sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Infiltração do crime na polícia impõe reação coordenada

O Globo

Prisão de policiais em São Paulo demonstra que governos precisam agir unidos contra facções criminosas

O assassinato do corretor de imóveis Antônio Vinícius Gritzbach em novembro, quando desembarcava no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, foi um aviso. Na última semana, uma operação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público (MP) prendeu quatro policiais civis (entre eles um delegado) que Gritzbach mencionara em delação premiada, por suspeitas de extorsão e envolvimento com o crime organizado. “Caso os elementos colhidos até o momento sejam confirmados na investigação em curso, pode-se afirmar que o Brasil tornou-se um narcoestado”, afirmou o juiz Paulo Fernando Deroma de Mello ao determinar as prisões.

As suspeitas justificam a preocupação. Gritzbach se especializara em lavar dinheiro para a organização criminosa PCC por meio de negócios imobiliários. No acordo de delação premiada assinado em março com os promotores do Grupo de Atuação Especial do Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ele se comprometeu, em troca de redução nas penas, a contar o que sabia sobre o PCC e a conivência de autoridades com o crime. Acusou os quatro policiais presos na última semana de envolvimento num esquema para cobrar propina para não prender integrantes do PCC. Mostrou documentos comprovando a apropriação de um sítio de origem criminosa por dois deles. Gritzbach também acusou um quinto policial — ainda foragido — de se apropriar de bens de luxo. Os suspeitos negam as acusações.

Natal com cheiro de fritura - Vera Magalhães

O Globo

Reforma ministerial ganha status de pauta prioritária, mas objetivo e foco podem não melhorar o governo

Com Lula de volta a Brasília e o projeto de corte de gastos passando raspando por um Congresso que não esconde a má vontade, o almoço de fim de ano do governo deve se dar com forte cheiro de fritura no ar. Isso porque o começo de 2025 transformará a reforma ministerial em pauta prioritária em Brasília, com o tempo correndo contra o relógio para contemplar os arranjos feitos para a troca da guarda na Câmara e no Senado e, no mundo ideal, já tentar amarrar os partidos para as eleições de 2026.

Emendas parlamentares, a grande jabuticaba - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

O Brasil fragmenta o uso de seus recursos orçamentários, reduzindo a eficiência, produzindo redundâncias e estimulando a corrupção

Neste corre-corre de final de ano, deputados podem votar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para turbinar emendas individuais. Hoje, elas têm um limite de 2% da Receita Corrente Líquida. Esse limite já foi de 1,2%. Agora, pode crescer de novo, para 2,9%. Hoje, os parlamentares já dispõem de R$ 49 bilhões do Orçamento.

Isso é uma jabuticaba brasileira, uma anomalia nacional, se comparamos com outras democracias. Nos outros países, o Congresso tem um grande poder sobre o Orçamento, debatendo cada item, como o fazem os comitês orçamentários nos EUA. Na Inglaterra, o Orçamento preparado pelo Tesouro é apresentado pelo primeiro-ministro. Os parlamentares têm o direito de questionar os gastos, mas não de controlar sua aplicação.

Reação do mercado hoje dirá se crise de credibilidade é definitiva - César Felício

Valor Econômico

Empresários influentes veem um governo em disputa entre grupos e pensam que uma guinada é possível

O Banco Central injetou no mercado nessa quinta-feira U$ 8 bilhões, sendo U$ 5 bilhões em um único certame, no que se converteu na maior intervenção da autoridade monetária desde 1999, conforme observou o repórter Arthur Cagliari no Valor PRO.

Para se ter ideia da magnitude da intervenção, 1999 foi o ano em que o governo Fernando Henrique foi obrigado a abandonar a âncora cambial, diante de uma fuga de capitais que colocou o Brasil no rol dos colapsos dos países emergentes que provocou efeitos sistêmicos no mercado financeiro global. Houve nos anos 90 a crise do México, a da Ásia, a da Rússia e a do Brasil.

