quarta-feira, 28 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Copom cogitou anunciar queda de juros em agosto

Valor Econômico

Contribuiu para moderar a mensagem do Copom a expectativa sobre as decisões da reunião de amanhã do Conselho Monetário Nacional

A ata da reunião do Comitê de Política Monetária tornou explícito o que já estava implícito no comunicado emitido logo após o encontro: os juros começarão a cair. A novidade do documento foi a “avaliação predominante” de que isso poderia ocorrer já em agosto, o que não foi mencionado no comunicado que, no entanto, dava sinais na mesma direção.

Houve “divergência” no Copom em relação à comunicação dos próximos passos da política monetária. Na visão da maioria, “a continuação do processo desinflacionário em curso, com consequente impacto sobre as expectativas, pode permitir acumular a confiança necessária para iniciar um processo parcimonioso de inflexão na próxima reunião”. Houve acordo, porém, com os que acreditam que é melhor esperar “maior reancoragem das expectativas longas e acumular mais evidências de desinflação nos componentes mais sensíveis ao ciclo”.

Em relação à ata da reunião anterior, houve melhora de cenário generalizada. No cenário externo, saíram de cena os “impactos incertos” da quebra de bancos regionais americanos sobre as condições financeiras nos Estados Unidos e entrou o “limitado contágio” até o momento. No cenário doméstico, manteve-se a desaceleração gradual da economia, mas com “menor dinamismo nos setores mais cíclicos da economia”. Isto é particularmente importante porque as medidas de inflação subjacente a esses setores ainda se mantêm acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta da inflação, mas agora “apresentaram incipiente melhora”.

As dúvidas sobre a magnitude da desaceleração no crédito, suscitadas pela recuperação judicial das Americanas e de outras grandes empresas, como a Light, em seguida, parecem ter se dissipado. Para o Copom, a perda de ritmo da oferta de crédito é compatível com o estágio de aperto da política monetária e deve prosseguir assim. A pressão cambial e do aumento dos preços das commodities arrefeceu e favorece a desinflação doméstica.

O real se valorizou perto de 10% no ano, movimento que se concentrou na sequência da aprovação do arcabouço fiscal pela Câmara dos Deputados e se consolidou com a melhora da perspectiva de crédito soberano do país pela Standard & Poors. As commodities pararam de subir, em especial pelo esmorecimento do crescimento chinês e fraqueza da economia global e, pelos mesmos motivos, as cotações do petróleo caíram. O barril do Brent acusava ontem recuo de 37,3% em um ano, a US$ 72, e o WTI, de 38%, a US$ 68 o barril.

Como informara o comunicado, o Copom deixou de traçar um cenário alternativo, considerando a permanência da taxa de 13,75% até o fim do período relevante para a política monetária, um sinal relevante de que ele se tornara desnecessário. Na ata anterior, esse exercício já mostrava inflação abaixo da meta em 2024 (2,9%). Da mesma forma, tornou-se inútil a advertência de que as taxas de juros poderiam voltar a subir caso o processo de desinflação não ocorresse como esperado.

No cenário de referência, que pressupõe a redução dos juros a 12,25% até o fim do ano, as expectativas de inflação melhoraram muito para 2023 (caíram de 5,8% para 5%) e um pouco para 2024, de 3,6% para 3,4%.

Contribuiu para moderar a mensagem das decisões do Copom a expectativa sobre as decisões da reunião de amanhã do Conselho Monetário Nacional, que definirá a meta de inflação para 2026 e poderá modificar as de 2024 e 2025. As pressões para que a meta fosse elevada, partidas inicialmente do próprio presidente da República, diminuíram. Salvo surpresa de última hora, a meta de inflação de 3% será confirmada também para 2026 e o prazo para atingi-la deixará de ser o ano calendário para se estender de 18 a 24 meses. Uma mudança em qualquer dessas definições teria importantes consequências na atuação do Banco Central, inibindo mensagem mais assertiva sobre a reunião de agosto.

