quinta-feira, 29 de junho de 2023

Adriana Fernandes - Qual é o peso de SP na reforma?

O Estado de S. Paulo

Posição de enfrentamento do governador Tarcísio impacta o cenário das negociações

Uma leitura rápida pelo histórico de tentativas frustradas da reforma tributária em 35 anos é suficiente para identificar o peso do governo de São Paulo para barrar seu avanço no Congresso.

O próprio vice-presidente Geraldo Alckmin, hoje um ferrenho defensor da reforma tributária, já foi um entrave quando governador do Estado.

O que sempre se disse ao longo desses anos é que São Paulo, sozinho, representa “meia reforma”, pelo tamanho que o Estado representa na arrecadação.

A posição de enfrentamento do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a pontos basilares do modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) da reforma apadrinhada pelo governo Lula impacta o cenário das negociações.

Eugênio Bucci* - Inteligência artificial: isso deve nos assustar?

O Estado de S. Paulo

Sim, o incômodo com a técnica é antigo, bem antigo, mas a escala do que ela vem aprontando é absolutamente inédita

É razoável e sensato temer a inteligência artificial? Em seus arranjos mais complexos, que conjugam centenas de bilhões de parâmetros em frações de segundos, ela ameaça o lugar dos seres humanos em governos, empresas, na ciência e na guerra?

Ou esse tipo de preocupação não passa de paranoia infantil? Pensemos um pouco. Será que as máquinas ditas inteligentes são apenas ferramentas anódinas, mais ou menos como as pontes sobre os rios, as brocas de dentista, as colheres de pau, os gravadores de voz ou os estetoscópios? Os computadores que falam sozinhos, escrevem, leem e até conversam com os mortais em qualquer idioma não oferecem nenhum perigo? São inofensivos?

Até aqui, há opiniões para todo gosto. Uns são “apocalípticos”, para usar o adjetivo popularizado por Umberto Eco. Outros, mais do que “integrados”, desfilam esfuziantes e deslumbradérrimos com seus óculos de realidade ampliada. Estamos no meio de um imenso tecnoflaflu. A questão, no entanto, é mais séria que um embate entre torcidas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Censo impõe desafio urgente ao Brasil

O Globo

Esgotamento do bônus demográfico não dá alternativa além de investir em produtividade e eficiência

A divulgação pelo IBGE dos primeiros resultados do Censo 2022, depois de sucessivos atrasos, confirmou a expectativa de desaceleração no crescimento populacional e surpreendeu pelo ímpeto da queda. Os dados revelam uma população de 203.062.512, inferior aos 207.750.291 estimados numa prévia já com os dados do Censo em dezembro. Nunca, desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1872, a população brasileira cresceu tão pouco — apenas 0,52% ao ano nos últimos 12 anos.

O baixo crescimento populacional impõe vários desafios. O maior decorre do fim da imagem de um país essencialmente jovem, substituída pela de um país envelhecido, sem que o Brasil tenha aproveitado os benefícios do contingente mais jovem na força de trabalho, conhecido como “bônus demográfico”. Dados recentes a ser confirmados pelo Censo mostram que o envelhecimento dos brasileiros segue em ritmo acelerado. Em 2012, metade dos brasileiros (49,9% ) tinha menos de 30 anos. No ano passado, 43,3%. A fatia correspondente aos idosos (60 anos ou mais) foi de 11,3% a 15,1%.

Poesia | Fernando Pessoa - Sentes, pensas e sabes que pensas e sentes

 

Música | Norma Bengell - A noite do meu bem

 

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Vera Magalhães – Revés de Bolsonaro é chance para Lula

O Globo

Iminente inelegibilidade do antecessor dá ao presidente também a chance de se aproximar de evangélicos

O inferno astral que se inicia para Jair Bolsonaro, com a iminente inelegibilidade graças a uma de dezenas de vezes em que ele usou o cargo para investir contra o sistema eleitoral brasileiro, dá a Lula a chance de recuperar terreno perdido para os setores mais fidelizados pelo bolsonarismo no processo de rápida radicalização da sociedade iniciado em 2013.

O agronegócio é um deles. O presidente está certo quando se espanta com a aversão demonstrada pelos grandes empresários rurais a ele e ao PT. Afinal, em seus dois primeiros governos a exportação de produtos agrícolas cresceu mais, em média, que no mandato de Bolsonaro. A produção de grãos aumentou de forma equivalente. O que desequilibra a estatística a favor do ex-presidente é o crescimento do PIB do agro, bem superior nos últimos quatro anos.

Ainda assim, isso não justificaria a verdadeira ojeriza manifestada por expoentes do agro à volta de Lula ao poder. Trata-se de um coquetel que mistura o discurso anticorrupção encorpado na Lava-Jato e apropriado por Bolsonaro, a investida do ex-presidente para armar o campo e seu discurso de depreciação das pautas ambiental e indígena e da reforma agrária.

Bernardo Mello Franco - O Coronel e o capitão

O Globo

Covardia de Jean Lawand Junior combina com novo tom de Bolsonaro diante da Justiça

O coronel Jean Lawand Junior é um bolsonarista típico. Fala grosso na internet, mas afina na hora de assumir seus atos. Depois da derrota do capitão, o oficial se esgoelou no WhatsApp em defesa do golpe. Ontem ele tentou se fazer de inocente na CPI.

