partidos fora da coalizão assinam acordo de não obstrução, garantindo a investidura.

Catarina Rochamonte - A quarta onda e a terceira via

Folha de S. Paulo

É imprescindível a convergência em torno de um bom projeto para o país

Mais uma vez, o mundo está em alerta devido à alta de casos de Covid-19 na Europa e à descoberta de uma nova variante do coronavírus, a ômicron, detectada na África do Sul. Em tempo de imprevisibilidade, tensão e medo como este no qual vivemos, ter à frente da nação uma liderança séria, sóbria, equilibrada e preparada é fundamental.

Os alemães, por exemplo, tiveram a sorte de atravessar as primeiras ondas da pandemia sob a liderança de Angela Merkel, enquanto nós, brasileiros, tivemos o infortúnio de atravessá-las sob a desorientação de Jair Bolsonaro; e corremos o risco de termos por presidente, nas próximas crises, alguém sem noção e autoritário o suficiente para equiparar essa grande estadista alemã ao ditador da Nicarágua.

Carlos Pereira – Não é só um problema moral

O Estado de S. Paulo

O debate sobre o combate à corrupção qualifica as eleições de 2022

Alguns têm argumentado que a entrada de Sérgio Moro na corrida presidencial traria novamente o tema do combate à corrupção para o centro do debate público, o que supostamente seria contraproducente, diante de problemas mais urgentes a serem enfrentados pelo Brasil, como desenvolvimento econômico, inflação e inclusão social.

É como se o combate à corrupção fosse eminentemente um problema moral e não houvesse correlação entre os resultados de políticas econômica e social e comportamentos predatórios de governantes.

Entretanto, como mostro no quarto capítulo do livro Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System, governos que vivem em ambientes politicamente competitivos e sob fortes restrições de organizações de controle robustas e independentes apresentam melhor desempenho econômico e social do que governos não controlados.

Definição no PSDB cria ‘núcleo duro’ no centro com Doria, Ciro e Moro

Pedetista tem assegurado que não abre mão da disputa; unificação depende de entendimento entre governador e ex-juiz, que admitem a ideia de composição futura

Adriana Ferraz / O Estado de S. Paulo

O fim das prévias tucanas serviu para delimitar uma espécie de núcleo duro do centro político para a disputa presidencial de 2022. Expandido por mais sete pré-candidaturas, a chamada terceira via tem agora três postulantes que trabalham efetivamente para liderar uma candidatura: Ciro Gomes (PDT), Sérgio Moro (Podemos) e João Doria (PSDB).

Ciro e o PDT têm assegurado que não abrem mão da disputa. O governador paulista e o ex-juiz da Lava Jato admitem a ideia de composição futura. Ambos, porém, esperam arregimentar apoios, demonstrando até o fim do primeiro trimestre do próximo ano que seus projetos possuem mais perspectiva de poder.

Entrevista | Doria: “Minha candidatura se posiciona frontalmente contra Lula e Bolsonaro”

Vencedor das prévias do PSBD diz que governo de SP é exemplo do que poderá ser sua gestão do país

Por Cristiano Romero / Valor Econômico

BRASÍLIAO governador de São Paulo, João Doria (PSDB), estreou na política há apenas cinco anos, mas não pode ser mais chamado nem de “novato” nem de “outsider”. Em meia década, foi eleito para administrar, respectivamente, o terceiro e o segundo maior orçamento do país. No sábado, foi eleito por seu partido, o PSDB, numa disputa renhida, para concorrer em 2022 ao cargo máximo da República, responsável por gerir um dos maiores orçamentos públicos do planeta.

Na prévia concluída no sábado, como ocorreu na escolha do candidato à prefeitura de São Paulo em 2016 e ao governo paulista dois anos depois, tucanos históricos se uniram para tentar impedir a escolha de Doria. Com poucas exceções - uma delas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apoiador do governador -, esse grupo trabalhou intensamente para eleger o jovem governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.

É uma narrativa falsa, de que não sou agregador; temos 13 partidos na base aliada de apoio ao governo na Assembleia”

Doria se recusa a se auto-definir como o candidato da ‘terceira via’, caminho com o qual setores da sociedade contam para tirar o incumbente do cargo - o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição - e evitar a volta ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atual líder das pesquisas. Mas, nesta entrevista ao Valor, Doria se lança como o candidato posicionado frontalmente contra Bolsonaro e Lula. É provável que a partir de hoje o governador seja considerado por analistas a terceira via.