A receita para o governo sair das cordas - Andrea Jubé

Valor Econômico

É hora de Lula ouvir as vozes certas, e agir com serenidade e sabedoria para acertar mais uma vez

No almoço anual da Febraban, no dia 29 de novembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, detalhou o pacote fiscal, tentou desfazer o mal estar com o anúncio atabalhoado da isenção do Imposto de Renda (IR) de quem ganha até R$ 5 mil, relembrou as despesas bilionárias herdadas dos outros governos, e saiu-se bem na empreitada.

No fim, perguntou se estavam todos convencidos de seus argumentos, e ouviu que sim, estavam. A dúvida era se ele era capaz de convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tudo aquilo. Ao que Haddad respondeu: “O presidente tem o seu tempo de convencimento”.

De volta à estaca zero - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Lula quer mantê-lo, mas José Múcio pode deflagrar a reforma ministerial no governo

A última reunião ministerial do ano, nesta sexta-feira, terá várias peculiaridades, no Alvorada, com o presidente Lula em recuperação e o País pegando fogo. A principal delas, porém, é que também poderá ser a última para alguns dos presentes, a começar de uma peça-chave do governo, o ministro José Múcio, da Defesa. Não que Lula esteja doido para demiti-lo, pelo contrário, mas porque Múcio acha que já deu sua cota de sacrifício, fez tudo o que podia para acalmar as relações entre civis e militares e, mais do que isso, ele está cansado.

Crise de confiança e efeitos políticos - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Desde que aprovado no Congresso, o pacote fiscal escancara suas insuficiências. O cobertor ficou curto para cobrir o rombo aberto pelas despesas. A expectativa, agora, é de que venham certos remendos para que as contas públicas não fiquem em parte desagasalhadas.

Mas um bom pedaço da incerteza continua. Atrás dela segue a falta de confiança na política econômica tocada pelo ministro Fernando Haddad, notoriamente desautorizado pelo presidente Lula por ocasião da divulgação do pacote.

Em entrevista na última quinta-feira, durante a apresentação do Relatório Trimestral de Inflação, o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, fez questão de dizer que o presidente Lula concorda com a sua interpretação sobre o que se passa com a inflação e com a economia, tal como manifestada – entendase – nos documentos do Banco Central. Mais recentemente afirmou também não acreditar em que a moeda brasileira seja alvo de ataque especulativo.

Pacote fiscal e venda de dólares seguram o câmbio – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O dólar chegou a R$ 6,2955, às 10h11, mesmo após o leilão de US$ 3 bilhões promovido pelo BC. Novo leilão de US$ 5 bilhões fez a moeda americana cair

Depois de uma semana tensa, em que o dólar bateu todos os recordes, a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) com novas regras para o abono salarial e que prorroga a desvinculação de receitas da União, pela Câmara, e dois leilões extraordinários de dólares no mercado à vista, num total de US$ 8 bilhões, promovidos pelo Banco Central, jogaram a cotação da moeda americana para baixo, domando o mercado.

O BC fez seis intervenções no mercado de câmbio em uma semana. Na abertura desta quinta-feira, o dólar chegou a alcançar o patamar de R$ 6,30. No fim da tarde, graças às decisões do Congresso e à firme intervenção do BC, o dólar à vista fechou a sessão com queda de 2,29%, a R$ 6,1243 na venda. Já o Ibovespa encerrou o pregão com alta 0,34%, a 121.187,91 mil pontos.

Governo reza para 2024 acabar - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Juros e dólar podem estacionar agora em nível alto, mas é preciso haver novidade fiscal

O governo federal ficou rendido depois do revertério causado pelo anúncio do pacote fiscal. Gente do governo ficou surpresa e sem ação diante da péssima repercussão do plano —foi a reação inclusive daqueles que sabiam do estrago que causaria a notícia da isenção do Imposto de Renda.

Os economistas do governo não teriam como inventar medidas adicionais, no curtíssimo prazo, mesmo que tivessem autorização do presidente da República para tanto.

Ficaram atônitos, torcendo para que a degradação financeira venha a ser menor em janeiro. Quer dizer, que dólar e juros fiquem ainda em níveis horríveis de altos, mas estáveis graças ao chá de camomila aguado do pacote que vai ser aprovado no Congresso e ao fim do dezembro de saídas excepcionais de capital. Torcida.