O militar passou ao menos um mês incentivando uma quartelada. Em mensagens enviadas ao tenente-coronel Mauro Cid, pregou uma ação militar para subverter o resultado das urnas. Queria que Jair Bolsonaro desse “a ordem” para botar os tanques na rua.

“Ele tem que dar a ordem, irmão. Não tem como não ser cumprida”, suplicou. Em outro diálogo, o coronel disse que o presidente precisava escolher entre a ruptura institucional e a cadeia. “Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso”, insistiu.

Elio Gaspari - As mentiras que circulam nas redes

O Globo

Patranhas na política são uma coisa, na saúde, outra

É possível que nos próximos meses o Supremo Tribunal Federal e o Congresso retomem a questão do lixo eletrônico que circula na internet por meio das grandes empresas de tecnologia. Quando esse assunto estava na Câmara, as plataformas defenderam-se alegando que o projeto abria uma porta para a censura de ideias. Não abria, mas a cautela adiou uma decisão.

Enquanto a discussão girou em torno da censura de ideias, ela tinha algo de abstrato. Agora vê-se que o lixo vai além, enganando consumidores e prejudicando empresas. Uma única operadora de planos de saúde, a Amil, listou 231 casos de anúncios irregulares na rede em apenas seis meses. Num aspecto, prometem reembolsos impossíveis. Noutros, e são milhares, oferecem curas milagrosas e juventude eterna.

As big techs defendem-se dizendo que procuram filtrar o que levam à rede e que cumprem as decisões da Justiça quando ela determina a retirada dos materiais. É pouco.

O que sempre esteve em questão foi a cooperação das big techs para limpar a parte da rede que está sob seu domínio. Há anos elas oscilam entre a arrogância e o descaso. Quando a Justiça manda, elas cumprem. Só faltava que não cumprissem. Os danos empresariais provocados pelas mentiras sugerem que o Supremo possa tratar desse lixo de maneira diferente. Se é difícil quantificar o dano derivado de uma mentira política, isso é fácil no caso das patranhas empresariais.

Luiz Carlos Azedo - O ex-presidente Bolsonaro em seu labirinto

Correio Braziliense

As investigações sobre o 8 de janeiro estão complicando a situação do ex-presidente. Mesmo que novas provas não sejam incorporadas ao processo pelo TSE, sua inelegibilidade é dada como certa

Com perdão para a memória de Simón Bolívar, o Libertador, e parafraseando Gabriel García Márquez, a história do ex-presidente Jair Bolsonaro começará a ser contada a partir de seu julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que deve condená-lo à inelegibilidade até 2030. O ex-capitão, como o general de romance histórico da literatura latino-americana, construiu um labirinto do qual não consegue sair. Como o personagem fictício, cuja trajetória é fiel aos fatos históricos, Bolsonaro ingressa agora numa fase na qual toda glória se foi. Precisará de muita resiliência para enfrentar mais de uma dúzia de processos, sem a prostração e a angústia do mitológico caudilho de Gabo no final de sua vida.

Spoiler desse clássico da literatura universal: García Márquez, vencedor do prêmio Nobel de Literatura, ao contar a história de Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-Andrade y Blanco, O Libertador, fala dos percalços da vida, do sofrimento e de sua sina cruel, que a realidade traz à tona sempre que pode, ao final da vida do caudilho.

O general em seu labirinto (Record), de 1989, começa de trás pra frente, nos últimos dias do caudilho venezuelano, durante sua derradeira viagem através do Rio Magdalena, quando rememora paixões, batalhas, derrotas e vitórias. Tecido pelas dores do declínio, seu labirinto é uma mente ambiciosa, muito inteligente e sagaz, que sonhou fazê-lo o chefe político e militar perpétuo de uma única grande nação, do México à Terra do Fogo, depois de conquistar a Venezuela, a Colômbia, o Equador e a Bolívia. O seu ocaso, porém, é cruel.

Hélio Schwartsman - Cabo eleitoral

Folha de S. Paulo

Dificilmente ex-presidente será um 'king maker' em 2024

Jair Bolsonaro será um bom cabo eleitoral? O PL pensa que sim. O partido já faz contas e espera que o ex-presidente prestes a tornar-se inelegível o ajude a eleger 1,5 mil prefeitos em 2024, quintuplicando o número de alcaides da legenda. Mas será que esse cálculo tem base ou é só um desejo meio delirante?

Quando o futuro é opaco, consultar o passado é um bom ponto de partida para as estimativas. E, a julgar pelo passado, Bolsonaro foi uma figura decisiva nas eleições de 2022 —ele conseguiu transformar um poste pessoal no governador de São Paulo—, mas teve um desempenho pífio como cabo eleitoral no pleito municipal de 2020. Na ocasião, o então presidente emprestou seu apoio a 13 candidatos a prefeito e a 45 a vereador. Desses todos, apenas 13 se elegeram, sendo só dois prefeitos, os de Parnaíba (PI) e Ipatinga (MG), que não são exatamente megalópoles.