Dentro do PSDB, a principal crítica dirigida a Doria seria a de que ele não é um político agregador. O governador não gosta de falar sobre isso, mas, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo e da residência oficial do governador, sabe-se que ele considera essa a mais falsa das teses que seus colegas de partido criam para defini-lo de maneira pejorativa.

“Como alguém pode não ser agregador e ter Henrique Meirelles, que é de outro partido, no seu governo? Rodrigo Maia, por exemplo? E Rossieli Soares, que veio para o governo assumir a área de educação? Sérgio Sá Leitão veio para cultura. O Vinicius Lumertz, que era de outro partido, e veio cuidar da área de turismo? O vice-governador Rodrigo Garcia era do DEM, mas transferiu-se para o PSDB. É candidatíssimo à sucessão em São Paulo”, desabafa Doria.

“Para complementar, temos 13 partidos na base aliada de apoio ao governo na assembleia legislativa de São Paulo, incluindo o PL, o PP e o Republicanos. E não tem nada de espúrio, até porque se houvesse a mídia já saberia, os tribunais de contas saberiam, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça etc. Foram três anos de governo sem nenhum escândalo, nenhuma investigação, nada. É possível fazer a política de pratos limpos, a política republicana”, diz Doria. 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

César Felício - João competidor

Valor Econômico

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), é, acima de tudo, um competidor. Nunca foi um homem da composição política e provavelmente nunca será. Assim conseguiu se tornar prefeito de São Paulo, governador do Estado e agora candidato do PSDB à presidência: com embate duro contra colegas de partido, rupturas com aliados, enfrentamento com adversários.

Em processo de eleições internas, mobilização é a palavra chave. Quem tem cadastro atualizado, organização, equipe para chegar até a base, leva vantagem. E Doria tem expertise no assunto.

Ele ignora os caciques e vai direto à base. Não é à toa que os mestres em composição construíram as regras das prévias de modo a estabelecer travas na entrada hostil de Doria em currais eleitorais alheios. Criaram um complexo sistema com cinco grupos de eleitores, divididos em quatro colégios eleitorais, de forma a realçar o peso da cúpula.

"Tempo da corrupção, da incompetência e do negacionismo precisa ficar para trás", diz Doria

Pré-candidato tucano criticou não só o governo do presidente Jair Bolsonaro, como também os petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff

Por Edna Simão e Rafael Walendorff / Valor Econômico

BRASÍLIA- O vencedor das prévias do PSDB para a disputa da Presidência da República no ano que vem, João Doria, ressaltou que o tempo da corrupção, da incompetência, do negacionismo, da irresponsabilidade fiscal, da regulação da mídia e dos ataques às instituições democráticas precisa ficar para trás.

Ele elencou ainda, em discurso, medidas adotadas em seu governo no Estado de São Paulo, como trazer a vacina contra o novo coronavírus aos brasileiros, e criticou não só o governo do presidente Jair Bolsonaro, como também dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

“Trouxemos a vacina para os brasileiros. Vacina negligenciada pelo governo federal. Mas que salvou milhões de vidas em todo Brasil e hoje nos permite vencer a pandemia e retomar a economia”, ressaltou.

O pré-candidato tucano afirmou que os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff representaram a captura do Estado pelo maior esquema de corrupção do qual se tem notícia no país. “A moralidade convertida em roubalheira. Fazer políticas públicas para os mais pobres não dá direito, a quem quer que seja, de roubar o dinheiro público. Os fins não justificam os meios. A péssima gestão da economia com Dilma nos legou dois anos de recessão e desemprego”, frisou.

Mirtes Cordeiro* - Nossos Contos, o livro nº 37

Falou e Disse

Crianças aprendem lendo e escrevendo. Esse processo trabalhado desde o início, em que as crianças vão se acostumando a compreender o que leem e o que escrevem, torna-as capazes para aprender também a exercer o seu protagonismo na vida que têm pela frente.