O recado da Justiça Militar - Bernardo Mello Franco

O Globo

STM deu uma contribuição original às ciências jurídicas: inventou o fuzilamento com 257 tiros sem intenção de matar

O Superior Tribunal Militar deu uma contribuição original às ciências jurídicas. Inventou o fuzilamento com 257 tiros sem intenção de matar. A Corte livrou os oito militares que metralharam o músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo. Eles destruíram duas famílias e vão passar o Natal em casa, salvos pelo corporativismo fardado.

O crime aconteceu em abril de 2019. Era um domingo de sol, e Evaldo levava mulher, sogro, filho e afilhado para um chá de bebê no subúrbio do Rio. Assim que o carro passou por um veículo do Exército, os agentes abriram fogo. O músico foi atingido e morreu na hora. O catador se aproximou para socorrê-lo e também foi alvejado.

Por justiça, a fé – Flávia Oliveira

O Globo

Superior Tribunal Militar anistiou assassinos de Evaldo Rosa, músico que estava com a família a caminho de um chá de bebê

Os episódios de impunidade em crimes bárbaros se avolumam numa intensidade que, além de desmoralizar o sistema de Justiça, mina a confiança na democracia. Erra quem não enxerga a correlação. Num par de anos, a proporção de brasileiros que creem no regime como melhor forma de governo caiu 10 pontos percentuais, de 79% para 69%, informou o Datafolha após pesquisa com 2.002 eleitores nos últimos dias 12 e 13 de dezembro.

O sistema eleitoral foi testado, e a transição de poder estressada até o golpe tentado em 8 de janeiro de 2023, ainda sob investigação. Mas a confiança na democracia diminuiu. Noves fora o desapontamento de viúvos do ex-presidente que sonhava permanecer no poder mesmo derrotado nas urnas, há motivos para o desencanto. Todo dia sabemos de um. O mais recente veio da anistia, pelo Superior Tribunal Militar, aos assassinos de Evaldo Rosa em 2019. O músico estava com a família a caminho de um chá de bebê, na Zona Norte do Rio, quando seu carro foi alvejado por tiros de fuzil de homens do Exército. Na cena, morreu também o catador de material reciclável Luciano Macedo, que tentou socorrer a vítima.

A última da Justiça Militar - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Quantos tiros um grupo de agentes pode dar em inocentes desarmados sem acabar na cadeia? O STM liberou a marca de 257

Quantos tiros um grupo de militares pode disparar contra uma família de civis desarmados sem cumprir pena na cadeia? O Superior Tribunal Militar liberou a marca de 257. Na noite de quarta (18), a corte reduziu a punição dos agentes que mataram o músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo, em 2019. Eles passarão três anos em regime aberto.

O julgamento consagrou a tese de que os oficiais, cabos e soldados que participavam da operação no Rio não tinham a intenção de matar ninguém, com tiros dados num contexto de confronto com bandidos. Analisar as circunstâncias de dolo e culpa de agentes de segurança é dever de qualquer juiz. Os ministros vencedores, porém, preferiram tratar os atiradores como vítimas.

O mercado sabota Lula? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Investidores formam fauna diversa que diverge em objetivos, mas que em momentos de crise tende a caminhar na mesma direção

O mercado quer derrubar Lula? A grande dificuldade na pergunta é conceituar esse tal de mercado. Trata-se de uma categoria vasta, que, além dos caricaturais "faria limers", inclui desde fundos de pensão de trabalhadores até grandes investidores, passando por aposentados que tentam preservar o valor de seus parcos recursos e empresas gerindo seu capital de giro.

Usina de oportunidades para o crime – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A Polícia Federal acaba de desenhar a razão pela qual o Supremo insiste que haja total transparência no uso das emendas

Se alguém ainda não compreendeu por que o destaque dado ao interminável assunto das emendas parlamentares e a insistência para que sejam usadas de maneira límpida, a Polícia Federal recentemente desenhou a razão.

Em operação conjunta com o Ministério PúblicoReceita Federal e Controladoria-Geral da União (CGU), a PF cumpriu mandados de prisões, buscas e apreensões em vários estados onde há indícios de fraudes em licitações, corrupção e lavagem de dinheiro com recursos de emendas.

