sábado, 4 de maio de 2024

Marcus Pestana - Traduzindo o desafio fiscal em miúdos (II)

Na última semana, chamamos a atenção sobre a barreira quase intransponível erguida pela linguagem técnica entre o cidadão leigo e os economistas. A economia faz parte do cotidiano da população. As decisões econômicas repercutem na vida de todos. No fundo, trabalhadoras e trabalhadores, donas de casa e chefes de família, entendem conceitos tais como receita, despesa, déficit, inflação, juros e dívida, pois lidam com o orçamento familiar.

No último artigo, ficou claro que receita é receita, despesa é despesa, independentemente de sua natureza, qualidade ou classificação contábil. As receitas podem ser correntes, como a dos impostos, taxas, contribuições, participações, ou de capital, como a oriunda da venda de uma estatal ou de uma operação de crédito. As despesas podem financiar o custeio (salários, previdência, benefícios, bens de consumo, etc.), investimentos (obras e equipamentos) ou, ainda, o pagamento de parcelas e juros da dívida. Os gastos podem ter boa qualidade como quando bancam a qualidade da educação, o acesso a saúde, o Bolsa Família ou uma estrada necessária. Mas podem ser ruins quando direcionados a sustentar privilégios e obras faraônicas não prioritárias ou vão pelo ralo da corrupção ou do desperdício. Mas bons ou ruins, para custeio ou investimento, gasto é gasto. 

Isto não se mistura com a noção de resultado fiscal. Quando as receitas superam as despesas temos superávit nas contas públicas, caso contrário, quando as despesas são maiores que as receitas, temos déficit. Quando, ano após anos, se acumulam déficits e as finanças do governo se desorganizam, ocorre pressão sobre a inflação e os juros, a economia cresce menos e a dívida aumenta. Isto alimenta incertezas e desconfianças. Por isso é importante que a sociedade discuta a relação entre equilíbrio fiscal, dívida e suas consequências, embora o economês dificulte o entendimento da maioria das pessoas.  

E há um aspecto do crescimento da dívida pública que é sempre negligenciado, o pacto intergeracional. Não é justo com nossos filhos e netos trocarmos gasto presente por dívida futura.

A dívida brasileira é alta? Sim e não. A IFI projeta que fecharemos o ano com uma dívida bruta do governo geral de 77,66% do PIB e que crescerá para 80,19% em 2025. O Japão tem uma dívida de 264% de seu PIB, a Itália de 139% e EUA de 123%. Mas estes países, com economias maiores e mais sólidas, conseguem prazos maiores e juros menores. Entre os emergentes o Brasil é campeão. A Índia tem uma dívida de 47,5% do seu PIB, África do Sul 42%, México 33% e Colômbia 32%. Quanto maior a dívida, maior é o prêmio (juros) que os que financiam os déficits do governo pedem. Quanto maior a desconfiança em relação à sustentabilidade das finanças públicas, maior é o custo e menores são os prazos de financiamento.

E o passado também conta. Gato escaldado tem medo de água fria. E, infelizmente, o Brasil tem um passado de moratórias, congelamentos, confiscos e quebras de contratos. Por isso, é ainda maior a importância de criar um clima de estabilidade e confiança no país junto aos investidores que direcionam sua poupança para financiar o buraco nas contas do governo. 

Na próxima semana, fecharemos essa série com um paralelo entre o orçamento familiar e o orçamento público e as decisões de um(a) chefe de família e um ministro da economia. 

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