Não importa os tropeços, se a letra é maiúscula ou cursiva, importa, sim, o conteúdo, a compreensão sobre a escrita e a forma como a criança se vê através das suas manifestações sobre esse processo, porque elas desenvolvem o seu próprio conhecimento.

Ao aprender, a criança vai construindo seu aprendizado a partir da sua linguagem e sua escrita.

Era uma tarde de verão e grande calor, mas a quadra da escola estava repleta de pais, avós, alguns tios e até irmãos dos que iam se formar no ABC, uma tradição nas nossas escolas brasileiras.

Concluir o ABC, numa referência histórica a aprender as primeiras letras, significa estar apto a entrar no ensino fundamental, dominando os princípios básicos da escrita, da leitura. Atualmente já se sabe que inclui também conhecimentos sobre matemática, história geografia e ciências.

As crianças das três turmas do Primeiro Ano Escolar da Escola Polichinelo, felizes e saltitantes, postaram-se em suas cadeiras para ouvir as professoras e a representante das turmas na leitura do seu pequeno texto de agradecimento. Todas entre 6 e 7 anos de idade.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O estado da democracia

O Estado de S. Paulo.

País sofre abalos nos pilares democráticos desde a eleição de Jair Bolsonaro, mas está longe de ser um país autoritário

Uma democracia vigorosa se sustenta sobre um tripé formado por eleições limpas, liberdade de expressão e associação assegurada por lei e plena vigência do Estado de Direito. É o que o cientista político Tom Ginsburg e o jurista Aziz Huq, professores da faculdade de Direito da Universidade de Chicago, chamam de “predicados básicos da democracia”. Falar em retrocesso democrático, portanto, implica constatar que ao menos um dos elementos desta tríade não vai bem, deixando capenga todo um sistema de direitos e deveres finamente equilibrado.

De acordo com o relatório Estado da Democracia Global 2021, publicado recentemente pelo Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), o Brasil foi um dos países que registraram retrocesso democrático em 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19. É preciso entender muito bem os eventos que contribuíram para esse resultado a fim de evitar uma erosão ainda maior dos pilares democráticos no País no futuro próximo.

O Idea avalia o estado da democracia em cerca de 160 países, nos cinco continentes, há décadas. Desde 2016, o Brasil é um dos países-membros da organização intergovernamental, sediada em Estocolmo. Para medir a higidez da democracia nos países avaliados, o Idea leva em consideração critérios como a legitimidade dos governantes, a participação da sociedade nas definições de políticas públicas, a impessoalidade da administração pública, a garantia de direitos fundamentais e o funcionamento do sistema de freios e contrapesos.

Poesia | Carlos Pena Filho - A Rosa, no íntimo

Entro em teu breve sono, onde os minutos

são três pássaros líquidos e enorme,

e descubro os gelados aquedutos
guardiães do silêncio, enquanto dormes.

Pouso a cabeça nos teus lábios sujos

de mundo e tempo, e vejo que possuis

em teus seios, dois bêbados marujos

desesperados, sós, raros, azuis.

Enfim, além (no além de tuas pernas

onde Deus repousou a sua face,

cansado de inventar coisas eternas)

desvendo, ao desespero de quem passe,

a rosa que és, a mística e sombria

a noturna e serena rosa fria.

Música | Teresa Cristina - Nem ouro, nem prata

 

domingo, 28 de novembro de 2021

Merval Pereira - Espaço para a terceira via

O Globo

Com a disputa pela presidência da República em processo acelerado, que começou na verdade há mais tempo, provocado pelo próprio Bolsonaro, que ganhou a eleição prometendo acabar com a reeleição e saiu das urnas já candidato a ela, é importante ter um olho no futuro para avaliar os diversos cenários em que nos moveremos  daqui a um ano.

O lançamento da candidatura do ex-juiz Sérgio Moro tendo dado uma chacoalhada em uma disputa que já se tinha como certa a polarização final entre Bolsonaro e Lula, fica-se agora à espera da possibilidade de união no PSDB mesmo depois de prévias conturbadas para que um novo quadro eleitoral se desenhe.