Coisa de bilhão e meio de reais. Fração pequena ante os R$ 50 bilhões que suas altezas mordem do Orçamento? Para efeito de amostragem, mais que suficiente para demonstrar a existência de um buraco bem mais profundo que apenas um comportamento inadequado por parte do Congresso.

O melhor filme argentino brasileiro - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Longa reconcilia Brasil com seu cinema, e o sorriso de Eunice Paiva é resistência vital que comove e fortalece

São conhecidos os méritos de "Ainda Estou Aqui", que caiu no gosto do público e vem promovendo uma bem vinda reconciliação do Brasil com seu cinema. É verdade que outros filmes brasileiros recentes têm virtudes e conheceram êxito de audiência e bilheterias, mas o longa de Walter Salles transita por uma faixa de temática e mercado na qual temos às vezes resvalado.

"Ainda Estou Aqui" oferece os clássicos atributos que levam gente aos cinemas: uma história capaz de arrebatar, atuações muito boas de atores, com as estrelas Fernanda Torres e Montenegro em altíssimo nível, boa fotografia, boa trilha musical, roteiro e direção.

Diria, fazendo uma boutade, que é o melhor filme argentino feito no Brasil. Não vai aqui nenhum demérito, pelo contrário. A regularidade do padrão argentino é fato reconhecido por todos, entre os quais, diga-se, o escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que inspira a produção, um admirador da cinematografia de nossos vizinhos, a começar pelo esplêndido "O Segredo dos seus Olhos".

Receitas de entrevistas – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Justino Martins sugeria a Clarice Lispector perguntas a fazer aos seus entrevistados para a Manchete

"Clarice Lispector Entrevista" é um livro lançado há pouco pela editora Rocco, organizado pela britânica Claire Williams, perita na escritora. Compõe-se de 83 entrevistas feitas por Clarice publicadas nas revistas Manchete, em 1968-69, e Fatos&Fotos-Gente, em 1976-77, com grandes nomes de então. Clarice era cult, mas sem muito público, e tinha de se virar como tradutora, cronista ou ghost writer de famosos. Nessas entrevistas, aprende-se mais sobre ela do que sobre os entrevistados —o que não tem importância, já que ela é mais interessante do que a maioria deles.

Ninguém se perde no caminho da volta - José Sarney*

Correio Braziliense

Volto a escrever em outro jornal dos Diários Associados, nos meus 94 anos de idade. Espero não me perder neste caminho de volta. Estou feliz

O título deste artigo é uma frase que se tornou célebre na década de 50, do meu antecessor na Cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras, que ocupo, José Américo de Almeida, grande romancista do Nordeste, autor de A Bagaceira, livro que foi uma marca no conjunto de escritores da região, um dos "búfalos" que Oswald de Andrade disse que invadiram a Semana de Arte Moderna de 22, abafando-a na importância que passaram a ter na história da literatura brasileira.

José Américo foi também candidato a presidente da República para as eleições de 1938, que não ocorreram devido ao golpe de Getúlio Vargas, em 1937, que resultou no período do Estado Novo.

José de Souza Martins - O Natal que se perdeu

Valor Econômico

Era o tempo litúrgico da tradição e do respeito pelo sagrado. Cada alimento do almoço era um alimento ritual

Sou de uma geração, a do fim da Segunda Guerra Mundial, que ainda conheceu o Natal cristão. Nós não sabíamos, mas era um Natal agônico e residual, que se transfigurava lentamente. Era uma celebração, uma festa de família, que juntava ainda mais o que já estava junto. Era um momento de comunhão no almoço natalino que seguia tradições de família até nos ingredientes à mesa. Cada alimento do almoço de Natal era um alimento ritual.

Mesmo a taça de vinho tinto, feito em casa por meu avô, que se recusava a servir e a tomar vinho comercial. Temia os vinhos “batizados”, os que, dizia, haviam recebido acréscimos indevidos que afetavam a pureza da bebida.

