segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Fernando Gabeira - O cheiro de queimado em Brasília

O Globo

Ainda é tempo de evitar os mesmos erros e suprimir a extrema direita dessa alternância no poder

O cheiro de queimado aqui é metafórico. Tem chovido com frequência, e os sinais do fogo ainda podem ser vistos na grama defronte à delegacia atacada por extremistas de direita. Ônibus e carros destruídos já foram retirados das ruas, de forma discreta e rápida, como se retiram corpos de quem morre num hotel.

Brasília não foi feita para grandes manifestações. Os gritos se perdem na solidão do Planalto, ninguém abre as janelas para jogar papel picado, água ou mesmo máquina de escrever, como no Rio dos anos 1960. Mas o clima aqui mudou. A concentração diante do Q.G. do Exército ainda tem gente, embora não tanto quanto no princípio. Amiga que passa por lá diz que, de vez em quando, rezam ou cantam o Hino Nacional. Os vendedores ambulantes foram retirados, e o clima de feira livre se dissipou.

Miguel de Almeida - Sofá, Miami (em seis vezes) e lasanha (gratinada)

O Globo

Bolsonaristas do meio-fio brigam para que seu mundo não tenha mudanças

Desde 30 de outubro, em algo assemelhado a uma comédia familiar, alguns amigos perderam tias e primos para a porta dos quartéis. Trocaram a macarronada dos domingos por uma sopa rala e banheiro químico. Com o fechamento dos bingos, descobriram ali nova forma de estar entre os iguais.

O cérebro humano continua a ser um dos grandes mistérios do planeta. Por sua capacidade de criar invenções e por sua incapacidade de aprender com os erros. As vivandeiras do pós-goiabeira são netas, sobrinhas-netas ou agregadas dos militantes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, afamada bucha de canhão, ou massa de manobra, basta escolher, que clamaram pelo golpe militar levado a cabo em 1964. Foram 21 anos de perseguições políticas, assassinatos, falta de liberdade, carestia brutal e inflação descontrolada.

Bruno Carazza* - Ninguém quer o fim do orçamento secreto

Valor Econômico

STF pode antecipar o presente de Natal da classe política

A inapropriada visita do ministro Ricardo Lewandowski ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, no mesmo dia em que o Congresso aprovou resolução tentando dar ares de constitucionalidade às emendas do relator, sinaliza que praticamente ninguém no meio político tem interesse em colocar areia na graxa que hoje azeita as relações entre Executivo e Legislativo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) dedica as últimas sessões do ano para julgar quatro ações movidas por partidos políticos questionando a constitucionalidade do chamado orçamento secreto. Cidadania, PSB, Psol e PV, de modo independente e cada qual explorando argumentos próprios, pediram que o STF declare que o regime das emendas do relator descumpre preceitos fundamentais insculpidos na Constituição.

Alex Ribeiro - BC quer coordenação monetária e fiscal

Valor Econômico

Inflação ficará na meta no ano que vem apesar de gasto extra de R$ 130 bilhões, projeta Banco Central

O Banco Central começou a incluir nas suas contas as despesas acima do teto de gastos no ano que vem. O valor adicionado nos modelos de projeção econômica, por enquanto, chega a R$ 130 bilhões, e surpreendentemente não impede que a inflação caminhe para a meta no prazo proposto, em meados de 2024.

Isso não quer dizer que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, esteja completamente tranquilo. Um eventual descontrole fiscal machucaria muito mais pelo canal das incertezas, que levaria à alta da cotação do dólar, e pela desancoragem das expectativas de inflação. Por isso, os principais pontos da longa conversa dele na semana passada com o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram sobre a definição da regra fiscal que vai vigorar no governo Lula e sobre a coordenação, daqui para frente, das políticas monetária e fiscal.

Marcus André Melo* - Eleições e economia

Folha de S. Paulo

Se o governo eleito não toma decisões impopulares no início do mandato, o que acontecerá nas próximas eleições?

Como os assassinos, os políticos devem não só ter uma arma, mas também um motivo e uma oportunidade para manipular a economia. A afirmação é de Edward Tufte, em "Political Control of the Economy". Ou seja, os políticos devem ter incentivos, instrumentos e a ocasião para, digamos, gerar déficits ou distribuir benefícios.

Tufte cita "Six Crises" (1962), livro no qual Nixon afirmava que o insucesso dos republicanos em 1954, 1958 e 1960, devera-se ao mal desempenho da economia nos anos eleitorais. Sim, o notório conservador fiscal reconhecia o retorno da expansão do gasto em ano eleitoral.

Na linguagem de Tufte, o incentivo para a expansão fiscal em ano eleitoral é a reeleição; as "armas do crime", variadas: aumento dos valores de benefícios e salário mínimo, desonerações etc; a oportunidade é o estado de calamidade, que cria cláusulas de escape de regras fiscais.