A disposição de redução da Selic será cercada de cuidados e o ponto final do ciclo de afrouxamento monetário que se iniciará será mais alto. Na ata de maio, o Copom discutira a possível elevação da taxa de juros neutra, sem uma conclusão, exceto a de que se ela fosse mais alta do que a calculada pelo BC seu impacto seria menos contracionista do que o contemplado nos cenários da autoridade monetária. Na ata de ontem, o BC toma como base uma taxa neutra maior, de 4,5%.

Além disso, o Copom avalia que o processo de desinflação será mais lento e que a desancoragem das expectativas prossegue, mas com “pequena diminuição na margem”. Por isso, advertiu que prefere pecar por conservadorismo: “Flexibilizações prematuras podem ensejar reacelerações do processo inflacionário e, consequentemente, levar a uma reversão do próprio processo de relaxamento monetário”.

Mas com “paciência e perseverança” e ainda “parcimônia e cautela”, as taxas de juros, deverão ser reduzidas em agosto, se nenhum desastre ocorrer até lá.

CMN deve manter intacta governança monetária

O Globo

Alteração nas metas de inflação ou no prazo para cumpri-las pode deteriorar as expectativas e pressionar os juros

A reunião de amanhã do Conselho Monetário Nacional (CMN) — que reúne os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto — é aguardada com ansiedade no mercado financeiro. Está na pauta a discussão das metas de inflação de 2024, 2025 (ambas hoje em 3%) e 2026. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já declarou ser favorável a aumentar a meta, por acreditar que isso aliviaria a necessidade de manter os juros altos para debelar a inflação.

Lula não está apenas errado. A pressão que faz sobre o BC também prejudica seu objetivo. É até possível defender academicamente metas mais altas de inflação, mas, neste momento, com a discussão politicamente contaminada pelo próprio Lula, elas realimentariam a expectativa inflacionária dos agentes financeiros, forçando o BC a praticar juros ainda maiores para cumpri-las. A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC é didática ao apontar o risco: “As expectativas de inflação apresentaram algum recuo, mas seguem desancoradas, em parte em função do questionamento sobre uma possível alteração das metas de inflação futuras”.

Felizmente, Haddad e Tebet parecem convencidos de que não é o momento de rediscutir as metas. Depois que a ata deixou claro estar próximo o horizonte para queda dos juros, a expectativa para a reunião é outra. Espera-se que o CMN mude apenas a regra de avaliação. Em vez de estipular que o objetivo seja atingido levando em conta a inflação de janeiro a dezembro, cogita-se adotar um prazo mais elástico. Haveria uma meta não anual, mas contínua. É o que acontece noutros países com sistema de metas inflacionárias (de 36, 29 adotavam prazo superior a um ano, em geral entre 18 meses e três anos, constatou estudo dos economistas Klaus Schmidt-Hebbel e Martín Carrasco).

Haddad defende que também o Brasil alongue o período para cumprimento da meta. De acordo com ele, isso evitaria choques abruptos nas taxas de juros e permitiria combater surtos inflacionários com mais suavidade. Caso o CMN decida estender o prazo, porém, isso contribuiria para semear dúvidas. Ninguém sabe como a tal meta contínua funcionaria na prática. Hoje o presidente do BC é obrigado a se justificar, por meio de carta pública ao ministro da Fazenda, caso a inflação anual fique fora do intervalo de tolerância. Qual seria o formato de prestação de contas em caso de meta contínua? Persistiria a carta anual? Ou haveria carta sempre que a inflação no período de 12 meses ficasse além ou aquém da meta? Nada disso está claro.