Bruno Boghossian - O 'dedazo' de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Ex-presidente expõe aflição com sucessão e inventa 'bala de prata' para manter controle na direita

O governador Tarcísio de Freitas "é um excelente gestor" e poderia até concorrer ao Planalto em 2026, mas Jair Bolsonaro "teria de conversar com ele" antes de bater o martelo. A ex-primeira-dama Michelle "pode sair candidata", mas não tem experiência para ser presidente e funcionaria melhor como cabo eleitoral.

À beira de uma condenação que pode tirá-lo da próxima corrida presidencial, Jair Bolsonaro faz zigue-zague para não ser atropelado na própria sucessão. Em entrevista a Mônica Bergamo, o ex-presidente se recusou a apontar um substituto na direita e mostrou que fará de tudo para adiar a definição desse nome.

Mariliz Pereira Jorge - Bala de prata chamada Michelle

Folha de S. Paulo

O imbrochável parece que vai ter de engolir a fraquejada; espero estar errada

Jair Bolsonaro continua o mesmo. A entrevista concedida à jornalista Mônica Bergamo mostra que está mais em forma do que nunca. Raso, vitimista, desclassificado, fala com naturalidade sobre a hipótese de virar garoto-propaganda de imóveis nos Estados Unidos, avalia sua popularidade pelo fato de que encheu uma hamburgueria e comeu de graça: "Enchi a pança". Que pesadelo.

Como esse sujeito foi presidente do Brasil e quase se reelegeu para um segundo mandato? Não é uma pergunta retórica. A reportagem me rendeu um "meudeusdocéu" atrás do outro. Eu me pergunto como não perdemos a capacidade de nos chocar com tanta barbaridade, com tanta distopia. Talvez porque ele sempre conseguiu nos surpreender. Negativamente, claro.

Vera Rosa - Sem Bolsonaro, desafio de Lula é Arthur

O Estado de S. Paulo

Presidente da Câmara desconfia de investigações da PF e Centrão quer derrubar Padilha

Diante do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode tornar Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, a avaliação do núcleo duro do governo é a de que o problema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora, tem outro nome. Em busca de votos da direita após a cassação dos direitos políticos do ex-presidente, dada como certa, a articulação política do Palácio do Planalto será posta à prova. E o desafio de Lula, nesse cenário, se chama Arthur Lira (PP-AL).

Líder do Centrão, o presidente da Câmara anda contrariado por não ter mais o controle da distribuição de emendas parlamentares. No diagnóstico do grupo de Lira, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, é o responsável por travar a liberação de R$ 9,9 bilhões que, com o fim do orçamento secreto, foram herdados por ministérios.

O Centrão passou a trabalhar para derrubar Padilha e se aproximou do chefe da Casa Civil, Rui Costa. Nesse serpentário, nada poderia ser mais simbólico do que a foto postada ontem nas redes sociais, mostrando Padilha, Costa e o líder do governo na Câmara, José Guimarães, sorridentes e com mãos entrelaçadas.

Fernando Exman - O que esperar do Ministério do Turismo

Valor Econômico

Celso Sabino tem se mantido discreto para não melindrar a atual titular da pasta

Mais uma leva de dados sobre o desempenho do setor de turismo era divulgada no Rio de Janeiro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas no último dia 15 de junho, quando começou a circular na capital federal, a quilômetros de distância, a informação de que o deputado Celso Sabino integraria a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Pará, seu Estado natal. Não era uma viagem a passeio.

Decidido a aumentar sua base de apoio no Congresso, Lula colocava em prática os princípios da boa hospitalidade e oferecia ao União Brasil da Câmara o Ministério do Turismo. Sabino acabara de ganhar uma passagem, com escala, para a Esplanada dos Ministérios: teria apenas que fazer uma conexão de alguns dias, para que a exoneração da ministra Daniela Carneiro ocorresse sem turbulência.

Martin Wolf* - A reconstrução do mundo americano


Valor Econômico

A raiva e a decepção dos americanos da “classe média” são uma realidade perigosa

Quando os Estados Unidos falam, o mundo escuta. Afinal, trata-se da potência mais influente do mundo. Isso não se deve apenas ao seu tamanho e riqueza, mas também à força de suas alianças e ao seu papel central na criação das instituições e princípios da ordem econômica atual. O país teve um papel decisivo na criação das instituições de Bretton Woods, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Também promoveu oito rodadas sucessivas de negociações comerciais multilaterais. Ganhou a guerra fria contra a União Soviética. E desde o início dos anos 1980, pressionou por uma abertura ampla e profunda da economia mundial, recebendo a China na OMC em 2001. Gostemos ou não, todos vivemos no mundo que os EUA construíram.

Agora, sofrendo de arrependimento de comprador, decidiram reconstruí-lo. A secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, delineou os aspectos econômicos da nova visão dos EUA em um discurso proferido em 20 de abril. Sete dias depois, Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional do presidente Joe Biden, fez um discurso ainda mais abrangente, embora complementar, sobre “renovar a liderança econômica americana”. Ele representou um repúdio à política passada. Isso poderia ser visto apenas como uma volta ao intervencionismo de Alexander Hamilton. Contudo, desta vez a agenda não é destinada a um país recém-formado, mas à potência dominante do mundo.