Poesia | Posso escrever os versos mais tristes esta noite, de Pablo Neruda

 

Música | Zeca Pagodinho 40 anos - “Minta meu sonho”/ Part. Jorge Aragão

 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataques de Lula e do PT ao BC desafiam a lógica

O Globo

Principal culpado da disparada do dólar e dos juros é o desdém dos petistas pela gravidade da crise fiscal

Não há justificativa para o ataque contínuo do PT à política monetária do Banco Central (BC). Pela gravidade do momento, é hora de seriedade. Depois de enfrentar o terraplanismo na saúde durante o governo passado, os brasileiros são agora alvo de teses fantasiosas na economia, vindas de uma gestão que simplesmente se recusa a assumir a responsabilidade pela incerteza que semeou nos mercados ao recusar promover um ajuste fiscal na medida necessária.

O recrudescimento dos ataques ao BC nos últimos dias começou com o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista ao Fantástico, Lula retomou suas críticas à alta dos juros. “A única coisa errada nesse país é a taxa de juros”, disse. “Não há nenhuma explicação. A inflação está quatro e pouco, é uma inflação totalmente controlada. A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia, não é do governo federal”. A explicação, obviamente, está clara para qualquer um que leia a ata do Comitê de Política Monetária do BC: as expectativas inflacionárias se deterioraram diante das repetidas declarações e atitudes de Lula e de seu governo diante da crise fiscal. O remédio recomendado pela ciência econômica nesses casos é subir os juros.

Economia brasileira está presa em círculo vicioso da quase estagnação - Luiz Carlos Bresser-Pereira*

Folha de S. Paulo

Juros altos e câmbio apreciado desestimulam investimentos, privilegiam rentistas e limitam o desenvolvimento do país

Um dia desses, um dos meus filhos me perguntou por que o governo Lula estava privatizando estradas de rodagem que são monopolistas e, por isso, não devem ser privatizadas. Não seria esse governo neoliberal? Ou neoliberal progressista, acrescentei parafraseando a filósofa americana Nancy Fraser.

Não, o presente governo é social-progressista e desenvolvimentista: defende uma diminuição da desigualdade e a intervenção do Estado na economia para aumentar o investimento público e promover o investimento privado. Não obstante, esse governo não tem alternativa senão privatizar as rodovias que exigem investimentos para os quais não tem recursos. O Brasil está preso no círculo vicioso da quase estagnação.

Entendo por quase estagnação o fato de um país não realizar o "catch-up" —o fato de seu crescimento per capita ser quase sempre inferior aos dos Estados Unidos, de forma que o padrão médio de vida dos brasileiros se afasta cada vez mais do padrão americano. Apesar de um desempenho econômico razoável neste ano e nos dois últimos anos, nada aconteceu de novo na economia brasileira que nos permita afirmar que escapamos da quase estagnação, inclusive porque a taxa de investimento continua muito baixa.

Congresso, o dinheiro acabou! - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Até quando o País aguentará que certas saúvas sigam trabalhando para acabar com o crescimento econômico e a normalidade dos mercados? 

A festa acabou, o povo sumiu e anoite esfriou, parafraseando Carlos Drummond de Andrade. Entretanto, o Congresso Nacional continua coma faca no pescoço do ministro da Fazenda, na busca por mais e mais emendas parlamentares e benesses. É preciso aprovar as ações de ajuste fiscal e retomar a responsabilidade com o dinheiro público.

A farra com as emendas parlamentares chegou ao limite de ensejara atuação do próprio Supremo Tribunal Federal( STF ), a partir da correta decisão do ministro Flávio Dino. Ela obriga à transparência e delimita os parâmetros para organizar o coreto. Contudo, em plena votação do pacote de ajuste fiscal, as lideranças do Congresso partilham na penumbra vultosos recursos públicos – antes, vale dizer, bloqueados pela atuação do STF.

Ataque de ilusão e ataque especulativo - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Parece haver exagero em preço de dólar e taxas de juros, mas os motivos são outros

Há quem tente ganhar dinheiro com a perspectiva de desvalorização ainda maior do real. Quem invente operações financeiras engenhosas para tentar faturar com a variação frequente e grande do dólar ("volatilidade"). Há até operações automatizadas ("robôs") que permitem identificar essas oportunidades.

É verdade também que, a julgar pelas condições econômicas do Brasil, dólar a R$ 6,27 parece exagero, assim como Selic a 17% ao ano, como se vê no atacadão do mercado de dinheiro.