Em razão disso, o CMN deveria ser cauteloso e manter intacta a atual governança monetária. Evitaria, assim, solavancos na percepção positiva do mercado. Se o governo quer mesmo a queda dos juros, o principal objetivo da reunião de amanhã tem de ser evitar deteriorar as expectativas. Mesmo mudanças aceitáveis, como estender o prazo das metas, não deveriam ser adotadas se houver risco de realimentarem a inflação. Nos termos da ata do Copom: “Flexibilizações do grau de aperto monetário exigem confiança na trajetória do processo de desinflação, uma vez que flexibilizações prematuras podem ensejar reacelerações do processo inflacionário e, consequentemente, levar a uma reversão do próprio processo de relaxamento monetário”.

Afinidade ideológica ou pessoal não pode reger relação com Argentina

O Globo

Não se deve desprezar integração dos países, mas apoio de Lula a Fernández precisa ir além da motivação política

Alberto Fernández aproveita a volta ao Planalto do aliado e “amigo” Luiz Inácio Lula da Silva para pedir ajuda e tentar tirar do atoleiro uma Argentina com inflação de 114% e crescimento irrisório. Como tem sido recorrente há 30 anos, faltam dólares, o câmbio sai do controle, e os preços disparam. Os argentinos já atravessaram todo tipo de crise e heterodoxia — sem sucesso. Nada há que o Brasil possa fazer se os próprios argentinos não aceitarem a realidade e puserem ordem nas contas públicas, como pede o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Diante das dificuldades para arcar com os compromissos que assumiu com o FMI para estender o pagamento da dívida de US$ 44 bilhões, Fernández veio pedir a Lula uma mãozinha para pagar as parcelas que estão para vencer. Seria o cúmulo o Brasil usar suas reservas de US$ 345 bilhões para transferir divisas aos hermanos. As reservas são um anteparo contra qualquer aposta global contra o real. Nos momentos de tensão internacional, servem de lastro a operações que acalmam o mercado e evitam maiores danos.

Na sua quarta visita a Brasília desde a vitória de Lula, Fernández foi condecorado com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, honraria máxima que o país concede a um estrangeiro. Lula voltou a falar na “moeda comum” do Mercosul e se comprometeu a financiar as exportações brasileiras ao vizinho. São respostas menos dramáticas que simplesmente pagar a dívida da Argentina, mesmo assim não menos equivocadas.

A moeda comum para o comércio bilateral é tecnicamente possível, mas exigiria compromissos de ordem fiscal que dificilmente a Argentina estaria disposta a assumir. Além disso, apenas ajudaria setores estagnados, sem resolver o problema de fundo da economia argentina.

Quanto à ajuda do BNDES às exportações, o que há de concreto é o financiamento dos itens necessários à construção de um gasoduto ligando a reserva de Vaca Muerta, no interior da Argentina, ao Brasil. Quando negócios se misturam a ideologia e amizade, porém, é grande a chance de decepção (basta lembrar os calotes de Venezuela, Cuba e Moçambique no BNDES).

Não se deve desprezar o grau de integração entre as duas maiores economias do continente, nem que a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil e maior importador de manufaturados brasileiros. Mas é preciso que a motivação do apoio a Fernández não seja apenas afinidade ideológica. Para começar, porque não há garantia de que os peronistas permaneçam no poder nas eleições presidenciais de outubro (o Planalto torce por Sergio Massa, atual ministro da Economia, mas o favorito nas pesquisas é o populista Javier Milei). Conhecendo o histórico de Lula, o mínimo a exigir é que o Planalto condicione qualquer negócio futuro ao pagamento dos atrasados e que cuide bem das garantias.

O teste do BC

Folha de S. Paulo

Dissenso no juro tende a ser mais comum; cumpre fortalecer transparência

Uma contrapartida essencial à autonomia concedida a órgãos públicos é a transparência de seu processo decisório. Um exemplo oportuno dessa condição pode ser vista na ata, divulgada nesta terça-feira (27), da reunião do Banco Central que decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano.