Vinicius Torres Freire - Juros, déficit e nova direção do BC

Folha de S. Paulo

Receita do governo e nomeações de Lula vão influenciar inflação, Selic e taxas de mercado

A grande querela nacional sobre a queda de mísero 0,25 ponto percentual na Selic deve esfriar depois dessa ata da reunião da diretoria do Banco Central, divulgada nesta terça-feira. Deve haver um chorinho de corte da Selic, de 13,75% para 13,50%, em agosto.

O problema maior, como se tem escrito nestas colunas, é quão rápido a Selic vai cair e até que nível. Quanto a isso, nem a ata do BC nem as notícias da inflação por ora permitem estimar que a redução de juros seja rápida e grande.

Além do mais, daqui até o final do ano, dois motivos vão mudar a música da inflação e dos juros no mercado: o tamanho do déficit nas contas do governo e as novas indicações de Luiz Inácio Lula da Silva para a direção do BC.

Zeina Latif - Acertar o passo para o futuro

O Globo

Pesa o fato de os impostos sobre o consumo terem grande importância arrecadatória em um país com Estado grande

Há uma combinação de dois fatores no horizonte que aumentam a urgência de reduzir o custo da folha nas empresas: a reforma tributária de criação do imposto sobre o valor adicionado (IVA) — passo fundamental para destravar o crescimento sustentado — e o inevitável avanço no uso de tecnologias modernas.

As novas tecnologias tendem a reduzir a oferta de vagas em atividades operacionais e repetitivas, que são mais facilmente substituídas por máquinas. A automação e a robotização, há décadas, já vinham reduzindo o trabalho de “chão de fábrica”, enquanto as tecnologias digitais passaram a afetar bastante o setor de serviços. O uso de inteligência artificial é mais um passo nessa direção.

Lu Aiko Otta - Juro alto ofusca semestre positivo

Valor Econômico

Ata da mais recente reunião do Copom foi classificada nos bastidores do governo como “deselegante” e “inapropriada”

A ata da mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) acendeu sinais de alerta no governo. Um diz respeito à perspectiva para a atividade econômica daqui por diante. Outro foi uma inédita crítica à política fiscal, classificada nos bastidores de “deselegante” e “inapropriada”.

Causou preocupação a elevação da taxa de juros neutra da economia de 4% para 4,5%. Indica que é preciso uma taxa um pouco mais elevada para se chegar a um ponto em que não haja estímulo inflacionário nem deflacionário.

Para um integrante do governo, quer dizer que os modelos utilizados pelo Banco Central estabelecem uma taxa de equilíbrio para o desemprego na casa dos 8,5%. E que não há espaço para a economia rodar num ritmo superior ao que se encontra, algo como 2% a 3%.

Pelo contrário, seria preciso desacelerar a atividade para fazer a inflação convergir mais rápido para a meta (3,25%, com 1,5 ponto percentual de margem de tolerância).

Nilson Teixeira - Difícil tarefa do economista de mercado

Valor Econômico

Incontáveis fatores imprevisíveis influenciam os fundamentos e fogem do alcance dos modelos

Os economistas de mercado que trabalham com análise de conjuntura têm sido acusados de má-fé com o governo de esquerda por terem previsto no fim de 2022 uma inflação mais alta e um crescimento mais baixo para este ano. De fato, a maioria dos analistas julgava que a eventual vitória do atual presidente seria acompanhada de medidas que contribuiriam para maior inflação e desaceleração mais expressiva da atividade. Apesar de reconhecer claro viés político por parte de alguns analistas, prefiro crer que a maioria errou suas projeções devido à leitura equivocada sobre a dinâmica da economia.

A capacidade preditiva dos economistas sobre diversas variáveis econômicas é baixa, mesmo quando o time é competente, bem formado e utiliza modelos e instrumentos sofisticados. A subjetividade - apelidada de arte por muitos - é determinante em muitas ocasiões, pois incontáveis fatores imprevisíveis influenciam os fundamentos e fogem do alcance dos modelos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Copom cogitou anunciar queda de juros em agosto

Valor Econômico

Contribuiu para moderar a mensagem do Copom a expectativa sobre as decisões da reunião de amanhã do Conselho Monetário Nacional

A ata da reunião do Comitê de Política Monetária tornou explícito o que já estava implícito no comunicado emitido logo após o encontro: os juros começarão a cair. A novidade do documento foi a “avaliação predominante” de que isso poderia ocorrer já em agosto, o que não foi mencionado no comunicado que, no entanto, dava sinais na mesma direção.

Houve “divergência” no Copom em relação à comunicação dos próximos passos da política monetária. Na visão da maioria, “a continuação do processo desinflacionário em curso, com consequente impacto sobre as expectativas, pode permitir acumular a confiança necessária para iniciar um processo parcimonioso de inflexão na próxima reunião”. Houve acordo, porém, com os que acreditam que é melhor esperar “maior reancoragem das expectativas longas e acumular mais evidências de desinflação nos componentes mais sensíveis ao ciclo”.