Se há exagero, há necessariamente "ataque especulativo"? Não.

A péssima recepção ao plano fiscal do governo agravou uma situação ruim que vinha desde abril. O impacto do fracasso de público do pacote, que elevou dólar e juros, causou acidentes (perdas de dinheiro, reversão de planos de investir etc.). Que isso tenha acontecido no dezembro seco de dólares piorou a situação. Há um dominó em queda, bola de neve, o nome que se dê: problemas que se realimentam.

Dólar bate novo recorde e assusta o governo – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A saída iminente do secretário especial do Tesouro e Orçamento, Rogério Ceron, que pediu demissão do cargo no Ministério da Fazenda, contribuiu também para as especulações

O dólar comercial bateu novo recorde nesta quarta-feira e fechou vendido a R$ 6,267, o maior nível nominal da história. Para os analistas de mercado, o temor de que o pacote de corte de gastos proposto pelo governo federal seja desfigurado no Congresso, que negaceia sua aprovação, por causa das emendas parlamentares ainda não liberadas pelo Palácio do Planalto, fez a moeda norte-americana disparar novamente.

Outro fator que alavancou a alta do dólar foi a redução de juros nos Estados Unidos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) em 0,25 ponto. O dólar comercial teve alta de 2,82%, vendido a R$ 6,267, a maior desde 10 de novembro de 2022. O dólar futuro está sendo cotado acima de R$ 6,30.

Disparada do dólar e natureza da crise – Míriam Leitão

O Globo

Não é uma crise fiscal baseada em números. Basta ver as projeções do mercado para a dívida e o déficit no começo e no fim do ano

O país vive uma crise de credibilidade, com erros de análise do mercado, alguns momentos de pura especulação e falhas de comunicação do governo. Não da comunicação oficial, mas sim das falas que reforçam percepções mais pessimistas. Em geral, como tenho escrito aqui, não há razões concretas para tanta deterioração de expectativas. Não é uma crise fiscal em si, baseada em números. Basta comparar o que o mercado esperava dos indicadores fiscais e de dívida pública no começo e no fim dos dois últimos anos. Ainda que haja estruturalmente necessidade de ajuste fiscal.

Malu Gaspar- O Rei do lixo e o império das emendas

O Globo

Na manhã do último dia 10, vizinhos de um condomínio de classe média alta de Salvador presenciaram uma cena insólita. Um homem abriu a janela dos fundos de um apartamento e atirou para fora uma sacola com mais de R$ 220 mil divididos em maços gordos de notas de R$ 100. Naquela mesma hora, a Polícia Federal (PF) batia na porta da frente. Poucos minutos depois, o dono do dinheiro, o vereador Francisco Nascimento, da cidade de Campo Formoso (BA), saía dali para a cadeia. Desde então, gabinetes do Congresso e da Esplanada dos Ministérios entraram em modo pânico.

Francisco é primo do líder do União Brasil na Câmara dos DeputadosElmar Nascimento, e um dos alvos de uma operação que apura o desvio de recursos de programas do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). Tudo dinheiro de emendas parlamentares, incluindo as do orçamento secreto.

Além do dinheiro do vereador, foram interceptados pela PF também o avião alugado por um dos chefes do esquema — o empresário José Marcos de Moura, conhecido como Rei do Lixo na Bahia, que pousou em Brasília levando R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo e uma pilha de documentos.

A semana que dita o mercado de valores de 2026 - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

A volatilidade vai se materializar e pressionar juro, câmbio e inflação. É esta base que ditará o mercado de apelos eleitorais, do combate à corrupção à estabilidade da economia

“Não adianta nada a gente fiscalizar o governo federal se a gente não fiscaliza também a nossa Casa (...) Se o salário que ganha aqui, mais os benefícios e privilégios, não são suficientes, pede pra sair em vez de ficar fazendo sacanagem (...) Vocês estão com pânico, não é, seus canalhas? (...) Desviar dinheiro público e ainda fazer obra superfaturada”. Cleiton Gontijo de Azevedo, o Cleitinho (Republicanos-MG), subiu à tribuna do Senado na terça para se dirigir aos colegas.