Segundo o documento, embora a permanência da Selic tenha sido aprovada por unanimidade do Comitê de Política Monetária (estavam presentes 8 dos 9 membros do Copom), houve divergência quanto à sinalização dos próximos passos da instituição.

A maioria do colegiado avaliou que, com a continuidade da queda da inflação corrente e da esperada no futuro, haverá condições para iniciar um corte cauteloso dos juros em agosto. Já para outro grupo, diz a ata, é preciso aguardar mais dados sobre o comportamento dos preços e da atividade econômica.

A exposição pública da discordância contribui para qualificar um debate em que não raro se mistura demagogia política a anseios legítimos da sociedade —não é segredo que o Copom se encontra sob pressão pela queda das taxas comandada por ninguém menos que o presidente da República.

Com a adoção de mandatos alternados de quatro anos para o presidente e os diretores do BC, é provável que nos próximos anos se veja mais dissenso nas decisões sobre as taxas de juros. Pela primeira vez na história do país, afinal, haverá convivência de nomes definidos por governos distintos.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já fez suas duas primeiras indicações para o órgão e, a partir de 2025, deverá ter escolhido a maioria de seus dirigentes, enquanto vão se encerrando os mandatos dos indicados por Jair Bolsonaro (PL).

A divergência é natural e saudável, dado que políticas de juros podem se valer de diferentes diagnósticos e estratégias. É fundamental, no entanto, que o objetivo seja sempre proteger a sociedade dos danos de uma inflação elevada —e que todas as posições e decisões tenham sólida base técnica.

Foi esse o entendimento que levou à autonomia do BC, respeitada, em formatos variados, na quase totalidade do mundo desenvolvido e em grande parte dos países emergentes. No Brasil, o modelo apenas começa a ser testado.

Há que fortalecer continuamente o processo decisório e a prestação regular de contas aos cidadãos, que têm o direito de conhecer os motivos a sustentar medidas de tamanho impacto em seu cotidiano.

Visado pelo governo Lula, o regime de metas de inflação também pode, ao menos em tese, ser aperfeiçoado. Será grave erro, porém, buscar um afrouxamento na ilusão de que assim haverá crescimento econômico maior e duradouro.

Orgulho punido

Folha de S. Paulo

Repressão a parada LGBTQIA+ na Turquia é exemplo de obscurantismo que persiste

Mais de cem pessoas detidas: esse foi o saldo da repressão à última parada do orgulho LGBTQIA+ em Istambul, na Turquia, realizada no domingo (25). A censura ao movimento já estava anunciada.

No início do mês, durante seu discurso de reeleição, o presidente Recep Tayyip Erdogan comparou pessoas LGBTQIA+ a "pestes" e chamou-as de "pervertidas".

Na Turquia, a afronta às comunidades gay e trans não é novidade. Desde 2014, devido a uma manifestação com mais de 100 mil pessoas, a repressão tem sido mais comum, sob o pretexto de segurança.

Segundo o último relatório "Homofobia de Estado", da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA, em inglês), de 2020, foram identificadas barreiras legais contra a liberdade de expressão sobre diversidade sexual e de gênero em 37% dos países da África, em 40% da Ásia, 8% da Europa e 3% na América Latina e Caribe.

O continente europeu é o mais avançado em relação aos direitos LGBTQIA+, mas há exceções principalmente nos países do leste, como a Turquia e a Rússia.

O Parlamento russo aprovou, em 2022, uma lei que veta realização de paradas e veiculação de conteúdo publicitário que mostre relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Na quarta (14), foram proibidas cirurgias de redesignação sexual e alteração de gênero em documentos de identificação.

Na Ásia, a China vem intensificando medidas homofóbicas. A parada do orgulho foi proibida em Xangai, e bares da comunidade gay e trans da cidade tiveram licenças cassadas. O Centro LGBT de Pequim foi fechado divido à proibição de doações do exterior e à censura de campanhas nas redes sociais.