O economista Cláudio Porto, fundador da Macroplan, consultoria especializada em estratégia e análises prospectivas, saiu a campo para testar a temperatura,  avaliar incertezas e as tendências delas derivadas. Realizou uma sondagem de expectativas junto a 250 integrantes das redes da empresa no período de 9 a 16 de novembro: uma amostra não aleatória de executivos, políticos, gestores, acadêmicos e especialistas dos setores privado, público e do 3º setor de todo o Brasil.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro prepara fuga em 2022

O Globo

O capitão avisou: só vai aos debates em 2022 se os adversários aceitarem suas condições. “É para falar sobre o meu mandato. Até a minha vida particular, fique à vontade. Mas que não entre em coisas de família, de amigos, porque vai ser algo que não vai levar a lugar nenhum”, disse.

“Tenho quatro anos de mandato para mostrar o que fiz”, prosseguiu. “Agora, eu não posso aceitar provocação, coisas pessoais, porque daí você foge da finalidade de um bom debate”, encerrou.

Pelas regras expostas na quinta-feira, Jair Bolsonaro não poderá ser questionado sobre o vaivém de dinheiro no gabinete do filho Zero Um. “Coisas de família”, incluindo os depósitos de R$ 89 mil para a primeira-dama. Também ficam proibidas perguntas sobre o gabinete do ódio e a indústria das fake news, que puseram o Zero Dois e o Zero Três na mira da polícia.

Elio Gaspari - Os saltos altos do PT

O Globo / Folha de S. Paulo

O PT subiu num salto alto à sua maneira. Num pé, calçou um modelo Sabrina; noutro, um Stiletto. Como eles têm alturas diferentes, incomodam pouco quem joga sentado, mas atrapalham, e muito, quem tiver que se mover numa campanha eleitoral.

Em menos de um mês, o comissariado se amarrou numa incompreensível, porém deliberada, defesa de regimes ditatoriais ditos de esquerda. Primeiro, um comissário saudou a vitória de Daniel Ortega numa eleição que lhe rendeu o quarto mandato à custa da prisão de postulantes. A presidente do PT disse que o festejo não havia passado pelo crivo da direção. Passaram-se semanas, e Lula foi confrontado pelo caso nicaraguense por duas entrevistadoras do jornal “El País”. Numa resposta marota de palanque, bateu no cravo e acertou Ortega defendendo a alternância dos governantes no poder. Na ferradura, lembrou que Angela Merkel ficou 16 anos no poder. Adiante, repetiu o truque ao dizer que a democracia em Cuba depende do fim do bloqueio econômico dos Estados Unidos. Nenhuma das duas coisas tem a ver com a outra.

Nosso Guia foi prejudicado pela retórica de que se vale nos discursos. As repórteres Pepa Bueno e Lucía Abellán, contudo, eram entrevistadoras.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro, o cisne negro na política brasileira

Correio Braziliense/ Estado de Minas

Beneficia-se do fato de que qualquer Governo é a forma mais concentrada de Poder: arrecada, normatiza e coage. E usa em benefício próprio a mão pesada do Estado, no limite de suas possibilidades

O escritor Nassim Nicholas Taleb é um libanês que resolveu escrever sobre probabilidades e incertezas após deixar o emprego de “trader” de derivativos na Bolsa de Chicago. Seu livro A lógica do Cisne Negro (Best Seller) faz muito sucesso entre os executivos, porque trata de eventos raros e da necessidade de estar preparado para lidar com eles. O título do livro decorre do fato de que todos os cisnes eram brancos, até a “descoberta” da Austrália. A novidade do cisne negro foi uma demonstração da fragilidade do conhecimento humano. O presidente Jair Bolsonaro é um cisne negro na política brasileira. Sua eleição era altamente improvável, mas aconteceu. O mesmo ainda pode se repetir em 2022.

O Cisne Negro existia, antes de ele ter sido visto pela primeira vez por um explorador do Ocidente. Taleb destaca que eventos dessa ordem ocorrem com muito mais frequência, mas não estamos preparados para percebê-los. Depois que tomamos conhecimentos deles, buscamos explicações que muitas vezes são fantasiosas, porque isso é melhor do que admitir que não estamos entendendo nada. Nossas opiniões formadas sobre tudo, como diz a canção, nos impedem de compreender o que contraria aquilo em que acreditávamos.