Celso Rocha de Barros - Marina, Simone, Izolda e Nísia

Folha de S. Paulo

Quatro nomes de peso que sinalizariam que a Frente Ampla estará no governo

Marina SilvaSimone TebetIzolda Cela e Nísia Trindade são quatro nomes de peso que aumentariam a representatividade feminina no ministério Lula, trariam bagagem de competência e sinalizariam que a Frente Ampla que o elegeu estará presente no novo governo.

Marina Silva é uma gigante da história política brasileira. Como ministra de Lula, comandou a maior redução de desmatamento da Amazônia da história. Sua indicação para o Ministério do Meio Ambiente teria efeito diplomático imediato, pois seu prestígio internacional é imenso. Sua reconciliação com o PT na campanha de 2022 foi festejada pelos melhores quadros da esquerda. Trabalhou ativamente por Lula na campanha, apesar dos ataques bisonhos que sofreu do PT em 2014.

Felipe Moura Brasil - A vitória do conchavo

O Estado de S. Paulo.

Governo eleito aposta no ‘toma lá, dá cá’ para aprovar PEC que turbina gastos

Nem o futebol salvou o Brasil em 2022. Enquanto a Argentina conquista a Copa do Mundo do Catar, consagrando a genialidade de Lionel Messi, nosso país segue sem foco ético, sem liderança altruísta, sem exemplo unificador.

De um lado, o petismo renova a compra de apoio parlamentar para turbinar gastos sem cortar privilégios, ou turbinando-os também. O aumento do número de ministérios de 23 para 37, a liberação da nomeação de políticos para 548 cargos de poder com o afrouxamento da Lei das Estatais e a legalização da versão maquiada do orçamento secreto são apostas do governo eleito de Lula para aprovar a PEC do Estouro à base de “toma lá, dá cá”, embora petistas ainda disputem com Centrão e aliados da “frente ampla” os cofres mais cheios e as pastas de maior retorno eleitoral.

Oliver Stuenkel - Ataque a órgão eleitoral vira tendência

O Estado de S. Paulo.

Estratégia é compartilhada por populistas como Trump, Bolsonaro e López Obrador

Enquanto alguns líderes com ambições autoritárias ainda optam pela abordagem clássica de destruir a democracia – como Pedro Castillo, cuja tentativa de autogolpe no dia 7 fracassou –, um grupo crescente escolhe uma estratégia mais sutil, buscando enfraquecer os órgãos eleitorais de seus respectivos países, para depois poder lançar dúvidas sobre os resultados. Sem apresentar provas concretas de fraude, tais líderes questionam a imparcialidade das estruturas responsáveis pela organização dos pleitos e sugerem que o sistema opera contra eles. Projetando-se como “homens do povo” em luta contra o establishment, argumentam que o sistema eleitoral é corrupto, enviesado e não transparente.

Denis Lerrer Rosenfield* - Entre as chamas e o atraso

O Estado de S. Paulo.

Se as chamas de Brasília mostram a violência do bolsonarismo, o seu estertor, graças aos novos governantes, está sinalizando para o passado

Benjamin Constant, o célebre liberal francês do início do século 19, escreveu que as chamas de Moscou eram a aurora da humanidade. Referia-se ele à derrota de Napoleão ante o Exército russo, pois, em sua perspectiva, o governante francês era um ditador, que viveria, naquele então, o seu ocaso. Este dizer veio-me à mente ao visualizar as chamas de Brasília, sem que, para além do estertor de Jair Bolsonaro, não se consiga entrever uma aurora qualquer, senão a volta a um suposto idílio petista anterior. Se as chamas mostram a violência do bolsonarismo, incapaz de conviver com as diferenças e a liberdade, o seu estertor, graças aos novos governantes, está sinalizando para o passado.

Fernando Carvalho - A doce Nélida Piñon

O Brasil, sábado, amanheceu mais pobre culturalmente.  Faleceu em Portugal aos 85 anos a escritora Nélida Piñon. Em 2015 seu oncologista deu a ela apenas seis meses de vida. Então ela passou a planejar a própria morte e viveu durante mais sete anos. Primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, autora de vinte livros que incluem romances, crônicas e ensaios, deixou uma obra inédita. Nélida teve seus livros traduzidos para dezenas de países. 

Morre Nélida Piñon, escritora integrante da Academia Brasileira de Letras

O Globo

Primeira mulher a se tornar presidente da ABL, carioca tinha 85 anos

Morreu, sábado em Lisboa, aos 85 anos, a escritora e integrante da Academia Brasileira de Letras Nélida Piñon. A ABL está providenciando o traslado do corpo, que será velado no Petit Trianon. A Sessão da Saudade será realizada na reabertura dos trabalhos da Academia, no dia 2 de março.