Há ainda os casos extremos. De acordo com a ILGA, 68 de 193 países criminalizam relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Nenhum deles está na América do Norte ou na Europa. Mas a prática campeia em África (em 59% das nações), Ásia (52%), Oceania (43%) e América Latina e Caribe (27%).

Em abril, Uganda radicalizou sua legislação, ao estipular prisão perpétua para relações homossexuais e tornar ilegal o indivíduo que se identifique como homossexual.

No último século, o mundo indiscutivelmente avançou em proteção e direitos para pessoas LGBTQIA+. Contudo, em muitas regiões, ainda impera o obscurantismo moral —o que só demonstra a importância das paradas de orgulho.

BC passa a bola ao governo

O Estado de S. Paulo

Em ata sobre manutenção da Selic, Copom sinaliza que pode começar a baixar juros se o governo colaborar na ancoragem das expectativas de inflação, pois ainda há muitas incertezas

A exemplo do que já havia ocorrido em fevereiro, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) também manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, o tom da ata foi mais ameno que o apresentado no comunicado divulgado após a reunião. Mas, pela primeira vez em sete trimestres, a autoridade monetária abriu a possibilidade de começar a reduzir os juros.

Como esperado, na ata, a autoridade monetária trouxe uma leitura mais atual sobre os cenários externo e interno. A despeito da persistência da inflação global, os bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa permanecem determinados a perseguir suas metas. No Brasil, a economia segue em desaceleração gradual; as expectativas para a inflação deste ano e de 2024 recuaram, mas continuam acima das metas traçadas para ambos os períodos.

Foram outros os trechos da ata que mais chamaram a atenção dos analistas. O primeiro é o fato de que o BC elevou a estimativa de taxa de juros real neutra de 4% para 4,5% ao ano – ou seja, o nível de juros que considera necessário para estabilizar os preços ao longo do tempo. Isso significa que o custo do processo desinflacionário subiu. Como o BC argumentou, esse aspecto não é exclusividade do Brasil, mas é fato que as características inerentes à economia brasileira trazem mais dificuldades e lentidão para a contenção da inflação.

A ata também trouxe respostas aos que cobraram explicações para a manutenção da Selic em 13,75% ao ano, como o governo, o setor produtivo e uma parte do segmento financeiro. Mais do que justificativas contundentes, o BC reconheceu haver, entre seus próprios diretores, divergências sobre a melhor forma de conduzir a inflação à meta a partir de agora.

Enquanto uma parte do Copom ainda está cautelosa em relação aos próximos passos, sobretudo em razão dos componentes mais voláteis da inflação, a maioria dos diretores manifestou confiança para começar a reduzir os juros com parcimônia – trecho mais importante da ata, segundo avaliou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A prévia da inflação oficial, o IPCA15 de junho, trouxe argumentos a favor das duas alas. O índice subiu pouco, apenas 0,04%, e três dos nove grupos de produtos e serviços registraram deflação, entre os quais Alimentação e Bebidas e Transportes, que tanto comprometeram o orçamento dos consumidores nos últimos meses. Mas os serviços, de forma geral, continuam muito resistentes, os núcleos seguem acima da meta e o preço das passagens aéreas, que contribuiu significativamente para reduzir o índice cheio em maio, voltou a subir, o que corrobora com um cenário de desaceleração mais lenta da inflação.

Se ainda há incertezas sobre a conjuntura inflacionária, o que é certo é que o governo pode colaborar muito nesse processo. Depois de receber vários recados nada amistosos por parte do presidente da República e de seus ministros, o BC usou a ata para dividir com eles a responsabilidade por domar o comportamento dos preços.

Na ata, a autoridade monetária deixou claro que “decisões que induzam à reancoragem das expectativas e que elevem a confiança nas metas de inflação contribuiriam para um processo desinflacionário mais célere e menos custoso, permitindo flexibilização monetária”. Em outro trecho do documento, o BC reconheceu o recuo nas expectativas de inflação, mas ponderou que elas seguem desancoradas, “em parte em função do questionamento sobre uma possível alteração das metas de inflação futuras”.