Doria vence prévias, prega união no PSDB e pede ajuda a outros partidos


Após processo tumultuado, governador de SP obtém 54% dos votos; desafio agora é pacificar o partido e buscar consenso na terceira via

O Estado de S. Paulo

Ao final de um processo tumultuado, com muitas disputas internas e problemas no aplicativo de votação, o governador de São Paulo, João Doria, venceu as prévias tucanas para a escolha do pré-candidato do PSDB à Presidência. Doria obteve 53,99% dos cerca de 30 mil votos, superando o governador gaúcho Eduardo Leite (44,66%) e o ex-senador amazonense Arthur Virgílio (1,35%). Agora, Doria tentará unir o PSDB e se viabilizar como alternativa eleitoral para 2022.

Após uma disputa interna acirrada e problemas técnicos no aplicativo de votação, o governador de São Paulo, João Doria, saiu vencedor ontem das prévias para a escolha do pré-candidato do PSDB à Presidência em 2022. Em seu discurso após o resultado, Doria pregou a união interna do partido e pediu ajuda das demais siglas de centro para a “consolidação” de um “melhor projeto” para o Brasil. “Ninguém faz nada sozinho. Precisaremos da ajuda de todos. Da união do Brasil. Da união do PSDB. Da união com outros líderes e partidos”, afirmou.

Eliane Cantanhêde – Todo mundo blefando

O Estado de S. Paulo

PL leal, PSDB unido, Lula inocentado, Moro não é “Bolsonaro de 2022”. Será?

A um ano das eleições, com os pré-candidatos em busca de um lugar ao sol, há uma profusão de blefes por todos os lados. É hora de ouvir, mas não de acreditar no que eles dizem e no que os partidos anunciam como líquido e certo.

O presidente Jair Bolsonaro anuncia que o PL vai fazer alianças com partidos de esquerda, o ex-presidente Lula diz que a Lava Jato nunca existiu e que ele foi inocentado, Sérgio Moro nega que seja “o Bolsonaro de 2022”, Ciro Gomes jura que vai até o fim.

No segundo pelotão, João Doria, Eduardo Leite e Arthur Virgílio fizeram juras de amor eterno. Rodrigo Pacheco e Simone Tebet se apresentam como candidatos para valer. E Luiz Henrique Mandetta avisa que não desistiu. Será?

Bruno Boghossian – ‘Uma bomba prestes a explodir'

Folha de S. Paulo

Preço das passagens pode se tornar um problema político anabolizado nos próximos meses

As tarifas de ônibus podem se tornar um problema político anabolizado nos próximos meses. Prefeitos dizem que será preciso fazer um aumento significativo no preço das passagens se não for possível encontrar uma fonte para subsidiar o transporte público. Nas palavras de um deles, a questão se tornou "uma bomba prestes a explodir".

Municípios estimam que o reajuste de tarifas necessário para cobrir o aumento de custos dos sistemas de ônibus é de 10% –o que representa bem mais do que os R$ 0,20 que azedaram humores e levaram aos protestos de junho de 2013.

O aumento só não sai se o governo federal liberar um pacote bilionário para amortecer a alta no preço do diesel e outros gastos. Autoridades locais trabalham com o reajuste como plano A porque ainda não viram boa vontade de Jair Bolsonaro para abrir o cofre. De olho na reeleição, o presidente já comprometeu o Orçamento com outras despesas.

Janio de Freitas -Mais tumulto na bagunça geral

Folha de S. Paulo

Trio Aras-Lira-Pacheco repele a seriedade, mas não pelo humor

A desordem vai aumentar. É uma tática para proteger os alvos de pedido de indiciamento na CPI da Covid e os congressistas comprados por Bolsonaro, com verbas do Orçamento nacional, para a aprovação inicial do projeto dos Precatórios, ou do Calote.

Assim os negócios e os negocistas da corrupção financeira e do homicídio social, na pandemia, juntam-se à bandidagem parlamentar para impor a primazia do banditismo oficial e oficioso.

Tal como os seus êmulos Três Irmãos Metralha, Três Patetas e Três Irmãos Marx, o trio Augusto Aras, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco repele a seriedade, embora incapaz de fazê-lo pelo humor. E transforma a Procuradoria-Geral da República e as presidências da Câmara e do Senado no seu inverso. Querem seus gabinetes passados de postos do interesse público a covis de tramas.