Em Lisboa, onde estava há três meses, Nélida teve um problema de vesícula. Ao ser examinada, descobriu que estava com entupimento dos vasos biliares e precisou fazer uma operação. Segundo amigos, a escritora estava se recuperando bem da cirurgia, mas este sábado, ainda no hospital, sofreu complicações e não resistiu.

Segundo o presidente da ABL, Merval Pereira, "estamos em recesso de fim de ano, mas abriremos a casa para fazer o velório. E, em seguida, Nélida será sepultada no mausoléu da ABL no Cemitério São João Batista, onde já repousa a sua mãe".

Carioca, Nélida Piñon foi a primeira mulher a se tornar presidente da ABL, entre 1996 e 1997. Ela deu seus primeiro passos na Academia em 27 de julho de 1989, quando foi eleita para a cadeira que tem por patrono Pardal Mallet, e da qual foi a quinta ocupante. Ela tomou posse em 3 de maio de 1990, recebida por Lêdo Ivo. Sua obra, que contempla conto, romance, crônica, memória e ensaio, foi traduzida em mais de 30 idiomas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Feminicídios em alta trazem desafio ao novo governo

O Globo

Estatísticas mostram crescimento de 11% desde 2019, período em que os homicídios caíram no Brasil

Na tarde de 11 de dezembro, Rosineia Catarina Lach, de 30 anos, foi assassinada pelo marido, Antônio Batista Fagundes de Oliveira, de 34, na casa de parentes em Joinville, Santa Catarina. Foi esfaqueada com um dos filhos no colo. A criança se feriu, mas sobreviveu. Há pelo menos uma década, ela denunciava ameaças, a última feita na manhã do dia fatídico. Em vão. O assassino acabou morto pela polícia ao reagir à prisão.

Histórias trágicas como a de Rosineia acontecem com regularidade desconcertante no Brasil. A cada dia são registrados quatro feminicídios, majoritariamente de mulheres negras (62%). Mudam nomes de vítimas e agressores, armas usadas ou cenários dos crimes, mas o roteiro que mescla covardia, brutalidade e negligência das autoridades é quase sempre o mesmo. O país somou, apenas no primeiro semestre deste ano, 699 feminicídios, um recorde segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - A morte do leiteiro

 

Música | Roberta Sá - Samba de amor e ódio

 

domingo, 18 de dezembro de 2022

Luiz Sérgio Henriques* - O reacionarismo de massas em questão

O Estado de S. Paulo.

Ainda cabe reafirmar neste início de governo a necessidade de uma plataforma unitária que de novo conjugue esquerda e liberais – na economia e na política

Daqui por diante e pelos próximos anos, a democracia brasileira tem um desafio incontornável pela frente, a saber, o de esvaziar a extraordinária dimensão de massas que adquiriu entre nós a direita autocrática. Dezenas de milhões de cidadãos, sem obviamente serem fascistas ou coisa que o valha, deram por duas vezes seguidas consentimento – em eleições inquestionáveis – a um programa de natureza autoritária, num tempo em que o autoritarismo, especialmente o de ultradireita, tem mostrado por toda parte uma inclinação acentuadamente destrutiva.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Lula e os atalhos que retardam e embaraçam

Faço um pedido aos leitores que pode ser antipático, talvez presunçoso. O de que, se tiverem tempo e disposição, leiam ou releiam, como introito ao de hoje, os três artigos imediatamente anteriores desta coluna, todos, como o atual, dedicados ao atual contexto de transição pós-eleitoral a uma nova etapa da vida política nacional. É que me vejo no risco de repetir coisas já ditas nos últimos quarenta dias, tornando o enredo demasiadamente longo. Para quem não seguir a sugestão, resumo, para propor um fio de meada, o foco de cada um dos três artigos, mas sem retornar a todos os argumentos e evidências que neles procurei reunir.   

Luiz Carlos Azedo - Lula não pode ter “ilusão de classe” nem errar demais

Correio Braziliense

Sem base social robusta, com apoio da ampla maioria, o que segura o governo na ordem democrática são as instituições, em particular o Congresso

Houve um tempo em que a expressão “ilusão de classe” era um jargão da esquerda. Caiu em desuso porque estava relacionada à ideia de que o “ser operário” era a “classe geral”, historicamente destinada a libertar todos os explorados e oprimidos.

Como a classe operária está em extinção, substituída por robôs e algoritmos, a expressão perdeu o sentido que tinha antes. Mas há muitas formas de ilusão. Uma delas é acreditar que a elite política e econômica do país e a classe média estão de bem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e vão apoiar uma política de combate às desigualdades sociais, num país de passado escravocrata, que fez quase todos os ciclos de modernização de forma excludente e autoritária, exceto nos governos de Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso. Não estão satisfeitas — será preciso que o governo Lula dê certo.