Diferentemente do que o ministro Haddad declarou (que o documento do BC é o reconhecimento de que o País está no caminho certo na área fiscal), são esses os trechos mais importantes da ata. Neles, há um pedido ao governo para que não abuse da maioria que tem no Conselho Monetário Nacional (CMN) para alterar as metas e tolerar uma inflação mais alta no futuro. O órgão se reúne amanhã para reavaliar os objetivos de 2024 e 2025 e estabelecer o de 2026. A decisão do CMN pode definir a trajetória dos juros daqui para a frente. Espera-se que o governo tenha sabedoria para fazer sua parte.

A independência da Justiça é inegociável

O Estado de S. Paulo

Aplicação equilibrada da lei é condição indispensável ao País. Indicações políticas de Lula e Bolsonaro ao STF alimentam o retrocesso. Judiciário precisa resgatar sua autoridade

Interpretações excêntricas do ordenamento jurídico podem causar muitos e graves danos. Exemplo atual é o caso do art. 142 da Constituição. Por meio do marco constitucional de 1988, o País conseguiu restabelecer o regime democrático, assegurando, entre outros pontos, a separação e a independência dos Poderes. Não há nenhuma dúvida quanto a isso: a Constituição de 1988 veio instaurar o Estado Democrático de Direito.

No entanto, apesar de toda a clareza, há quem pretenda utilizar o texto constitucional de 1988 – no caso, o dispositivo sobre as Forças Armadas – como justificativa para autorizar uma intervenção militar no País, afrontando os princípios democráticos mais básicos. Em algumas vezes, a manobra é defendida abertamente. Noutras, falase em um suposto papel de moderação e de harmonia institucional que caberia às Forças Armadas exercer. Num e noutro caso, trata-se de violação da Constituição. No Estado Democrático de Direito, o poder é civil, sem nenhum tipo de tutela militar.

A desvirtuação golpista do art. 142 é um caso extremo. Mas são inúmeras as situações em que interpretações equivocadas do Direito – sobre, por exemplo, as liberdades individuais, a atividade econômica, a vida política e as relações trabalhistas – podem causar graves prejuízos ao País. A depender da aplicação que é dada à lei, em vez de reduzir as desigualdades, a Justiça pode contribuir para reproduzir e intensificar privilégios. Em vez de favorecer o desenvolvimento econômico, ela pode impor mais empecilhos e incertezas ao ambiente de negócios.

A importância de uma interpretação adequada do Direito remete diretamente à importância da composição dos tribunais superiores: Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal Militar (STM) – além, por óbvio, do próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Esses órgãos colegiados definem a interpretação que deve ser dada à Constituição e às leis. De forma muito concreta, eles definem qual é o Direito no País.

Ciente do papel fundamental do STF e dos tribunais superiores no funcionamento do regime democrático, a Constituição definiu procedimentos e requisitos exigentes – reputação ilibada e notável saber jurídico – para o preenchimento desses cargos. Houve nítida preocupação do legislador constituinte para que esses órgãos não ficassem reféns do corporativismo das carreiras públicas. Na definição dos integrantes desses tribunais, o papel fundamental caberia ao Executivo e ao Legislativo, por meio da sabatina no Senado.

Infelizmente, nos últimos anos, as lideranças políticas parecem ter perdido a noção de sua responsabilidade, institucional e democrática, no preenchimento desses cargos. Em vez de fortalecerem o caráter técnico das indicações, respeitando a exigência constitucional do notável saber jurídico, os chefes do Executivo federal vêm fazendo o oposto. Jair Bolsonaro e Lula da Silva podem ter muitas diferenças, mas o fato é que os dois, com as últimas indicações ao Supremo, atuaram na mesma direção: a deterioração institucional da Corte com a indicação, por motivos não republicanos, de pessoas notoriamente abaixo das exigências do cargo.