Augusto Aras não confirmou o presumido arquivamento da CPI da Covid. Retalhou o relatório. No final da semana, distribuiu os dez primeiros retalhos, em porções diferentes, entre seis ministros do Supremo. Para cada um decidir se dali se segue investigação, processo e arquivamento.

Vinicius Torres Freire - Como evitar a desgraça da ômicron

Folha de S. Paulo

É preciso tomar o mesmo cuidado que ora causa tédio: vacina, máscara, passaporte

No Brasil e no mundo quase inteiro, a epidemia começou com a chegada de um punhado de viajantes infectados. Com exceção de casos raros imunológicos, a população era indefesa contra o coronavírus. Não havia barreiras além de máscaras e restrições de movimento ou aglomerações.

Quando a variante ômicron chegar, vai encontrar uma paisagem biológica muito diferente. Mais de 62% da população brasileira está completamente vacinada. Cerca de 75% tomaram a dose 1, e parte dessas pessoas pode ter "completado" sua imunização por ter sido também infectada.

Parece um motivo para ficarmos menos intranquilos. Só parece.

Suponha-se que o bicho novo drible a vacina. Quantos visitantes infectados podem nos trazer esse coronavírus supermutante? Poucos. Mas meia dúzia deles pode trazer a desgraça.

Míriam Leitão - A nova variante e o presidente invariável

O Globo

A economia está operando no modo pânico em era de incerteza. É isso que se viu na sexta-feira mais uma vez. A nova variante Ômicrom produziu um episódio de alteração de todos os preços de ativos, uma volatilidade extrema, que sempre afasta o capital dos destinos de maiores riscos. O país já vem em crise, desorganizado, indo para a estagnação e com um presidente cuja capacidade de perturbação social aumenta nas fases mais agudas da crise. Quanto pior o momento, mais Bolsonaro erra.

A maneira rápida e aguda com que os mercados reagiram no mundo inteiro mostra o grau de instabilidade global. O mundo está, quase dois anos depois do início da pandemia da Covid-19, com os nervos à flor da pele, com as cadeias produtivas desorganizadas, e os preços fora do lugar. Maiores informações sobre uma nova supervariante, com capacidade maior de mutação, podem levar à reversão do episódio da sexta-feira. Mas que ninguém se engane, a crise se aprofundou um pouco mais com a chegada da nova versão do coronavírus.

José Roberto Mendonça de Barros - Estagnação, inflação e desorganização

O Estado de S. Paulo

Com o desmonte das regras fiscais, o crescimento populista dos gastos será a tônica de 2022

Não existem mais dúvidas: os dados recentes mostram que o próximo ano será marcado por estagnação, inflação acima da meta, mais uma vez, e uma enorme desorganização das regras fiscais federais.

As projeções recentes do PIB estão convergindo para um número próximo de 0,5%. Alguns poucos mais otimistas ainda trabalham com um número levemente superior a 1%. Só o governo trabalha com mais de 2% de crescimento para 2022.

O ministro da Economia insiste em dizer que o mercado vai errar novamente, assim como errou no ano passado, quando projetou queda de 9%, ante o -4,1% estimado pelo IBGE. Entretanto, a observação do ministro é falsa: no final de agosto de 2020, quando o auxílio emergencial atingia mais de 60 milhões de pessoas, a projeção do Boletim Focus era de uma queda de 5,4% e a da MB, de 4,8%, não muito distante da real.

No que tange à inflação, também existe uma grande convergência nos números: projeta-se um crescimento do IPCA entre 4,5 e 5%.

Rolf Kuntz - Combate à pobreza e plano de governo

O Estado de S. Paulo

Honestidade é obrigação, não é programa. Candidato deve dizer como fará o País crescer e ser mais justo

Fizeram piada quando um político, por descuido ou coragem, repetiu num discurso, há alguns anos, uma das joias da chamada sabedoria popular: é melhor ser rico e saudável do que pobre e doente. Típica de para-choque de caminhão, a frase pode ser um lugar-comum, mas é também uma dura descrição de um país onde cerca de 100 milhões de pessoas, quase 50% da população, vivem sem coleta de esgoto. A oferta de água tratada é mais ampla, mas carecem desse atendimento cerca de 35 milhões de habitantes. Destes, 5,5 milhões vivem nas cem maiores cidades. Esses números, do Instituto Trata Brasil, foram publicados em março e remetem, obviamente, à distribuição individual e regional da renda e da riqueza. Segundo o Atlas de Saneamento, recémeditado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só 60,3% dos municípios tinham coleta de esgoto em 2017.