Cristovam Buarque* - Não é por gratidão

Blog do Noblat / Metrópoles

Lula aceitou o desafio de ser presidente por compromisso com o Brasil, não por necessidade biográfica, nem para servir ao seu grupo político

O Brasil precisou de Lula e do PT para vencer a tragédia. Sem eles, dificilmente teríamos nome capaz de vencer a polarização política que o país atravessa, nem chegarmos em 2023 com um presidente preparado para nos reunificar e conduzir com coesão e rumo. Felizmente, em 2022, o Brasil teve Lula em condições e disponibilidade para dedicar quatro anos de sua vida, aos 76 anos de idade, para voltar à difícil tarefa de presidir o país. Lula aceitou o desafio de ser presidente por compromisso com o Brasil, não por necessidade biográfica, nem para servir ao seu grupo político.

A metade democrática do Brasil entendeu isto e votou nele, incluindo um significativo número de eleitores que não tinham o PT nem ele como primeira opção. Mas sabiam que sem ele teríamos pouca chance de vencer a tragédia e enfrentarmos os quatro anos seguintes para recuperarmos o país. Por pouco o presidente atual não foi reeleito. Até hoje, as pesquisas indicam que 32% dos brasileiros preferem um golpe militar a deixar Lula tomar posse. Ignorar esta realidade é tão negacionista e grave, quanto dizer que o covid era uma gripezinha.

Dorrit Harazim - País anda aos solavancos

O Globo

A vitória da frente comandada por Lula traz embutida uma oportunidade única de o Brasil encarar seu histórico de apagamento racista

Ninguém estranhou quando o presidente eleito, Lula, anunciou, dias antes de ser diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a formação do núcleo central do seu terceiro mandato. O quinteto escolhido recebeu acolhimento geral. Apenas aqui e ali apontou-se para o fato de Fernando HaddadFlávio DinoJosé Múcio MonteiroMauro Vieira e Rui Costa serem todos homens e quase todos brancos (o senador eleito Dino autodeclarou-se pardo pela primeira vez no registro eleitoral deste ano). Logo esse retrato seria corrigido. A necessária diversidade e inclusão verdadeira viriam à medida que a frondosa árvore de cargos ministeriais adquirisse seu formato final. O pecado original, porém, ninguém parece ter notado.

Passamos quatro anos denunciando o esfarelamento do ensino fundamental no país, a penúria imposta às universidades; aguentamos uma pandemia que deixou o Brasil de joelhos, e choramos a morte de 692 mil vítimas da Covid-19. O imperativo nacional de “melhorar a educação e a saúde” tinha virado mantra, quase que uma só palavra. Condição primeira para sair do atoleiro. O meio ambiente corria em paralelo como ponta de lança para apresentar o Brasil ao século XXI. Justamente nessas três áreas essenciais e prioritárias para a construção de um Brasil mais bem equipado para o futuro, o governo eleito dispõe de excelso naipe de ministeriáveis desde o início da transição. Pois nenhuma dessas três esferas — Educação, Saúde, Meio Ambiente — ainda integrou a comissão de frente do novo governo.

Merval Pereira - Garganta profunda

O Globo

Grupos antibolsonaristas que não são necessariamente do PT precisam ser contemplados nesse novo governo

O PT não entendeu até agora o que aconteceu na eleição presidencial. Depois de ter sido derrotado em 2018 com um candidato “de raiz”, venceu desta vez por uma diferença ínfima tendo Lula como candidato. É claro que houve um uso abusivo da máquina pública, mas nada indica que Lula venceria se não tivesse o apoio de forças políticas de outras tendências.

O novo governo tem que dar motivos para que parte desse eleitorado que votou em Bolsonaro sem ser bolsonarista volte a acreditar no partido e em Lula. Para isso, precisa governar sem o radicalismo de grupos petistas, e sem a arrogância petista. Lula saiu do governo com 80% de aprovação, portanto muitos dessa metade que votou em Bolsonaro já gostou em algum momento do Lula.

O desgoverno de Dilma Rousseff, e as revelações de corrupção da Lava-Jato, confirmadas por confissões e devoluções de dinheiro roubado dos cofres públicos, fizeram com que o antipetismo levasse parte desse eleitorado, desinformado sobre o passado político dele, a escolher o que seria a antítese do PT e de Lula: um Bolsonaro com fama de ilibado, nacionalista, anticorrupção.

Nada disso se confirmou, os piores prenúncios, sim. Mesmo assim, na eleição presidencial, Lula teve pouco mais de 50% de votos. Uma diferença muito pequena, que só foi possível devido ao caráter de frente ampla que se formou. A montagem do novo governo começa a demonstrar que o PT não mudou, apesar das sinalizações que demonstram que precisa mudar para unir o país.