O País tem um problema gravíssimo quando suas duas grandes forças políticas atuam em detrimento da independência da cúpula do Judiciário. Não há discurso a favor da democracia ou da liberdade individual capaz de reparar o profundo dano que é colocar no Supremo pessoas sem a devida qualificação, por razões meramente políticas. Para piorar, o Senado tem sido conivente com esse retrocesso que afeta o funcionamento do Estado e toda a vida em sociedade.

É preciso cobrar maior responsabilidade do Executivo e do Legislativo, punindo nas urnas quem age no cargo contrariamente ao interesse público. Mas também o Judiciário pode e deve reagir. Diante dessas tentativas de manipulação, que minam sua autoridade, cabe à Justiça zelar especialmente por sua colegialidade e pela rigorosa fundamentação técnica de suas decisões.

Honra ao mérito

O Estado de S. Paulo

Presidente argentino volta a pedir ajuda a Lula, mas, de concreto, levou só uma condecoração

Em sua quarta visita a Brasília desde a posse de Lula da Silva, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, não disfarçou seu propósito de pedir ajuda ao Brasil. “O que faz um amigo que está com problemas? Pede ajuda aos amigos, e os amigos sempre estão aí”, afirmou, no último dia 26, depois de ser condecorado com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Fernández embarcou de volta a Buenos Aires carregado do simbolismo de sua “aliança” com o líder da esquerda brasileira. Sobre o essencial – o auxílio para o alívio da crise econômica de seu país–, levou velhas promessas que Lula não parece capaz de cumprir.

Lula repetiu seu plano de criação, pelo BNDES, de uma linha de financiamento “abrangente” para as exportações brasileiras para o setor produtivo argentino. O mecanismo atual se vê travado pela falta de garantias dos importadores e resultou na perda comercial, para o Brasil, de fatias do mercado vizinho, sobretudo para a China.

Também de garantias, avalizadas pelo Ministério da Fazenda, depende o financiamento do mesmo BNDES aos embarques de produtos e serviços para a obra do gasoduto que ligará as jazidas de Vaca Muerta, na Patagônia, aos centros urbanos da Argentina. Há interesse na extensão das tubulações ao Sul do Brasil. De novo, a questão de fundo é o risco de inadimplência.

Diante de Fernández, Lula retomou seu projeto de instituir uma moeda de referência como panaceia para alavancar o comércio bilateral. A medida tem tantos obstáculos quanto as 100 ações do Plano de Ação para o Relançamento da Aliança Estratégica, anunciado para dar substância ao encontro.

A Argentina atravessa rápida e profunda deterioração econômica e, dado seu histórico de calotes da dívida, tem poucas vias solidárias. Buenos Aires recorreu aos Estados Unidos, à China e aos europeus, sem sucesso, e sabe que seu cenário caótico não interessa ao Brasil. Ambas as nações mantêm elevado grau de integração, proporcionado pelo Mercosul e por acordos bilaterais, e estão vulneráveis às crises do outro lado da fronteira. Uma resposta robusta do Brasil teria inegável legitimidade – se houvesse condições para tanto.

Há preocupação, deste lado da fronteira, com o momento político na Argentina. O governo Fernández se vê atropelado pela facção peronista de sua vice-presidente, Cristina Kirchner, e sob risco de derrota de seu candidato e ministro da Economia, Sergio Massa, nas eleições de 22 de outubro. A Lula e ao PT não interessam a vitória da oposição de centro-direita e, menos ainda, do radical de direita Javier Milei.

Em boa medida, a tranquilidade das eleições argentinas e a mínima sustentação da economia dependem dos desembolsos do Fundo Monetário Internacional (FMI) no segundo semestre, ainda incertos. Não há dúvidas sobre a interlocução do Brasil em favor da Argentina. A interrogação está na resposta a ser dada pelo Fundo. A única certeza deixada pela quarta visita de Fernández a Lula foi a colheita magra. De concreto, nada levou além da medalha no peito.