Poesia | Carlos Pena Filho - A Charles Baudelaire

 

Música | Clara Nunes e Sivuca - Feira de Mangaio (1978)

 

terça-feira, 27 de junho de 2023

Merval Pereira - Punição necessária

O Globo

Desacreditar o processo eleitoral é um claro passo na direção do golpe pretendido, que mais adiante ficou explícito, tanto nas minutas golpistas quanto nas ações de 8 de janeiro

É possível discutir se o fato de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter aceitado incluir no processo contra Bolsonaro a minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres significa uma mudança de jurisprudência para prejudicar o ex-presidente. As mudanças constantes no pensamento do Supremo, variando de acordo com as circunstâncias de momento, são prejudiciais ao papel que a mais alta Corte do país tem exercido, de fato, na defesa da democracia.

É o caso específico de Bolsonaro, que, como vimos em diversas evidências, seria uma ameaça à democracia se reeleito. O indiscutível, no entanto, é que, mesmo sem o acréscimo, a situação de Bolsonaro não se sustenta diante da realidade de ter reunido o corpo diplomático para falar mal das urnas eletrônicas.

Bolsonaro há algum tempo trocou os ataques frontais aos tribunais superiores pela lamentação retórica de que é perseguido. Em sua defesa, seu advogado argumenta que merecia no máximo uma multa, já admitindo que houve infração naquele encontro. Se a discussão parte do princípio de que o então presidente cometeu um erro ao chamar ao Palácio da Alvorada embaixadores para relatar críticas às urnas eletrônicas, passa a ser uma questão subjetiva o tamanho da punição.

Míriam Leitão - TSE decide limite para a democracia

O Globo

Julgamento de Jair Bolsonaro Bolsonaro será pelo conjunto da obra do seu trabalho para montar as bases de uma ruptura autoritária

O julgamento de Jair Bolsonaro que será retomado hoje com o voto do relator, o ministro Benedito Gonçalves, no Tribunal Superior Eleitoral, é sobre o conjunto da obra. Mas isso é errado juridicamente? Não, porque os fatos estão interligados. Bolsonaro não acordou um dia querendo falar mentiras para embaixadores. Ele seguiu um roteiro golpista, desde o início, o que nos levou ao maior risco enfrentado pela democracia brasileira desde o fim da ditadura militar. Ele ter sido derrotado nas urnas não atenua o crime. A democracia precisa estabelecer os limites do uso do poder político por um presidente da República.

O fato em si, mesmo isolado da sequência de eventos, é grave o suficiente. Bolsonaro usou todo o aparato da presidência, convocou o corpo diplomático, a estrutura de comunicação estatal e desfilou mentiras sobre o processo eleitoral brasileiro a dois meses e 14 dias das eleições. Ao mesmo tempo que tentava neutralizar reações de outros países, a fala foi dirigida ao eleitor através da TV pública, e todo o uso de partes das declarações nas redes pessoais do investigado. Essa difusão da mensagem foi ressaltada pelo vice-procurador geral eleitoral, Paulo Gonet, no seu parecer no primeiro dia do julgamento, na qual ele afirma que ficou comprovado o desvio de finalidade e o abuso de poder.

Carlos Andreazza – Arthur

O Globo

Qualquer um pode ser Arthur. Lindo nome, aliás. Zico, o maior ser já nascido, é Arthur. Qualquer um pode ser Arthur. Até Deus. Qualquer Arthur — menos Zico — pode ser o Arthur que aparece nas listas do assessor e do motorista do assessor de Arthur Lira como beneficiário de pagamentos que a Polícia Federal investiga no bojo da operação sobre fraudes e desvios em contratos para compra de kits de robótica por municípios alagoanos. O caso foi revelado pela Folha.

Qualquer um pode ser o Arthur. O Lira, presidente da Câmara, não tardaria a declarar — sobre todos os Arthures:

— Cada um é responsável pelo seu CPF nesta terra e neste país.

Está correto. O assessor é conhecido. Luciano Cavalcante. E é de Lira (“Sou da Lira/Não posso negar...”), muito embora qualquer um possa ser o Arthur. (A filha de Cavalcante é sócia do filho de Lira.) Qualquer um pode ser o Arthur. Somente o auxiliar era “pastinha” do hoje presidente da Câmara — um outro cronista, maldoso, o chamaria de espécie de queiroz. Não seria justo. Cavalcante tinha lugar na mesa.

Eliane Cantanhêde - A política em pausa para as festas

O Estado de S. Paulo

Denúncias e conflitos não faltam, mas a República parou e eles podem esperar

Enquanto o TSE avança hoje na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a oito anos de inelegibilidade, a Polícia Federal mantém o pé no acelerador nas investigações sobre políticos, inclusive o presidente da Câmara, Arthur Lira, e “surpresas desagradáveis” continuam surgindo contra ministros, como o de Minas e Energia, Alexandre Silveira. O Supremo tende a ter agenda cheia.

O destino de Bolsonaro parece selado e o PL começa a trocar a beligerância bolsonarista por uma posição mais moderada, por exemplo, no Senado, onde as votações de Cristiano Zanin para o STF e do arcabouço fiscal foram civilizadas. A gritaria agora tem seu próprio “cercadinho”, a CPMI do golpe. E por que a súbita moderação? Para sair da extrema direita de Bolsonaro e tentar moldar Tarcísio Gomes de Freitas como “nova direita”.