Bernardo Mello Franco – É preciso saber viver

O Globo

Alvo do MP, Cláudio Castro rebateu acusações cantando música de Roberto e Erasmo Carlos

O Rio de Janeiro teve cinco governadores presos e pode ter um sexto cassado por crime eleitoral. Se a ameaça se confirmar, não será por falta de aviso. Na quarta-feira, o Ministério Público Eleitoral pediu a revogação do diploma de Cláudio Castro. Ele é acusado de abuso de poder político e econômico no escândalo dos cargos secretos.

O esquema foi revelado pelo UOL, que noticiou a contratação de 18 mil pessoas sem registro no Diário Oficial e com pagamentos feitos na boca do caixa. Mais tarde, funcionários contaram à TV Globo que eram obrigados a devolver parte dos salários a quem os nomeou.

Em sabatina no GLOBO, Castro reclamou da imprensa e se irritou ao ser questionado sobre as irregularidades. “Não falemos de cargos secretos, porque não é verdade. Está informando a população de forma errada”, disse. A ação da Procuradoria conta outra história.

Míriam Leitão - O desafio é tirar o rico do orçamento

O Globo

Um governo de esquerda tem que encarar uma difícil agenda: reduzir os gastos tributários que beneficiam os de maior renda e as empresas

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dito que é preciso colocar o pobre no orçamento, repetindo o presidente Lula. Isso é, de fato, o que o país precisa. O grande desafio, contudo, sempre será tirar o rico do orçamento. Para fazer um governo realmente progressista é preciso encarar a agenda de redução dos subsídios, isenções, deduções e privilégios que empresas, grupos de interesse, e os de maior renda têm no país.

A desigualdade no Brasil é enorme porque há muitas formas de se eternizar o tratamento desigual na distribuição de recursos públicos. O presidente Lula criticou as deduções para saúde no Imposto de Renda. É um ponto. Como as deduções são ilimitadas, quanto mais for a renda, mais a pessoa poderá gastar em tratamentos caros e transferir esses custos para o governo. Porque é assim que funciona. O custo privado é repassado para o Estado. O gasto tributário com despesas médicas estimado para 2023, de acordo com a Ploa, é de R$ 24,5 bilhões.

Elio Gaspari - A dupla Haddad-Mercadante e o Fies

O Globo

A década de governos petistas produziu políticas públicas exemplares e desastres. Na educação, conseguiu as duas coisas. No primeiro mandato de Lula, o ministro Tarso Genro, com a colaboração de Fernando Haddad, fez o ProUni.

Parecia mágica. As faculdades privadas recebiam isenções tributárias e argumentavam que ofereciam bolsas de estudo em contrapartida. Era meia-verdade, pois essas bolsas (quando existiam) eram distribuídas para amigos ou amigos dos amigos. O ProUni vinculou as bolsas à renda familiar do estudante e ao seu desempenho no Enem. Sem qualquer despesa, abriram-se as portas do ensino superior privado para jovens do andar de baixo.

Ia tudo bem, quando o ministro da Educação, Fernando Haddad (2005-2012), resolveu ressuscitar um programa de crédito público para estudantes de faculdades privadas, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).

Muniz Sodré - A exalação das ruínas

Folha de S. Paulo

Cheiro de queimado nas ruas de Brasília é só um sinal da emanação miasmática das ruínas

"Desgraceira" era o jeito sertanejo de qualificar desastres como seca inclemente ou enchente que arruinava casas e colheitas. Foi a expressão que Lula usou para o legado funesto dos quatro anos de desgoverno federal. Melhor não há para sintetizar o diagnóstico da equipe de transição sobre a tentativa de destruição do Estado: descontrole orçamentário e apagão sistemático da máquina administrativa.

Aos olhos de todos, o desmonte vislumbrado no meio ambiente, segurança pública, educação, saúde e cultura não deixa qualquer dúvida quanto à queda das pontes institucionais entre o aparato estatal e a sociedade civil. Algo como se deparar com um edifício em escombros após um tremor de terra, encarar demandas e tarefas a serem atendidas, mas ter de levar em conta os miasmas ou a exalação pútrida das ruínas.

Hélio Schwartsman - Refugiado, cientista e militante

Folha de S. Paulo

Abraçou todas as causas progressistas imagináveis, dos direitos civis ao desarmamento nuclear

Ser uma democracia é condição necessária mas insuficiente para assegurar o primado das liberdades civis e o florescimento da investigação científica. Uma boa prova disso está em "Salvador Luria", a nova biografia desse grande cientista escrita por Rena Selya.

