quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Faça o que eu faço - Merval Pereira

O Globo

A negociação terá de ser entre ministros e secretários, porque Trump não abandonará a parte política

O que o ex-presidente Jair Bolsonaro sonhava fazer, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está fazendo, sem contestação relevante. Impressionante como são parecidos na ânsia de destruir as bases institucionais estabelecidas nos anos pós-Segunda Guerra como linha mestra da maneira ocidental de ver o mundo. A paranoia de que o comunismo espreita o Ocidente, se infiltra nos meios estudantis, intelectuais, artísticos e científicos é a mesma. Daí a necessidade de desmontar a estrutura estabelecida e recomeçar do zero, ou até não recomeçar.

Nos Estados Unidos, os setores de pesquisa e tecnologia sofrem grande abalos e cortes de gastos, assim como a educação, destruindo fatores importantes para o avanço da produtividade da economia americana. A imprensa, como sempre acontece em governos autoritários, tem de enfrentar os arreganhos dos presidentes — como foi Bolsonaro durante seu “reinado”, e como hoje é Trump.

Aqui, o autoritário de plantão encontrou resistência tenaz da Justiça; lá, também as Cortes regionais enfrentam os avanços do governo Trump. A proposta de alterar a divisão territorial no Texas, que mudaria a configuração dos votos distritais garantindo a prevalência do Partido Republicano, é um abuso de poder inimaginável numa democracia. No terceiro episódio da segunda temporada do seriado “House of cards”, o líder democrata do Senado apresenta uma moção. Ela é aprovada pelos senadores presentes, e o vice-presidente Frank Underwood, em sua função de presidente do Senado, instrui o sargento de armas a obrigar a presença dos senadores ausentes. Vários senadores republicanos ausentes, incluindo o líder da maioria no Senado, Hector Mendoza, são presos e levados para o Senado pela Polícia do Capitólio para que haja quórum. Pois, na vida real, o governador do Texas cogita mandar prender deputados democratas que saíram do estado para não dar quórum à votação.

Lula tem razão quando diz não poder falar tudo o que pensa numa conversa com Trump. Anuncia, porém, num arroubo infantil, que seu governo será mais esquerdista e mais socialista diante dos acontecimentos. Se Trump tiver bom senso e levar a conversa apenas para o lado comercial, há boa possibilidade de acordo. Mas é difícil imaginar Trump com bom senso e pensar que ele abra mão da pressão sobre o governo brasileiro por causa de Bolsonaro. A negociação terá de ser entre ministros e secretários, porque Trump não abandonará a parte política.

Ele faz o que quer nos Estados Unidos, e ninguém reclama, ou reclama pouco. A demissão da diretora do departamento de estatísticas que divulgou dados ruins para a criação de empregos é inacreditável. Aqui seria um escândalo, mas lá nada acontece. Há economistas já dizendo que essa política de Trump pode, por um lado, melhorar a capacidade de investimento em inteligência artificial e dar mais produtividade à economia americana. Mas isso, num primeiro momento, tira empregos. Ele ganhou a eleição prometendo levar os empregos de volta, e isso não acontecerá.

Tarifaço x inflação

Na terça-feira, escrevi que “embora as pesquisas de opinião mostrem que, num primeiro momento, Lula não se beneficiou desse movimento (o apoio dos bolsonaristas ao tarifaço contra o Brasil), ou se beneficiou pouco, será difícil manter tal postura quando a inflação se apresentar como consequência da taxação exorbitante dos americanos, e a economia brasileira sofrer um baque”. Melhor teria sido escrever “se a inflação”, pois a maioria dos economistas considera que a inflação pode ser até beneficiada pela queda de preços de alguns produtos que, na impossibilidade de ser exportados, serão ofertados no mercado interno.

Lendo a ata do Copom, porém, vê-se que o efeito interno da taxação do governo Trump não deve ser desprezado. Diz ela a certa altura: “A elevação por parte dos Estados Unidos das tarifas comerciais para o Brasil tem impactos setoriais relevantes e impactos agregados ainda incertos a depender de como se encaminharão os próximos passos da negociação e da percepção de risco inerente ao processo”. O Copom diz ainda que terá como foco os reflexos do cenário externo sobre a inflação doméstica à frente.

 

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