Também a inflação prejudica mais os pobres. Nos 12 meses até outubro, os preços ao consumidor subiram 11,39% para as famílias de renda muito baixa, 11,13% para as de renda baixa, 9,76% para as de renda média alta e 9,32% para as da faixa mais alta, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No estrato mais pobre, a renda mensal domiciliar correspondeu a R$ 1.808,79 em junho de 2021. No grupo mais abonado, superou R$ 17.764,49. Além de ser frequentemente mais elevada para os mais carentes, a inflação é especialmente penosa para esses consumidores quando a alta de preços, como tem ocorrido, envolve itens como alimentos, eletricidade e gás de cozinha.

Arminio Fraga - Hora de apostar no eleitorado

Folha de S. Paulo

Os candidatos precisam explicitar prioridades e respostas claras

O Brasil precisa encontrar um caminho de crescimento inclusivo. Em tese, um país como o nosso, de escolaridade relativamente baixa, desigual, que investe pouco e regularmente vive crises macroeconômicas, deveria ter muito espaço para crescer de forma acelerada, acumulando capital institucional, social, humano, físico e de ideias. Seria um processo que os estudiosos denominam de convergência (aos padrões de vida dos países avançados).

Nos idos de 1987 o economista Lant Prichtet publicou no prestigioso Journal of Economic Perspectives um artigo bastante badalado dizendo que, nos países emergentes, "Divergência é o que se vê" (minha bem livre tradução). Faltavam instituições e sistemas políticos capazes de tomar decisões voltadas para o bem-estar da sociedade como um todo. Faltavam bons líderes também, claro. Países deveriam aprender a evitar caminhos que sistematicamente dão errado, mas tal não parecia ocorrer (nós que o digamos).

O que a mídia pensa - Editoriais

EDITORIAIS

A ‘maldade’ do ‘mundo político’

O Estado de S. Paulo

Ao falar mal do mundo político, governo Bolsonaro fala mal de si mesmo

Não é de hoje que a seara política é vista de forma pejorativa, marcada por interesses e práticas escusas. Com os escândalos do mensalão e do petrolão, entre outros, o PT reforçou a péssima imagem da política. Nesse processo, a mensagem que se difundiu com a Lava Jato – de que a política estaria irremediavelmente podre – também contribuiu para consolidar uma percepção negativa sobre a atividade política.

Tudo isso fez com que ser de fora da política – ou ser assim percebido pela população – se tornasse poderoso ativo eleitoral. Por exemplo, na eleição municipal de 2016, quando foi eleito no primeiro turno, João Doria valeu-se intensamente do atributo de outsider da política. O mesmo fez Jair Bolsonaro, na eleição presidencial de 2018. Ignorando sua longa trajetória parlamentar – era deputado federal desde 1991 –, o então candidato do PSL apresentou-se como o militar que vinha salvar a política.

Pouco resta agora das promessas da campanha. Ao longo do governo, Jair Bolsonaro assumiu uma feição mais alinhada com sua trajetória política: a do populista que só pensa em eleições. No entanto, a despeito dessa nova postura, continua havendo, no governo Bolsonaro e em seu entorno, uma retórica de distanciamento da política, tratada sempre de forma pejorativa. Tal abordagem é especialmente presente nas falas do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Catar feijão

Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco,
o de que, entre os grãos pesados, entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.