 Contra a violência nos estádios

Correio Braziliense

Não dá para esperar que uma tragédia ocorra para tomar providências, como na Inglaterra nos anos 1980 com os torcedores ingleses, conhecidos como hooligans

O futebol é uma paixão nacional e, muitas vezes, palco para a catarse dos problemas que afligem os brasileiros no dia a dia. Não há dúvida quanto a isso, mas, cada vez mais, o esporte bretão tem se tornado espaço para violência, seja nas arquibancadas, seja nas invasões de centros de treinamento e ameaças a jogadores e treinadores, com atitudes intimidadoras. É preciso conter manifestações de violência. Há muito dinheiro e milhões de brasileiros envolvidos com a prática desse esporte no país, que tornou o Brasil um dos maiores campeões do mundo, brilho que vem perdendo em competições diante de adversários internacionais.

Episódios como os verificados na partida entre Santos e Corinthians, na Vila Belmiro, em São Paulo, e no jogo entre Vasco e Goiás, em São Januário, no Rio de Janeiro, com torcidas organizadas atirando sinalizadores contra adversários, arrancando cadeiras da arquibancada para arremessar no campo, briga entre torcedores e confronto com a polícia não são, infelizmente, novidades no futebol brasileiro. E, mais uma vez, a punição parece branda e insuficiente para coibir novos atos. Vasco e Santos, mandantes das partidas da semana passada, jogam agora sem torcida, deixam de faturar com bilheteria, mas não perdem direito de imagem. Os torcedores ficam impedidos de ver seu clube no campo, mas não deixam de assistir pela TV. E os verdadeiros responsáveis pelos atos de selvageria ficam impunes ao receberem a mesma punição que os demais torcedores.

É preciso que clubes revejam a relação que mantêm com suas torcidas organizadas e as autoridades assumam que não é possível considerar que sejam atos isolados. Não dá para esperar que uma tragédia ocorra para tomar providências, como na Inglaterra nos anos 1980 com os torcedores ingleses, conhecidos como hooligans. Em 1985, um confronto entre eles e italianos, na final da Liga dos Campeões da Europa, entre Liverpool e Juventus, deixou 39 mortos e cerca de 450 feridos. Os clubes ingleses foram proibidos de participar de competições internacionais por cinco anos. Pareceu pouco. Em 1989, em um jogo do campeonato inglês, entre Liverpool e Nottingham Forest, a superlotação de um espaço cercado provocou a morte de 96 pessoas por esmagamento e deixou outros 766 feridos, num dos maiores desastres do futebol mundial.

Para impedir novas ocorrências, o governo de Margaret Thatcher, então primeira-ministra, decidiu proibir o consumo de bebidas nas dependências dos estádios e determinou a transformação da conduta desordeira nos estádios e arredores em crime, além de obrigar a adoção de cadeiras numeradas nos estádios e o aumento do valor dos ingressos. O resultado salta aos olhos com o campeonato inglês sendo considerado hoje um dos melhores do mundo. Nem de longe imaginamos que no Brasil se chegue ao grau de violência promovido pelos hooligans, mas não se pode esperar por isso. É nesse sentido que é preciso agir para evitar que ocorrências esporádicas não se tornem prática comum, elevando o grau de violência pela omissão das autoridades.

Ainda que não exista correlação direta, foi a partir do fim da violência nos estádios que o futebol inglês passou a se destacar. Quem sabe, trazendo o exemplo de medidas adotadas lá, o Brasil comece a dar nova estrutura para os clubes e suas torcidas de forma a eliminar a ação de bandidos travestidos de torcedores, que, em lugar de apoiar seus times nos momentos mais difíceis, partem para as agressões. É preciso identificar e punir esses vândalos que transformam em batalha a atitude de torcer.

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