Dora Kramer - PT joga parado em 2024

Folha de S. Paulo

Na eleição municipal PT vai ceder espaço aos aliados nas capitais

Basta uma circulada rápida nas hostes governistas e oposicionistas para perceber o seguinte: a direita está totalmente empenhada em ampliar espaços na eleição de 2024, enquanto a esquerda se mantém um tanto inapetente na conquista de prefeitos e vereadores.

O presidente do PP, senador Ciro Nogueira, vem lançando um desafio. Aposta que os partidos da área de influência direitista darão uma lavada no PT. Lá pelos idos de fevereiro, ouvi com desconfiança tal prognóstico. Interpretei como desejo, mera bravata.

Isso até recentemente ouvir de petista mais que graduado a avaliação de que o partido ora na Presidência da República anda um tanto indiferente, para não dizer desorganizado, em relação à corrida do ano que vem.

Andrea Jubé - Governo quer atrair baixa renda para empreender

Valor Econômico

Wellington Dias deve apresentar a Lula da Silva detalhes de um programa de fomento ao empreendedorismo, com foco nos inscritos no Cadastro Único

Colocado na berlinda por alas do governo que ofereceram o comando do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), gestor do Bolsa Família, ao grupo político do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), conforme revelou o Valor, o titular da pasta, Wellington Dias (PT), segue alheio ao fogo amigo e com o pé no acelerador.

Nos próximos dias, ele deve se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para apresentar os detalhes de um programa de fomento ao empreendedorismo, com foco nas dezenas de milhões de inscritos no Cadastro Único, que está sendo alinhavado pelos técnicos do MDS.

Nos próximos dias, o ministro também deve anunciar o número de pessoas e de famílias que saíram da linha da pobreza desde o início do governo, a partir do cruzamento de dados do MDS e da Caixa Econômica Federal.

Pedro Cafardo - BC deixa para ‘depois de amanhã’ o que poderia fazer hoje

Valor Econômico

Quase tudo o que a Fazenda quer economizar com seu penoso arcabouço fiscal o Banco Central gasta com juros da dívida

Já foi dito aqui, meses atrás, que o Banco Central é independente, mas não infalível. Na semana passada, o BC usou sua independência, não a infalibilidade, para manter a taxa de juros básica em 13,75% ao ano.

Para um país que não consegue mais ser líder mundial em nenhum esporte, eis um título quase permanente: o de campeão global dos juros altos, hoje com uma taxa real (acima da inflação) de 7,5% ao ano.

O mercado financeiro gostou da manutenção da taxa, já esperada. Mas torceu o nariz pelo excesso de “cautela e parcimônia” do BC, que não sinalizou para um possível corte da Selic em agosto, como estava escrito nas estrelas. E espera um possível sinal diferente na ata do Copom a ser divulgada hoje.

Rogério Studart* - Cinco desafios para investimentos sustentáveis

Valor Econômico

Brasil pode e deve se posicionar como um exemplo na abordagem de grandes questões globais, como extrema desigualdade e emergência climática

É inegável: o comprometimento com a luta contra a emergência climática e ambiental é um suspiro de alívio comparado aos predadores ambientais que o antecederam. O desafio agora é transformar este compromisso em algo que o Brasil tanto anseia: um novo ciclo de prosperidade e desenvolvimento para todos os cidadãos, especialmente dos mais pobres. Isto requer um significativo aumento dos investimentos em tempos de restrições ao investimento público, e investidores privados ainda reticentes. Transmutar este sonho verde em desenvolvimento sustentável exige, creio, inovar ao longo de todo o ‘ciclo de investimentos’, dando especial atenção a pelo menos cinco desafios críticos.

Vamos começar com o planejamento. Incorporar a questão ambiental na estrutura de vários ministérios é louvável. Mas houve excesso: além do Ministério do Meio Ambiente, 16 outros ministérios possuem departamentos voltados para questões ambientais. O primeiro desafio, portanto, é o de articular essas entidades, suas agências e bancos em um programa nacional de investimentos verdes. Isso parece estar nos planos do governo e, se bem executado, proporcionará maior racionalidade às ações, tornando mais claro horizonte de investimentos. Além disso, seria útil unificar e acelerar o esforço de desenvolvimento de taxonomias e metodologias de monitoramento, criando um 'esperanto' para a comunicação interna e, como veremos, para atrair parceiros internacionais, multilaterais e bilaterais.

Luiz Carlos Azedo - Lula propõe pacto comercial com a Argentina

Correio Braziliense

O país vizinho era o nosso terceiro parceiro comercial, agora é o quarto. Mesmo assim, continua sendo o parceiro mais importante para a nossa indústria de automóveis e de eletrodomésticos.

A rivalidade entre Brasil e Argentina perdeu o sentido desde a Guerra das Malvinas, quando os Estados Unidos apoiaram o Reino Unido. Resultado: os ingleses foram beneficiados pelo apoio logístico norte-americano, enquanto os argentinos não obtiveram a assistência de que necessitavam da potência que consideravam seu “aliado principal”. Ao contrário do que imaginava o então presidente da Argentina, o general Leopoldo Galtieri, a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, não quis saber de negociação e resolveu o assunto pela força, exibindo o poder naval e a hegemonia militar do Reino Unido no Atlântico Sul.