Música | Elis Regina - Saudosa Maloca (Adoniran Barbosa)

 

sábado, 27 de novembro de 2021

Cristovam Buarque* - A lição de Ortega

Blog do Noblat / Metrópoles

O Lula precisa reconhecer que autoritarismo não deve ser apoiado, qualquer que seja o partido e o dirigente que o pratica

Uma jornalista espanhola deu a Lula a chance de perceber o risco de certas posições que ele e o PT assumem, refletindo visão de esquerda do passado, alguns chamam de “exquerda”; e do risco de estas posições atrasadas servirem para eleger Bolsonaro, por rejeição ao PT. Historicamente, seria melhor se o Brasil contasse com posições e nomes progressistas sintonizados com a marcha do século XXI, mas, eleitoralmente, ainda bem que o Brasil tem o PT e Lula para ajudar a barrar a reeleição de Bolsonaro. Por isto, Lula tem a obrigação de perceber que ainda carrega ideias e erros do passado, e deve supera-las para cuidarmos do futuro. Depois do Bolsonaro, não vamos voltar a 2003, mas avançarmos para 2023.

Deve superar qualquer rancor pelo que sofreu no passado recente, da mesma forma que também devem abandonar rancor aqueles que sofreram e foram agredidos pelos gabinetes de ódio do PT.

Pablo Ortellado – A ambivalência de Lula

O Globo

No final de sua viagem à Europa, Lula deu entrevista ao jornal espanhol El País e foi questionado sobre o governo de Daniel Ortega na Nicarágua e sobre os protestos em Cuba. Suas respostas talvez evasivas, talvez condescendentes com o autoritarismo de esquerda provocaram amplo debate. Afinal de contas, por que Lula e o PT não conseguem condenar com clareza o autoritarismo na Nicarágua, na Venezuela e em Cuba?

Cuba é uma ditadura de partido único, sem liberdade de reunião e sem liberdade de organização sindical. O governo da Venezuela subordinou o Legislativo e o Judiciário, acabando com a separação entre os Poderes, redesenhou distritos eleitorais para dificultar a eleição de opositores, perseguiu veículos de imprensa, torturou e assassinou dissidentes. O governo nicaraguense prendeu os candidatos da oposição para poder ganhar as eleições, prendeu arbitrariamente centenas de outros dissidentes e suspendeu a operação de ONGs. Todos esses abusos antidemocráticos estão amplamente documentados nos relatórios das organizações de direitos humanos.

Dora Kramer - Briga de foice

Revista Veja

Pacificação e unidade são palavras recorrentes dos envolvidos na articulação de candidaturas ao centro. Nada mais falso e distante da realidade

Pacificação e unidade são duas palavras recorrentes tanto nos pronunciamentos oficiais quanto nas conversas informais dos envolvidos na articulação de candidaturas capazes de percorrer caminho alternativo a Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva. Nada mais falso e distante da realidade de cada um desses grupos.

Não significa que não haverá desistências adiante. É bastante possível, e até provável que haja, mas não ocorrerão em nome de uma união fraterna, e sim em atendimento a interesses pontuais resultantes do balanço entre custos e benefícios imposto pelas circunstâncias.

Em princípio, os partidos precisam de candidaturas a presidente para “puxar” votos à Câmara dos Deputados, nesta que será a primeira eleição geral com a proibição de coligações proporcionais. Quem quiser, e todos querem, ampliar suas bancadas federais e estaduais terá de se atrelar a cabeças de chapa fortes. Isso vale também para as disputas por governos de estados.

Ricardo Rangel - O fator Moro

Revista Veja

O ex-ministro tirará votos tanto de Jair Bolsonaro quanto do centro

Sergio Moro lançou sua candidatura há apenas duas semanas e já há pesquisas indicando que chegou aos dois dígitos nas intenções de voto. Não está claro a que patamar Moro chegará, mas é certo que ainda tem bastante espaço para crescer. Também é certo que tirará votos tanto de Jair Bolsonaro quanto do centro. Se tirar mais votos do centro, inviabiliza a terceira via e entrega o segundo turno ao capitão; se tirar mais votos à direita, inviabiliza o capitão e vai disputar a Presidência com Lula.

Moro precisa ter um discurso de direita o suficiente para tomar votos de Bolsonaro — o que explica, por exemplo, o convite ao senador Marcos do Val, que defende excludente de ilicitude (ou seja, licença para a polícia matar) e foi participante eventual da tropa de choque de Bolsonaro na CPI da Pandemia, para colaborar na área de segurança. Mas, ao mesmo tempo, Moro tem de mostrar moderação, senão não consegue votos ao centro e perde no segundo turno — por isso vem falando de injustiça social, educação, desmatamento. É um equilíbrio delicado.