Cleitinho é de uma família de médios comerciantes do interior, base do populismo de direita que ascendeu em 2018 e quase vencia em 2022. Nas duas eleições, o senador foi de Jair Bolsonaro. Quando o Senado votou a indicação de um dos seus algozes, Flávio Dino, para o Supremo Tribunal Federal, Cleitinho votou contra. Isso não o impediu de defender o ministro nesta terça: “Flávio Dino está correto e tem meu apoio”.

Condições objetivas - William Waack

O Estado de S. Paulo

Lula e os agentes econômicos não concordam sequer sobre o que são os fatos

Lula se considera numa queda de braço com “o mercado”, que é para ele um sujeito oculto agindo das sombras para sabotar seu governo. Pretende prevalecer apostando no próprio instinto, nas memórias que são pura imaginação de mandatos anteriores e na imensa estima pela própria sagacidade política.

Na verdade, Lula está brigando com os dados de uma realidade que ele percebe de maneira totalmente diversa dos agentes econômicos. Estes obedecem a expectativas que são o valor estimado de seus ativos no futuro. Consideram que vão perder dinheiro com as decisões políticas que moldam a atual política fiscal/econômica.

De quem é a culpa - Merval Pereira

O Globo

Se alguém colaborou para que os militares entrassem na ilegalidade na volta ao poder, esse alguém foi Bolsonaro, a que poucos resistiram ou reagiram quando ele apresentou seus planos autocráticos

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, vem sendo pressionado para se manifestar oficialmente sobre as prisões dos militares determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente a do general de Exército Braga Netto. Não apenas oficiais da reserva, que costumam ser mais histriônicos, mas também os da ativa consideram que o Exército brasileiro é maltratado pela Justiça.

O relato dos que estiveram com o comandante, porém, diz que ele não considera haver nenhuma ação extraordinária contra o Exército, diante do que já foi descoberto e do que presumidamente ainda será revelado pelas investigações. Ele se preocupa, sim, com a família militar em polvorosa, muitos temendo que a qualquer momento a Polícia Federal (PF) chegue a suas portas. Militares que, de uma maneira ou de outra, estiveram envolvidos nos preparativos para a sedição têm de se preocupar, mas não qualquer militar.

Mix de estratégias golpistas na gestão do ex-presidente – Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Tentativas de ‘backsliding’ foram frustradas pelas organizações de controle e pela sociedade civil

Tem sido argumentado que as democracias no século 21 não mais morreriam por meio de golpes militares. De acordo com essas novas interpretações, democracias se fragilizariam por um processo muito mais insidioso de erosão paulatina das estruturas e instituições democráticas, chamado de democratic backsliding, paradoxalmente a partir de eleições democráticas de líderes carismáticos, porém com tendências autocráticas.

Contrariando essa nova tendência internacional, o ex-presidente Jair Bolsonaro, em conluio com oficiais de alta patente do Exército brasileiro, teria supostamente tentado um golpe à moda antiga. Essas são as conclusões das investigações que compõem o extenso relatório da Polícia Federal (PF) que revela um esquema golpista militar clássico, com planos inclusive de sequestrar e de matar o então recém eleito presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

Nós, o Congresso e os militares - Raul Jungmann*

Correio Braziliense

É hora de entender que militares demandam rumos e, se o sistema político se faz ausente e nós não exercemos nenhum diálogo, regamos, todos, a semente da instabilidade

No dia 25 de agosto de 2010, lá pelo fim da tarde, uma discreta comemoração estava em curso no gabinete do ministro da Defesa, Nélson Jobim. O motivo: fora aprovada a Lei Complementar 136, que instituiu a Política e a Estratégia Nacional de Defesa, além do Livro Branco da Defesa Nacional. 

No dia, poucas notas a respeito na imprensa — porém, pela primeira vez na nossa história, estava criado um laço entre as nossas Forças Armadas, a Defesa Nacional e o povo brasileiro, por meio de seus representantes no Congresso Nacional. 

As Forças Armadas não são autônomas, tanto que declarar a guerra e fazer a paz são competências exclusivas do parlamento. Porém, faltava ao Congresso o instrumento necessário para, em diálogo com os militares, determinar que Forças Armadas queremos, como um país com crescente importância no contexto global democrático.