Cristovam Buarque* - Surge um líder... e agora?

Correio Braziliense

Lula está preenchendo a vaga de líder mundial, ele tem a formação política, sensibilidade social e carisma

Ao optar por identificar-se com os presidentes dos países ricos, o presidente Fernando Henrique Cardoso perdeu a chance de ser um líder dos países pobres. Esse lugar estava vago desde a queda do socialismo e do esgotamento do desenvolvimentismo, com a crise ecológica, a permanência da pobreza, o acirramento da desigualdade, a migração em massa e o desemprego estrutural. E também com a globalização, porque os líderes continuavam na defesa dos interesses de seus países, não da humanidade e do planeta.

Fernando Henrique não percebeu que o mundo virou imenso Terceiro Mundo, cada país cortado por uma "cortina de ouro", separando pobres e ricos, em um apartheid global, todos em marcha à catástrofe ecológica. Com a pobreza da África e a riqueza da Europa dentro do nosso território, o Brasil é retrato desse Terceiro Mundo Global. FHC preferiu imaginar que chegaríamos a ser parte do Primeiro Mundo, no lugar de liderar a reorientação do terceiro mundo global.

Será o crescimento da economia superior a 2%?

Por Nelson Rosas

Falamos na Análise passada que a economia do país está finalmente reagindo. Falamos também sobre as razões deste crescimento. Agora cabe perguntar, diante da promessa do Lula: será que este crescimento ficará acima dos 2%?

Transcrevo aqui parte da Análise do Professor Lucas Milanez, publicada no Blog do Progeb, sobre os ciclos econômicos.

“Como principal pilar das nossas análises de conjuntura, admitimos que as economias capitalistas se desenvolvem através de movimentos alternados de maior e menor intensidade de crescimento. Em outras palavras, o crescimento econômico passa por uma espécie de montanha russa, hora subindo, hora descendo.

Isso não é mera opinião. Há vários economistas, de diferentes vertentes, que comprovaram estatisticamente a existência desse movimento repetitivo, que ocorre desde o começo do século XIX. A regularidade e periodicidade das oscilações é tal que o fenômeno ganhou até um nome: ciclo econômico.

O ciclo econômico é composto por quatro fases distintas, que se repetem de forma sequencial: 1) crise, quando o crescimento econômico começa a desacelerar de forma generalizada e consistente; 2) depressão (ou fundo do poço), quando o crescimento atinge o patamar mais baixo (em alguns casos há um decrescimento da economia) e há um processo generalizado de destruição de capitais (falências, fechamento de fábricas, aumento do desemprego, etc.); 3) reanimação, quando a economia volta a crescer, pois os capitais sobreviventes se reacomodam e se expandem nos espaços deixados no mercado; e 4) auge, quando o crescimento atinge o ponto máximo, devido à euforia com os ganhos de renda e aos altos investimentos. Depois disso, ocorre uma nova crise. Dentre outros fatores, a desaceleração chega como resultado do potencial produtivo excessivo criado com a retomada da economia.”

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Produtividade agrícola não evita competitividade menor

Valor Econômico

Tradicionalmente, cumprir as exigências tributárias brasileiras é o que mais penaliza as empresas

A agropecuária não apenas salvou o Produto Interno Bruto (PIB) do início do ano, mas também garantiu o primeiro aumento da produtividade trimestral desde 2021, que agora está acima do nível pré-covid. A descoberta é do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do FGV Ibre, antecipado pelo Valor.

Medida por horas efetivamente trabalhadas, que levam em conta picos de produção e compensação, assim como feriados ou cortes de jornada, a produtividade subiu 1,3% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2022. O índice foi puxado pela agropecuária, cuja produtividade saltou 23,5%. Na indústria a variação foi de 0,6%, e nos serviços houve queda de 1,1%. Mesmo com a agropecuária representando pouco das horas trabalhadas na economia (8,5%), seu desempenho foi tão expressivo que determinou o aumento do índice total, compensando a queda dos serviços, que significam quase 70%.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - O Amor Antigo

 

Música | Paulinho da Viola - Fiz por você o que pude

 

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Entrevista | Wolfgang Streeck - Nova desordem mundial

André Singer* / Hugo Fanton** / Ilustríssima /Folha de S. Paulo

Em entrevista, o alemão Wolfgang Streeck fala de nova ordem bipolar, equilíbrio de forças internacionais e Guerra da Ucrânia

[Resumo] Um dos principais sociólogos em atividade, o alemão Wolfgang Streeck mostra-se pessimista em relação ao futuro imediato da "desordem mundial" que vivemos. Em entrevista, ele comenta que passamos por momento de transição, acarretado por crise do capitalismo democrático nas últimas décadas, para uma possível nova ordem bipolar liderada por EUA e China, o que, a seu ver, pode reacender o risco de uma grande guerra. Ele diz ainda que forças de esquerda devem apoiar a paz entre Ucrânia e Rússia, sem se aliarem a nenhum dos dois países, e que esperar uma vitória unilateral, com Vladimir Putin sendo julgado em Haia, é "suicida".