A vida de Luria (1912-1991), que recebeu o Nobel de Medicina de 1969 por suas pesquisas em virologia, daria um filme. Judeu italiano, teve de abandonar o país natal em 1938, quando Mussolini editou as primeiras leis antissemitas. Refugiou-se em Paris, de onde teve de fugir em 1940, após a invasão pelos nazistas. Fê-lo de bicicleta, pedalando da capital francesa até Marselha, onde teve de conseguir um visto de saída francês e vistos de trânsito espanhol e português, na esperança de obter em Lisboa uma permissão para viajar aos EUA. Chegou a Nova York em 12 de setembro de 1940, com US$ 52 no bolso um terno.

Vinicius Torres Freire - Lula e o milagre do Natal dos cargos

Folha de S. Paulo

Presidente tem pouco presente para satisfazer Congresso de direita, a doze dias da posse

Lula da Silva tem ainda seis ministérios gordos para distribuir entre candidatos a aliados do governo. Quanto a estatais, têm pouca coisa no bolso, a não ser que resolva fazer picadinho da Lei das Estatais e jogar a imundície no ventilador.

Não tem mais a Eletrobras, histórico cabidão. A Petrobras talvez não dê nem para o PT. Bancos públicos maiores podem render alguma diretoria, mesmo assim com restrições "técnicas". Restam uma Codevasf, empresa de escoamento orçamentário, por assim dizer, fundações/fundos na Saúde e na Educação (grande risco de roubança aí), alguma diretoria de banco regional, estatais menores, mas meio falidas.

Os ministérios mais vistosos em disputa são Saúde, Infraestrutura, Minas e Energia, Cidades, Integração Regional e Desenvolvimento Social (Bolsa Família).

Celso Ming - Lula e o jogo duro no Congresso

O Estado de S. Paulo

O primeiro impulso do novo governo Lula na área econômica é o que está no DNA do PT: é mais intervenção e tentativa de desmonte de várias políticas em vigor para estabelecer outras. Se a troca é boa ou ruim, não importa aqui.

Ou seja, a ideia não é governar em frente ampla, como o presidente eleito parecia indicar logo depois das eleições. No entanto, as coisas tendem a ser mais complexas do que Lula parecia imaginar.

A primeira grande virada do jogo seria a subversão do teto de gastos. Vai acabar saindo, mas provavelmente não nas proporções pretendidas. A Câmara dos Deputados examinará a matéria nesta terça-feira. Mas a tendência é de corte do total previsto de R$ 145 bilhões e de redução do prazo de validade da PEC para apenas um ano.

O novo governo pretende afrouxar a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) para ganhar mais centenas de cargos na administração pública e aumentar em duas vezes e meia a verba das estatais destinada à publicidade. Arrancou tudo em tramitação recorde na Câmara e que já seguiu para discussão no Senado. Mas as coisas ainda podem ir além. Há propostas em avaliação para retirar da lei o trecho que proíbe lideranças sindicais de assumir cargos em empresas públicas.

Celso Lafer* - A guerra na Ucrânia e o Brasil

O Estado de S. Paulo

Nesta matéria, cabe uma maior sintonia brasileira com a visão dos Estados Unidos e dos países europeus

Em artigo anterior (20/11/2022), discutindo desafios com os quais terá de lidar a política externa da presidência Lula, destaquei que uma mudança significativa do cenário internacional está dada e configurada pela guerra na Ucrânia e seus desdobramentos.

Esta guerra vem sendo conduzida com determinação militar pela Rússia e resistida com valentia pela Ucrânia, com o apoio logístico dos europeus e dos EUA, e o complemento das sanções plurilaterais de natureza econômica de muito alcance que impuseram. Uma guerra como esta não se circunscreve ao âmbito dos Estados em que se abriu o conflito. Tem repercussão global, especialmente porque foi desencadeada pela deliberada unilateral agressão militar da Rússia, uma grande potência nuclear que é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Ela diz respeito a toda a comunidade internacional, inclusive o Brasil. Sua comoção e suas misérias fragilizam a Ucrânia. Seus estragos alcançam a todos, ainda que com vários graus de intensidade.

Albert Fishlow* - Lidando com um novo mundo

O Estado de S. Paulo

Ainda há muito a fazer no mundo, e não apenas nas áreas econômica e internacional

O tempo está passando rápido em direção às novidades que aguardam o mundo em 2023. É provável que poucas delas venham a ser inequivocamente positivas. As populações estão inquietas e infelizes. As eleições não unificaram, mas sim endureceram as diferenças internas. Paz e bem-estar para todos estão se transformando em sonhos impossíveis. Os conflitos são abundantes e as projeções econômicas para o ano que vem estão cada vez mais negativas.