Bolsonaro e Braga Netto - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Ação do general dependia de atuação complementar que cabia necessariamente ao capitão

Braga Netto era o operador da sociedade golpista formada por militares e Jair Bolsonaro. A missão começou cedo. Meses após assumir o Ministério da Defesa, em 2021, ele deu sinal verde para o patético desfile de blindados que deveria pressionar o Congresso a aprovar o voto impresso. No mesmo ano, indicou o general que trabalhou para tumultuar a fiscalização das urnas no TSE.

O desafio da dupla renovação do PT - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Liderança construída por Lula ultrapassa de longe as fronteiras dos partidos da esquerda

O futuro do PT está em discussão dentro e fora do partido. Os magros resultados das eleições municipais e a incerteza quanto a uma nova candidatura de Lula em 2026 imprimem sentido de urgência ao debate sobre os rumos da agremiação que é o centro de gravidade das esquerdas no país. As questões a enfrentar não são simples.

A primeira delas é que o partido sempre foi menor que seu líder. Raízes nos sindicatos e nos movimentos sociais nunca lhe deram maioria eleitoral. Permanece, inabalável, a distância entre os votos obtidos pela legenda para cargos subnacionais, assim como nas disputas para o Congresso, e aqueles mobilizados por Lula, quando perdeu e ganhou contendas presidenciais, em nome próprio ou ao fazer sua sucessora.

Ainda estamos aqui - Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Filme soma-se a uma linha de outras obras sobre os horrores da ditadura civil-militar

"O filme "Ainda Estou Aqui" tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los." Este é um trecho da correta decisão do Mininstro Flavio Dino do STF, nesta semana.

Lula, imorrível ou a cavalo como El Cid – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

O bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro, irá em frente. Já o lulismo não tem nenhum sucessor à vista

As ziquiziras de saúde de Lula acordaram os últimos distraídos para uma preocupação: a falta de opções no espectro democrático na vacância do titular. Há uma carência de nomes na esquerda, na centro-esquerda e até no campo liberal. A direita e a extrema direita, ao contrário, apesar do rabo entre as pernas pelos processos de golpismo contra Bolsonaro e asseclas, tornarão competitivo qualquer um que apresentem no lugar de seu inelegível e, em breve, condenado mito. O bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro, irá em frente. O resto do Brasil terá de contar com Lula. Não há opções viáveis nas suas proximidades.

Nota sobre a História, com uma pitada de conjuntura - Ivan Alves Filho*

A situação brasileira é objeto de preocupação e isso não é de hoje. Digo mais uma vez: a redemocratização vem frustrando o país. Um presidente que golpeou a Constituição para se reeleger, dois presidentes presos, dois afastados por impeachment e um tornado inelegível. Crise nas ruas em 2013, Lava Jato em 2014, invasão da Praça dos Três Poderes em 2023. São fatos irrefutáveis, independentemente da opinião que se tenha sobre eles. Vale dizer, estamos sentados em cima de um barril de pólvora. Só não vê quem não quer.

Livro | E.P. Thompson en Chile - Ana Amélia C. de Melo e Fernando de la Cuadra*

Texto da Contracapa*

Edward Palmer Thompson (1924-1993) pode, sem dúvida, ser considerado um daqueles historiadores que fundaram a perspectiva da história social inglesa, juntamente com Eric Hobsbawn, Raymond Williams, Christopher Hill, Rodney Hilton e George Rudé, entre outros. Esta abordagem enfatiza a visão através da qual os processos históricos são construídos a partir de sujeitos populares, que irrompem “de baixo” na formação de movimentos e expressões de rebelião que constituem um campo fecundo de análise historiográfica. No entanto, E. P. Thompson não foi apenas um historiador proeminente, foi também um intelectual militante comprometido com causas em favor da paz, do desarmamento e da luta antinuclear. Foi também um veemente combatente antifascista e este livro surge precisamente do seu inspirado poema dedicado ao camarada Salvador Allende, após tomar conhecimento do Golpe de Estado e da morte do presidente no Palácio La Moneda.