O sociólogo alemão Wolfgang Streeck, professor emérito do Instituto Max Planck, tornou-se conhecido fora dos círculos acadêmicos dez anos atrás quando publicou o livro "Tempo Comprado: A Crise Adiada do Capitalismo Democrático", traduzido para o português em 2018.

De lá para cá, virou um dos principais intérpretes da desordem mundial. Nesta entrevista —concedida em 12 de junho, via Zoom, de Colônia, na Alemanha—, mostrou-se pessimista em relação ao futuro imediato.

Segundo ele, em meados dos anos 1970 o capitalismo democrático começou a se desfazer, dando início a um período entrópico. Nele, predominaria a ideia anotada pelo dirigente comunista Antonio Gramsci no "Caderno do Cárcere" volume 3 (1930): "A crise consiste […] no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno, verificam-se os fenômenos patológicos mais variados".

Quanto tempo levará a transição para a nova ordem? Ninguém sabe, afirma Streeck. O fim do Império Romano é o caso paradigmático, e até hoje é difícil determinar a duração do seu desmoronamento.

Por ora, Streeck acha possível o estabelecimento de uma ordem econômica global bipolar, em que Estados Unidos e China liderariam blocos com funcionamento próprio. Teme, entretanto, que um dos polos, no caso o norte-americano, por ser militarmente mais forte, decida usar a vantagem antes que a perca. "Meu medo é que Biden planeje atacar a China, com a ajuda da Otan", disse.

"Os Estados Unidos têm uma vantagem maravilhosa, não é possível vencer uma guerra contra eles. São como uma ilha enorme, um continente, e têm apenas dois vizinhos: o Canadá, quase um estado americano, e o México, onde suas tropas já estão presentes, presumivelmente para combater o tráfico de drogas", afirma Streeck.

Para acabar com a Guerra da Ucrânia, bastaria os americanos se disporem a uma saída negociada com os chineses, pensa Streeck. Já a ideia de uma vitória unilateral, com Vladimir Putin sendo julgado em Haia, é "suicida", acredita.

"Há alguns dias, o governo alemão prometeu a Biden enviar dois grandes navios de guerra para as águas do sul da Ásia, perto da costa chinesa. Imagine, a marinha alemã na costa da China?! Vocês me perguntam o que espero? Só posso dizer que não estou mais esperando nada, exceto surpresas bizarras."

Leia a seguir os principais trechos da conversa, cuja íntegra sairá em livro publicado pela editora da Unicamp no primeiro semestre de 2024.

Angelina Peralva* - Alain Touraine, não dogmatismo e aberto ao novo

Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Um dos grandes intelectuais franceses do século 20, empreendeu releitura permanente de sua obra com espírito de aventura

[Resumo] Renomado intelectual francês, Alain Touraine morreu no começo do mês, aos 97 anos. Sociólogo incansável, sem receio de reavaliar as próprias ideias e desbravar novas frentes de trabalho, analisou toda a série de grandes acontecimentos históricos que presenciou: a reconfiguração do movimento operário do pós-guerra, os protestos de Maio de 68, a luta feminista dos 1970, a queda do Muro de Berlim, a globalização. Nesse percurso, mudou seu modo de entender o mundo: o terreno da contestação e das mudanças deslocava-se do plano sócio-econômico para o cultural, sobretudo graças às mulheres e à afirmação de cada pessoa como "sujeito pessoal".

A morte de Alain Touraine priva a França de um de seus últimos grandes intelectuais. Essas figuras tão características da vida pública francesa foram descritas por Michel Winock em um livro premiado, "O Século dos Intelectuais".

Definidas por sua importância no mundo das ideias, eram influentes na política sem necessariamente ocupar posições no sistema político. Vinham da literatura e do mundo editorial, como André Gide, ou da filosofia, como Sartre e Simone de Beauvoir. A particularidade de Touraine foi ter-se construído como grande intelectual a partir de uma disciplina periférica, a sociologia.

Foi um sociólogo incansável. A importância que atribuía ao trabalho de campo protegeu-o, no mais das vezes, contra o descolamento das grandes ideias face à concretude da vida social. Georges Friedmann, pioneiro da sociologia do trabalho e guia dos primeiros passos do jovem Touraine como pesquisador, foi por ele descrito como um antigo comunista que escapava ao dogmatismo fazendo trabalho de campo.

Touraine foi influenciado por Marx e pela centralidade da luta de classes no pensamento marxista, mas em lugar de estudar a luta de classes na história, estudou empiricamente a consciência de classe dos operários, situando-a no interior do processo de transformação das relações de trabalho.

Diferentemente de Marx, não considerava essa luta na ótica de uma ruptura revolucionária, mas sim na perspectiva de um conflito central, com impacto sobre a repartição do poder. Um conflito interno aos quadros institucionais democráticos.

Ao contrário dos que se debruçaram sobre os mecanismos da dominação —e Michel Foucault foi, aos seus olhos, o mais importante—, a ele interessaram prioritariamente os movimentos através dos quais a dominação era contestada. Entender os termos dessa contestação, suas dificuldades e seus dilemas, permitiria jogar luz sobre a própria dominação —tal era sua hipótese principal.