As relações internacionais voltaram a ficar críticas. A invasão ucraniana por Putin afetou fundamentalmente os países da Otan. A liderança americana no fornecimento de armas necessárias foi acompanhada por maiores gastos militares em quase todos os lugares. Na Ásia, o conflito entre a China e os Estados Unidos se expandiu, com o futuro status de Taiwan cada vez mais em questão.

Lourival Sant’Anna - Ataques à democracia

O Estado de S. Paulo

Nos anos 20, grupos excêntricos também mergulharam a política alemã na violência

A invasão do Capitólio se tornou uma espécie de dia da marmota nas democracias ocidentais. O flagelo americano do dia 6 de janeiro de 2021 se repetiu três vezes nos últimos dias: na Alemanha, no Peru e no Brasil. Em todos os casos, a democracia venceu. Mas, o que a História nos ensina sobre o efeito de ataques às instituições democráticas no longo prazo?

A Alemanha assistiu no dia 7 à maior operação de contraterrorismo desde a 2.ª Guerra. Três mil policiais cumpriram mandados em 150 endereços, resultando na prisão de 25 pessoas e investigação de mais de 50. Foram apreendidas armas, munição, explosivos, óculos de visão noturna e coletes à prova de bala.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Defesa da Constituição além da retórica

O Estado de S. Paulo.

Todos dizem defendê-la, mesmo quando as ações contrariam o texto constitucional. Qual é, então, a Constituição defendida? Deve haver uma só Constituição para todos

A Constituição de 1988 é hoje um dos poucos consensos nacionais. Todos os grupos políticos utilizam-na em seus discursos e argumentações. Ninguém defende abertamente a revogação das liberdades e garantias constitucionais. Ninguém critica explicitamente a existência de um Estado Democrático de Direito. Ninguém postula deliberadamente o fim dos direitos políticos.

Trata-se de fenômeno realmente surpreendente. A Constituição de 1988 tornou-se uma espécie de ativo retórico para todas as cores ideológicas, mesmo nos discursos autoritários e manifestamente contrários à própria Constituição. Manifestantes que rejeitam o resultado das eleições alegam que, em última análise, estariam defendendo a Constituição e as liberdades individuais. Aqueles que pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) justificam a drástica medida dizendo que a Corte estaria descumprindo reiteradamente a Constituição. Grupos que pleiteiam a intervenção das Forças Armadas no exercício do poder civil afirmam encontrar essa possibilidade no texto constitucional.

Essa união em torno da Constituição é um aspecto positivo da sociedade brasileira atual. Por menor que seja, é um terreno comum sobre o qual se pode dialogar e construir soluções para a coletividade. De toda forma, é evidente que não basta a defesa retórica da Constituição, sem um mínimo de concordância a respeito do seu conteúdo. Afinal, qual é a Constituição que está sendo defendida? De que adianta dizer que se respeita a Constituição para depois rejeitar, por exemplo, o direito constitucional de a maioria escolher o presidente da República?

Poesia | Carlos Pena Filho - Para fazer um soneto

 

Música | Casuarina - Retalhos de cetim

 

sábado, 17 de dezembro de 2022

Oscar Vilhena Vieira* - Democracia combatente

Folha de S. Paulo

Grupos reunidos em frente a quartéis não parecem conscientes de que estão cometendo um crime

A democracia liberal é um regime político que se caracteriza pelo pluralismo e pela ampla esfera de proteção à liberdade de expressão e manifestação. Isso não significa, porém, que a democracia deva ser indiferente àqueles que contra ela conspiram.

Da perspectiva jurídica, o maior desafio é estabelecer fronteiras objetivas entre as formas de manifestação protegidas pela Constituição e aquelas que podem ser legitimamente coibidas, especialmente quando estamos nos referindo a manifestações discursivas.

A nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (lei 14.197/2021) inseriu no Código Penal brasileiro, em substituição à velha Lei de Segurança Nacional, diversas categorias jurídicas que impõem às instituições de aplicação da lei a defesa vigorosa da democracia em face de seus inimigos.

Foram tipificadas a tentativa de "abolir o Estado democrático de Direito", o "golpe de Estado", caracterizado como tentativa de "depor... o governo legitimamente constituído", assim como a tentativa de "impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado". Nos três casos, não é necessário que o resultado seja consumado. A conduta criminosa só se concretizará, no entanto, se envolver emprego de "violência ou grave ameaça". Trata-se de uma exigência rigorosa por parte do legislador.

Ascânio Seleme - Não culpem Mercadante

O Globo

Lula pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança

Não culpem Aloizio Mercadante pelos solavancos do mercado. Muito menos Fernando Haddad. Este, aliás, só tem feito apaziguar ânimos e injetar otimismo e confiança nos mais reticentes quanto à responsabilidade que quer empregar na condução da economia. O problema é outro, maior, mais complexo e atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente eleito pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança. Talvez porque se empolgue demais com a plateia ou com os acontecimentos prévios.

O anúncio de Mercadante para o BNDES teve estes dois componentes. Primeiro, Lula estava irritado com a baderna terrorista da véspera em Brasília e abriu aquele discurso atacando Bolsonaro, parecia ainda em campanha. Depois, reagiu empolgado. Disse que ouviu críticas ao companheiro e boatos de que ele iria para o banco. E, então, num rompante, anunciou: “Não é mais boato, Mercadante será presidente do BNDES”. Não precisava desse tom, que pareceu um desafio. E ainda avisou que não haverá privatizações no seu governo (veja nota ao lado), uma permanente expectativa do mercado brasileiro. Claro que haveria solavancos.

Pablo Ortellado - Bolsonaristas perderam ilusão de falar pelo povo

O Globo

Grupo será obrigado a se reinventar, não apenas como oposição, mas também com a amarga suspeita de ser uma minoria

As mobilizações bolsonaristas têm mostrado resiliência, com ações de protesto sustentadas por um período bastante estendido, mas também vêm perdendo apoio. Isso não apenas deixa os bolsonaristas radicais isolados, como tem consequências políticas para a estratégia populista do grupo.

Quando analisamos a evolução do levante antipetista, na sua duração mais longa, chama a atenção como a identidade política vai mudando de uma rejeição a rótulos, nas primeiras mobilizações contra Dilma Rousseff em 2015-2016, para uma afirmação entusiasmada das identidades de “direita” e de “conservador”, que surgem com força na campanha de 2018.

Eduardo Affonso - O jogo de cassa-palavras

O Globo

A Comissão de Promoção de Igualdade Racial do TSE elegeu uma série de expressões pretensamente racistas

Na série de filmes “Sexta-feira 13”, quando se pensava que o vilão já era — depois de ter sido decapitado, esquartejado, triturado —, ei-lo que ressurgia no episódio seguinte, todo pimpão, como se nada tivesse acontecido. Mais resilientes, só as listas de “palavras e expressões racistas” que você TEM de banir de seu vocabulário, sob pena de ser um monstro escravagista.

Uma a uma, essas cartilhas são refutadas por linguistas, etimólogos, historiadores. Mas, qual Jasons, elas renascem, incólumes e implacáveis, cada vez que uma instituição pública resolve extrapolar sua função e incorporar um Torquemada ou um puritano de Salem. Que, na falta de hereges e bruxas, sai caçando — e cassando — palavras.

Carlos Alberto Sardenberg - O marketing da riqueza na Copa

O Globo

A monarquia absolutista do Catar quis se apresentar ao mundo. Do modo como vimos: ostentação

Camarotes e acomodações especiais para os VIPs não são novidade nos eventos da Fifa ou em qualquer outro grande jogo de futebol. Pessoas importantes — chefes de Estado, governantes, artistas, ex-jogadores, membros da família real do Catar ou simplesmente caras muito ricos — esperavam essas, digamos, facilidades na Copa. Tiveram muito mais. Instalações espetaculares, com um detalhe especial: essas pessoas especiais receberam autorização para não respeitar uma das regras sagradas do islã, o veto às bebidas alcoólicas.

Por dinheiro.

Quem chegava de carro ao estádio Al Bayt topava com um placa indicando os caminhos: “spectators”, ou seja, os comuns, deveriam dirigir-se à direita para os bolsões mais distantes. Pessoas com ingressos ou credenciais das categorias hospitality, VIP e VVIP (sim, very, very important people) seguiam em frente.

Hélio Schwartsman - Um julgamento político

Folha de S. Paulo

Num mundo melhor, eu fecharia com Rosa Weber

Num mundo em que as palavras correspondessem às coisas, a missão de uma corte constitucional, quando aprecia um diploma legal ou hábito político, seria decidir se ele se conforma ou não aos ditames da Carta. Em caso positivo, deveria apor seu "nihil obstat"; em caso negativo, deveria invalidá-lo. Vivemos, porém, num mundo menos inequívoco, em que grande parte das realizações humanas é intermediada pela política. E é aí que a porca torce o rabo.

O voto da ministra Rosa Weber sobre o chamado orçamento secreto é tecnicamente irreparável. Ela mostrou as muitas dimensões em que as emendas parlamentares a cargo do relator do Orçamento violam princípios constitucionais, notadamente os da separação dos Poderes, impessoalidade, publicidade e eficácia da administração pública. Se a maioria da corte optar por aniquilar as emendas RP9, o nome oficial do arranjo, terá razões jurídicas de sobra para fazê-lo. Essa análise, vale observar, vai ao encontro do que dizia Lula na campanha sobre o orçamento secreto, o qual qualificou como maior "bandidagem" já feita em 200 anos.